terça-feira, 31 de julho de 2012

O retorno dos filósofos comunistas - Por Santiago Zabala

Empobrecimento, desigualdade e declínio das velhas democracias estão levando pensadores a dialogar com face anti-estatista, radical e libertária do marxismo 

Ler Marx e escrever sobre Marx não faz de ninguém comunista, mas a evidência de que tantos importantes filósofos estão reavaliando as ideias de Marx com certeza significa alguma coisa. Depois da crise econômica global que começou no outono [nórdico] de 2008, voltaram a aparecer nas livrarias novas edições de textos de Marx, além de introduções, biografias e novas interpretações do mestre alemão.

Por mais que essa ressurreição [2] tenha sido provocada pelo derretimento financeiro global, para o qual não faltou a empenhada colaboração de governos democráticos na Europa e nos EUA, esse ressurgimento [3] de Marx entre os filósofos não é consequência nem simples nem óbvia, como creem alguns. Afinal, já no início dos anos 1990s, Jacques Derrida [4], importante filósofo francês, previu que o mundo procuraria Marx novamente. A previsão certeira apareceu na resposta que Derrida escreveu a uma autoproclamada “vitória neoliberal” e ao “fim da história” inventados por Francis Fukuyama.

Contra as previsões de Fukuyama, o movimento Occupy e a Primavera Árabe demonstraram que a história já caminha por novos tempos e vias, indiferente aos paradigmas econômicos e geopolíticos sob os quais vivemos. Vários importantes pensadores comunistas (Judith Balso, Bruno Bosteels, Susan Buck-Mors, Jodi Dean, Terry Eagleton, Jean-Luc Nancy, Jacques Rancière, dentre outros), dos quais Slavoj Zizek é o que mais aparece, já operam para ver e mostrar como esses novos tempos são descritos em termos comunistas, quer dizer, como alternativa radical.

O movimento acontece não só em conferências de repercussão planetária em Londres [5], Paris [6], Berlin [7] e New York [8] (com participação de milhares de professores, alunos e ativistas) mas também na edição de livros que se convertem em best-sellers globais como Império [9] de Toni Negri e Michael Hardt, A Hipótese Comunista [10] de Alain Badiou e Ecce Comu [11] de Gianni Vattimo, dentre outros. Embora nem todos esses filósofos apresentem-se como comunistas – não, com certeza, como o mesmo tipo de comunista –, a evidência de que o pensamento comunista está no centro de seu trabalho intelectual autoriza a perguntar por que há hoje tantos filósofos comunistas tão ativos.

A ressurgência do marxismo
Evidentemente, nessas conferências e nesses livros, o comunismo não é proposto como programa para partidos políticos, para que reproduzam regimes historicamente superados; é proposto como resposta existencial à atual catástrofe neoliberal global.

A correlação entre existência e filosofia é constitutiva, não só da maioria das tradições filosóficas, mas também das tradições políticas, no que tenham a ver com a responsabilidade sobre o bem-estar existencial dos seres humanos. Afinal, a política não é apenas instrumento posto a serviço da vida burocrática diária dos governos. Mais importante do que isso, a política existe para oferecer guia confiável rumo a uma existência mais plena. Mas quando essa e outras obrigações da política deixam de ser cumpridas pelos políticos profissionais, os filósofos tendem a tornar-se mais existenciais, vale dizer, tendem a questionar a realidade e a propor alternativas.

Foi o que aconteceu no início do século 20, quando Oswald Spengler, Karl Popper e outros filósofos começaram a chamar a atenção para os perigos da racionalização cega de todos os campos da atividade humana e de uma industrialização sem limites em todo o planeta. Mas a política, em vez de resistir à industrialização do homem e da vida humana, limitou-se a seguir uma mesma lógica industrial. As consequências foram devastadoras, como todos já sabemos.

Hoje, as coisas não são essencialmente diferentes, se se consideram os efeitos igualmente calamitosos do neoliberalismo. Apesar do discurso triunfalista do neoliberalismo, a crise das finanças globais neoliberais do início do século 21 serviu para mostrar que nunca as diferenças de bem-estar material foram maiores ou mais claras que hoje: 25 milhões de pessoas passam a viver, a cada ano, em favelas urbanas; e a devastação dos recursos naturais do planeta já provoca efeitos assustadores em todo o mundo, tão devastadores que, em alguns casos, já não há remédio possível.

Por isso tudo, relatório recente do ministério da Defesa da Grã-Bretanha [12] previa, além de uma ressurgência de “ideologias anticapitalistas, possivelmente associadas movimentos religiosos, anarquistas ou nihilistas, também movimentos associados ao populismo; além do renascimento do marxismo”. Essa ressurgência do marxismo é consequência direta da aniquilação das condições de existência humana resultantes do capitalismo neoliberal como o conhecemos.

O que é “comunismo”?
Por mais que a palavra “comunista” tenha adquirido inumeráveis significados distintos, ao longo da história, na opinião pública atual ela significa uma relíquia do passado e é associada a um sistema político cujos componentes culturais, sociais e econômicos são todos controlados pelo estado.

Por mais que talvez seja o caso na China, Vietnã ou Coreia do Norte, para a maioria dos filósofos e pensadores contemporâneos esse significado é insuficiente, está superado, é efeito de propaganda maciça e, sobretudo, é diariamente desmentido pela evidência de que o mundo não estaria vivendo uma “ressurgência” do marxismo, se o comunismo marxista fosse apenas isso.

Como diz Zizek, o comunismo de estado não funcionou, não por fracasso do comunismo, mas por causa do fracasso das políticas antiestatizantes: porque não se conseguiu quebrar as limitações que o estado impôs ao comunismo, porque não se substituíram as formas de organização do estado por forma ‘diretas’ não representativas de auto-organização social.”

O comunismo, como ideário antiestatizante das oportunidades realmente iguais para todos, é hoje a melhor hipótese, ideia e guia  para os movimentos políticos libertários antipoder, como os que nasceram dos protestos em Seattle (1999), Cochabamba (2000) e Barcelona (2011).

Por mais que esses movimentos lutem em nome de causas e valores específicos e diferentes entre si (contra a globalização econômica desigualitária, contra a privatização da água, contra políticas financeiras danosas), todos lutam contra o mesmo adversário: o sistema de distribuição não igualitária da propriedade, em democracias organizadas pelos princípios impositivos do capitalismo.

Como o demonstram a pobreza sempre crescente e o inchaço das favelas, este modelo deixou para trás todos os que não foram “bem-sucedidos” segundo suas regras, produzindo novos comunistas.

Comunismo e democracia
Em resumo, enquanto Negri e Hardt [13] buscam no “comum” (quer dizer, nos modos pelos quais a propriedade pública imaterial pode ser propriedade dos muitos), e Badiou busca nas insurreições (em ações como a da Comuna de Paris) [14], a possibilidade de se alcançarem “formas de auto-organização” não estatais, quer dizer, a possibilidade de formas comunistas, Vattimo (e eu) [15] sugerimos que todos examinemos os novos líderes democraticamente eleitos na Venezuela, Bolívia e outros países latino-americanos.[16]

Se esses líderes conseguiram chegar ao governo e começar a construir políticas comunistas sem insurreições violentas, não foi por terem chegado ao mundo político armados por fortes conteúdos teóricos ou programáticos; mas por suas fraquezas.

Diferente da agenda pregada pelo “socialismo científico”, o comunismo “fraco” (também chamado “hermenêutico” [17]) abraçou não só a causa ecológica [18] do de-crescimento, mas também a causa da decentralização do sistema burocrático estatal, de modo a permitir que se constituam conselhos independentes locais, que estimulam o envolvimento das comunidades.

Que ninguém se surpreenda se muitos outros filósofos, atraídos para o comunismo pelas ações e políticas de destruição da vida do neoliberalismo, também vislumbrarem a alternativa [19] que se constrói na América Latina. Especialmente, porque as nações latino-americanas demonstraram que os comunistas podem ter acesso ao poder também pelas vias formais da democracia.
* Santiago Zabala é pesquisador e professor de filosofia da Institució Catalana de Recerca i Estudis Avançats, ICREA[1], da Universidade de Barcelona. É autor, dentre outros trabalhos, de The Hermeneutic Nature of Analytic Philosophy (2008), The Remains of Being (2009), e, mais recentemente, com G. Vattimo, Hermeneutic Communism (2011), todos publicados pela Columbia University Press.
[9] Império, 2005, Rio de Janeiro: Ed. Record, 501 p.
[10] A hipótese comunista, 2012, São Paulo: Boitempo Editorial, 152 p.
[17] Hermenêutico: adj. Relativo à interpretação dos textos, do sentido das palavras. (…) 3) Rubrica: semiologia. Teoria, ciência voltada à interpretação dos signos e de seu valor simbólico. Obs.: cf. semiologia  4) Rubrica: termo jurídico. Conjunto de regras e princípios us. na interpretação do texto legal (…). Etimologia: gr. herméneutikê (sc. tékhné) ‘arte de interpretar’ < herméneutikós,ê,ón ’relativo a interpretação, próprio para fazer compreender’ [NTs, com verbete do Dicionário Houaiss, emhttp://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=hermen%EAutica&cod=101764]
Tradução: Vila Vudu 
Fonte: http://www.outraspalavras.net/

Serviço Secreto de FHC monitorou militantes antineoliberalismo – por Najla Passos (*)

Serviço Secreto de FHC monitorou militantes antineoliberalismo
Documentos sigilosos do governo FHC, já desclassificados, indicam que militantes e políticos de esquerda, do Brasil e do exterior, foram monitorados pelo serviço secreto quando participavam de atividades antineoliberalismo. “Me assusta saber que um governo tido como democrático tutelou de forma ilegal pessoas que participavam de eventos pacíficos, que não representavam nenhuma ameaça à segurança nacional”, afirmou à Carta Maior o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.

Brasília - Documentos sigilosos do governo Fernando Henrique Cardoso, abertos à consulta pública no Arquivo Nacional, indicam que militantes e políticos de esquerda que participavam de seminários, encontros e fóruns contra o neoliberalismo foram monitorados pela Subsecretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), o órgão que substituiu o Serviço Nacional de Inteligência (SNI), em 1990, até a criação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 1999.

Como a maioria dos documentos desclassificados são os de nível reservado e se referem apenas ao período 1995-1999, não é possível precisar o grau deste monitoramento. Pela nova Lei de Acesso à Informação, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em maio, os documentos reservados são liberados decorridos cinco anos, os secretos, 15 e os ultrassecretos, os mais importantes, somente após 25 anos. Mas o acervo já disponível deixa clara a linha de atuação do serviço.

Há registros que fazem referências explícitas às informações colhidas em revistas e jornais, prática tida como recorrente no serviço que perdera status e orçamento após o fim da ditadura. Mas outros revelam espionagem direta. O seminário “Neoliberalismo e soberania”, por exemplo, promovido pela Associação Cultural José Marti, a Casa da Amizade Brasil-Cuba, no Rio de Janeiro, de 5 a 9 de setembro de 1999, foi integralmente gravado em 12 fitas cassetes, entregues ao escritório central da SAE.

Chiapas
Em julho de 1996, o serviço deu especial atenção à realização, em Chiapas, no México, do Encontro Internacional pela Humanidade e contra o Neoliberalismo. “A significativa presença internacional de ativistas de esquerda transforma a região em novo polo de atração revolucionária latinoamericana”, dizia o documento produzido pelo escritório central da SAE. Os relatórios também contêm pautas de discussões, análise de conjuntura e listas de participantes brasileiros.

O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, figura nesta lista. “Me assusta muito saber que um governo tido como democrático tutelou de forma ilegal pessoas que participavam de eventos absolutamente pacíficos, que não representavam nenhuma ameaça à segurança nacional”, afirmou à Carta Maior. Na época secretário nacional de Comunicação do PT, o ministro disse recordar-se que não divulgara sua participação no evento. “É possível até que a SAE tenha contado com o apoio de algum serviço secreto de outro país”, acrescentou.

Mesmo fazendo a ressalva de que tais procedimentos poderiam não ser de total conhecimento do presidente à época e que as informações sobre a natureza do trabalho da SAE no período ainda estão incompletas, o ministro avalia que a simples menção do nome de uma pessoa que participou de um evento democrático em documentos oficiais do serviço secreto é uma prática condenável. “O que a gente espera do serviço secreto de um governo democrático é que ele esteja atuando para defender as fronteiras do país, evitar ameaças externas, e não para monitorar pessoas que estavam lutando pelo aprimoramento da democracia”, acrescentou.

O coordenador do Projeto Memória e Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Gilney Viana, na época deputado federal pelo PT, foi outro fichado por participar do evento em Chiapas. Ex-preso político da ditadura por dez anos, ele sabia que seus passos foram ostensivamente seguidos pelos agentes secretos até a extinção do SNI, mas ficou chocado ao saber que continuou a ser alvo durante um governo democrático. “Eu até compreenderia que os Estados Unidos estivessem monitorando o evento de Chiapas, mas o serviço secreto brasileiro realmente me surpreendeu”, disse.

Belém
O II Encontro pela Humanidade e contra o Neoliberalismo mereceu atenção redobrada por ter sido realizado em território brasileiro. Mesmo as etapas preparatórias do evento, que ocorreu em Belém (PA), de 6 a 11 de dezembro de 1999, estão registradas na SAE. Um relatório antecipa a mensagem do subcomandante Marcos, do Exécito Zapatista para Libertação Nacional do México, para o evento. Há relações de participantes e descrição dos assuntos debatidos nas etapas preparatórias de pelo menos Belém, Salvador, Brasília e Macapá.

O lançamento do evento, patrocinado pela prefeitura de Belém, também foi documentado. No relatório da SAE, há a informação de que os organizadores queriam incrementar a geração de recursos por meio da venda de objetos com a logomarca do evento, a realização de shows com artistas locais bem como com as inscrições. Entre os participantes do II Encontro, estão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a filósofa Marilena Chauí, o sociólogo Chico de Oliveira e o ex-governador do Rio Leonel Brizola, além dos escritores José Saramago e Luiz Fernando Veríssimo.

Foro de São Paulo
Considerado à época o principal organismo aglutinador de partidos e entidades de esquerda do continente, o Foro de São Paulo, criado em 1990 pelo PT com o apoio do então presidente cubano Fidel Castro, também teve suas atividades amplamente monitoradas. A 6ª edição, realizada em El Salvador, em julho de 1996, está registrada em relatório sobre as atividades internacionalistas do PT.

A 7ª edição, que aconteceu em Porto Alegre (RS), em 1997, foi ainda mais espionada. O pacote de documentos realtivos ao evento inclui relatórios setoriais produzidos pelos grupos de trabalho, lista completa de presenças e até fotos dos participantes. São citadas lideranças de esquerda, nacionais e internacionais. Entre os brasileiros, o ministro Gilberto de Carvalho, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro e o deputado estadual gaúcho, Raul Pont (PT).

Em relatório específico, a SAE observou que, durante o evento, o então ex-prefeito da capital gaúcha Tarso Genro havia lançado o livro “O orçamento participativo – a experiência de Porto Alegre”, escrito em parceria com o então secretário de formação do PT, Ubiratan de Souza, classificado como “ex-militante da VPR”.

Os relatórios relativos à 8ª edição, que ocorreu no México, em 1999, registraram as presenças de vários brasileiros, como o atual líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) e do hoje assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.

Grupo do México
O 4º Encontro do Grupo do México, realizado em Santiago, no Chile, nos dias 10 e 11 de maio de 1997, foi registrado pela SAE em relatório como o “marco do surgimento de uma política que transcende a esquerda”. De acordo com o serviço secreto brasileiro, “o Grupo do México é formado por representantes de partidos de centro-esquerda e teve sua origem a partir do PNUD, com o objetivo de buscar a construção de um projeto econômico para a América Latina, alternativo aos padrões neoliberais”.

Na documentação, estão descritos os principais pontos de unidade entre os presentes e há uma lista com os nomes dos brasileiros presentes. Entre eles, o ex-presidente Lula, seus ex-ministros petistas José Dirceu e Mangabeira Unger, o ex-governador do Rio, Leonel Brizola (PDT), os ex-deputados Vivaldo Barbosa (PDT-RJ) e Zaire Resende (PMDB-MG), além de Marco Aurélio Garcia e Tarso Genro, entre outros.

Attac no Brasil
O diretor-presidente da Carta Maior, Joaquim Palhares, também foi citado em documentos da SAE, principalmente por ter sido, em 1996, ao lado do ativista Chico Whitaker, um dos fundadores no Brasil da Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos (Attac), criada na França, com o objetivo de instituir um imposto sobre transações financeiras internacionais. “Muitos militantes de esquerda ainda tinham a impressão de estarem sendo monitorados mesmo após a ditadura. Mesmo assim, a confirmação desta prática causa indignação”, afirma.

Crítica contundente da ciranda financeira de capitais voláteis alimentada pelo neoliberalismo, a Attac foi preocupação constante para a SAE. A visita ao Brasil do presidente internacional a entidade, o ativista francês e diretor do jornal Le Monde Diplomatique, Bernardo Cassen, entre 1 a 5 de março de 1999, foi acompanhada com atenção. Os relatórios do serviço informam que Cassen proferiu palestras em cinco capitais brasileiras (Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), nas quais apresentava os objetivos da organização, traçava o histórico da crise econômica mundial, defendia a adoção da chamada Taxa Tobin para a taxação do capital especulativo internacional e exortava as plateias a lutarem contra o projeto neoliberal.

Nos documentos produzidos, também constavam os nomes dos militantes identificados nas plateias de Cassen. Do escritório da SAE em Belo Horizonte, por exemplo, chegou o informe das participações de Lula, então presidente do PT, do coordenador do MST, João Pedro Stédile, do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, do geógrafo Milton Santos e do cientista político Cezar Benjamin, entre outros. Os ex-presidente Lula tinha suas atividades relatadas pela SAE, tanto pela sua militância antineoliberalismo como por ser o principal adversário político de FHC.

Viagens a Cuba
Mesmo com o fim da guerra fria e da ditadura, as viagens de brasileiros a Cuba continuaram a ser alvo de preocupação do serviço secreto. Principalmente quando se cruzavam com a luta antineoliberal. De 21 de julho a 21 de agosto de 1996, foi realizado, em Cuba, o curso de formação sindical “Neoliberalismo e Globalização da Economia”. Informes registram a participação de brasileiros, entre eles os sindicalistas Adriano Torquato, Francisco Nascimento Araújo, José Nunes Passos e Nonato César.

Há relatório de alerta para a realização em Cuba, em 1997, do Seminário Internacional sobre o Neoliberalismo, promovido pela Federação Mundial da Juventude Democrática, com a presença de militantes do MR8. No relatório pós-evento, está relatada a participação de 1,2 mil trabalhadores de 453 organizações sindicais, políticas e acadêmicas de 63 países. Do Brasil, participaram cerca de 300 sindicalistas, incluindo representantes da CUT. Há menção detalhada dos participantes. Um informe exclusivo apontava, por exemplo, o embarque de dois vereadores de Montes Claros (MG): Aldair Fagundes (PT) e Lipa Xavier (PCdoB).

Outro informe alertava que a edição seguinte seria realizada no Brasil, em 1999. O evento, organizado pela CUT, no Rio de Janeiro, de 1 a 3 de setembro de 1999, também foi documentado pelo serviço, que apresentou os textos integrais da declaração da Federação Sindical Internacional, do discurso do delegado de Cuba, Pedro Ross Leal, do delegado da França, Freddy Huck, e a proposta da CUT, entre outros.

Atividades internacionais do MST
Em 1996, a SAE acompanhou a participação integrantes do MST no seminário “Crisis del Neoliberalismo Y Vigências de las Utopias em La America Latina”, na Argentina, entre os dias 8 e 13 de outubro. Antes do embarque dos militantes sem-terra, um informe produzido pelo escritório central já alertava sobre a viagem.

Também em 1996, o serviço registrou a participação do coordenador do MST, João Pedro Stédile, no seminário América Livre, em Buenos Aires, com Emir Sader e Frei Betto.

Atividades rotineiras
Sader é citado também por sua participação em eventos comuns, como o lançamento do livro “O século do crime”, dos jornalistas José Arbex Junior e Cláudio Tognolli, em São Paulo, no dia 7 de agosto de 1996. Conforme o relatório da SAE, os autores “enfatizaram que a proliferação e o crescimento das máfias foram estimulados pela era neoliberal”.

O mesmo ocorreu com o deputado estadual gaúcho Raul Pont (PT), monitorado tanto quando participava de eventos internacionais, como o Foro de São Paulo, quanto em atividades rotineiras. A SAE registrou, por exemplo, que em novembro de 1995, quando era vice-prefeito de Porto Alegre, Pont foi recebido por papeleiros da Associação Profetas da Ecologia, na companhia do teólogo Leonardo Boff. “Eu me lembro vagamente que visitei essa cooperativa, que tinha o apoio da prefeitura e realizava um trabalho pioneiro em reciclagem de lixo”, relatou à Carta Maior.

De acordo com o relatório da SAE, o registro do evento se deu porque Boff relacionava os problemas ambientais do planeta à adoção crescente do modelo neoliberal. “Esta foi uma das atividades mais pacíficas de que já participei. Não havia nada que indicasse perigo ao governo da época. É difícil acreditar que esse tipo de coisa ocorria no governo do príncipe da sociologia”, disse.

Estudos sobre a doutrina
Um documento produzido em 1997 pelo escritório central da SAE justifica a importância dada ao tema neoliberalismo. Conforme a interpretação dos arapongas oficiais, o neoliberalismo é a teoria econômica criada após a segunda guerra como anteparo a expansão do comunismo no mundo. Teve a Inglaterra e os EUA como seus principais defensores e caracteriza-se, basicamente, pelo livre comércio, austeridade nas contas públicas, privatização, crescimento do sistema financeiro e fortalecimento do mercado.

Os agentes da SAE se debruçavam também sobre obras relativas ao tema produzidas por intelectuais de esquerda. O professor da Universidade de Nova York, James Petras, que já tinha suas atividades monitoradas pelo SNI desde a ditadura, recebeu atenção especial.

O livro “Latin American: The left strikes”, sobre a atuação das esquerdas latinoamericanas em contraposição ao neoliberalismo e à globalização, liderados pelos Estados Unidos, foi objetivo de relatório específico, principalmente porque destacava que as esquerdas latinoamericanas já haviam encontrado uma nova e eficiente forma de atuação. Os exemplos citados na obra são o MST, no Brasil, os Zapatistas, no México, as organizações camponesas, no Paraguai, e os plantadores de coca, na Bolívia e na Colômbia. Todos eles movimentos monitorados pelo sistema.

Em 1999, a SAE voltou a dividir com todo o sistema de inteligência o conteúdo de um outro livro de Petras, o recém lançado “Neoliberalismo, América Latina, Estados Unidos e Europa”. Um documento produzido pelo escritório do Rio de Janeiro resumiu os capítulos da obra e ainda relatou atividades correlatas promovidas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Antes disso, o serviço secreto registrou a visita de Petras ao Brasil para o lançamento da obra, ocorrido em 20 de maio de 1999, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

(*) Colaborou na pesquisa histórica Rafael Santos

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Gênova 2001 e o julgamento 10×100: Horizonte de glória - Por Wu Ming 4

Gênova 2001 e o julgamento 10×100: Horizonte de glória

A justiça italiana decidiu que cinco pessoas pagassem por todos. Por Wu Ming 4
Está claro que esta noite não há glória. E amanhã nenhum horizonte. Era antifrástico também o título do filme (Paths of Glory, 1957), um dos mais belos contra a estupidez antihumana do militarismo. A história é conhecida: durante a Primeira Guerra Mundial, no front ocidental, um general francês inepto lança um ataque impossível contra uma fortificação alemã. As tropas francesas não conseguem sequer sair das trincheiras; ceifadas por metralhadoras, são repelidas. O ataque é uma catástrofe colossal. Para não passar por incapaz, o general joga a culpa na covardia de seus soldados e pede que sejam fuzilados cem, escolhidos ao acaso. O Alto Comando lhe concede três. Três bodes expiatórios, que pagarão por todos, ainda que a culpa não seja de ninguém, ou melhor, é de quem mandava de cima. E de quem quis essa guerra.

A justiça italiana, esta noite [1], não é distinta da justiça militar do filme de Kubrick (que se inspirou numa história real). Embora houvesse um bom advogado de defesa, que foi derrotado por um julgamento grotesco, quase caricatural de tão absurdo.

A justiça italiana decidiu que cinco pessoas pagassem por todos. Outros cinco podem se somar. Assim se obtém um empate político com a sentença final pelo ataque à escola Díaz. Pouco importa se as condenações dos policiais são relacionadas com espancamento e morte premeditada de pessoas, enquanto que as dos manifestantes são relacionadas por destruição de coisas, objetos inanimados, em meio ao caos geral. Alguns deles podem ficar até dez anos na prisão.
Dez anos. Quase o mesmo tempo que se passou desde então. Entretanto, as vidas dessas pessoas se transformaram em outras coisas em comparação com a daqueles dias. Entretanto, os danos materiais às coisas foram reparadas, as seguradoras indenizaram, o mundo mudou. Entretanto, as imagens de Gênova desses dias, o comportamento das forças de ordem e o clima que se criou foram passados por todos os canais de comunicação como um loop até se converterem numa parte do imaginário coletivo. Entretanto, sobre o G8 de Gênova foram feitos documentários e filmes, dezenas de livros publicados e rios de tinta escritos. E depois de tudo isso, deve chegar ao julgamento que pretende que dez pessoas paguem a conta, metaforicamente selecionadas de forma aleatoria pelo destino, por causa de um vídeo em vez de outro, uma foto batida um segundo antes ao invés de um segundo depois. Os três soldados do filme de Kubrick.

Eu estava em Gênova, em julho, há onze anos. Estava atrás da primeira fila de escudos de acrílico na via Tolemaide, quando atacaram sem mais a manifestação e nos asfixiaram com gás, num trecho do percurso autorizado. Com dez mil pessoas atrás de você não era possível retroceder, e a única solução para se salvar e impedir que se fosse esmagado foi responder aos ataques como se podia, e, no final, depois do desastre, depois da batalha, a morte, proteger a parte final da manifestação que retrocedia sob os jatos de água. E fui lá no dia seguinte, juntamente com muitos outros, escalando pelos corredores de grades, a sentir os helicópteros em cima de nossas cabeças e por cima da cidade, para levar todos até à base.

Eu poderia ser um deles. Um destes jovens escolhidos ao acaso. Em vez disso, estou aqui, escrevendo, no meio da noite, incapaz de dormir, sabendo que amanhã será melhor, dormir mais, e, lentamente, eu posso me permitir o luxo de reduzir tudo a uma memória distante ruim. Eles não. As vidas que levaram nestes onze anos se interromperam e Gênova recomeça desde o início.
Este país está acabando como merece. Em Gênova de 2001, manifestávamos contra o poder oligárquico dos grandes organismos econômicos internacionais. Pensávamos sobretudo nas receitas neoliberais fracassadas que o FMI impôs aos países mais pobres, devastando suas economias com chantagens e afogando-os com o mecanismo da dívida. Hoje essa cura nos toca. Na Itália mandam os comissários não eleitos do Banco Central Europeu e aplicam a mesma receita base de corte de gastos públicos, cujo fim se reduz em última análise a uma simples declaração: salvar os ricos.

Estávamos certos.
Perdemos.
O inimigo fez reféns.
Até que a maré volte a subir novamente.

Nota: [1] Artigo original publicado em 14/07/2012.

Para o Estado Assassino de Israel tudo é culpa do Irã – por Latuff

Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

Serra e o DNA autoritário das elites paulistanas – por Dennis Oliveira

Serra e o DNA autoritário das elites paulistanas
O candidato do PSDB à prefeitura, José Serra, é o representante do pensamento autoritário contemporâneo. O apoio que recebe da esmagadora maioria da mídia hegemônica demonstra o viés político predominante nas elites brasileiras, em especial de São Paulo.

José Serra tem sido o político que mais tem atacado a liberdade de expressão. Na campanha de 2010, destratou todos os profissionais do jornalismo que lhe faziam perguntas que julgava incômodas. Só para lembrar alguns casos: Heródoto Barbeiro, no Roda Viva; Márcia Peltier; Mário Carvalho (da rádio Mirante, de São Luiz). Depois chamou blogueiros que criticavam a sua candidatura de “sujos”.

Este ano veio agora com a qualificativo de “nazistas”. E, finalmente, pede uma investigação sobre os jornalistas Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif, que mantém os blogs Conversa Afiada e Dinheiro Vivo, alegando que os mesmos recebem propaganda de estatais e, portanto, fazem as vezes de “propagandistas do governo”.

Seria interessante, então, investigar as milhares de assinaturas compradas pelo governo estadual do PSDB de publicações como a revista Veja, os jornais “O Estado de S. Paulo” e “Folha de S. Paulo”, que sempre tiveram uma cobertura simpática, para dizer o mínimo, aos tucanos (a chefe da sucursal de Brasília de um destes órgãos, por exemplo, é casada com um dirigente do PSDB).

O autoritarismo de Serra é o símbolo maior do que é a elite paulista. Aquela que tolera o outro desde que lhe obedeça e sirva. Pessoas de pele mais escura são toleradas desde que como serviçais. Ou então para cuidar da sujeira que faz, como Paulo Preto, correndo o risco de ser abandonado à própria sorte caso seja necessário.

Estas pessoas são contra as cotas nas universidades, consideram que programas de transferência de renda são desperdício de dinheiro e geram indolência e conformismo, política social para estes é dar o mínimo do mínimo para que não reclamem. Lembra-me de uma cena do filme “O Nome da Rosa”, baseado no belíssimo livro de Umberto Eco, em que os monges despejam o lixo para fora dos muros da abadia gerando uma disputa pelos restos de comida entre os famintos. O frei fala: esta é a política social da igreja.

Enquanto isso, rateiam a máquina do estado paulista entre os amigos, em uma típica prática patrimonialista. Estradas, transporte público, inspeção veicular ambiental são as novas sesmarias do império tucano. Avançam para o campo da cultura, com a transferência de projetos como o “Fábricas da Cultura” para organizações não governamentais de amigos do rei e na área social, com a terceirização da saúde para as chamadas “organizações sociais”.

É uma elite patrimonialista, ainda que pintada com cores mais modernas. Mas o autoritarismo está no seu DNA: não quer debate, quer aplausos; não quer o diferente que não se limite a dizer “sim, senhor”; não quer jornalismo, quer propaganda a seu favor.

Abandono: Animais morrem no minizoológico do Parque Ecológico Cotia Pará, em Cubatão – por Moésio Rebouças

Abandono: Animais morrem no minizoológico do Parque Ecológico Cotia Pará, em Cubatão
Nas últimas semanas o minizoológico (leia-se campo de concentração animal ou espaço de confinamento de animais em ambientes artificiais e degradantes) localizado dentro do Parque Ecológico Cotia Pará, em Cubatão (SP), perdeu mais dois animais, de um grupo cada vez mais reduzido.

Entre as últimas vítimas estão um macaco prego e um jacaré de papo amarelo. Como sou persona non grata naquele local não consegui descobrir a causa mortis desses animais e nem se fizeram uma necropsia neles. Tudo é um mistério.

Mas tenho certeza que depois de ler esta nota a Secretaria Municipal de Meio Ambiente vai dizer, como sempre, que os animais morreram de “velhice” ou de “causa naturais”. No entanto, como venho observando e denunciando há anos, ali os animais não têm qualidade de vida, pelo contrário, sobrevivem, sofrem e morrem lentamente.

Além disso, para piorar ainda mais a sordidez daquele minizoológico, os pavões que ficavam soltos no entorno do lago artificial foram recentemente confinados numa área pequena, vergonhosa e humilhante. Nem sequer vegetação o lugar possui. Lá tudo é improvisado.
Novamente eu digo, não podemos fechar os olhos diante do sofrimento de seres que estão sendo violados em seus direitos fundamentais à vida, à liberdade e ao bem-estar. E já que animais não falam a nossa língua, temos que gritar por eles, pelo menos quem diz gostar destes seres.

Em anexo imagens que eu cliquei hoje (28 de julho) da indigna ilha artificial onde se encontra os dois macacos pregos (eles estão no alto da casinha de concreto) e do local sinistro aonde estão confinados um grupo de pavões.

Moésio Rebouças
“Minha doutrina é esta: se nós vemos coisas erradas ou crueldades, as quais temos o poder de evitar e nada fazemos, nós somos coniventes.” - Anna Sewell

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O papel dos jornalões (pig?!) durante a ditadura no Brasil - por Latuff


Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

A pesada ausência de Robert Kurz - Por Arlindenor Pedro*

Marxista antidogmático, ele seguiu (mas ultrapassou) Escola de Frankfurt. Viu na queda da União Soviética sinal da crise do capitalismo

Foi enterrado nesta quinta-feira (26/7), em Nuremberg (Alemanha), o filósofo alemão Robert Kurz, morto dia 18, vítima de uma sequência de operações.

A notícia de sua morte foi anunciada, de forma lacônica, nas paginas da revista Exit! [versão parcial em português aqui], que ele ajudou a fundar em 2004, após a cisão do grupo Krisis onde atuou desde 1986, exercendo importante papel, como editor e publicista. Seu enterro foi marcado para o cemitério daquela cidade, para ser realizado em 26 de julho. No convite, a direção de Exit! fez questão de sugerir que seus amigos não gastassem dinheiro com flores e coroas, guardando seus recursos para eventuais ajudas à revista, que foi a trincheira política desse importante pensador do mundo contemporâneo.

Mas, mesmo nas linhas austeras que anunciaram sua morte, era possível perceber a emoção de seus companheiros, pois sabiam, como nós, a importância daquela perda. Assim se pronunciou a revista: ¨… Com a sua morte, a teoria crítica perde um pensador lutador e um crítico radical, num tempo em que mais que nunca se exige ‘derrubar todas as condições em que o homem surge como um ser humilhado, escravizado, abandonado, desprezível’. Bobby viveu e lutou por isso. A crítica da dissociação e do valor e a revista teórica Exit! perdem um teórico marcante e não será fácil preencher a sua falta. Vamos tentar.¨

A tarefa não será fácil porque Kurz firmou-se como um dos mais importantes teóricos marxistas e críticos do capitalismo contemporâneo, exercendo, através de seus constantes artigos e livros publicados, uma influência decisiva na formulação dos novos rumos dos movimentos revolucionários em todo o mundo.

Kurz foi um crítico impiedoso dos conceitos gerais do chamado “marxismo oficial”, desenvolvido pela esquerda dogmática e positivista. Ela ajudou a burguesia liberal a erigir a sociedade da mercadoria em que atualmente o mundo está atolado, levando a humanidade a uma situação de penúria sem precedentes. Para o filósofo, o movimento socialista serviu, em ultima instância, como avalizador das relações de consumo em que vivemos.

Como alternativa, propunha, em seus escritos, um novo olhar para as obras de Marx. Ressaltava os estudos sobre o trabalho abstrato e fetiche da mercadoria, abandonados pelo marxismo oficial. Este optou em ver dogmaticamente o proletariado como o motor principal de mudanças na sociedade. Omitiu-se da luta pela destruição do Estado e da construção de uma nova sociedade onde a mercadoria e o dinheiro não mais seriam os elementos de intermediação entre o homem e a natureza.

Corajoso, Kurz propunha rever os conceitos iluministas que nortearam a construção da sociedade racional, plenamente firmada após a terceira revolução industrial, com a incorporação da ciência ao processo produtivo e o declínio – tanto numérico, quanto político – da classe trabalhadora. Em muitos aspectos, ela tornou-se secundária ou mesmo desnecessária para economia capitalista.
Robert Kurz insere-se na vertente de pensadores marxistas que se preocupava (como a Escola de Frankfurt) com a impossibilidade do homem moderno encontrar sua plena existência num mundo de ampla oferta de mercadorias. Porém, seu pensamento vai além.

O aspecto mais atual do seu pensamento está em interpretar a situação do homem contemporâneo à luz da critica de Marx ao valor. Para isso, Kurz parte do estudo da visão marxiana desenvolvida na Critica da Economia Política, colocando em relevo o conceito de fetiche da mercadoria. Entende o pensamento de Marx como constatação e critica da redução de toda a vida humana ao valor, isto é, à economia. Opõe-se, portanto, à corrente marxista que via a exploração econômica como o mal maior do capitalismo e propunha uma sociedade em que a economia não seria usada para a exploração de uma classe sobre a outra, Kurtz, remetendo ao próprio Marx, concebe a esfera econômica como oposta, ela própria, à totalidade da vida. Aí está sua originalidade.

Seu livro mais conhecido publicado no Brasil, O Colapso da Modernização, mostra que a debacle do chamado “socialismo real”, da extinta União Soviética, só poderá ser entendida ser analisada à luz da crise geral que vive o sistema capitalista.

Com um prefácio primoroso de Robert Schwartz, um entusiasta das ideias de Kurz, esta obra sugere que as mudanças operadas no seio da economia internacional vão conduzir o sistema capitalista a uma falência de proporções catastróficas. A aparente “vitória” das sociedades de mercado, com a queda do Muro de Berlim e da União Soviética em 1989-90, seria uma vitória de Pirro do sistema. Os anos passados desde sua publicação (em 1999) só tornaram o livro mais importante para o entendimento da economia mundial e particularmente a economia de mercado do Brasil.
Para um melhor entendimento das ideias deste importante filósofo, vale ler uma entrevista que concedeu à revista brasileira “IHU online” em março de 2009, quando esteve no país para participar do Fórum Social Mundial.

Serra da Mantiqueira, julho de 2012.

* Arlindenor Pedro [email | blog], é professor de história, funcionário público e especialista em Projetos Educacionais. Anistiado por sua oposição ao Regime Militar, atualmente dedica-se à produção de flores tropicais na Região das Agulhas Negras.
Fonte: http://www.outraspalavras.net/

Massacre no Colorado as Arma$ e os Negócio$ - por Latuff



Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

Barbárie em nome da ciência/Reino Unido: Cientistas costuram olhos de filhotes de gato em experimento chocante - Por Roberta Oliveira

Barbárie em nome da ciência/Reino Unido: Cientistas costuram olhos de filhotes de gato em experimento chocante
Foto ilustrativa: Reprodução/Mirror

Mais de 30 filhotes de gato foram usados em experimentos no Reino Unido, pagos por dinheiro de impostos para se descobrir como o cérebro responde à privação sensorial. As informações são do jornal Mirror.

Pessoas em toda a Grã-Bretanha ficaram revoltadas após surgirem informações de que cientistas tinham costurado os olhos dos filhotes em um experimento chocante.

Todos foram sacrificados após o estudo. Cinco tiveram os olhos costurados por até uma semana.
26 filhotes recém-nascidos foram criados no escuro por até 12 semanas.

O comediante Ricky Gervais mostrou-se furioso. Ele disse: “Eu estou horrorizado que filhotes estão sendo privados de suas visões por terem seus olhos costurados.”

“Eu achei que experimentos horríveis deste tipo fossem coisa do passado.”
Cardiff University: onde foram feitos os experimentos cruéis (Foto: Wales News Service)

Michelle Thew da União Britânica para a Abolição da Vivissecção disse: “Este tipo de pesquisa é cruel e inaceitável.” “O púlico ficará chocado em saber que dinheiro de impostos está sendo usado em experimentos em que filhotes são sujeitos a esse tipo de conduta.”

Pesquisadores afirmam que os experimentos na Universiade Cardiff foram humanos, e aconteceram para se achar a cura para ambliopia em crianças, condição que pode levar à cegueira.

Cientistas capturaram imagens óticas dos gatinhos, cujos olhos não abrem naturalmente até 7 dias após o nascimento, colocando câmeras em seus cérebros.

Mas o veterinário Dr. Ned Buyukmihci disse: “O procedimento nos olhos deve ter sido muito doloroso para os gatinhos.”

“Há diferenças substanciais entre gatos e pessoas. Existem métodos estabelecidos para se conseguir informações com humanidade.”

A universidade defendeu o experimento, que acabou em 2010, declarando que os experimentos não são cruéis e que o trabalho teria sido aprovado tanto pelo processo de revisão de ética da universidade como pelo Centro de Regulamentação de Animais em Ciência como parte de um processo de licenciamento.

Petição
Ativistas criaram uma petição contra essa prática cruel, no site Change.org. Para assinar, acesse aqui.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Luto: Robert Kurz - 1943-2012

Morreu Robert Kurz

Caros amigos, caros companheiros de luta e caros leitores da EXIT!

A redacção da EXIT! e a direcção da Verein für kritische Gesellschaftswissenschaften e.V. tomaram conhecimento com profundo desgosto e consternação de que faleceu a 18 de Julho de 2012 em Nuremberga, na sequência de várias operações, o nosso amigo e autor, o filósofo e publicista Robert Kurz.

Com a sua morte a teoria crítica perde um pensador lutador e um crítico radical, num tempo em que mais que nunca se exige “derrubar todas as condições em que o homem surge como um ser humilhado, escravizado, abandonado, desprezível”. Bobby viveu e lutou por isso.

A crítica da dissociação e do valor e a revista teórica EXIT! perdem um teórico marcante e não será fácil preencher a sua falta.

Vamos tentar.

Útero, serviço à sociedade? - Por Marília Moskcovitch

Por pressão das bancadas fundamentalistas, Brasil pode ter lei que reduz grávidas a objetos reprodutivos. É hora de barrar ameaça

Um mundo onde as mulheres férteis são corpos a serviço do Estado. Elas servem para gerar bebês, reproduzir a espécie. Seus corpos são assunto público. É dever delas e de toda a sociedade cuidar desses corpos, mantê-los em boas condições. Elas são um serviço. Atentar contra este serviço é crime: qualquer ameaça a sua integridade física é punida severamente, quer venha delas mesmas ou de outrem. Por isso, são confinadas em espaços ultra-seguros, numa rotina rígida que inclui todas as práticas que a medicina considera apropriadas antes, durante e depois de uma gravidez. A vida destas mulheres vale menos do que os óvulos ainda não fecundados em seus ovários, e menos ainda do que a existência da potencial pessoa, ainda em forma de feto enquanto estão grávidas.

O cenário de horror que descrevo foi inspirado no livro O Conto da Aia (The Handmaid’s Tale), de Margaret Atwood. Está longe da ficção, porém: a legislação brasileira pode instaurar o mesmo tipo de contexto se algo não for feito rápido. Muito rápido.

O Projeto de Lei 478/2007, “Estatuto do Nascituro” (acesse na íntegra aqui), tramita na Câmara Federal e deve ir a votação dentro de pouco tempo. Já em seus primeiros parágrafos define que “o ser humano” começaria “na concepção”. Um erro crasso, já que a própria legislação brasileira, que proíbe o aborto, permite a pílula do dia seguinte. A pílula do dia seguinte não permite que o óvulo fertilizado se fixe nas paredes do útero e, se esse óvulo fertilizado já é vida (segundo as correntes religiosas que endossam esse projeto de lei), a pílula do dia seguinte seria o equivalente a um assassinato. Ejaculação também. É neste tipo de distorção que o Estatuto do Nascituro se baseia. Uma discussão muito lúcida sobre essa suposta “defesa da vida” está no texto “Aborto: é possível ser pró-vida e pró-escolha ao mesmo tempo?” do conhecido cientista Carl Sagan (leia aqui).

O texto do PL defende que o “nascituro” (ou seja, algo que pode ser um embrião ou um feto em qualquer estágio de desenvolvimento, pois não há especificação alguma sobre isso no projeto) tenha direito à vida (antes de nascer estaria ele morto?), à educação (intra-uterina?), à saúde (porque, afinal de contas, a saúde da grávida não importaria tanto, se não fosse pelo embrião ali dentro), à alimentação (alguém já viu grávida fazer greve de fome? Seria crime então uma mulher que passa fome engravidar, se esse PL fosse aprovado?), entre outras barbaridades e incongruências. Ao fazê-lo, coloca o embrião e o feto enquanto sujeitos de direitos numa posição mais alta do que as próprias mulheres grávidas na hierarquia de quem “merece” mais direitos e proteção do Estado e da sociedade. A função da pessoa grávida passa a ser interesse público, como se ela estivesse prestando um serviço à sociedade.
No artigo 8º chega a ser ridícula a proposição de que seria dever do SUS tratar o “nascituro” em condições iguais às de uma criança. Os artigos 9º e 10º buscam enfatizar que todo embrião ou feto necessariamente tem que nascer, mesmo que não haja expectativa de vida fora do útero, como no caso dos anencéfalos cujo aborto já é entendido como legal no Brasil.

Mais à frente, o artigo 13º é o que talvez represente o retrocesso mais odioso de todo o PL: propõe que todo embrião ou feto concebido a partir de estupro (que eles têm a “delicadeza” de chamar apenas de “violência sexual” no texto) também tenha que nascer. Este artigo ignora completamente a situação de violência vivida pela pessoa grávida e oferece uma pensão durante o primeiro ano de vida. Um suborno estatal para que pessoas que foram estupradas não façam aborto.

O texto ainda é recheado de punições penais desproporcionais caso as pessoas grávidas (que, neste escopo, se tornariam menos pessoas ao se tornarem grávidas) não sigam essa cartilha do bom comportamento, que não apresenta sequer critérios específicos como parâmetro do que “causa mal” ao tal “nascituro”, do que seria “negligência”, etc. uma vez que nem mesmo na medicina há consenso sobre que práticas são melhores ou piores para um feto em gestação.

Há risco real de estas atrocidades serem aprovadas em breve. Por este motivo os movimentos de mulheres tomaram a dianteira em organizar um abaixo-assinado nacional que mostre, nas audiências públicas e gabinetes de políticos, que a sociedade brasileira desaprova essa tutela; que entende que um projeto de lei como esse é uma ameaça muito grave aos direitos humanos de mulheres. Embora uma assinatura num documento digital pareça pouco, vale lembrar que a opinião pública ainda tem algum peso (ainda bem) na atuação de vários representantes e instituições. É o mínimo, mas o mínimo precisa ser feito.

A declaração geral do abaixo assinado, mostrando pontos cruciais de retirada de direitos que essa legislação prevê, pode ser lida aqui. No mesmo endereço, você também pode contribuir com sua assinatura no documento.

O livro de Margaret Atwood é terrível. Terrível por ser verossímil, se não agirmos rápido para garantirmos direitos básicos que não deveriam sequer estar em disputa. Ela descreve, na distopia que nos horroriza, a relação que as aias, servas reprodutivas, têm com o sexo obrigatório oferecido aos Comandantes – homens em altas posições sociais, para quem trabalham.

“Minha presença aqui é ilegal. É proibido para nós ficarmos sozinhas com os Comandantes. Nós servimos para procriar: não somos concubinas, gueixas, cortesãs. Pelo contrário: o máximo possível foi feito para nos tirar destas categorias. Não deve haver nada de interessante em nós, não deve haver espaço para a luxúria; nenhum favor deve ser trocado, por nós ou por eles, e não deve haver brechas para o amor. Somos úteros com pernas, apenas: invólucros sagrados, cálices ambulatoriais.”[1]

Editora de Mulher Alternativa
[1] Margaret Atwood, The Handmaid’s Tale (“O Conto da Aia”), capítulo 23, tradução livre.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O Paraguai e as contradições do Brasil - Por Immanuel Wallerstein

Para Immanuel Wallerstein, golpe expôs impasses de nossa diplomacia: ela enfrenta Washington, mas está limitada por interesses e influência de grandes grupos econômicos nacionais

Em 22 de junho, o Senado paraguaio invocou uma cláusula na Constituição que autoriza destituir o presidente por “fraco desempenho de suas funções”. O presidente era Fernando Lugo, que foi eleito três anos antes e ia terminar seu governo em abril de 2013. De acordo com as leis, estava limitado a apenas um mandato.

O “fraco desempenho” de que fala o Senado desencadeou-se de que, em 17 de junho, houve um conflito entre a polícia e agricultores sem-terra, que haviam ocupado uma área na luta por seus direitos. No choque, dezessete pessoas (trabalhadores e policiais) morreram. O Senado lançou o processo em 21 de junho, oferecendo a Lugo duas horas para defesa (que ele recusou, alegando ser absurdamente inadequado). No dia seguinte, os senadores votaram sua deposição.

O vice-presidente, Frederico Franco, é de um partido diferente de Lugo. Franco, no entanto, concorreu em 2008 numa chapa ao lado de Lugo, para derrotar o Partido Colorado, que estava no poder havia mais de 60 anos. Uma vez tendo assumido o mandato, Franco combateu continuamente às políticas de Lugo. A Constituição paraguaia prevê que, em caso de destituição do presidente, o vice automaticamente assume seu posto. O golpe fez de Franco presidente.

Lugo classificou a ação como um golpe, e se não tecnicamente ilegal, certamente ilegítimo. Quase todos os governos latinoamericanos concordaram com sua análise, denunciando a destituição e cortando relações com o Paraguai de várias maneiras. O que levou a esse golpe? Que se pretendia-se alcançar com ele? Quem o apoiou? E quais são as reais consequências — para o Paraguai, para a América Latina e para o mundo?

O Paraguai foi, por um longo período, uma das piores ditaduras da América, governada por e para uma pequena classe detentora das terras, e organizada no Partido Colorado. As condições dos camponeses — indígenas, em sua maioria — eram de extrema miséria. Com a morte, em 1989, do ditador Colorado, Alfredo Stroessner, afrouxaram-se levemente as restrições políticas. O principal partido de oposição, os Liberais (partido do Franco), representava mais as elites urbanas, mas tinha igualmente pouca simpatia pelo campesinato. As eleições em 2008 foram as primeiras relativamente abertas.

Foi nesse ponto que o bispo de São Pedro, Fernando Lugo, entrou na cena política. Conhecido de longa data como o “bispo dos pobres”, Lugo era associado com a Teologia da Libertação, e não contava com a simpatia dos outros bispos e do Vaticano. Concorreu defendendo a causa de melhor distribuição de terras. Como a Constituição paraguaia e o Vaticano não permitiam que o clero disputasse eleições, Lugo renunciou a seu cargo e solicitou “laicização”. Concorreu à presidência mesmo com a recusa do Vaticano, que acabou laicizando-o após sua eleição.

Lugo venceu por maioria simples de votos, numa eleição de três turnos, mas o Partido Colorado reconheceu a derrota pacificamente. Foi o primeiro político de esquerda a ganhar as eleições no Paraguai (com exceção de uma vitória curta de alguém [Rafael Franco (nota da Tradução)], em 1936, revertida em apenas um ano). A eleição de Lugo foi parte da onda de vitórias de partidos de esquerda nas Américas na primeira década do século XXI. Foi um símbolo de esperança para o Paraguai.

Contudo, ele ganhou por poucos votos e seu partido tinha pouca força no Parlamento, principalmente no Senado. O resultado quase-inevitável foi que Lugo pôde fazer apenas uma pequena parte do que tinha proposto. Não houve reforma agrária. Lugo prometeu acabar com o papel dos EUA no chamado programa anti-drogas. Ao contrário, deu-lhe continuidade. Não fez nenhum movimento no sentido de fechar a base militar norte-americana no Paraguai. Dada esta performance decepcionante, por que seus oponentes deram-se ao trabalho de removê-lo nove meses antes do fim de seu mandato?

Na verdade, a remoção de Lugo teve uma consequência negativa para os que deram o golpe, tornando possível algo que o Senado paraguaio bloqueava há anos. O Paraguai é um membro do Mercosul, assim como Brasil, Argentina, Uruguai e Bolívia [esta última, na condição de Estado associado (nota da Tradução)]. A Venezuela havia se candidatado a unir-se ao bloco, o que necessitava da ratificação dos quatro Estados-membros. Todos concordavam, exceto o Senado paraguaio. Após o golpe, o Mercosul suspendeu o Paraguai e, imediatamente, deu as boas vindas à Venezuela como membro.

Então, quem ganhou o quê no Paraguai, com o golpe? Em termos de políticas governamentais, não houve nenhuma diferença real. O que as elites locais mostraram foi sua força, talvez esperando com isso não apenas intimidar a esquerda paraguaia, mas mandar uma mensagem para outros países — especialmente a Bolívia. E os bispos paraguaios e o Vaticano tiveram sua vingança, mesmo que débil, sobre um defensor da teologia da libertação.

E os Estados Unidos? Os Estados Unidos já tinham o que queriam no Paraguai. Para certificarem-se, com Franco têm a garantia de continuidade. As afirmações de Hillary Clinton pós-golpe foram vagamente condenatórias. Além disso, os Estados Unidos bloquearam qualquer condenação real ao golpe na Organização dos Estados Americanos. Mas os laços militares do Paraguai com os Estados Unidos agora estarão sob debate e pressão na América Latina. Por isso, não está claro se houve ganho real para os Estados Unidos.

Uma maneira de interpretar o golpe é vê-lo como um conflito na batalha entre os Estados Unidos e o Brasil, pela hegemonia geopolítica na América do Sul. Os passos iniciais do Brasil — a suspensão do Paraguai não apenas do Mercosul, mas União dos Estados Sulamericanos (Unasul), mais ampla — não são exatamente o que os Estados Unidos desejam.

Há, contudo, ambiguidades na posição do Brasil. Os latifúndios no Paraguai, contra as quais o campesinato está lutando, incluem um grande número de propriedades de brasiguaios (brasileiros instalados no país vizinho). O Brasil não quer cortar todos os laços econômicos com o país. Além disso, o Paraguai é uma importante fonte de energia hidrelétrica para o Brasil.

O que vai acontecer agora? O fator-chave é precisamente o Brasil. Ele não pode dar-se ao luxo de adotar um caminho que seja interpretado, na América do Sul, como um reforço à posição dos Estados Unidos. Mas a o interesse político do Brasil em ser um poder “emergente” — criando um bloco sulamericano sob sua liderança — tem que ser balanceado com seus interesses econômicos na mesma América do Sul. Se quiser saber o que vai acontecer no Paraguai, fique de olho no Brasil.

Tradução Gabriela Leite
(Título original: “Um golpe no Paraguai: quem ganhou o que?”)