quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Jornalismo político volta à Era da Pedra Lascada - Por Alberto Dines

Jornalismo político volta à Era da Pedra Lascada
“Caso o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) fique insustentável, a presidente Dilma tem seu preferido: Franklin Martins”. (“Panorama Político”, O Globo, domingo, 28/8, pg. 2). Três linhas apenas, no pé da coluna. O suficiente, a mídia entenderá o recado.

Há hoje uma metamensagem ou criptojornalismo, cifrado, exclusivo de um seleto grupo de iluminados. O governo manda suas mensagens, a mídia é obrigada a entender. Mesmo não gostando. A réplica pode vir com a mesma sutileza. Profissionais não brincam em serviço. Faz parte do jogo democrático.

O que conspira contra o jogo democrático são as ameaças de rupturas. O presidente Lula não entendeu, não quis ou não teve paciência para entender o tricô das raposas. Subia no palanque e “mandava ver” – ou mandava brasa, como se dizia na Era Jango. Criou impasses, cavou confrontos perigosos.

É o que fez Veja com a sua última matéria de capa sobre o ex-ministro José Dirceu (“O poderoso chefão”, edição nº 2232, data de capa 31/8/2011). Sutil como uma carga de cavalaria – e tão eficaz quanto esta –, produziu um curto-circuito, reintroduziu a imprudência no diálogo governo-imprensa. Repercutiu no exterior. E daí?

Frágil, inconsistente
A verdade é que a matéria recoloca o jornalismo político brasileiro na Era da Pedra Lascada. Traz de volta os vídeos clandestinos, os arapongas, os dossiês secretos jogados no colo de jornalistas ditos “investigativos”.

José Dirceu, mesmo sem cargo ou mandato parlamentar, suspeito de integrar um grupo que está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal, é um dirigente nacional do partido que ganhou as eleições para a Presidência da República, é também um consultor/lobista. Pode alugar um andar inteiro num hotel dez estrelas em Brasília ou Luanda e nele receber legiões de correligionários, clientes e amigos. Não há nada de ilícito ou malfeito (para usar o dernier-cri dos substantivos).

O texto inteiro de Veja, da primeira à última linha, é customizado, adaptado para servir à tese de que o ex-chefe da Casa Civil está conspirando contra a sua sucessora, atual presidente da República. Não há evidências, apenas insinuações, ambigüidades, gatilhos.

Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, é amigo pessoal de Dilma Roussef, não poderia conspirar contra ela. José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras cujo maior acionista é o governo, não enfrentaria o seu maior eleitor quando reiniciar sua carreira política. Delcídio Amaral é um petista light, quase-tucano.

A lista dos “conspiradores” é frágil e as possíveis motivações, inconsistentes. O conjunto é disparatado, não faz sentido, carece de lógica. Mesmo enquanto ficção.

Um desserviço
Os encontros gravados duraram em média 30 minutos, tempo insuficiente até para acertar uma empreitada de pequeno porte. Devidamente investigados, os fatos poderiam vincular-se e ganhar alguma dimensão. No estado bruto em que foram apresentados pelo semanário de maior tiragem do país representam um atentado à inteligência do leitor, não renderiam sequer uma nota numa coluna de fofocas políticas.

Este é um jornalismo que não se sustenta, é retrocesso. Não favorece a imagem da imprensa, não ajuda a presidente Dilma, prejudica a oposição. Faz esquecer a faxina moralizadora e degrada o processo político.
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/

Estado Assassino: Israel é a prova cabal de que o crime compensa - por Georges Bourdoukan

Israel é a prova cabal de que o crime compensaIsrael culpa toda a faixa de Gaza pelos traques que os palestinos despacham contra a tribo sionista.

Alguma novidade para que a tribo que ocupa a Palestina inicie os massacres?

É impressionante como esses serial killers sionistas gostam de maltratar a inteligência alheia.

O que vem de Israel não tem mais nenhuma credibilidade.

Isso, até a mídia cúmplice sabe.

Essa mesma mídia que sempre acobertou os crimes dos israelianos( governantes arianos de Israel), mudou o seu foco e repercute as eternas aleivosias made in USA.

Setembro bate as portas.

Mais de 140 países deverão apoiar a independência do Estado Ocupado da Palestina.

Com capital em Jerusalém, una e indivisível.

O una e indivisível são por conta do blog.

E o blog entende que a Independência da Palestina não se enquadra em datas.

Nem 67 e nem 48.

A data histórica da Palestina remonta a mais de 3 mil anos.

E para quem não aceita a História e aprecia a Bíblia, a data não muda.

Palestina é a terra do leite e do mel.

Não é isso que diz a Bíblia?

Palestina é a terra do leite e do mel.

E Israel, que costuma comemorar sua “independência” a partir de 48, como é que fica?

Não fica.

Israel jamais existiu como Estado, país ou nação.

Não há independência a comemorar.

É só consultar a História e a Bíblia.

Portanto, quem deveria pedir à ONU o seu reconhecimento não é a Palestina, mas Israel.

A existência do Estado de Israel e o sofrimento do povo palestino são a prova cabal de que o crime compensa.

Alguém duvida?
Fonte: http://blogdobourdoukan.blogspot.com/

[Reino Unido] Proibidas as “roupas ensangüentadas” em protestos pelos direitos dos animais - por ANA

[Reino Unido] Proibidas as “roupas ensangüentadas” em protestos pelos direitos dos animaisUma cadeia de laboratórios onde são criados animais para a pesquisa médica pode proibir a presença de ativistas com “roupas ensangüentadas” fora de seus escritórios.

Manifestações foram realizadas em quatro locais dos Laboratórios Harlan, no Reino Unido, em Sawtry Way, Wyton, Cambridgeshire e outros três em Leicester, Oxfordshire e Derbyshire.

Os protestos da Aliança Nacional Anti Vivissecção (NAVA), apoiados pela SHAC (Stop Huntingdon Animal Cruelty – “Pare a Crueldade com Animais em Huntingdon”), começaram em abril, e nelas se pode ver vários ativistas com trajes que simulavam estar manchados com sangue, o que dizem representar a “matança” dos animais.

Mas estes protestos foram restringidos por uma ordem judicial no mês passado. Esta ordem limitava os protestos a um por semana e limitou o número de pessoas que poderiam participar a 20. Também proibiu que manifestantes usassem roupas “manchadas de sangue”.

Tim Lawson-Cruttenden, dos Laboratórios Harlon, assegurou que vários funcionários tiveram de enfrentar a ativistas cobertos com roupas ensangüentadas que pretendiam intimidá-los. Também assegurou que: “Quando levam roupas com sangue ao lado de nosso escritório estão chamando nossos trabalhadores abusadores de animais”.

Luje Steele, um porta-voz da NAVA, disse ao juiz que “a roupa manchada de sangue representa o fato de que o laboratório Harlan está relacionado com a matança de animais e o fornecimento de animais para experimentação médica”.

A juíza Nicola Davies decidiu manter a proibição até que se realize uma audiência plena do caso, prevista para outubro. Apesar disso, “relaxou” outras restrições sobre os protestos, aumentando o número de manifestantes permitidos até 25 e fazendo com que em vez de duas horas, possa durar até três. Também deu permissão para 100 ativistas realizarem um protesto em 27 de agosto contra instalações do Harlan em Wyton.

Fonte: mídia corporativa

agência de notícias anarquistas-ana
vermelho-laranja
como nuvens coloridas
flamboyants em flor
Osiris Seiler Roriz Sobrinho

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Políticos do Brasil: Deputado ganha R$ 1,8 milhão por mês com transporte no Rio Madeira - por Altino Machado

Deputado ganha R$ 1,8 milhão por mês com transporte no Rio MadeiraDIRETO DO DISTRITO DE ABUNÃ (RO)Roberto Dorner é o "dono" do rio

O deputado Roberto Dorner (PP-MT), 63 anos, possui quatro outorgas de autorização concedidas pelo governo federal para explorar serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação de travessia em três rodovias federais na Bacia Amazônica.

A outorga mais lucrativa do parlamentar, empresário, agricultor e pecuarista, é no Rio Madeira, no distrito de Abunã (RO), a 280 quilômetros de Rio Branco (AC), passagem obrigatória de quase tudo que entra ou sai via BR-364, a única que liga as demais regiões do País ao extremo-oeste brasileiro.

Há 23 anos, três balsas operam dia e noite na confluência dos rios Madeira e Abunã, onde o faturamento médio de Roberto Dorner é avaliado em R$ 60 mil por dia ou R$ 21,6 milhões ao ano. Até 1988, o transporte de passageiros, veículos e cargas no local era de responsabilidade do Exército.

Catarinense de Bom Retiro, Dorner assumiu como suplente o mandato em decorrência do licenciamento do deputado Pedro Henry. Ele é presidente do Sindicato Marítimo de Rondônia. No Mato Grosso, lidera o Grupo Roberto Dorner de Comunicação, que possui emissoras de TV em Sinop, Cuiabá e Rondonópolis.

As quatro outorgas para transporte de travessia, por tempo indeterminado e em regime de liberdade de preços, foram concedidas pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), ligada ao Ministério dos Transportes.

A Antaq chegou a autorizar Dorner, como empresário individual, a atuar no transporte de travessia no Rio Madeira, em Porto Velho (BR-319), no Rio Abunã (BR-364) e em Humaitá (BR-230), no Amazonas.

Desde o ano passado, o deputado usa também as empresas Amazônia Navegações Ltda., na milionária outorga na divisa do Acre com Rondônia, e a Rodonave Navegações Ltda, em outro trecho da Transamazônica, sobre o Rio Tapajós, nos municípios de Itaituba e Mirituba, ambos no Pará.

A mina do transporte de travessia no País abrange 130 operadores que trabalham em 89 pontos interestaduais, internacionais ou em diretrizes de rodovias federais.

Há vários anos a operação da empresa de Roberto Dorner no Rio Madeira tem gerado críticas e queixas de usuários em relação à falta de segurança, à cobrança de tarifas excessivas e à má qualidade dos serviços prestados.

A tabela do pedágio para travessia no distrito de Abunã isenta apenas pedestres e ciclistas. Os valores variam de R$ 3,80 (animais) a R$ 130,00 (carreta tremião de nove eixos, carregada). A travessia de cada automóvel pequeno custa R$ 19,00 e dos ônibus R$ 46,00.Tabela de preços exibe nome de Roberto Dorner

O governo federal financia há mais de quatro décadas, no Acre, a construção da controversa BR-364, que liga Rio Branco, a capital, a Cruzeiro do Sul, no ponto mais ocidental do País.

Além disso, financiou a pavimentação da BR-317 até Assis Brasil, na fronteira com o Peru e a Bolívia. O trecho da rodovia no Acre foi batizado de Estrada do Pacífico, mas o Estado permanece praticamente isolado.

De Rio Branco a Cruzeiro do Sul, já foram construídas mais de 20 pontes pequenas, médias e grandes, que somam mais de três quilômetros de vão, mas a ponte sobre o Madeira não passa de projeto.

De seis em seis meses, no auge da estiagem amazônica, a travessia em balsas é prejudicada pela falta de água no Madeira. Longas filas de automóveis, ônibus e caminhões se formam com produtos e pessoas.

A Comissão de Viação e Transporte, da Câmara dos Deputados, chegou a aprovar por unanimidade, em 2008, uma emenda inicial de R$ 36 milhões para construção da ponte sobre o Madeira para atender o Acre e Rondônia. A ponte, cujo valor é estimado em R$ 500 milhões, teria mais de um quilômetros de extensão, mas o edital da obra foi cancelado em julho.

- Cancelaram o edital sob a alegação de que o projeto precisa de revisão do Tribunal de Contas da União e da revisão do nível do Madeira em decorrência da barragem das hidrelétricas que estão sendo construídas em Rondônia - comenta Marcos Alexandre, diretor do Departamento de Estradas e Rodagens do Acre.

Políticos, empresários e comerciantes, do Acre e Rondônia, passaram a acusar o deputado Roberto Dorner de operar nos bastidores contra a construção da ponte sobre o Madeira. O descontentamento ganhou força nos últimos dias por causa da intensidade da estiagem na região.Balsas lotadas cruzam o Madeira dia e noite

O Acre poderá a voltar a ficar isolado, como no ano passado, por causa da seca do Madeira. As balsas de Dorner, que fazem a travessia, já começaram a encalhar nos bancos de areia. A pressão é para que seja agilizada a abertura de canais de navegação com uso de dragas e acelerado o processo para a construção da ponte.

O diretor da Amazônia Navegações, Gerson Nava, disse que a responsabilidade pela abertura de canais de navegação no Madeira é do Ministério dos Transportes, mas que a empresa mesmo assim contratou máquinas para o serviço.

- O que está existindo é muita fantasia de político incompetente. Os políticos do Acre, por exemplo, preferem o discurso fácil quando dizem que a nossa empresa tenta inviabilizar a construção da ponte. Em Porto Velho, onde também temos outorga, existe uma ponte em construção, na BR-319, que liga a capital rondoniense a Humaitá, no Amazonas. A ponte em Abunã depende apenas de uma decisão do Ministério dos Transportes e nós não temos interferência nenhuma nisso - afirma Nava.

O senador Jorge Viana (PT-AC) ocupou a tribuna nesta terça-feira (29) para anunciar que o diretor técnico do Ministério dos Transportes, Pedro Brito, concorda com o afastamento imediato da empresa do deputado Roberto Dorner para melhorar a prestação do serviço no porto de Abunã.

- Não adianta insistir com a atual empresa. Ela tem, talvez, o melhor negócio do mundo. Algumas contas falam e, são números que o cálculo tem que ser empírico, mas quem conhece a realidade como nós conhecemos, fala em faturamento acima de um R$ 1 milhão por mês. Ela cobra o pedágio mais caro do país em troca de um serviço irregular e lento - afirmou.

Segundo Viana, existem interesses atuando dentro do governo para que se mantenha o serviço de balsas no Rio Madeira sob controle da iniciativa privada.

- Esses interesses adiam, como tem ocorrido nos últimos 10 anos, a construção da ponte. Ou seja, a BR-364 está ficando pronta, mas sequer é feita a licitação da ponte sobre o Madeira.

Coordenador da banda bancada federal do Acre, o senador petista Aníbal Diniz considera o assunto de “extrema gravidade”, pois interesses econônimos e sociais do Estado estão sendo preteridos em benefício de uma empresa.

- Nós vamos atuar no sentido de convencer o Ministério dos Transportes a realizar, o mais rápido possível, a licitação para início da construção da ponte sobre o Madeira e também pedir uma solução paliativa neste verão amazônico. O nível da água baixou muito e o Acre começa a ter problemas de abastecimento

A reportagem fez várias tentativas para ouvir o deputado Roberto Dorner. A assessoria dele se limitou a informar que o parlamentar está afastado das empresas e que não gosta de falar sobre o assunto porque costuma ser mal interpretado pela imprensa.Embarque numa das balsas de Roberto Dorner
Fonte: http://blogdaamazonia.blog.terra.com.br/

Mortes em manicômios de Sorocaba reforçam necessidade de investimento na rede extra-hospitalar - Gabriel Brito

Mortes em manicômios de Sorocaba reforçam necessidade de investimento na rede extra-hospitalarEm mais um capítulo da falência do sistema de saúde brasileiro e especificamente do estado de São Paulo, o ano de 2010 registrou o número de 100 mortes em hospitais psiquiátricos da unidade mais rica da federação e cerca de 600 óbitos nos sete que se localizam em Sorocaba e região desde 2006. A tomada de conhecimento por parte da população de mais essa tragédia é mérito do Flamas (Fórum de Luta Anti-Manicomial de Sorocaba), grupo de professores, usuários e profissionais da saúde constituído em 2004, quando já se notava um quadro macabro na região.

O Correio da Cidadania entrevistou um dos fundadores do Flamas, o psicólogo Lucio Costa, que explica os motivos que levaram a cidade a se tornar o “pólo manicomial do país”, destacando que tal quadro se deve à visão obscurantista dos gestores de saúde locais. Lucio lembra que, após a entrada em vigor da Lei 10216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica), todo o padrão nacional de tratamento de pessoas com transtorno mental foi alterado, transferindo o foco da internação para o tratamento em pleno convívio social.

“Para se ter uma idéia, na década de 90 tínhamos em torno de 100 mil leitos no país. Hoje temos aproximadamente 33 mil. Portanto, a redução e fechamento desses espaços asilares são questão de tempo. A idéia é que a política extra-hospitalar avance pelo país inteiro para que a gente consiga avançar rumo a atendimentos mais humanizados. E mais que isso: garantir os direitos do cidadão”.

Apesar de mais essa situação inaceitável em nossa saúde pública, Lucio Costa afirma que o governo federal tem dado subsídios aos estados e municípios para a implantação da chamada rede extra-hospitalar, que permite um tratamento em sociedade do paciente. No entanto, aponta a promiscuidade entre o público e privado, mencionando casos concretos na região, que segue despejando dinheiro “em um modelo que não deve mais existir”, como impeditiva de uma mudança definitiva de modelo. O resultado está à vista de todos.

Correio da Cidadania: O que aconteceu nos últimos anos para que os hospitais psiquiátricos de Sorocaba e região registrassem uma enorme e descomunal quantidade de mortes (459) de pacientes em suas dependências entre os anos de 2006 e 2009?
Lucio Costa: A política pública de saúde mental avançou muito pouco na nossa região. O que chamamos de modelo substitutivo a esses hospitais, tal como se referencia na lei 10216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica), pouco aconteceu.

Temos claro que o poder público não avançou como deveria. Para dar um exemplo, com o desenrolar das discussões sobre saúde mental, a população descobriu que o secretário de Saúde do município era dono de três manicômios da região e o sócio do ex-secretário tinha sociedade nos hospitais de Sorocaba - portanto, uma situação incompatível moral e eticamente com o cargo de secretário de Saúde.

Correio da Cidadania: E o governo estadual? Que parcela de culpa teria nisso?
Lucio Costa: O governo do estado de São Paulo também abre mão de se responsabilizar em políticas públicas que dêem conta da demanda. Assim, temos um cenário em que as estruturas são arcaicas. Não atendem, pelo contrário, segregam e excluem pessoas que por um determinado motivo foram acometidas de sofrimento psíquico.

Hoje existe uma rede pra substituir esses hospitais, como, por exemplo, o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), residência terapêutica, centros de convivência... Tais políticas não existem em Sorocaba. Temos alguns CAPS, mas, por exemplo, o Ministério da Saúde recomenda que, em municípios com 200 mil habitantes, se tenha um modelo que é chamado “CAPS 3”, que funciona 24 horas, com leitos. Se por acaso uma pessoa tiver um surto e precisar de internação, pode ser nesse CAPS 3, por um prazo máximo de sete dias. E não o temos.

Tanto do poder público municipal quanto por parte do governo estadual, não se vêem investimentos para que tal tipo de política seja fomentada em São Paulo, principalmente em nossa região, peculiar no país.

Correio da Cidadania: A partir dessas evidências de abandono, foi feito o estudo que escancarou a situação tenebrosa dos pacientes da saúde mental, especialmente na região de Sorocaba?
Lucio Costa: Há três anos, constituímos o Flamas (Fórum de Luta Anti-Manicomial de Sorocaba), devido à realidade que já se apresentava nos sete hospitais da região. A lei da Reforma Psiquiátrica dá um novo direcionamento às políticas de saúde mental. Dessa forma, não há justificativa para a existência dos manicômios, pois o modelo asilar de internação já não encontra mais espaço.

Nessa perspectiva, o Flamas elaborou uma pesquisa para mapear a saúde mental do município e o cenário da região, na qual se identificou, entre 2006 e 2009, o número de 459 mortes. Depois disso, muitas ações se desdobraram pelo país.

Correio da Cidadania: Permanecem os tabus no tratamento a doentes psiquiátricos? Ainda temos métodos truculentos e isolacionistas de tratamento, contrariando visões que alegam ser mais saudável o tratamento em sociedade?
Lucio Costa: Sem dúvidas. Na verdade, os equipamentos substitutivos da rede hospitalar propõem que o indivíduo seja tratado pela família e acolhido pela comunidade, para que consiga desenvolver autonomia nos cuidados próprios e no convívio social.

Para se ter uma idéia, na década de 90, tínhamos em torno de 100 mil leitos no país. Hoje temos aproximadamente 33 mil. Portanto, a redução e fechamento desses espaços asilares são questão de tempo. A idéia é que a política extra-hospitalar avance pelo país inteiro para que a gente consiga avançar a atendimentos mais humanizados. E mais que isso: garantir os direitos do cidadão que está acometido por transtorno mental.

Correio da Cidadania: Nesse sentido, que balanço você faz dos 10 anos da Lei de Reforma Psiquiátrica e os efeitos causados até agora?
Lucio Costa: Creio que houve avanços. O governo federal tem investido na rede extra-hospitalar, tem dado incentivo aos municípios, para que se construa essa rede extra-hospitalar. Mas depende de vontade política. No caso de nossa região, ela ainda não existe.

Vemos ainda médicos e um grupo com uma visão toda conservadora. E temos clareza que os motivos que levam à continuidade e predomínio dessa visão em nossa região são os interesses econômicos. É claro, notório.

No ano de 2010, foram destinados 40 milhões de reais a esses hospitais da região. Ou seja, 40 milhões investidos em um modelo que não deve existir mais. Poderiam investir os 40 milhões na rede extra-hospitalar. Mas creio que o Brasil tem, sim, avançado nisso. É tarefa dos governos continuar ofertando as redes extra-hospitalares, substitutivas do modelo asilar.

Correio da Cidadania: E por que você diria que a repercussão social é tão menor do que urge o caso?
Lucio Costa: Hoje, temos uma situação peculiar na região de Sorocaba. A quantidade de leitos é enorme. No Rio de Janeiro, há um alto número de leitos. A seguir, vem Sorocaba com o segundo maior número de leitos do país. Se levarmos em conta que o Rio de Janeiro tem 6 milhões de habitantes e Sorocaba 580 mil, vemos que aqui a política não avançou.

O levantamento feito pelo Flamas foi protocolado nas diversas instâncias de poderes. Foram entregues relatórios na Secretaria de Saúde de São Paulo, Defensoria Pública do Estado, Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Ministério da Saúde... Agora, ao lado do Flamas, esses órgãos estão dando uma atenção maior a discutir e repensar o modelo.

Há duas semanas, o Ministério da Saúde anunciou que vai fiscalizar e rever a política de saúde mental nesses hospitais e em outros 200 existentes pelo país. É uma avaliação geral que, devido à situação de Sorocaba, o poder público federal se empenhou em fazer sobre o sistema, que, em nosso entendimento, no dos usuários, dos familiares e dos profissionais, não serve pra atender a pessoa com sofrimento psíquico.

Reforço: nós temos de propor que essa pessoa seja tratada em convívio. A segregação e isolamento dessas pessoas não promovem o tratamento, muito pelo contrário. Creio que, com a reavaliação desses 200 hospitais, teremos uma melhora significativa do atendimento.

Correio da Cidadania: A divulgação na mídia de mais essa tragédia na saúde brasileira é satisfatória?
Lucio Costa: Tenho a preocupação de que até hoje as informações veiculadas se centraram mais nas mortes. É compreensível porque é realmente alto o número de falecidos em tais hospitais. Mas é preciso também fortalecer as opções fora dos manicômios. É um fator importante porque uma fantasia que a população tem é a de que, se acabassem esses hospitais psiquiátricos, um monte de gente ia ficar louca por aí, sem atendimento, abandonadas.

É totalmente inverso. A reforma psiquiátrica propõe a substituição do modelo de atenção. Por exemplo: leitos para esses pacientes devem ser em hospitais gerais. A pessoa pode ficar internada, só não pode morar no hospital, como acontece nos atuais manicômios. Se você tiver uma enfermidade, passa pelo hospital, recebe tratamento e volta pra casa. O que se propõe é um modelo que atenda e também garanta direitos humanos. É isso que precisa ser mais falado.

Correio da Cidadania: Apesar de os hospitais de Sorocaba estarem numa situação mais grave, o que considera dos números dos demais hospitais do estado, nos quais muitas pessoas também morreram? São aceitáveis?

Lucio Costa: Na realidade, esse modelo centrado dentro do hospital facilita irregularidades, por ser um modelo que força a pessoa a adotar tal espaço como moradia, muitas vezes porque a família abandona, por diversas questões. E por diversas questões, com a pessoa passando a morar dentro do hospital, há mais facilidade, notoriamente, de ter seus direitos violados. Nossa região tem um número superior ao resto do estado, o que compromete de vez qualquer garantia aos usuários.

Acho que, muitas vezes, as pessoas têm discursos que não se pode aceitar. Se morresse só uma pessoa por conta da violação de tais direitos nos hospitais psiquiátricos, a atenção deveria ser a mesma de agora, quando se levantou a morte de 459 pessoas. A quantidade é mero detalhe em meio a todo um processo de falência da instituição manicomial.

Mas realmente o número do estado todo é muito alarmante. E Sorocaba fica como grande pólo manicomial do Brasil.

Correio da Cidadania: E as condições de tais instalações hospitalares? Com que estrutura os pacientes da saúde mental cotam hoje?
Lucio Costa: O Ministério da Saúde fez uma auditoria em alguns hospitais aqui de Sorocaba e o relatório final ainda não foi apresentado. Saiu o relatório parcial, com alguns apontamentos e indicativos de irregularidades. Ainda não tivemos acesso ao relatório final, mas foram constatadas irregularidades. Agora, cabe às autoridades competentes que investigam o caso.

Por isso o Flamas se propõe a fazer o debate e o contraponto a essa lógica. Nosso papel é pautar o debate da saúde mental e fazer pressão para que políticas públicas sejam implementadas na área. Por exemplo, agora o assunto tomou proporção, com um relatório sendo encaminhado da Defensoria Pública para a ONU. As autoridades envolvidas darão seus pareceres e encaminhamentos de agora em diante.

Correio da Cidadania: O que você teria a dizer das equipes que trabalham e cuidam desses pacientes?
Lucio Costa: Os trabalhadores desses espaços são verdadeiros guerreiros. O que também foi levantado no estudo é o quadro insuficiente de profissionais. E eles têm de se desdobrar em várias tarefas para dar conta de tudo. Esses trabalhadores também acabam passando situações muito comprometedoras, o que agride o profissional, faz com que não consiga desenvolver seu trabalho.

A maioria das informações que nos chegam é que os profissionais têm se esforçado muito para garantir as mínimas condições de atendimento aos pacientes.

Correio da Cidadania: É que chamaram demais a atenção as reportagens recentes, mostrando alguns pacientes expostos ao frio, morrendo por absoluta negligência e famílias revoltadas com o tratamento dispensado...
Lucio Costa: Sim. Os profissionais, com esse quadro insuficiente, não dão conta. Ficam numa situação delicada, tentando na medida do possível intervir tecnicamente. Mas os limites estruturais do modelo não permitem que se caminhe e avance.

Correio da Cidadania: E como analisa nossas políticas públicas em saúde mental? O que se deve exigir?
Lucio Costa: Esperamos que o governo do estado dê a atenção que nunca foi dada pelo poder público municipal de Sorocaba. Não podemos, por justificativa alguma, aceitar que as pessoas tenham seus direitos básicos violados, vindo até a falecer. Esperamos uma atenção maior, investimentos na área, nos equipamentos extra-hospitalares, para que assim o portador de transtorno mental seja reconhecido como cidadão. Com seus limites, como todos nós humanos temos. E assim avancemos nesse rumo.

Gabriel Brito é jornalista.
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Porque os magistrados ganham tão bem! Quase 60 milhões de processos judiciais ficaram sem solução em 2010!!!

Quase 60 milhões de processos judiciais ficaram sem solução em 2010

Quase 60 milhões de processos que tramitavam na Justiça Federal em 2010 não foram solucionados. O número corresponde a praticamente 70% do total de 84,3 milhões de processos em tramitação no Judiciário no ano passado. Os dados fazem parte do relatório Justiça em Números, divulgado hoje (29) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os números referem-se aos tribunais da Justiça Federal e Estadual e aos da Justiça do Trabalho.

Os números também mostram que o maior percentual de processo não resolvidos está na Justiça Estadual, que acumula 72% de processos sem solução.

A maior parte dos processos não resolvidos está na área de execuções fiscais, com um taxa de contingenciamento de 91%, no primeiro grau.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, admitiu que o Judiciário está com deficit em relação à necessidade da sociedade. “Esses números não deixam dúvida de que há uma diferença entre as demandas da sociedade e a capacidade do Judiciário de resolver os assuntos. Temos várias causas, entre elas, o sistema de recursos.”

Do total de 84,3 milhões em 2010, 24,2 milhões foram processos novos. Esse número é menor do que o registrado em 2009, quando a Justiça Federal recebeu 3,4 milhões de processos em comparação a 2010, quando foram recebidos 3,2 milhões – 6,1% a menos. Desde 2004, não havia uma queda no número de novos processos.

A Justiça Estadual e a Justiça Trabalhista também receberam uma quantidade menor de novos processos em 2010 na comparação com 2009. Foram, respectivamente, 3,5% e 3,9%. Na Justiça de 1º grau, a queda foi maior, 5% em 2010.

O relatório também revela que o número de casos resolvidos foi maior do que o de novos casos em 4%, no ano passado. Além disso, foram solucionados em 2010, 25,4 milhões de casos. Apesar disso, os processos pendentes aumentaram 2,6% em 2010.

No relatório deste ano, que será divulgado em 2012, o Justiça em Números terá incluído dados dos tribunais militares, eleitorais e do Superior Tribunal de Justiça. Apenas não serão coletados os dados do Supremo Tribunal Federal.

Fonte: Roberta Lopes /Da Agência Brasil em Brasília

O Paraíso dos Tolos - por Juliana Borges


Fonte: http://peledaterra.blogspot.com/

Entidades lançam Comitê pelo Estado da Palestina Já!

Entidades lançam Comitê pelo Estado da Palestina Já!
Será lançado nesta segunda-feira (29), em São Paulo, o Comitê pelo Estado da Palestina Já!. O evento ocorrerá às 17h no Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (rua Genebra, 25 - Centro, próximo à estação de metrô Anhangabau).

O comitê reunirá diversas organizações e centralizará todas as ações no país em torno das mobilizações para que a Palestina seja reconhecida pela 66ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que será realizada em 13 de setembro, em Nova York, nos Estados Unidos.

Já no dia 20 de setembro, um dia antes do início das votações na ONU, o Comitê pelo Estado da Palestina Já! promoverá um ato público e uma caminhada em defesa do Estado da Palestina. A concentração do protesto será às 17h na Praça Ramos de Azevedo, no centro da capital paulista (em frente ao Theatro Municipal de São Paulo, na esquina com o viaduto do Chá, próximo à estação de metrô Anhangabaú).

O manifesto das entidades que integram o Comitê.
Enquanto o povo palestino vem insistindo por uma paz justa para o conflito, os sucessivos governos israelenses continuam não cumprindo as inúmeras resoluções da ONU, negando-se a negociar a paz com a retirada de suas tropas dos territórios palestinos ocupados.

Além disso, prosseguem na construção de assentamentos israelenses em territórios palestinos. Mantêm nos cárceres mais de oito mil presos políticos, reprimindo violentamente as manifestações pacíficas de palestinos e israelenses que defendem a criação do Estado da Palestina. Seguem com a construção do muro do apartheid ou muro da vergonha – que foi declarado ilegal pelo Tribunal Internacional de Justiça – um muro que hoje já tem cerca de 750 km de extensão, e que proíbe a livre circulação de pessoas e produtos entre as cidades e vilas palestinas e confisca vastas áreas agrícolas dos palestinos.

Em setembro deste ano, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), reconhecida internacionalmente como única e legítima representante do povo palestino, irá solicitar da ONU a aprovação do Estado da Palestina como membro pleno desta organização, tendo como fronteiras as linhas de 1967 e compreendendo a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental como Capital.

Caberá a ONU, com base no direito internacional e em suas próprias resoluções, (em especial a 181, de 1947, que reconhece o Estado da Palestina) ratificar e admitir o Estado da Palestina como membro pleno.

Uma paz justa e duradoura pressupõe a criação, de fato, do Estado da Palestina, e a inclusão deste como membro pleno da ONU, com todos os direitos e deveres que tal decisão implica. O reconhecimento de um Estado palestino soberano, baseado no fim da ocupação, na erradicação dos assentamentos e na solução do problema do retorno dos refugiados e de Jerusalém, de acordo com as próprias resoluções da ONU, atende aos interesses fundamentais dos povos da região.

Apoiaremos as mobilizações populares d@s palestin@s que lutam contra o governo antidemocrático de Israel. Nós, militantes de organizações representativas do povo brasileiro, afirmamos: apoiar o povo palestino é apoiar todos os povos em sua caminhada de paz, justiça e liberdade! Ouçam as vozes do povo brasileiro:

Conflitos de terra na America Latina - por Latuff


Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

Estado Palestino: muitas fronteiras a serem estabelecidas - por Katarina Peixoto

Estado Palestino: muitas fronteiras a serem estabelecidas
Em setembro, ao que tudo indica, a Assembleia Geral da ONU preparará o reconhecimento do estado palestino, dentro das chamadas fronteiras da Linha Verde (1967). Os palestinos deram passos políticos internos decisivos, de unificação e de reunião sob a OLP, para obterem esse reconhecimento. A “justiça social”, a “primavera árabe” de longa duração e o movimento internacional dos palestinos comparecem, na atual conjuntura, como miragens desejosas de habitarem um horizonte.

Desde o começo de agosto, milhares, em alguns momentos centenas de milhares de israelenses tomaram as ruas do país lutando por “justiça social”. O protesto foi puxado por uma alta de aproximadamente 50% no valor das moradias (tanto para compra e venda como para locação), em Israel, nos últimos dois anos. Acampados em barracas e pedindo a saída de Netanyahu, trabalhadores, classe média baixa e estudantes fizeram coro com os sem teto, na luta pela construção de moradias públicas, populares e pela diminuição no custo de vida do país.

Dentre os que ocuparam as ruas havia e há – os protestos continuam – os que associam e os que não associam a conjuntura econômica e social de Israel com a ocupação dos territórios palestinos. Em meio a uma das maiores manifestações de rua da história de Israel, na segunda semana de agosto, havia moradores de assentamentos ilegais, para onde escoa boa parte dos recursos orçamentários do estado, além do orçamento da defesa.

Reduzir ou cortar o orçamento para os assentamentos ilegais e nos gastos militares e reinvestir os fundos públicos no estado de bem estar social, atualmente parasitado por uma elite neoliberal estão no centro da agenda dos manifestantes. A associação do mal estar, causados pelo desemprego, pelos baixos salários e pelo alto custo de vida com o preço econômico da ocupação militar e territorial dos palestinos, no entanto, não parece comparecer sequer na agenda da chamada social democracia israelense, hoje representada pelo Partido Trabalhista, que tem entre suas lideranças mais promissoras um quadro parlamentar para quem os assentamentos não são um problema correlato à crise econômica e social que tem levado milhares às ruas do país [Ler: Líder trabalhista não vê assentamentos como crime].

Em setembro, ao que tudo indica, a Assembleia Geral da ONU preparará o reconhecimento do estado palestino, dentro das chamadas fronteiras da Linha Verde (1967). [Ler: Embaixador de Israel na ONU: não há como interditar reconhecimento de Estado palestino] . Os palestinos deram passos políticos internos decisivos, de unificação e de reunião sob a OLP, para obterem esse reconhecimento. Enfrentam uma grave crise econômica e não está nem de perto claro qual será o destino dos milhões de refugiados palestinos na proposta de acordo encabeçada por Abbas [Ler: Professor adverte sobre riscos para refugiados palestinos].

Na prática, é possível que a declaração da ONU não leve a grandes mudanças e, pior, que Israel a utilize para recuperar o status quo [Ler: Os planos da direita israelense para "restaurar o status quo"]. Assim, o país seguirá utilizando o expediente retórico e político de se dizer sem interlocutor, seguirá desrespeitando as decisões e recomendações da comunidade internacional e perseverará na construção de assentamentos, preferencialmente para comunidades ultra ortodoxas, em territórios palestinos, estabelecendo como que um cinturão de fanáticos religiosos e de elementos de uma direita bélica e paranoide, cercando a Israel legal, em nome de um delírio expansionista, eventualmente com um temerário e assombroso fundamento religioso [Ler: Novos assentamentos: Israel não precisa de um "lebensraum"].

As vozes críticas, isto é, que estabelecem as conexões e não lidam com os fatos a despeito de sua história são poucas e de certa idade. Talvez esse seja um dos elementos mais melancólicos para quem é de esquerda e sabe o que Israel significou para gerações de militantes antirracistas, antimilitaristas, socialistas e humanistas liberais, no pós Segunda Guerra. Há também ex-diplomatas israelenses nos EUA que defendem a viabilidade do retorno à Linha Verde, além da pequena esquerda israelense.

A decisão pelo recuo de Israel ao seu status legal, conforme aos ditames das Nações Unidas e na iminência do reconhecimento do estado palestino conta ainda com outros complicadores. Se essa possibilidade é real, no sentido de que é algo mais forte do que apenas um preceito inteligível e mensurável - em termos de compensações financeiras, rearranjos urbanísticos e no âmbito dos serviços públicos -, ela também depende do estado das coisas no mundo árabe.

E o fato é que os palestinos que lideram a proposta, quer dizer, os grandes grupos políticos da palestina (Fatah, Hamas e AlMubadara, respectivamente) não contam com aliados certos e firmes dentre as lideranças dos países Árabes. O Irã já disse que Israel deve ser varrido do mapa, o governo sírio, que vem aplicando mão de ferro para esmagar os protestos por democracia no seu país chegou a bombardear um campo de refugiados palestino ; o Egito, com a escalada de violência no sul de Israel e frente ao que se tornou o Sinai, depois da queda de Mubarak, não está em posição de garantir grande apoio, mesmo que o faça. O Iraque não existe, pelo menos por um bom tempo, como um país soberano. Quer dizer, a Liga Árabe apoia, como um todo, a causa palestina, mas quando se observa de perto, vê-se que esse apoio é menos decisivo e homogêneo do que poderia ser, coisa que, a despeito da primavera árabe, não configura novidade alguma. O Líbano apoia, mas o Hezbollah já disse que os palestinos não devem abrir mão nem de um grão de areia.

Ao norte, na fronteira com o Líbano, e ao sul, na fronteira com o Egito, há focos de tensão a partir dos quais pode haver escalada de violência. O governo de Netanyahu, que tem um ser como Avigdor Lieberman como ministro de Relações Exteriores, enfrenta insatisfação interna e se prepara para setembro com expedientes demagógicos e manobras legais que secundarizam explicitamente o conceito de Israel como democracia [Ler: Israel está oficialmente abrindo mão da democracia?]. E o embaixador estadunidense em Israel já avisou que os EUA vetarão a proposta palestina, do jeito que ela está.

O ato fundacional de um estado pode não ser um ato em si mesmo legítimo, enraizado em costumes ou derivado de uma longa história. Disso não se segue que estados só se originem à força, obviamente. Mas se segue que sem o estabelecimento de uma lei originária, de um fundamento normativo, presente e positivo, não há garantia, no limite, da existência mesma do próprio estado. É por isso que, neste momento, a fundação de Israel aparece revisitada em boa parte das análises críticas sobre o estado das coisas no país [Ler: Para que haja paz, Israel precisa reconhecer dor palestina).

Porque o seu ato fundador parece sempre em aberto, não concluso, enquanto o debate sobre as fronteiras permanecer como fator de desentendimento, violação de direitos e opressão.

O território é um dos requisitos, segundo a doutrina do direito internacional público, para todo e qualquer reconhecimento de um estado. O povo, a história e, contemporaneamente, a democracia, são outros requisitos, além da língua. O que ata a fundação do Estado de Israel à fundação do Estado Palestino nunca esteve tão próximo e nunca foi tão equivalente, em termos de fragilidade política. Os palestinos, pode-se objetar, são obviamente muito mais frágeis e militarmente desqualificados frente às Forças de Defesa de Israel. É verdade; mas também é verdade que Israel enfrenta crises mais profundas e enfraquecedoras do que os palestinos. Para Israel a crise é social, é governamental, está na oposição, na relativa distância do seu aliado de primeira hora (os EUA), atualmente imerso na própria e difícil agenda e na sua falta de autoridade moral.

Tudo se passa como se, finalmente, os acontecimentos tenham tornado a íntima e necessariamente íntima vinculação entre palestinos e israelenses auto evidente. A hipótese remota de que o estado palestino e o estado israelense coadunem um modo de existir pacífico, em acordo com a comunidade internacional e com relativo financiamento de bem estar para os seus povos (inclusive os hoje refugiados), a cada requisito elementar preenchido – mesmo como hipótese remota -, parece mais utópica e ingênua. A “justiça social”, a “primavera árabe” de longa duração e o movimento internacional dos palestinos comparecem, na atual conjuntura, como miragens desejosas de habitarem um horizonte. Caso esse horizonte se apresente, afinal, como um só, então pode ser que algo concreto seja reconhecido, e então se tenha uma alternativa, como defendeu o professor e historiador Tony Judt, que defendeu a retomada da tese da esquerda socialista europeia e israelense, nos anos 60 (em sua maior parte, judia) de um estado republicano, laico, único, binacional.

Para uma miragem ou outra, muitas fronteiras, além de território, terão de ser estabelecidas.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/

A midia no Brasil - por Latuff


Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Fanzines invadem a galeria Choque Cultural, em São Paulo dia 27/08/2011.

Fanzines invadem a galeria Choque Cultural

Queridos amigos!

Amanhã, dia 27 de agosto, os fanzineiros irão invadir a galeria Choque Cultural com mais um encontro. Organizado pelo artista plástico/grafiteiro/zineiro Daniel Melin que encerra sua mostra individual Novos Planos. Pra variar, estarei lançando a edição 28 do Aviso Final zine (sim, aquela com a Monalisa punk na capa!). Grande oportunidade para conhecer o acervo da Choque. Discotecagem em compacto de vinil com o MZK. Grátis, 15:00 horas. Rua João Moura, 997 - Pinheiros - São Paulo. http://choquecultural.com.br/

Abraços!
Renato Donisete
www.fotolog.com/aviso_final

O mito do combate ao crime - por Latuff


Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Como sempre a verdade é escondida do Povo pelos canalhas, e a corja negocia sempre para beneficiar os ladrões e vigaristas que assolam a nação!

Na última hora, Maluf desiste de admitir um crimeEx-prefeito negociava acordo com promotoria de Nova York para deixar lista de procurados da Interpol; Prefeitura apoiava acerto

Paulo Maluf, que vai celebrar 80 anos em 3 de setembro com pompa e estilo na Sala São Paulo, negociou ao longo de quase um ano acordo com a promotoria de Manhattan (EUA) para ter seu nome excluído do alerta vermelho, o lendário índex dos mais procurados da Interpol em todo o mundo. Em troca, o ex-prefeito e deputado pelo PP admitiria a autoria de um crime pela primeira vez na vida - no caso, delito classificado formalmente de falsificação de registros contábeis praticado nos Estados Unidos.

A confissão histórica se daria perante o Tribunal Criminal de Nova York e de viva voz pelo réu. Sob a condição de não correr nenhum risco de ser algemado, nem mantido em cela prisional, Maluf viajaria para a audiência nos Estados Unidos.

Ele também estava disposto a declarar que "não tem interesse" em US$ 22 milhões do Macdoel Trust, na Ilha de Jersey - fundo controlado por três empresas offshore cuja titularidade o Ministério Público de São Paulo atribui ao ex-prefeito e ao filho mais velho de Maluf, Flávio.

Mas o pacto malogrou há duas semanas, à beira do ato final - assinatura do documento pelas partes envolvidas, os defensores de Maluf, ele próprio e a promotoria americana. Flávio, presidente da Eucatex, ficaria à mercê do Ministério Público brasileiro para eventual ação de natureza penal.

O fracasso da negociação frustra planos da Prefeitura de São Paulo, que pretende investir na área social recursos supostamente desviados de seus cofres na gestão Maluf. A Procuradoria do Município já se havia manifestado favoravelmente ao acordo, do qual a Prefeitura seria parte. O Município seria consultado pela promotoria de Nova York por ser o destinatário final de valores resgatados em Jersey. Advogados foram contratados no Reino Unido pelo governo municipal para acompanhar o caso.

A história secreta do acordo que não deu certo reúne capítulos às vezes marcados pela cautela, outros pela tensão. Foi um jogo de xadrez. De um lado da mesa, advogados de renome e prestígio. Do outro lado, promotores que perseguem com destemor a corrupção e a improbidade. Treze cláusulas compunham o ajuste que, afinal, encalhou.

Veneza. Desde que caiu na malha fina da promotoria em São Paulo, que o acusa por desvio de recursos e fraudes, Maluf jamais admitiu a prática de um único crime. Sempre foi categórico ao negar a manutenção de ativos em paraísos fiscais. Frase de sua autoria tornou-se célebre: "Maluf não tem e nunca teve dinheiro no exterior."

Com os movimentos tolhidos, impedido de revisitar endereços como Veneza e Paris, Maluf quase abriu mão de seu discurso. Dois motivos, principalmente, levaram o deputado a admitir a possibilidade de acordo com seus algozes. Financeiramente, essa quadra de sua vida lhe tem custado muito. Acumula despesas extraordinárias com causídicos influentes que cobram por hora de expediente, em Jersey, Genebra e Nova York. A idade também pesou para o veterano político. Prestes a completar 80 anos, ele sabe que a demanda na corte americana tende a se arrastar por muito tempo - no mínimo, três anos.

O termo ficou pronto há três meses. Além dos US$ 700 mil, nenhuma outra multa ou taxa seria imposta com relação a esse caso, exceto despesas obrigatórias impostas pelo tribunal de acordo com a lei penal.

Por: Fausto Macedo e Marcelo Godoy, de O Estado de S.Paulo

Liberdade para o prisioneiro de consciência: Maikel Sanad Nabil - por Latuff


Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

Balanço crítico acerca da Ação Global dos Povos no Brasil (4) - Por Felipe Corrêa

Balanço crítico acerca da Ação Global dos Povos no Brasil (4)
Esse “fazer muito e refletir pouco” teria em breve sérias consequências. Para priorizar a unidade na prática, o debate teórico e ideológico foi minimizado, para não dizer praticamente suprimido. Por Felipe Corrêa

Teoria, ideologia e prática
Os ativistas do novo movimento demonstravam-se cansados com grande parte da esquerda que “falava muito e fazia pouco”. Essa era uma característica marcante da esquerda clássica: análises profundas (algumas vezes não muito!), críticas contumazes, longos textos, fórmulas para a revolução, ataques e mais ataques de grupos contra outros, de ideologias contra outras. Com frequência, uma falta absoluta de prática, imaginando, talvez, que a teoria pudesse substituí-la; a prática, nos poucos momentos em que acontecia, era acompanhada, muitas vezes, de um acanhamento de dar vergonha.

Havia uma “urgência das ruas”, para parafrasear o título de um livro que teve relevância para o movimento, publicado ainda em 2002. A prática deveria superar a teoria pura e simples cujos autores, para muitos críticos do novo movimento, resignavam-se às “torres de marfim” e desligavam-se da realidade. Tínhamos de fazer alguma coisa. Passava da hora de falar, eram tempos de fazer. O raciocínio parecia fazer sentido.Conforme os dias de ação global e outros protestos de rua foram sendo colocados em prática, foi inevitável a sedução das ruas. Era realmente emocionante um movimento novo conseguir colocar centenas, algumas vezes milhares de pessoas nas ruas. A empolgação motivava muito e fazia com que houvesse uma busca permanente por essa incrível experiência; muitos daquela geração nunca haviam saído às ruas, e a experiência era realmente única. A sensação de que não estávamos sozinhos, que fazíamos parte de um movimento que era global, também motivava significativamente. Mesmo nos momentos de confronto com a polícia, da violência repressiva contra companheiros, das prisões, tudo aquilo terminava por dar mais unidade ao movimento; aumentava a sensação de pertencimento, de indignação contra as injustiças. Para muitos, os atos de rua eram aventuras concretas, protagonizadas por “gente comum” e que contribuíam com altas doses de adrenalina.

No entanto, esse “fazer muito e refletir pouco” teria em breve sérias consequências. Para priorizar a unidade na prática, o debate teórico e ideológico foi minimizado, para não dizer praticamente suprimido. As críticas pouco aprofundadas à velha esquerda e um pequeno conjunto de princípios de ação bastavam. Também “sem querer”, o “praticismo” que se desenvolvia estimulava um vazio teórico e ideológico, evidenciado na falta de debates mais aprofundados e transformado, algumas vezes, em um “praticismo antiteoria”.

Se por um lado o neoliberalismo proclamava o fim das ideologias em nome do capitalismo de mercado, por outro, a nova esquerda impulsionada pela AGP buscava uma unidade supérflua sustentando, ainda que indiretamente, um abandono das discussões teóricas e ideológicas. Parecia haver um certo receio de entrar em terrenos que poderiam gerar discordâncias e, quem sabe, comprometer o movimento. Talvez não fosse o momento de evidenciar possíveis diferenças e correr o risco de cisões.

As formações que promovemos, pelo menos em São Paulo, foram, na imensa maioria, práticas (treinamento de ação direta etc.). Em termos de teoria, recordo-me somente de uma formação consistente sobre a ALCA, que realizamos na ALJG, que foi sintetizada numa edição do jornal Ação Direta e em diversos textos publicados na internet no site “Alcaralho.org” (?!). A falta de formação política e a indefinição ideológica, que terminaram se tornando quase princípios, davam sustentação à repetição de slogans, que, em muitos casos, não possuíam conteúdo.

Democracia: individualismo, “democratismo” e a cultura do “pode tudo”
É notório que a esquerda clássica foi caracterizada por seu espírito autoritário e antidemocrático — considerando aqui a democracia como participação ampla nos processos decisórios. Seja por uma visão mais revolucionária, que dava exclusividade ao partido nesses processos, alijando todo o resto da população, ou por uma visão mais reformista, que sustentava serem os representantes eleitos aqueles que deveriam fazer a política no lugar do povo.

A AGP buscava impulsionar uma mudança em relação a esses aspectos. Para a rede e todo seu conjunto de ativistas, era imprescindível uma democratização ampla, tanto no que dizia respeito aos processos de mobilização, quanto numa eventual proposta de sociedade que se desejava construir. Assumia-se a máxima de que teríamos de começar a construir naquele momento o amanhã desejado, e por isso tornava-se imprescindível um processo de luta que fosse completamente democrático. Foi nesse sentido que foram incorporadas as propostas de democracia direta, autogestão etc. Todos os envolvidos deveriam participar dos processos decisórios, os quais teriam de se dar em assembléias horizontais, com todos participando. Sem uma vanguarda partidária consciente que determinaria os rumos do movimento e sem confiar a uma classe política as tomadas de decisão daquilo que nos dizia respeito — o próprio princípio da ação direta.Como sempre, sem muita reflexão, essa idéia trazia problemas. Se era absolutamente correta a idéia de democratização dos processos decisórios, vinham “no pacote” alguns elementos que, longe de contribuir com essa democratização, a complicavam. O primeiro deles era a idéia de tomada de decisão por consenso, algo que se estabelecera com os novos movimentos sociais fora do Brasil e que se instituía como uma virtude do movimento no país, a qual contrapunha os processos de votação, que eram todos equiparados à democracia representativa. Acreditava-se que com as decisões por consenso todo o conjunto do movimento seria contemplado. No entanto, o consenso terminava por valorizar, desproporcionalmente, as posições individuais em detrimento do coletivo, além de deliberar sempre em favor de um mínimo denominador comum. Todos tinham de estar de acordo com a proposta, ou ao menos abster-se de opinar; nas questões em que havia acordo, geralmente não havia problemas. Entretanto, quando surgiam as divergências, relativamente comuns, como em qualquer processo decisório, a opção única pelo consenso trazia problemas. Por exemplo: numa assembléia de 20 pessoas, 19 tinham uma posição e 1 pessoa tinha outra; isso exigia um meio-termo que dava à pessoa dissidente um peso desproporcional na decisão, a qual terminava por contemplá-la em detrimento da maioria. Se havia um traço individualista no discurso da “opressão da minoria pela maioria” — que aparecia vez por outra — em casos como esse, era a minoria que se impunha, de maneira desproporcional, à maioria. Para impedir a “tirania da maioria”, optou-se frequentemente por processos que caracterizavam a “tirania da minoria”, tão criticada em outros âmbitos.

Além disso, o consenso dava espaço demasiado àqueles com maior capacidade de oratória e com mais condições de formular seus próprios argumentos. Além de falarem mais, essas pessoais terminavam conseguindo ser muito mais contempladas no processo decisório do que aquelas que falavam pouco ou que tinham menos capacidade oratória e argumentativa. Como o critério da decisão era qualitativo e não quantitativo, as posições daqueles que falavam mais e melhor valiam muito mais do que as dos outros. Essa era uma das portas que permitia a entrada e o estabelecimento da conhecida “tirania das organizações sem estrutura”, para utilizar o título brasileiro do texto de Jo Freeman.

E não era só isso. As tentativas de acordo terminavam constantemente optando por soluções que contemplavam a todos, mas que, para isso, tinham de ser reduzidas ao mínimo denominador comum. Se metade da assembléia tinha uma posição e a outra metade tinha outra, e se ambas as posições concordavam em 50%, optava-se por reduzir a decisão do coletivo a esses 50% de acordo e as divergências, que poderiam ter elementos importantes para o avanço, eram descartadas. Isso, creio, teve impacto nas decisões e foi um dos fatores responsáveis pelo impedimento do avanço em diversas questões.

Outro aspecto que vinha junto com a idéia de democratização do movimento era um mito de que todos deveriam participar de todas as decisões, por mínimas que fossem, o que chamei em 2005 de “democratismo”. Na realidade, como definido no próprio conceito de autogestão, a democratização nos processos decisórios exige ampla participação dos envolvidos e daqueles cujas decisões terão impacto em alguma medida.Nesse processo, a delegação foi um instrumento historicamente aceito como maneira de articular instâncias autogeridas e democráticas mais amplas. Ainda assim, com o novo movimento, desenvolveu-se, não sei exatamente como, uma idéia de que democracia direta, autogestão, etc. significava que todos deveriam participar e decidir sobre tudo. Utilizar um processo democrático significava, muitas vezes, ficar por longos períodos discutindo questões completamente marginais, sem qualquer importância: a marca da cerveja que seria comprada para uma festa, a cor de uma parede de um espaço coletivo que seria pintado, a vírgula do texto do panfleto etc. E, obviamente, as discussões prioritárias e relevantes eram prejudicadas. A delegação autogestionária/federalista era muitas vezes comparada à delegação da democracia representativa — entendia-se que delegar, ainda que pela base, era deixar a um outro a tarefa de fazer por você. Com esse envolvimento de todos em todos os processos decisórios, não era incomum pessoas não envolvidas com o trabalho quererem deliberar sobre o trabalho realizado por outras e também as pessoas novas que nem bem chegavam e já queriam deliberar sobre questões com significativo acúmulo por parte do coletivo [1].

Com isso, frequentemente os processos decisórios, não raro, estendiam-se ao limite, e perdiam sua função de meios tornando-se fins a serem atingidos — afinal, decidimos algo para levar as decisões a cabo e desenvolver um projeto determinado. Os processos, ainda que não chegassem a lugar algum, proporcionavam um ambiente “democrático” que servia como um fim em si mesmo [2]. A democracia e a autogestão constituíam um ambiente propício para o deleite pessoal de alguns.

O argumento da democratização dos processos decisórios também vinha acompanhado do já mencionado espírito do “politicamente correto”, um certo “bom-mocismo” permissivo que criava uma cultura do “pode tudo”. Entendia-se com frequência que ser democrático era aceitar quaisquer posições e quaisquer atitudes por parte de outras pessoas [3]. Essa cultura permissiva, na realidade, invertia a noção de autoritarismo. A liberdade individual constantemente se sobrepunha às posições coletivas e, quando havia sinais por parte do coletivo de querer retomar as deliberações e os processos coletivos, acusavam-no de estar sendo autoritário. Os casos são inúmeros, alguns emblemáticos, realmente no limite de posições individuais absolutamente autoritárias, que eram toleradas pelo coletivo com o receio de que uma repreensão pudesse incorrer em autoritarismo [4]. Ainda assim, havia casos mais rotineiros, não tão extremos, mas que também evidenciavam o desrespeito das posições coletivas em favor das “licenças” individuais [5]. Invertia-se completamente a noção de autoritarismo, e a acusação de autoritário, além causar um medo quase religioso nos ativistas politicamente corretos, servia como contra-ataque daqueles que priorizavam o individual em detrimento do coletivo.

As manifestações de rua também terminaram sendo palco para “rebeldias individuais”, que, imbuídas de altas doses de espontaneísmo, contrariavam as deliberações coletivas e colocavam todo o coletivo do protesto em risco em nome de idiossincrasias individualistas completamente autoritárias. Ainda que tenhamos criado mecanismos para minimizar esse tipo de postura [6], o fato é que muitos ainda gozavam do anonimato que a massa das ruas criava para demonstrarem-se “corajosos” e “combativos”, colocando em risco todo o processo de construção coletiva [7].

Organização, integração, internacionalização e estratégia
Contrapondo-se ao discurso organizativo da velha esquerda, que vinha acompanhado de métodos que implicavam hierarquia e dominação, a nova esquerda propunha formas mais fluidas de organização. Parecia haver uma premissa oculta de que o nível de organização era diretamente proporcional à hierarquia e à dominação. Ao mesmo tempo também parecia óbvio que era necessário integrar todas as lutas e internacionalizá-las, sustentando, como dizia o slogan, que se “o capital é internacional, globalizemos a resistência”.

A noção de organização em rede surge, em grande medida, para solucionar esse problema organizativo. A própria AGP, em sua constituição, toma posições no sentido de construir um “espaço de articulação” que não se sabe exatamente quem compõe, quais são as funções de cada participante, de cada coletivo, quais são os processos decisórios em níveis mais globais, todos podem fazer ações e dizer que estão inspirados por seus princípios, não há controle e nem avaliação mais aprofundada do que é feito etc. Não se sabe exatamente quem é membro e quem não é. Uma típica “organização sem estrutura”, que parecia, no fundo, incorporar a máxima de que organização é igual a autoritarismo. Características que, para a militância da AGP, marcam a tal “atuação em rede”.

Na realidade, equiparar organização a autoritarismo é um mito que cai no extremo oposto. Nas organizações que possuem regras e processos claros, filiação e funções definidas, discussões e avaliações coletivas e responsáveis etc., cada um sabe o que deve (ou mesmo pode) fazer, e cada um sabe o que pode esperar dos outros, do coletivo como um todo. Ao optar por esse modelo organizativo nebuloso, terminou-se por dar mais espaço a quem estava mais organizado, mais articulado, quem tinha os contatos, quem dominava os idiomas etc. O mesmo processo criticado na “tirania das organizações sem estrutura”.A necessidade de se integrar as lutas também trouxe consequências. A integração de lutas, representada pela idéia de que estávamos criando um “movimento dos movimentos”, se por um lado trazia o respeito e a tentativa de articular as várias lutas, por outro impedia a crítica e a reflexão mais aprofundada, como de praxe. Companheiros e companheiras que atuavam conosco e também em movimentos diversos (negro, LGBT, feminista etc.) terminaram sendo arrastados por esses movimentos e suas propostas de integração no capitalismo, um processo que teve pouca crítica de nossa parte. Sem propostas bem definidas, era fácil ser levado a reboque das propostas de movimentos mais estruturados. A visível institucionalização desses movimentos, que se evidenciaria mais gritantemente no período subsequente, não mereceu a devida crítica, e a integração das lutas deixava um “respeito” que se limitava a um “reboquismo” da nossa militância em relação aos movimentos, ou a simples integração dos ativistas “antiglobalização” nesses movimentos de maneira, quase sempre, acrítica.

O princípio anticapitalista da AGP, que deveria nortear a participação de todos os “indivíduos e grupos” por ela inspirados, terminou como um adereço sem função para muitos daqueles que participavam de outros movimentos. Afinal, não se opunha abertamente ao critério que já era utilizado por esses movimentos, de afirmar suas bandeiras tendo como base a inserção nas estruturas vigentes do poder econômico e político [8]. Um problema que membros da AGP que tiveram contato com o processo de conformação da Parada do Orgulho Gay viram de perto [9]. A noção da necessidade de integração das lutas estava correta, mas o princípio anticapitalista, que deveria nortear a criação e o desenvolvimento de lutas, não poderia jamais ter sido deixado de lado.

A necessidade de internacionalização das lutas também teve consequências. Ainda que se defendesse “pensar global e agir local”, o fato é que havia uma importação de pautas, no melhor estilo neocolonialista, que, se por um lado unia os ativistas internacionalmente, por outro complicava sua atuação localmente e a criação de estratégias adequadas.

Questões internacionais amplas (neoliberalismo, ALCA, OMC etc.) dificultavam a “tradução” dessas questões no que dizia respeito ao dia-a-dia da população. Era, evidentemente, um problema estratégico — talvez um dos mais sérios de todo o movimento. Pensar estrategicamente exigiria formular, discutir e tomar posições em relação a questões que foram muito pouco discutidas. As perguntas mais básicas — Movimento para quê? Movimento para quem? — se foram algumas vezes tratadas, nunca superaram o nível da especulação rasa e deram espaço a proposições que se abstinham de um caminhar estratégico. Se essas perguntas tivessem sido honesta, profunda e criticamente discutidas, certamente haveria um diagnóstico de que as bandeiras do movimento — por mais que girassem geralmente em torno de questões ligadas ao neoliberalismo — mudavam com muita frequência, o que fazia com que se acentuasse uma outra característica do nosso movimento: o “faz tudo mas não faz nada”. Pessoas envolvidas com inúmeras causas, inúmeros projetos, mas que terminam por não fazer nada direito.

Ao fazer um balanço das bandeiras que levantamos em todo o período da AGP se constatará que as questões foram muito diversificadas, ao mesmo tempo em que nossa força não era suficiente sequer para organizar algo sério em relação a uma delas. Mobilizamos em torno das mais diferentes bandeiras [10], todas as quais, evidentemente, mereciam lutas. O problema, entretanto, era a falta de uma visão estratégica, já que tínhamos uma determinada força, “bater” cada hora em um alvo fazia com que os golpes terminassem por não surtir muito efeito. Cada vez o tema era um e não conseguíamos — sequer tentávamos — traduzir bandeiras globais de luta em um conjunto de propostas compreensíveis para a população. Fica também uma impressão do “modus Greenpeace de operar”, que sempre prioriza o distante em relação ao próximo, já que é mais simples, mais seguro e mais “marketeiro”, por exemplo, defender pandas de localidades longínquas do que lutar com os desempregados de sua própria localidade. Se as perguntas estratégicas tivessem sido suficientemente discutidas e, de fato, respondidas, evidenciaria-se que todos esses problemas estratégicos nos quais incorriam o movimento reduziam significativamente o próprio conjunto dos participantes dos movimentos. Problema de crescimento das bases reforçado pelo já mencionado perfil que hegemonizava as mobilizações.

Além disso, a necessidade de estarmos integrados a tudo o que acontecia internacionalmente acelerava o calendário e fazia com que, a toda hora, fosse mais o momento de fazer do que de pensar, reforçando o “fazer pelo fazer” mencionado anteriormente. Uma priorização do tático que sempre se dava em detrimento do estratégico.

Por que uma estratégia seria imprescindível? Tínhamos de avaliar a conjuntura, verificar quais seriam nossos objetivos, constatar nossa capacidade de mobilização, verificar quais seriam as necessidades e prioridades para aumentar a nossa força, como iríamos traduzir as bandeiras em questões concretas que poderiam ser entendidas pelas pessoas, quais seriam as ações que contribuiriam com um avanço estratégico mais amplo etc. Questões básicas que foram poucas vezes discutidas a sério. Não há como negar que essa falta de projeto estratégico dava margem a um espontaneísmo gritante, que fazia nosso “barco” andar em círculos, já que não sabíamos direito para onde ir.

Observando hoje, vejo um movimento que andava em círculos, tentando fazer muita coisa, mas fazendo pouca coisa direito. Andava um pouco numa direção, um pouco noutra, sem conseguir manter um norte e sem conseguir acumular e trilhar um caminho sólido.

Tecnologia e liberdade
Finalmente, pode-se colocar a necessidade e a vontade que tivemos de integrar as novas tecnologias e ferramentas em nosso processo. Não sei se é correto falar em “integrar”, visto que o movimento nasce delas, ou já surge com elas, desde seu início. Ferramentas de publicação aberta, como o CMI, acompanham o movimento desde seu surgimento, assim como servidores de emails e listas como o Riseup, ambos promotores dos softwares livres, de uma cultura contrária aos direitos autorais e de conteúdo radical.Quando o CMI surgiu no Brasil, por exemplo, havia uma dificuldade grande para se publicar na internet, criar sites, blogs etc., e por isso a proposta de publicação aberta caracterizou-se como uma inovação sem precedentes. Como em outros países, o CMI foi central tanto para a articulação dos protestos da AGP quanto para a difusão de sua cobertura. Assim também foram os emails seguros e listas do Riseup.

No entanto, não deixou de surgir em meio ao movimento uma visão que politizava a tecnologia em si mesma, acreditando que a publicação livre, as licenças livres, os servidores independentes, carregavam certo potencial libertador. O que a história mostra — contradizendo aqueles que, contrários à tecnologia, afirmam que uma tecnologia não pode jamais modificar as raízes que lhe foram engendradas no momento de sua criação — é que as ferramentas da web, que hoje se chamam de 2.0, foram, em grande medida, uma criação desse movimento da nova esquerda global. Tecnologias descentralizadas, que propiciavam a participação, a construção coletiva, dentro do espírito que caracterizava o próprio movimento.

Entretanto, com o passar do tempo, entre a criação dessas ferramentas e os dias de hoje, os capitalistas perceberam que era possível utilizar a descentralização, a participação e a construção coletiva para a acumulação de capital e geração de lucro. Ferramentas criadas com o intuito de combater o capitalismo foram apropriadas pelos capitalistas, em nome de uma construção mais descentralizada, participativa e coletiva do capitalismo; idéia que permeou toda a criação e o desenvolvimento da Internet 2.0 [11]. Um processo que não deixou de ser auxiliado por parte dos ativistas antiglobalização que, integrados ao capitalismo, entregaram suas ferramentas e ajudaram em seu desenvolvimento e em sua integração ao mundo corporativo [12].

Não foram poucos os que, envolvidos com as tecnologias alternativas, ingressaram em processos governamentais ou capitalistas que se utilizavam dessas tecnologias. Empresas que utilizavam o Linux como maneira de conter custos com as licenças do Windows, governos que desenvolviam projetos de inclusão digital, empresas que douravam seus produtos com licenças diferenciadas como forma de inserir-se alternativamente no mercado, etc. E não falo dos empregos para a sobrevivência de parte dessa militância, claramente necessários, já que não podemos cair no raciocínio, típico dos setores médios alternativos, de que é possível para todos uma escolha do trabalho que se vai realizar, visando não contribuir com o capitalismo ou ter um impacto menor em seu desenvolvimento [13]. Falo da “compra” ideológica do discurso da libertação por meio da tecnologia, um fator responsável por aproximar do governo Lula grande parte desses ativistas, seduzidos pela política do Ministério da Cultura, que oferecia trabalho, financiamento e mesmo a promoção desse modelo de tecnologia alternativa. Qual era o projeto político do governo que impulsionava essa política do MinC? Certamente não era anticapitalista, e pode-se questionar, inclusive, se era, ainda, de esquerda.

Notas:
[1] Algo relativamente comum que ocorria era que, por falta de estruturas orgânicas mais definidas, as pessoas novas que chegavam podiam participar das decisões junto com o coletivo mais estruturado. Lembro-me de diversas vezes que chegavam pessoas novas, davam opiniões sobre todos os assuntos, suas posições eram incorporadas nas decisões e depois essas pessoas nunca mais apareciam. Terminavam, no fim das contas, deliberando para outros realizarem suas deliberações.
[2] Durante um FSM, o CMI aproveitou para marcar uma reunião global, já que estariam presentes muitos membros dos coletivos de todo o mundo. Por algum motivo que não me lembro bem — creio que por razão de uma manifestação que fizemos contra a burocratização do Fórum — eu e outro companheiro perdemos a reunião. Não deixamos de ficar chateados pela perda dessa oportunidade. No dia seguinte, ao encontrar um membro do Indymedia Global, perguntamos sobre o que havia sido tratado e decidido na reunião. Ele nos falou: “- A reunião foi longa, 18 horas seguidas…”. Nós, embasbacados, perguntamos: “- Nossa, mas o que foi deliberado?” E ele respondeu: “- Na verdade nada, mas foi muito bom vivenciar aquele processo democrático, todos falando, sem serem interrompidos, cada um colocando sua posição…”. Em um minuto eu já tinha me congratulado pela ausência.
[3] Lembro-me de uma reunião nacional do CMI em que se discutia o papel dos comentários no site. Eu e outros companheiros, com um projeto político naquele momento já mais definido, sustentávamos que o site tinha por trás uma proposta: uma crítica da sociedade capitalista, caminhos pelos quais se poderia promover transformações etc. E esse projeto, para nós, deveria nortear toda a política de publicações e de comentários do site. Havia um grupo, entretanto, significativo, que sustentava que retirar os comentários da extrema direita era censura, e que o CMI não podia utilizar-se disso. Sustentávamos que promover a discussão era importante, desde que não aceitássemos posições de inimigos, que infringissem os princípios do CMI. O outro grupo achava isso autoritário. A discussão estendeu-se pela noite com os companheiros argumentando sobre a importância do espaço democrático e que deveríamos discutir com os fascistas e convencê-los das nossas idéias…
[4] Exemplo crítico, é verdade, mas ilustra bem o que estou sustentando. Em uma edição do Carnaval Revolução, realizada em um sítio na grande Belo Horizonte, um gringo, daqueles que querem conciliar o punk com o hippie, não sei por que motivo defecou dentro do espaço do chuveiro reservado ao banho coletivo. O assunto gerou polêmica. Um setor mais exaltado, acreditando que o estrangeiro havia incorrido em uma atitude antiética e individualista, defendia dar uma surra nele e expulsá-lo do encontro — mas era o setor minoritário. O setor majoritário sustentava que ele tinha a liberdade de fazer isso e que bater nele ou expulsá-lo do evento seria um ato autoritário. No auge da polêmica, um bom-samaritano limpou a sujeira, “solucionando” o problema.
[5] Outro exemplo, menos escatológico, mas mais constante, foram os espaços autogestionários, em que as pessoas “deveriam” ter o “direito” de não cumprir suas responsabilidades, em nome de um antiautoritarismo às avessas. Havia uma rádio livre de Florianópolis que, em suas reuniões autogestionárias, fechava a grade de programação, distribuindo os horários às pessoas voluntárias que fariam os programas. Não era incomum alguns pegarem os horários mais disputados e não aparecerem no dia e horário combinados. Quando cobradas, as pessoas colocavam-se como vítimas do autoritarismo dos companheiros, reivindicando sua “liberdade” de faltar (sem avisar, é claro).
[6] A partir de um determinado momento, começamos a fazer o seguinte. No início da manifestação, alguém pegava um megafone e explicava todas as deliberações coletivas que haviam sido tiradas em assembléia com relação àquele ato. Se era ou não um ato pacífico, o trajeto que seria realizado etc. Finalmente, avisávamos que qualquer atitude que contradissesse essas deliberações coletivas seria entendida como obra de policiais infiltrados — encaminhados à comissão de segurança, que retiraria os manifestantes do protesto. Ainda que não resolvesse completamente o problema dos rebeldes individualistas, isso minimizava significativamente os “corajosos”, que adoram usufruir da “proteção” do coletivo para protagonizar rebeldias individuais/individualistas.
[7] Estávamos numa manifestação na Av. Paulista, não me lembro exatamente qual era o motivo da manifestação. Só me lembro que o processo para organizar o ato havia sido desgastante, e tínhamos modificado o trajeto, pensando em como conduzir a coisa e, como queríamos tentar aumentar a participação, decidimos que seria um protesto pacífico. Isso havia sido fechado na assembléia anterior à manifestação e avisado já no início. No meio do protesto, uma turma inspirada pelo “Black Bloc” avança rumo ao Mc Donald’s e começa a xingar as pessoas que estavam lá dentro. Alguns, mais exaltados, jogam, escondidos atrás da turba, objetos como garrafas e outros no vidro da lanchonete. A polícia tenciona. Por um lado, a comissão organizadora empurrava os manifestantes para que passassem reto pelo local, buscando evitar o confronto, quando, de repente, um “rebelde radical” joga, detrás da multidão, algo na polícia — parecia uma pedra, um vidro ou algo do gênero — e, naquele barril de pólvora, uma faísca era suficiente para mandar tudo pelos ares. A polícia avança para cima dos manifestantes, bate em vários, solta bombas de gás, de efeito moral etc. Pessoas de mais idade, ou mesmo alguns que levaram os filhos apavoram-se, e o protesto transforma-se em um caos.
[8] Por exemplo, o movimento negro, ao exaltar ricos e famosos, e as feministas, fazendo contas de quantas mulheres já eram diretoras ou presidentes de grandes empresas. Há que se ressaltar que ricos e poderosos sempre foram “respeitados” em nossa sociedade, independente de qualquer coisa. Condoleezza Rice, por exemplo, mulher e negra, não é respeitada por ser mulher nem por ser negra, mas por ser poderosa.
[9] Quando houve o episódio de repressão à um casal gay que se beijava no Shopping Frei Caneca, pessoas ligadas à AGP auxiliaram na organização do conhecido “beijaço” gay no local. Os donos das lojas entram em pânico, já que 80% de seus clientes eram gays. No dia do beijaço, receberam todos de portas abertas, com cartazes com homenagens e tudo. A partir de então, o Shopping Frei Caneca se tornaria, abertamente, o shopping gay da cidade. No entanto, os gays não estavam sendo respeitados por serem gays, mas por serem consumidores, por terem dinheiro. Os gays das periferias certamente não teriam o mesmo respeito. Ao mesmo tempo, ter gays nas posições centrais do poder não melhora a condição daqueles que são oprimidos. Não ser mais oprimido por um homem branco, mas por uma mulher negra e gay, muda a opressão? Melhora o mundo?
[10] Contra o FMI, o BM, a ALCA, o G8, a cultura do automóvel, as guerras, a repressão policial, a OMC, o Fórum Econômico Mundial, o BID, a opressão contra os homossexuais, o aparelhamento dos movimentos sociais pelo PT, a UNCTAD, a morte de Santillán e Kosteki (piqueteiros argentinos), entre outras.
[11] Esse fato coloca em xeque as posições primitivistas de que as máquinas da indústria, por exemplo, engendram em si mesmas o capitalismo. E sustentam o argumento de que, por trás das tecnologias, existem intenções, processos e instituições capazes de ditar seu fim. Nesse sentido, uma fábrica poderia, utilizando-se de sua própria tecnologia, servir para propósitos anticapitalistas, desde que as intenções, os processos e as instituições que determinam seu funcionamento assim o fossem. Uma fábrica autogerida poderia, assim, servir como meio de luta e também como paradigma de uma sociedade futura.
[12] Alguns membros do CMI Global integraram de maneira central o projeto de desenvolvimento do Twitter, por exemplo. O exemplo do CMI, de comentários abertos, foi seguido pela maioria dos portais da mídia corporativa.
[13] Visão bastante difundida e sustentada por argumentos como o de Michael Moore no documentário Corporation, quando afirma ser um paradoxo o fato de operários trabalharem em fábricas e contribuírem, assim, com o desenvolvimento do capitalismo. A maioria dos trabalhadores, naturalmente, não pode escolher onde trabalhar e, se trabalham numa fábrica, por exemplo, não é porque querem ajudar o capitalismo, mas porque estão sendo por ele explorados, sem outras alternativas disponíveis.
Fonte: http://passapalavra.info/

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

As prioridades do governo Dilma Rousseff - por Latuff


Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

Novo espaço libertário em Campinas: Okupa Timothy Leary - por ANA

Novo espaço libertário em Campinas: Okupa Timothy Leary

Comunicado:
A apenas 90 km de São Paulo está localizada Campinas, cidade conhecida por abrigar umas das maiores universidades do país, a UNICAMP. Por alguns anos (entre 1990 e 2004), também foi o palco de uma famosa okupa anarquista, a Pomba-Negra. Após períodos de perseguição fascista nas ruas (poucos anos depois), crescimento do movimento de direita, amenizou-se e uma nova geração de anti-autoritários começou a crescer.

Neste caldeirão alguns de nós começamos a fazer estudos sobre os escritos libertários do futurista Timothy Leary, sobretudo quanto aos fins libertários e terapêuticos das experiências psicodélicas (um manual baseado no Livro Tibetano dos Mortos). Algo capaz de reconstruir egos, libertar as pessoas de suas prisões diárias e recrutar mais e mais camaradas pela liberdade.

Surgiu a necessidade de um espaço para lidar com essas experiências: Daí vem a okupa Timothy Leary, levando o nome desse cientista que tanto contribuiu para a liberdade. O nome deve servir de referência e ajudar a difundir seus estudos, que além de perseguidos foram esquecidos e deixados à marginalidade no movimento contra-cultural.

Depois que passou a ser planejada, e com referências em outras Okupas (agradecimentos a Lxs Gatxs de Córdoba (Argentina), La Máquina de Santiago (Chile), Boske Ipirapijuka de Porto Alegre (RS) e à Casa Aberta de São Paulo (SP), a maioria agora já desalojados ou em processo de desalojo), passamos a contar com futuras instalações para as mais diversas atividades: estúdio de música, sala de exibição de filmes, oficina de serigrafia, hortas de permacultura e culturas psicotrópicas (legais), à parte das instalações sustentáveis, composteira, banheiro seco, contenedor de água, chuveiro solar, etc.

As experiências psicodélicas acabaram como plano à parte e a casa já se prepara para atividades de exercícios Somaterapeuticos, aulas de capoeira e eventos culturais.

Antes que tudo pudesse ou possa acontecer, tivemos que enfrentar muitas dificuldades, (isso sem jamais perder o entusiasmo). Primeiramente a falta de contingente. Haviam poucos os que realmente queriam se envolver. Foi feita a divulgação, o nascimento de uma nova Zona Autônoma nos moldes de Hakim Bey havia sido anunciada, porém as pessoas, por comodismo, ou saturação de tarefas, não apareciam.

Um dos vizinhos não gostou da idéia de um espaço alternativo ao lado. Chamaram a polícia várias vezes (até que a mesma reclamou com eles sobre), inventaram falsos-compradores da casa, e jamais se abriram ao diálogo. Também muito provavelmente, quebraram um de nossos cadeados no período em que foi trocado pelo antigo, avisando-nos que a imobiliária quem o fez. Neste período em que a casa ficou destrancada, começou a ser utilizada como ponto de uso de drogas pesadas e de prostituição.

Apostamos inicialmente no pluralismo e na experiência como aprendizado, na educação-ação. Muitas pessoas distantes da proposta apareceram. Malabaristas, punks sem definições e estudantes curiosos. Começou-se a misturarem-se os desejos sobre o que fazer da casa e apareceram as duas palavras-chave: Squat Punk & Centro Cultural. Apesar de achar que as duas coisas poderiam coexistir, foi-se percebendo que o que se estava denominado como Squat-Punk não poderia ser duradouro nem construtivo, mas um fim em si mesmo, e as atividades programadas para o espaço estariam comprometidas. A primeira opção foi abortada, pois percebeu-se uma distorção sobre o que significava o punk para aqueles que o estavam reivindicando, mesmo que ainda estejamos aberto a punks (como há anarco-punks moradores) ou qualquer que seja e esteja de bom grado pela proposta libertária da casa. No espaço, foi definido e avisado logo na entrada (baseado nas regras definidas em Christiania): Proibido: drogas pesadas e álcool, gangues, intolerância, roubos, armas, violência.

Assim ficou excluído praticamente todos os problemas que tínhamos até então, formalmente. Antes de perceber o quanto éramos unidos, vários convidados da casa tentaram virar a mesa e usar da casa para fins egoístas. Sem querer unir-se e aprender um modo de vida alternativo, pouco a pouco tivemos que filtrar quem continuaria na casa, saindo primeiro os okupantes dos fundos, usuários de crack, depois malabaristas sem propostas libertárias, que não respeitavam os moradores da casa, e finalmente okupantes que eram intolerantes uns aos outros embasados em preconceitos e de forma agressiva.

Apaziguada, a casa permanece de pé e os okupantes seguem com os projetos propostos. Há moradores e visitantes esporádicos. Estamos unidos e contando com o apoio de todos que quiserem contribuir. Também os que queiram vir e aprender conosco, conhecer o espaço são muito bem-vindos, com base nas regras ditas anteriormente. Dia após dia, o organismo das pessoas envolvidas é que evolui, e faz valer a pena esse processo de surgimento e desaparecimento das zonas autônomas.

Solidariedade à todas as okupas que estão em processo de desalojo em todo o mundo! Nossos sonhos não se desalojam!

Okupa e Resiste!

Okupa Timothy Leary
Contato: okupaleary@riseup.net

agência de notícias anarquistas-ana
olhar oblíquo
lua enevoada
sem mistério

Seadog

As aventuras do Eduardo Paetinhas - por Latuff


Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Como mudar o mundo, novo livro de Hobsbawm - por Fernando Bogado - Página/12

Como mudar o mundo, novo livro de Hobsbawm
Após se sentir parte da geração com a qual se extinguiria o marxismo da vida política e intelectual do ocidente, as crises financeiras, a espiral conflitiva do capitalismo e as mudanças na América Latina deram a Eric Hobsbawm, aos 94 anos, a alegria de voltar a Marx. Em seu novo livro, que tem o sugestivo título "Como mudar o mundo", o historiador refuta com sua habitual lucidez as más interpretações, arquiva os preceitos que envelheceram e utiliza as ferramentas oferecidas pelo autor de "O Capital" para entender o mundo no século XXI e fazê-lo um lugar melhor.

Aos 94 anos, depois de publicar suas extraordinárias memórias (Tempos Interessantes), o grande historiador inglês Eric Hobsbawm – que dedicou sua vida à análise e explicação da era moderna, desde a Revolução Francesa até os estertores do século XX – tinha um livro a mais para escrever: Como mudar o mundo. Após se sentir parte da geração com a qual se extinguiria o marxismo da vida política e intelectual do ocidente, as crises financeiras, a espiral conflitiva do capitalismo e as mudanças na América Latina lhe deram a alegria de voltar ao seu querido Marx. No livro, refuta com sua habitual lucidez as más interpretações, arquiva os preceitos que envelheceram e utiliza as ferramentas oferecidas pelo autor de O Capital para entender o mundo no século XXI e fazê-lo um lugar melhor.

Imaginem a cena: Eric Hobsbawm, reconhecido historiador inglês de corte marxista, e George Soros, uma das mentes financeiras mais importantes do mundo, encontram-se para um jantar. Soros, talvez para iniciar a conversa, talvez com o objetivo de continuar alguma outra, pergunta a Hobsbawm sobre a opinião que este tem de Marx. Hobsbawm escolhe dar uma resposta ambígua para evitar o conflito, e respondendo em parte a esse culto à reflexão antes que ao confronto direto que caracteriza seus trabalhos. Soros, ao contrário, é conclusivo: “Há 150 anos esse homem descobriu algo sobre o capitalismo que devemos levar em conta”.

A estória parece quase seguir a estrutura de uma piada (“Soros e Hobsbawm se encontram em um bar...”), mas é o melhor exemplo que o historiador inglês encontra para mostrar, no começo do seu livro, essa ideia que está pairando no ar há tempos: o legado filosófico de Karl Marx (1818-1883) está longe de ter se esgotado e, muito pelo contrário, as publicações especializadas da atualidade, o discurso político cotidiano, a organização social de qualquer país não fazem outra coisa que invocar o seu fantasma para lidar com esse angustiante problema que tomou o nome histórico de “capitalismo”.

No livro, recentemente publicado em castelhano, que leva o sugestivo título Como mudar o mundo, Hobsbawm volta a oferecer seu indiscutível talento para colocar as proposições daquele filósofo alemão que seguem tendo uma vigência definidora para construir o presente.

Repassemos antes a presunção de morte que se pendurou no pescoço de Marx durante o último quartel do século XX: a crise do petróleo de 1973 desencadeou um processo político e econômico que organizou o que Hobsbawm qualificou como reductio ad absurdum das tendências da economia de mercado. A situação provocou o surgimento de governos conservadores nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha (com Ronald Reagan e Margaret Thatcher à frente de seus países), ao mesmo tempo que implicou em diversos territórios a implantação de economias de claro corte financeiro, situação que na América Latina trouxe aparelhado o surgimento de governos de fato que impuseram este tipo de organização pela força, suplantando as estratégias de desenvolvimento industrial e substituição das importações por facilidades para os capitais andorinha, a especulação e a desestruturação das organizações sindicais (somados, é claro, às estratégias de repressão dispostas há muito tempo antes dos golpes, como mostra a história nacional).

Aquela série de mudanças culminou com a queda do Muro de Berlim e do bloco soviético em 1989-1991: a URSS não podia resistir muito mais tempo com sua particular versão do marxismo e sua economia planejada. Francis Fukuyama, pensador norte-americano de corte neoliberal, se apropriou de algumas noções da filosofia hegeliana para dar a sentença final acerca desta sucessão de acontecimentos: estávamos diante do “fim da História”, o desaparecimento do mundo organizado em blocos opostos que havia marcado o destino de tudo o que conhecemos desde o final da Segunda Guerra Mundial em diante.

É neste panorama conciliador da economia globalizada e aparente pacificação social que, ao longo da década de 1990, todo o mundo deu por enterrado o pensamento marxista, inclusive, com certas justificativas de índole éticas: o nome de Karl Marx sempre vinha acompanhado de Joseph Stalin, entre muitos outros. Marx não era apenas uma má palavra para um guru econômico, mas também para um cidadão das zonas mais pobres da Rússia, que via com prazer a forma como caíam as estátuas de Lênin, Stalin e do próprio Marx.

Quem teria dito então que veríamos uma foto de Sarkozy lendo O Capital e o papa Bento XVI elogiando a capacidade analítica de seu autor?

Entre 2007 e 2009 (2001, para nós), uma série de crises do sistema capitalista financeiro (ou “capitalismo tardio” tal como o identificaram pensadores como Frederic Jameson ou Jürgen Habermas), demonstraram que o que se pensou como o começo de uma era de tranquilidade em termos políticos, sociais e, sobretudo, econômicos para depois de 1989, na verdade não era nada disso. O mercado entregue pura e exclusivamente à “mão invisível” de Adam Smith, amparado pela domesticação do Estado, começou a trincar sem necessidade de conflito com outro sistema econômico-político.

A revolução não é um sonho eterno
Disse-o muito bem a Times após a queda financeira de 2008: “Voltou”. Quem? Marx. Três anos depois, o panorama não melhorou e neste clima pouco promissor, muitos revisam sua figura para recuperar o que foi que disse e o que se pode extrair de sua análise com o objetivo de superar a crise que afeta por estes dias as principais economias do mundo globalizado (basta revisar como começamos cada semana com uma nova “segunda-feira negra”, por não somar mais dias ao calendário).

Aos 94 anos, Hobsbawm observa acertadamente que Marx havia sentenciado qual seria o destino do capitalismo ao seguir a linha que em meados do século XIX insinuava com perfeita clareza: a concentração do capital em poucas mãos produziria um mundo onde apenas um número muito pequeno de pessoas teria o maior número de riquezas, ao passo que o sistema não poderia seguir o ritmo de seu próprio crescimento desproporcionado. A quantidade de riquezas produzidas e o contínuo aumento da população não permitiriam o desenvolvimento igualitário de todos os indivíduos, ao que se somava o fato de que o ritmo de crises cíclicas acabaria aumentando com o tempo até chegar ao ponto da inevitável queda do sistema.

Em 2002, o economista indiano Meghnad Desai já anunciava em um trabalho, “A vingança de Marx”, onde afirmava que muitos acreditaram que o pensamento do alemão se extinguiria com a queda dos estados socialistas, mas as teses e observações realizadas nos trabalhos iniciais vão muito além desses 70 anos de governos comunistas que constituíram apenas um “episódio” da virada para o socialismo: os marxismos não ofuscam as observações de Marx, e é esse núcleo básico que é preciso voltar a ler.

Hobsbawm concorda com Desai: uma coisa são os trabalhos originais e outra a maneira como esses livros (com seus avatares particulares, suas más traduções ou suas publicações tardias) formaram escolas ao longo de todo o mundo. Essa história da escola marxista é a que terminou com a queda do Muro, e não a força política e filosófica das primeiras explicações. Este renascer de Marx é o que entusiasma agora um Hobsbawm que se apresentava um tanto decepcionado com a ideia de que, durante a década de 1980 até finais de 2000, o “mundo marxista ficou reduzido a pouco mais que um conjunto de ideias de um corpo de sobreviventes anciãos e de média idade que lentamente se ia erodindo”.

Quais são essas ideias? Que coisas de Marx é preciso conservar? Em primeiro lugar, a natureza política de seu pensamento. Para ele, mudar o mundo é o mesmo que interpretá-lo (parafraseando uma das míticas “Teses de Feuerbach”); Hobsbawm considera que há um temor político em vários marxistas de se verem comprometidos com uma causa, sabendo de antemão que para entrar na leitura de Marx teve que haver primeiro um desejo de tipo político: a intenção de mudar o mundo.

Em segundo lugar, a grande descoberta científica de Marx, a mais-valia, também tem lugar neste ensaio histórico de erro e acerto. Reconhecer que há parte do salário do operário que o capitalista conserva para si com o objetivo de aumentar os lucros, com a passagem do tempo é encontrar a prova de uma opressão histórica, o primeiro passo para chegar a uma verdadeira sociedade sem classes, sem oprimidos. Os operários estão conscientes dessa injustiça e só mediante uma organização política coerente poderão “dar uma reviravolta”. Ao contrário do que acreditavam os gurus da globalização, nem os operários nem o Estado são conceitos em desuso: Hobsbawm esclarece que “os movimentos operários continuam existindo porque o Estado-nação não está em vias de extinção”.

Por último, a existência de uma economia globalizada demonstra aquilo que Marx reconheceu como a capacidade destruidora do capitalismo, mais um problema a resolver que um sistema histórico definitivo. Hobsbawm chama a atenção, a partir do filósofo alemão, para essa “irresistível dinâmica global do desenvolvimento econômico capitalista e sua capacidade de destruir todo o anterior, incluindo também aqueles aspectos da herança do passado humano dos quais o capitalismo se beneficiou, como, por exemplo, as estruturas familiares”. O capitalismo é selvagem por natureza e seu final – ao menos, o final da ideia clássica de capitalismo – é evidente para qualquer pessoa no mundo.

É muito difícil dizer que da análise de Marx se possa tirar um plano de ação “à prova de bala”. A teoria marxista clássica falou muito pouco sobre modelos de Estado ou do que aconteceria uma vez instalada a revolução, mas muito sobre análise econômica: pensando o que acontece é que se pode saber como agir. O que Marx deu foram ferramentas, não receitas dogmáticas. Como bem disse Hobsbawm, os livros de Marx “não formam um corpus acabado, mas são, como todo pensamento que merece este nome, um interminável trabalho em curso. Ninguém vai convertê-lo em dogma, e menos ainda em uma ortodoxia institucionalmente ancorada”.

Mas, claro, a vida oferece surpresas: embora haja colocações de Marx que se conservam, há muitas outras que o curso da História (e dos homens que a vivem) mudou. Por exemplo, um dos paradoxos do século é que, embora Marx acreditasse que a revolução acabaria se dando em todo o mundo (“Trabalhadores do mundo, uni-vos!”), os levantamentos que terminaram com o marxismo no poder durante o século XX se deram em países bem diferentes da Alemanha, Inglaterra e França, o triângulo em que, para Marx, tudo começaria.

Por sua vez, o marxismo se misturaria com movimentos de mudança ou grupos que reconheciam diferentes injustiças sociais em territórios insuspeitados. Na Rússia, por exemplo, a filosofia marxista se mesclou com o nacionalismo agrário narodnik, ao menos, em um primeiro momento. Na China, a revolução se deu em uma cultura agrícola não ocidental, imperial e milenar. Por sua vez, todos esses modelos de país tinham muito pouco com a ideia original: assim como afirma Hobsbawm, “no período posterior a 1956, uma grande maioria de marxistas se viu obrigado a concluir que os regimes socialistas existentes, desde a URSS até Cuba e Vietnã, estavam longe daquilo que eles mesmos teriam desejado que fosse uma sociedade socialista, ou uma sociedade encaminhada ao socialismo”.

Talvez o artigo mais determinante seja aquele dedicado à redação do Manifesto do Partido Comunista, o texto breve de 1848 onde Marx e Engels declaravam a inevitável presença de um partido que não era, nessa época, o mesmo tipo de organização que o século XX conhecerá depois das propostas operativas de Lênin. O objetivo fundamental da criação de um PC era distinguir sua proposta da de toda outra forma de avatar socialista, sobretudo em suas variáveis utópicas: de Saint-Simon aos falanstérios de Fourier, onde a liberdade sexual (e as correspondentes “orgias coreografadas”) se equiparavam a uma liberdade de trabalho. Um século e pouco depois, talvez esse PC tenha sido mal entendido.

Pensar a transição de sociedades agrárias para sociedades socialistas, ou revisar a mudança histórica do feudalismo ao capitalismo, foi um dos pontos que mais preocuparam o último Marx: ali se encontra a possibilidade de entender desde o presente os movimentos revolucionários em países com estruturas agrárias como as presentes na América Latina, África ou algumas zonas do Oriente. Para além das condições para que se dê a mudança (descontentamento social, consciência do conflito, etc.), o marxismo clássico do século XIX defendia a necessidade de certas condições objetivas para a revolução: desenvolvimento industrial e comercial em grande escala (longe do artesanato e do comércio “cara a cara”). A América Latina conheceu a refutação destas condições no Che Guevara: onde havia uma necessidade, não havia apenas um direito, mas também uma possível revolução. Hobsbawm, atento a este tipo de experiência, demonstra o interesse particular que existe para revisar a mudança ao socialismo fora dos limites da Europa.

A cintura cósmica de Marx
Em uma entrevista concedida ao jornal The Guardian, e realizada por Tristram Hunt – que acaba de publicar, oh casualidade, a biografia de Engels também resenhada nestas páginas – e publicada em janeiro deste ano, Eric Hobsbawm falou com entusiasmo da recuperação de certa linguagem econômica e política que se acreditava esgotada depois do auge liberal das últimas décadas do século XX: “Atualmente, ideologicamente, sinto-se mais em casa na América Latina porque segue sendo a única parte do mundo onde as pessoas ainda falam e conduzem sua política na velha linguagem, na linguagem do século XIX e do século XX do socialismo, do comunismo e do marxismo”. Embora a pergunta apontasse para a saída de Lula do governo e a localização do Brasil dentro do grupo de países com perspectivas de liderança mundial (o BRIC, junto com a Rússia, a Índia e a China), a resposta renova a repercussão da conjuntura política latino-americana dentro do panorama mundial e a presença de diversos governos de esquerda e centro-esquerda no continente.

Um dos últimos artigos do livro, “Marx e o trabalho: o longo século”, assinala precisamente que as organizações proletárias com fins políticos não necessariamente vão de mãos dadas com a teoria marxista. O melhor caso para explicar seu ponto de vista o encontra em nosso intrigante país: “Os socialistas e comunistas, frustrados há tempo na Argentina, não podiam compreender como um movimento operário radical e politicamente independente podia desenvolver-se, na década de 1940, naquele país, cuja ideologia (o peronismo) consistia basicamente na lealdade a um general demagogo”.

A vitória de partidos operários no continente, alimentados pela perspectiva marxista de justiça e progresso igualitário, mas não ligados a organizações de claro corte comunista, apresenta a possibilidade de uma transição a um Estado socialista não mediada por uma revolução, assim como se colocou nos termos da URSS e da histórica Revolução de 1917, ou como o imaginário atual lê o futuro da revolução cubana de 1959. Em definitiva, há coisas que a própria História, não Marx ou suas muitas interpretações, demonstraram que são inviáveis: o socialismo russo fracassou por manter uma economia de guerra a curto prazo que se propunha objetivos difíceis que implicavam esforços e sacrifícios excessivos (desde concentrar todo o excedente e o esforço produtivo com a finalidade de conquistar o espaço exterior a mudar as práticas de produção agrária). Distinguir Lênin e Stalin do pensamento de Marx é um acontecimento dado nos últimos anos que pode mostrar as facetas mais interessantes para uma teoria do presente. Ou seja, algo necessário que permite pensar as circunstâncias atuais para escorar a mudança dentro da complexa geografia latino-americana.

O marxismo teve várias crises ao longo de sua história. Desde que se propôs colocar Hegel “de pernas para o ar” e transformar todo o discurso do espiritual em atenção ao material, já em 1890 apareceram os primeiros críticos às formulações básicas desta filosofia. Contudo, há algo nas ideias de Marx que segue interpelando o homem contemporâneo, que segue falando de uma mudança não considerada como mero desejo existencial ou aspiração utópica, mas como situação possível de levar a cabo na atualidade, sobretudo, pela via democrática e partidária.

Como bem pergunta Soros, e como escreve Hobsbawm: “Não podemos prever as soluções para os problemas que o mundo enfrentará no século XXI, mas para que haja alguma possibilidade de êxito devemos fazer-nos as perguntas de Marx”.
Fonte: Carta Maior