quinta-feira, 30 de abril de 2020

Nietzsche no Brasil - por Scarlett Marton

Nietzsche no Brasil
A partir do ano 2000 Nietzsche torna-se “popular” no Brasil; é explorado pela mídia, utilizado pelos meios de comunicação, apropriado pelo mercado editorial

A presença de Nietzsche é incontestável entre nós. Nas últimas décadas, a repercussão de seus escritos acabou por fazer-se sentir nas mais diversas áreas: na literatura, nas artes plásticas, na música, na psicanálise, nas chamadas ciências humanas.

Houve quatro ocasiões em que a sua presença se fez sentir com maior ênfase no Brasil. Já no início do século, suas ideias despertaram interesse; aqui chegaram, provavelmente, através do movimento anarquista europeu e, em particular, do espanhol, que considerava Nietzsche um pensador dos mais revolucionários. E sua obra deixou marcas em romances e contos brasileiros de teor anarquista.

Poucas décadas depois, seguindo o espírito da época, Nietzsche passou a ser tomado em nosso país como pensador de direita. Por ocasião da Segunda Grande Guerra, artigos ideológicos, que apareciam em revistas de cunho fascista, pretenderam apropriar-se de seu pensamento. Mas, quando chegava ao auge a sua difamação entre nós, intelectuais de peso tomaram a sua defesa, conclamando a que se levasse em conta “sua técnica de pensamento” e se recuperasse o filósofo Nietzsche.

Por fim, na efervescência de Maio de 68, quando a extrema-esquerda francesa fez dele o suporte de suas teorias, aqui passou a ser visto como iconoclasta. Na França, Foucault, Deleuze, Derrida e outros questionavam conceitos desde sempre presentes na investigação filosófica, punham em xeque noções consagradas pela tradição, subvertiam formas habituais de pensar e, ao lado de Marx e Freud, incluíam Nietzsche entre os “filósofos da suspeita”; em nosso país, quase como uma caixa de ressonância, privilegiava-se a vertente corrosiva do seu pensamento.

Então, Nietzsche passou a nomear um estilo a serviço de um certo sentimento de existência, marcado pela ousadia e pela irreverência. Invocou-se o seu nome, para pôr em causa as instituições e os valores estabelecidos, a maneira bem-comportada de pensar e de agir de nossa sociedade. A ele se recorreu para afirmar a necessidade de transbordamento e excesso, o desejo de êxtase e vertigem. Enfim, dele se lançou mão para proclamar radicalismos políticos e pulsões eróticas; dele se fez o patrono de uma “comunidade de rebeldes imaginários”. E assim se formou e cristalizou a imagem de Nietzsche libertário, conhecido sobretudo por filosofar a golpes de martelo, desafiar normas e destruir ídolos. Não havia nada melhor do que essa imagem de Nietzsche para contrapor-se à ditadura militar, que levava à recrudescência da violência no Brasil.

Ao lado desse Nietzsche libertário, que continua presente entre nós, prepara-se um outro nos anos de 1990. O país abre-se ao neoliberalismo e a tudo o que ele acarreta, a começar por converter cidadãos em consumidores. O ano 2.000 marca um ponto de inflexão no trato com o pensamento nietzschiano. No Brasil, Nietzsche torna-se “popular”; é explorado pela mídia, utilizado pelos meios de comunicação, apropriado pelo mercado editorial. Publicam-se livros introdutórios a respeito de sua filosofia, textos de divulgação de suas ideias, artigos em jornais e revistas que mencionam a qualquer propósito palavras suas. No mais das vezes, operam-se recortes arbitrários em seus escritos visando a satisfazer interesses imediatos. Dele se fala como se fala de um autor na moda: sem ter conhecimento da densidade de sua reflexão filosófica. Tomado como objeto de consumo, Nietzsche é domesticado. A partir do ano 2.000, impõe-se cada vez mais a imagem de um Nietzsche que nos ensinaria como ser bem-sucedido na profissão, preservar a saúde, encontrar a felicidade, em suma, como viver bem. Ele deveria sobretudo nos ensinar a evitar o estresse quando questionamos pré-juízos, crenças e convicções.

Hoje, presenciamos a presença de vários Nietzsche. De um lado, há aquele que, domesticado, é completamente desprovido de caráter crítico. De outro lado, há o que se toma como um objeto de estudo como qualquer outro, ainda que continue a atrair as massas. É sobretudo como historiadores da filosofia que se comportam os estudiosos nietzschianos. Ricas e múltiplas, as pesquisas sobre o pensamento de Nietzsche continuam a prosperar entre nós.

Entre as pesquisas em curso mais relevantes, não se pode deixar de mencionar as que revelam uma outra face do filósofo. Voltando-se com atenção e rigor para os seus textos, elas exploram aspectos totalmente inesperados de seu pensamento: os ataques contra o ideal democrático, o combate à ideia de igualdade, a crítica da abolição da escravidão, a intolerância em face dos enfermos e fracassados, a condenação do movimento de emancipação feminina. É um Nietzsche conservador que surge na cena filosófica brasileira. No momento, em que a extrema direita chega ao poder, essa imagem de Nietzsche denuncia a situação mesma que estamos vivendo: os cinco pontos acima estão em vigor entre nós.

A perseguição política, que leva a expulsar do país, encarcerar e até assassinar políticos de oposição, ao lado da censura aos blogueiros e da limpeza ideológica nas universidades, bem mostram que vivemos num estado de exceção e não numa democracia. A promoção dos interesses de grupos ligados ao capitalismo financeiro e ao agronegócio leva boa parte da população a viver abaixo da linha da pobreza, aprofundando as desigualdades sociais. A reforma das leis trabalhistas, contrariando a Constituição brasileira, que reduzem ou mesmo suprimem os direitos dos trabalhadores, e o abandono deliberado da luta contra o trabalho escravo ainda presente no país, condenam milhares a uma espécie de escravidão. O extermínio dos índios, o ódio contra os negros e o desprezo pelos imigrantes bolivianos e haitianos, além dos insultos xenófobos e racistas que invadem a vida cotidiana, manifestam intenções de caráter eugênico. A condenação do aborto, o desprezo pela igualdade de gênero nos salários e na política, assim como as atitudes homofóbicas, são indícios das ideias retrógradas sobre o lugar da mulher na sociedade.

Mas Nietzsche também revela entre nós o seu potencial de resistência. Em vez de apropriar-se de certos aspectos de seu pensamento que seriam suscetíveis de confirmar os seus discursos, os ideólogos do poder, expressando a sua ignorância, não podem suportá-lo. Se os movimentos religiosos conservadores, apoiados por políticos evangélicos, não aceitam o anunciador da morte de Deus, os militares no poder rejeitam o discípulo de Dioniso, que contribuiu para a contestação da ditadura nos anos de 1970. E assim volta, em toda a força, o Nietzsche libertário.

Scarlett Marton é professora titular aposentada do Departamento de filosofia da USP. Autora, entre outros livros, de Extravagâncias: ensaios sobre a filosofia de Nietzsche (Barcarolla)

Fonte: https://aterraeredonda.com.br/nietzsche-no-brasil/

E dai? - por Latuff

Fonte: https://twitter.com/LatuffCartoons

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Coxão e Coxinha - por Jota Camelo

Fonte: https://twitter.com/ojotacamelo

Isto se chama genocídio - por Michael Löwy

Isto se chama genocídio
O neofascista Bolsonaro diante da pandemia

Um dos fenômenos mais inquietantes dos últimos anos é a espetacular ascensão, no mundo inteiro, de governos de extrema direita, autoritários e reacionários, em alguns casos com traços neofascistas: Shinzo Abe (Japão), Modi (Índia), Trump (USA), Orban (Hungria) e Bolsonaro (Brasil) são os exemplos mais conhecidos. Não é surpreendente que vários deles reagiram à pandemia do coronavírus de forma absurda, negando ou subestimando dramaticamente o perigo.

Foi o caso de Donald Trump nas primeiras semanas, e de seu discípulo inglês, Boris Johnson, que chegou a propor que se deixasse o conjunto da população se infectar com o vírus, para assim “imunizar coletivamente” toda a nação – claro, com o custo de algumas centenas de milhares de mortes… Mas diante da crise, os dois tiveram de recuar, no caso de Boris Johnson, sendo ele mesmo gravemente atingido.

O caso do Brasil torna-se assim especial, porque o personagem do Palácio da Alvorada persiste em sua atitude “negacionista”, caracterizando o coronavírus como uma “gripezinha”, definição que merece entrar nos anais, não da medicina, mas da loucura política. Mas esta loucura tem sua lógica, que é a do “neofascismo”.

O neofascismo não é a repetição do fascismo dos anos 1930: é um fenômeno novo, com características do século 21. Por exemplo, não toma a forma de uma ditadura policial, respeita algumas formas democráticas: eleições, pluralismo partidário, liberdade de imprensa, existência de um Parlamento, etc. Naturalmente, trata, na medida do possível, de limitar ao máximo estas liberdades democráticas, com medidas autoritárias e repressivas. Tampouco se apoia em tropas de choque armadas, como o eram as SA alemãs ou o Fascio italiano.

Isto vale também para Bolsonaro: ele não é nem Hitler nem Mussolini, e não tem nem mesmo como referência a versão brasileira do fascismo nos anos 1930, o integralismo de Plínio Salgado. Enquanto que o fascismo clássico propugnava a intervenção massiva do Estado na economia, o neofascismo de Bolsonaro é totalmente identificado com o neoliberalismo, e tem por objetivo impor uma política socioeconômica favorável à oligarquia, sem nenhuma das pretensões “sociais” do fascismo antigo.

Um dos resultados desta versão fundamentalista do neoliberalismo é o desmantelamento do sistema de saúde pública brasileira (SUS), já bastante fragilizado pelas políticas de governos anteriores. Nestas condições, a crise sanitária decorrente da disseminação do coronavírus pode ter consequências trágicas, sobretudo para as camadas mais pobres da população.

Outra característica própria ao neofascismo brasileiro é que, apesar de sua retórica ultranacionalista e patrioteira, ele é completamente subordinado ao imperialismo americano, do ponto de vista econômico, diplomático, político e militar. Isto se manifestou também na reação ao coronavírus, quando se viu Bolsonaro e seus ministros imitar Donald Trump, culpando os chineses pela epidemia.

O que Bolsonaro tem em comum com o fascismo clássico é o autoritarismo, a preferência por formas ditatoriais de governo, o culto do Chefe (“Mito”) Salvador da Pátria, o ódio a esquerda e ao movimento operário. Mas não consegue organizar um partido de massas, nem tropas de choque uniformizas. Tampouco tem condições, por enquanto, de estabelecer uma ditadura fascista, um Estado totalitário, fechando o Parlamento e colocando fora da lei sindicatos e partidos de oposição.

O autoritarismo de Bolsonaro se manifesta no seu “tratamento” da pandemia, tentando impor, contra o Congresso, os governos estaduais e seus próprios ministros uma política cega de recusa das medidas sanitárias mínimas, indispensáveis para tentar limitar as dramáticas consequências da crise (confinamento, etc). Sua atitude tem também traços de social-darwinismo (típico do fascismo): a sobrevivência dos mais fortes. Se milhares de pessoas vulneráveis – idosos, pessoas de saúde frágil – virem a falecer, é o preço a pagar, afinal, “o Brasil não pode parar!”.

Um aspecto específico do neofascismo bolsonarista é seu o obscurantismo, o desprezo pela ciência, em aliança com seus apoiadores incondicionais, os setores mais retrógrados do neopentecostalismo “evangélico”. Esta atitude, digna do terraplanismo, não tem equivalente em outros regimes autoritários, mesmo aqueles que têm como ideologia o fundamentalismo religioso como é o caso do Irã. Max Weber distinguia religião, baseada em princípios éticos, e magia, a crença nos poderes sobrenaturais do sacerdote. No caso de Bolsonaro e seus amigos pastores neopentecostais (Malafala, Edir Macedo, etc) se trata mesmo de magia ou de superstição: parar a epidemia com “orações” e “jejuns”…

Embora Bolsonaro não tenha conseguido impor o conjunto de seu programa mortífero, uma parte dele – por exemplo, um relaxamento do confinamento – talvez se imponha, por meio de imprevisíveis negociações do presidente com seus ministros, militares ou civis.

Apesar do comportamento delirante do sinistro personagem atualmente instalado no Palácio da Alvorada, e da ameaça que ele representa para a saúde publica, uma parcela importante da população brasileira ainda o apoia, em maior ou menor medida. Segundo sondagens recentes, só 17% dos eleitores que votaram nele se mostram arrependidos de seu voto.

O combate da esquerda e das forças populares brasileiras contra o neofascismo ainda esta no começo; será preciso mais do que alguns simpáticos protestos de caçarolas para derrotar esta formação política teratológica. Certo, mais cedo ou mais tarde o povo brasileiro vai se libertar deste pesadelo neofascista. Mas qual será o preço a pagar, até lá?

Post Scriptum: Em 20 de abril Bolsonaro fez uma declaração significativa. Disse que cerca de “70% da população vai ser contaminada pelo Covid-19, isto é inevitável”. Claro, seguindo a lógica da “imunização de grupo” (proposta inicial de Trump e Boris Johnson, depois abandonada), isto talvez pudesse acontecer. Mas só seria “inevitável” se Bolsonaro conseguisse impor sua política de recusa das medidas de confinamento: “o Brasil não pode parar”.

Quais seriam as consequências? A taxa de mortalidade do Covid 19 no Brasil atualmente é de 7% das pessoas contaminadas. Um pequeno cálculo aritmético levaria à seguinte conclusão: (1) Se 70% da população brasileira fosse contaminada seriam 140 milhões de pessoas. (2) 7% de mortalidade de 140 milhões dá uns 10 milhões. (3) Se Bolsonaro conseguisse impor sua orientação, o resultado seriam dez milhões de brasileiros mortos.

Isto se chama, na linguagem penal internacional, genocídio. Por um crime equivalente, vários dignitários nazistas foram condenados à forca pelo Tribunal de Nuremberg.

*Michael Löwy é diretor de pesquisas, na França, do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS).

Fonte: https://aterraeredonda.com.br/isto-se-chama-genocidio/

terça-feira, 28 de abril de 2020

A hora do Grande Reset – por Manuel Castells

A hora do Grande Reset
Nem a Ciência pode nos salvar da barbárie ultraliberal. Sobreviver como espécie exigirá uma “reencarnação coletiva” no mundo pós-pandemia: novas formas de viver, pensar e organizar a Economia. É isso, ou nostalgia masoquista 

Nunca imaginamos isso. Ninguém imaginou. E ainda parece um pesadelo do qual vamos acordar ao amanhecer. É claro que, algum dia, vai acabar. Quanto mais nos ajudarmos entre todos, mais cedo vai acabar. E isso inclui todos aqueles que tiram proveito da tragédia em prol de seus interesses. Deixemos de lado nossas diferenças, já já acertaremos as contas.

Nunca tínhamos enfrentado uma ameaça do tipo, nem sequer com a gripe de 1918, porque, hoje em dia, a globalização e a trama de economias, culturas e pessoas têm uma repercussão em tempo real para qualquer barbaridade cometida em qualquer canto do planeta, como aconteceu com os mercados de espécies selvagens. Humanos predadores, se protejam de vocês mesmos. Nem nossos extraordinários avanços científicos e tecnológicos conseguem nos salvar da nossa imensa estupidez. Por isso, se sobrevivermos, não voltaremos ao mesmo. E, se voltarmos, a pandemia vai retornar, a mesma ou outras, até que ocorra um reset daquilo que éramos.

Só existe futuro se pensarmos numa reencarnação coletiva da nossa espécie. Isso não tem nada a ver com o mofado debate ideológico entre capitalismo e socialismo, porque até o socialismo real e palpável também já teve sua vez. Falamos em mudança de paradigmas. E algo do tipo está acontecendo. Por exemplo, essa pandemia deve deixar claro que a saúde, incluindo a higiene pública e a saúde preventiva, é nossa infraestrutura de vida. E que não vamos poder viver apoiados de forma permanente no heroísmo de profissionais da saúde, que adoecem dia após dia por falta de equipamentos de proteção.

Teremos de investir, com prioridade, na saúde pública, porque a particular serve para aquele que serve — e, em situações de emergência, deve ser absorvida pela pública. Esse investimento é quantitativo e qualitativo, em termos de materiais, aparelhos hospitalares, atenção primária, educação à população, pesquisa, remuneração dos sanitaristas e formação de médicos, enfermeiros e profissionais da saúde, de modo geral, com faculdades e escolas melhor preparadas para acolher um grande leque de vocações para o serviço.

Fica evidente, agora, para além do sistema de saúde, a necessária prioridade do setor público na organização da economia e da sociedade. E não se trata de estatizar, porque cada fórmula de defesa do interesse público deve se adaptar às características de cada sociedade. Da mesma forma que a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial exigiram romper com o fundamentalismo do mercado para proteger os direitos sociais e a vida, de modo geral, mas conservando o dinamismo do mercado para tudo o que é útil. Da mesma forma, torna-se necessário revitalizar o setor público e reformá-lo, livrando-o da burocracia e da politicagem.

Por exemplo, pudemos constatar a hipocrisia social e institucional no âmbito do respeito aos idosos, que são abandonados em situações extremamente precárias quando as famílias não conseguem mais tomar conta deles. Em parte, pela privatização das casas de repouso, o que demonstra que a lógica de ambição não combina com cuidados que são caros em funcionários e equipamentos. Mas, também, nas casas de repouso públicas, pois os cortes orçamentários e a negligência de muitas instituições acabaram abandonando nossos idosos à sua própria sorte, como vimos no altíssimo número de mortes registradas nesses autênticos campos de extermínio, durante a pandemia. Somente uma grande intervenção — não somente em gastos, mas em gestão — pode evitar que isso ocorra novamente.

A pergunta imediata é: como pagar. É evidente que com novos impostos e com um aumento da produtividade. Não temos outra opção. Mas isso não quer dizer mais impostos para as pessoas, e sim, obter recursos lá onde se concentra o 75% da riqueza mundial, isto é, dos mercados financeiros globais e as grandes multinacionais que evadem impostos legalmente, precisamente, graças à sua mobilidade fiscal e administração da papelada jurídica. Aplicando, também, o aumento da produtividade, que envolve recursos humanos, isto é, setor público; ciência (de novo, setor público); infraestrutura tecnológica (parcerias público-privadas); e a transformação empresarial por meio da aplicação de novos conhecimentos e tecnologia na gestão das empresas. Além disso, deve-se adentrar o complexo território da produtividade e eficiência do setor produtivo, desde a administração, até a educação.

Porém, o maior reset, é aquele que está acontecendo em nossas cabeças e vidas. É termos percebido a fragilidade de tudo o que acreditávamos garantido, da importância dos afetos, do recurso da solidariedade, da importância do abraço — e que ninguém vai nos tirar, porque mais vale morrer abraçados do que viver atemorizados. É sentir que o desperdício consumista no qual gastamos erroneamente nossos recursos não é necessário, pois não precisamos mais do que uns comes e bebes com os amigos na varanda. Sabiam que as escandalosas transferências multimilionárias do mundo do futebol acabaram? E não por isso os Messi do mundo vão parar de jogar, porque o futebol corre pelas veias deles.

O reset necessário é um portal para uma nova forma de vida, outra cultura, outra economia. É bom que o valorizemos, pois a alternativa a ele é a nostalgia masoquista de um mundo que se foi para não voltar. A vida segue, mas outra vida. Depende de nós torná-la maravilhosa.

Tradução: Simone Paz | Imagem: Alessandro Gottardo 


Fonte: https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/castells-a-hora-do-grande-reset/

Recadinho do STF para Bolsonaro... - por Latuff

Fonte: https://twitter.com/LatuffCartoons

O que xs libertárixs ácratas diriam sobre esta época de pandemia? – por A.N.A.

O que xs libertárixs ácratas diriam sobre esta época de pandemia?
Por Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira e Grupo Reunião Libertária

Stirner
“Há tantos querendo ser minha salvação: a salvação pelo Estado, a salvação pelas empresas, a salvação pela religião. Mas são todos grandes egoístas, que me usam apenas para seus interesses de controle, lucro e manipulação, e depois me cospem. Por isto, serei eu mesmo a minha própria salvação, reforçarei a minha imunidade e manterei a quarentena e a higiene. A minha salvação é a salvação das minhas próprias capacidades criadoras!”

Proudhon
“Se eu disser que a escravidão é um roubo da vida de alguém, um assassinato, serei logo compreendido. Então, por que não posso ser compreendido se disser que a pandemia, por exigir isolamento, é um roubo da vida individual e coletiva?”

Louise Michel
“O Covid-19 é maldito, me faz ficar em casa!”

Bakunin
“Para sobrelevar a imunidade, é preciso ter o diabo (da vitamina D, cloreto de magnésio, própolis e alho) no corpo!”

Tolstoi
“O reino da saúde está dentro de (vós)sa casa!”

Oscar Wilde
“Detestaria ser abordado toda manhã por um fiscal do Estado!”

Malatesta
“É melhor perder cem ‘coquetéis’, do que acertar abrindo mão dos nossos princípios de saúde e anarquia!”

Emma Goldman
“Se posso ‘dançar’ (morrer) de vacilo na rua, não é minha Revolução!”

Kropotkin
“Para não sucumbirem ao vírus, as comunidades precisam se ajudar mutuamente, e não competir!”

Durruti
“Covid-19 não se discute, se combate!”

Maria Lacerda de Moura
“A disseminação e consolidação perene das práticas de solidariedade e ajuda mútua que já emergem neste momento entre seres de alta consciência ao redor da esfera planetária poderá levar a humanidade aos mais altos píncaros da elevação espiritual necessária para a sua libertação final em direção à excelsa luz da sanidade social!”

Roberto Freire
“Ame a vida, dê vexame ao vírus!”

Antônio Carlos Belchior
“Rô, eu não esqueço, a felicidade, é uma vacina queentee, queeenteee, queeenteee, haamm.”

Raul Seixas
“O vírus do Monstro Sist. é retado e tá doido pra foder comigo. Os donos do mundo piraram meu compadre, eles já são carrascos e vítimas do próprio mecanismo. Buliram muito com o planeta, o planeta é como um cachorro, se ele num aguenta mais as pulgas. Coragem, coragem, eu sei que vocês podem mais. Vocês ainda têm, vocês ainda têm, a Revolução como luz pra alcançar!”

Sub Comandante Marcos do EZLN
 comandar-nos, pacientes como o caracol: protegidxs dentro da concha da casa agora, para podermos avançar alguns passos mais tarde!”

Revolucionárias curdas de Rojava
“Uma verdadeira Revolução, implica que assumamos individual e coletivamente a responsabilidade por nossa própria saúde!”

David Graeber
“Nós somos os 99%! Mostremos ao 1% dxs de cima – os governos e o mercado – que não seremos mais dependentes delxs, nem pela dívida, nem pelo vírus!”


agência de notícias anarquistas-ana

Dentro da mata –
Até a queda da folha
Parece viva.


Paulo Franchetti

Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/04/28/o-que-xs-libertarixs-acratas-diriam-sobre-esta-epoca-de-pandemia/

quinta-feira, 23 de abril de 2020

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Por que mataram Patrice Lumumba?

Por que mataram Patrice Lumumba?
Patrice Lumumba, líder congolês, em Bruxelas, Bélgica, em janeiro de 1960. Wikimedia Commons

Uma entrevista com Georges Nzongola-Ntalaja


Patrice Lumumba foi um dos principais líderes do movimento de independência do Congo contra o colonialismo belga e os interesses empresariais. Por isso foi assassinado em uma ação apoiada pelos EUA.

Nascido em 1925, Patrice Émery Lumumba foi um líder anticolonial que, aos 35 anos, se tornou o primeiro primeiro ministro do recém-independente Congo. Sete meses após o seu mandato, foi assassinado, em 17 de janeiro de 1961.

Lumumba tornou-se opositor ao racismo belga depois de ser preso em 1957 por acusações falsas pelas autoridades coloniais. Após 12 meses de prisão, conseguiu um emprego como vendedor de cerveja, durante o qual desenvolveu suas habilidades de oratória e ficou cada vez mais convencido de que a vasta riqueza mineral do Congo deveria beneficiar o povo e não os interesses empresariais estrangeiros.

Os horizontes políticos de Lumumba se estendiam muito além do Congo. Logo foi influenciado pela onda mais ampla de nacionalismo africano que varria o continente. Em dezembro de 1958, o presidente de Gana, Kwame Nkrumah, o convidou para participar da Conferência Anti-colonial do Povo Africano, que atraiu associações cívicas, sindicatos e outras organizações populares.

Dois anos depois, seguindo as demandas de eleições democráticas, o Movimento Nacional Congolês, liderado por Lumumba, venceu a primeira disputa parlamentar no Congo recém independente. O líder nacionalista de esquerda assumiu o cargo em junho de 1960.

Mas as propostas progressistas de Lumumba e sua oposição ao movimento separatista de Katanga (liderado pelos estados coloniais governados por brancos no sul da África e proclamou sua independência do Congo em 11 de julho de 1960) irritaram uma série de interesses estrangeiros e locais: o estado colonial belga, empresas que extraem os recursos minerais do Congo e, é claro, os líderes dos estados do sul da África governados por brancos. À medida que as tensões aumentavam, a ONU rejeitou o pedido de apoio feito por Lumumba. Ele pediu então ajuda militar soviética para conter a crescente crise provocada pelos separatistas belgas. Foi a gota d’água.

Lumumba foi preso, torturado e executado em um golpe apoiado pelas autoridades belgas, pelos Estados Unidos e pelas ONU. Com o assassinato de Lumumba, morreu parte do sonho de um Congo unido, democrático, etnicamente pluralista e pan-africanista.

O assassinato de Lumumba e sua substituição pelo ditador Mobutu, apoiado pelos EUA, lançou as bases para as décadas de conflitos internos, ditadura e declínio econômico que marcaram o Congo pós-colonial. A desestabilização social sob o governo brutal de Mobutu – que durou de 1965 a 1997 – culminou em uma série de conflitos devastadores, conhecidos como a primeira e a segunda guerra do Congo (ou “guerras mundiais da África”). Esses conflitos não apenas fragmentaram a sociedade congolesa, mas também envolveram quase todos os vizinhos do país – nove nações africanas, e cerca de vinte e cinco grupos armados. No final formal do conflito, por volta de 2003, quase 5,4 milhões de pessoas haviam morrido devido aos combates e suas consequências, tornando a guerra o segundo conflito mais mortal do mundo desde a Segunda Guerra Mundial.

Particularmente à luz da trajetória turbulenta do Congo após seu assassinato, Lumumba continua sendo uma fonte de debate e inspiração entre movimentos e pensadores radicais em toda a África. O colaborador da Jacobin, Sa’eed Husaini, falou recentemente com Georges Nzongola-Ntalaja, um importante intelectual congolês e autor de uma biografia de Lumumba, que trata da vida, morte e da política do líder nacionalista radical.

SH: Provavelmente o evento mais conhecido da vida de Lumumba continua sendo seu fim trágico. Embora tenha havido pelo menos algum reconhecimento simbólico do papel da Bélgica no assassinato de Lumumba, esse acerto de contas não ocorreu sem os Estados Unidos. Na sua perspectiva, como seria uma restituição completa pelo assassinato de Lumumba?
GNN: Não pode haver restituição total do assassinato de Lumumba. Nenhuma quantia em dinheiro ou outra forma de compensação faria justiça aos danos sofridos pelo Congo ao perder um líder de grande visão, de 35 anos, que poderia ter ajudado a construir um grande país. Nenhuma quantia de dinheiro faria justiça a seus filhos depois de crescer sem um pai e apoio para guiá-lo na infância, adolescência e idade adulta. E o mesmo vale para sua esposa e outros parentes, cuja perda não pode ser mitigada por aquisições materiais.

O que é preciso é que todos os cúmplices no assassinato de Lumumba, antes de tudo, reconheçam o crime que cometeram contra ele, sua família, o Congo e a África; um pedido de desculpas pelo dano causado a esse respeito; e um esforço para honrar o primeiro líder democraticamente eleito do Congo, promovendo seu legado por meio de escolas, educação pública e eventos culturais em todos os países cujos líderes participaram do desaparecimento, começando pelo próprio Congo.

Apesar de ter crescido em sua terra natal etno-cultural, Lumumba ficou conhecido por sua visão de mundo ardentemente multiétnica e pan-africana. Houve aspectos de sua educação inicial, em Sankuru, que predispuseram Lumumba a valorizar a unidade congolesa e a diversidade étnica?
Embora a região de Sankuru, na RDC (República Democrática do Congo) seja mais conhecida como o lar do povo Tetela, ao qual pertence Lumumba, ela é habitada por pessoas de outros grupos étnicos que acabaram lá por causa do atividades dos comerciantes de escravos árabe-suaíli ou dos colonialistas belgas. Esses grupos incluem os Kusu de Maniema, os Luba, os Songye e outros da região de Kasai, bem como o Mongo.

Além de crescer em um ambiente multiétnico, os anos de formação de Lumumba como funcionário público de classe média ocorreram entre 1944 e 1956 em Kisangani (então Stanleyville), uma das principais cidades do Congo e uma área de diversidade étnica.

Você escreve que, como funcionário postal no serviço colonial belga, Lumumba ficou inicialmente apaixonado pela possibilidade de “matricular” ou abandonar seu status de congolês “nativo” em favor do status de europeu honorário. Em que ponto Lumumba abandonou essa esperança de alcançar o status de elite na sociedade colonial em favor de uma oposição radical ao projeto colonial belga?
Lumumba adquiriu o cartão de mérito cívico e o status de matrícula em Kisangani, mas essas conquistas da mobilidade superior na situação colonial eram uma farsa porque o racismo continuou a elevar a cabeça feia através da barra de cor/salário.

Embora tenha tido um emprego normalmente reservado aos europeus, como gerente do serviço de ordens de pagamento, o salário de Lumumba foi determinado por sua raça, não por suas funções. Ele ganhava o equivalente a 100 dólares em 1956, algo que valia algo como um décimo quinto do salário de um funcionário europeu fazendo o mesmo trabalho. Seus colegas europeus também recebiam moradia grátis, um carro, e férias de seis meses a cada três anos, totalmente pagas, na Bélgica.

Essas e outras realidades da situação colonial o fizeram abandonar sua esperança ingênua de ver brancos e negros trabalhando de mãos dadas para elevar as “massas ignorantes” em uma comunidade belgo-congolesa, e o empurraram na direção do nacionalismo africano e congolês.

Como os nacionalistas congoleses encaram a violência como meio de alcançar a independência política, e como Lumumba se posicionou nessa questão?
Em geral, os líderes nacionalistas congoleses acreditavam fortemente na não-violência e Lumumba não foi exceção. É por isso que todos ficaram chocados com o levante em massa pela independência em 4 de janeiro de 1959 [que eclodiu em Leopoldville, atual Kinshasa, depois que membros de um partido anticolonial foram impedidos de se reunir. Celebrado hoje como o Dia dos Mártires, foi o primeiro grande surto de violência no movimento de independência e marcou um ponto de virada para a luta anticolonial].

Mais tarde, esses líderes entenderam que a violência em massa era uma moeda de troca em seus confrontos com os senhores coloniais, pois estes consideravam difícil manter a lei e a ordem no vasto Congo, uma vez que as massas rejeitavam a autoridade colonial e não estavam dispostas a obedecer à ordem administrativa colonial.

Qual o papel das empresas de mineração estrangeiras no incentivo à província de Katanga para se separar do Congo e como isso contribuiu para a origem da crise no Congo?
Com seu império mineral indo de Katanga ao Cabo, as empresas de mineração estrangeiras não gostavam da ideia de ter um governo nacionalista radical no Congo – que provavelmente reduziria suas margens de lucro com impostos e royalties mais altos, a fim de melhorar a subsistência de congoleses comuns. É por isso que essas empresas, que rejeitaram os esforços dos colonos brancos para obter um pedaço da torta como suas contrapartes na África do Sul, Rodésia (Zimbábue) e Sudoeste da África (Namíbia), formaram uma aliança com os racistas, colonos brancos e lobbies de direita nos EUA e no Reino Unido.

Essa aliança não apenas endossou o sonho de longo prazo dos colonos brancos de obter poder político em Katanga, mas também forneceu os fundos necessários para sustentar o impulso separatista em Katanga, com a ajuda da Bélgica, Grã-Bretanha e França.

Pode-se dizer que as origens da crise do Congo estão em uma aliança entre colonos e empresas belgas, e com os interesses empresariais e estatais dos estados governados por brancos no sul da África. Você descreve essa aliança como uma “contra-revolução contra a libertação nacional”, uma vez que foi formada para se opor ao nacionalismo radical. Você poderia dizer mais sobre essa aliança?
A Crise do Congo não pode ser entendida sem referência à secessão Katanga, de engenharia belga, em colaboração com empresas de mineração estrangeiras, que recrutaram mercenários brancos para se juntar às tropas belgas. A recusa da ONU em usar a força para expulsar tropas belgas e os mercenários levou à disputa entre o primeiro-ministro Lumumba e o secretário-geral da ONU Dag Hammarskjöld, que compartilhavam a mesma visão de mundo que as principais potências ocidentais e eram muito hostis a Lumumba.

Então, por que essa combinação de atores estrangeiros e locais anteriormente concorrentes acabou por concordar que o assassinato de Lumumba era necessário?
Ele foi o obstáculo mais importante ao esquema deles de estabelecer o neocolonialismo no Congo, quando começaram em 11 de julho de 1960 em Katanga.

Lumumba fez muitos discursos memoráveis e também escreveu muitas cartas emocionantes. Em 1960, ele escreveu da prisão para a esposa: “Chegará o dia em que a história falará. Mas não será a história ensinada em Bruxelas, Paris, Washington ou nas Nações Unidas. Será a história ensinada nos países que conquistaram a liberdade do colonialismo e de seus fantoches. A África escreverá sua própria história e, no norte e no sul, será uma história de glória e dignidade.” Lumumba também conseguiu articular uma visão específica de como ele pretendia transformar o estado e a sociedade congolesa durante o breve período em que ele serviu como primeiro ministro?
Temos um vislumbre de sua visão do Congo pós-colonial em vários de seus principais discursos e cartas. Embora preocupado com a unidade, independência e soberania do Congo, devido à situação contra-revolucionária que o país enfrenta de 10 a 11 de julho de 1960 (a invasão militar belga e o separatismo de Katanga), sua principal preocupação era como transformar as estruturas herdadas do estado e da economia, a fim de melhorar a qualidade de vida dos congoleses comuns.

Como Amílcar Cabral, Thomas Sankara e Steve Biko, o martírio de Lumumba o transformou em uma poderosa força simbólica que continua a inspirar movimentos radicais em toda a África. No seu prefácio, você descreve brevemente a inspiração e a repentina decepção que sentiu na época como estudante do ensino médio (que foi expulso por atividades anticoloniais) testemunhando a ascensão meteórica de Lumumba e o trágico assassinato. Como africanos, nós realmente vivemos o trauma histórico ao testemunhar o assassinato de alguns dos líderes mais promissores do continente?
Como todos os líderes assassinados que você mencionou foram vítimas de potências mundiais e/ou seus aliados na África, como Portugal fascista e o apartheid na África do Sul, não vejo por que as potências mundiais responsáveis por eliminar os líderes africanos que não aceitam deveriam estar preocupadas com o impacto desses assassinatos na África.

Cabe a nós, africanos, garantir que sigamos os ensinamentos de Amílcar Cabral sobre conhecer nossas próprias fraquezas e encontrar maneiras de superá-las, e os de Kwame Nkrumah sobre segurança continental coletiva por meio de um alto comando militar africano. Precisamos de nosso próprio equivalente à OTAN para garantir a segurança de nosso povo e de nossos líderes progressistas ameaçados.

Sobre os autores

Georges Nzongola-Ntalaja é professor de estudos africanos, afro-americanos e da diáspora na Universidade da Carolina do Norte e autor de muitos livros, incluindo “O Congo de Leopold a Kabila: História do Povo e Patrice Lumumba”.

Sa'eed Husaini é ativista socialista e estudante de desenvolvimento internacional na Universidade de Oxford.

Tradução: José Carlos Ruy

Fonte: https://jacobin.com.br/2020/04/por-que-mataram-patrice-lumumba/

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Conheça os 4 CAVALEIROS DO APOCALIPSE! - por Latuff

Fonte: https://twitter.com/LatuffCartoons

Censura velada - por Noam Chomsky

Censura velada

Os comentadores de política evitam tratar dos assuntos relevantes seguindo o princípio jornalístico de que "objetividade" significa reportar o que os poderosos fazem e falam, não o que ignoram. O princípio vale até mesmo se o destino da espécie está em risco

Mark Twain famosamente disse que “é pela bondade de Deus que em nosso país nós temos aquelas três coisas indescritivelmente preciosas: liberdade de expressão, liberdade de pensamento e a prudência de nunca praticar nenhuma das duas”[ i].

Em sua introdução não publicada de A revolução dos bichos[ii], dedicada à “censura literária” na Inglaterra livre, George Orwell adicionou a razão para essa prudência: existe, ele escreveu, um “acordo tácito geral de que ‘não daria’ para mencionar esse fato particular”. O acordo tácito impõe uma “censura velada” baseada em “uma ortodoxia, um corpo de ideias que se assume que todas pessoas de bom senso aceitarão sem questionar”, e “qualquer um que desafia a ortodoxia prevalente se encontra silenciado com efetividade surpreendente” mesmo sem “qualquer proibição oficial”[iii].

Nós testemunhamos o exercício dessa prudência constantemente em sociedades livres. Tome a invasão do Iraque pelos Estados Unidos/Reino Unido, um caso exemplar de agressão sem pretexto confiável, o “crime internacional supremo” definido pelo julgamento de Nuremberg. É legítimo dizer que foi uma “guerra burra”, um “erro estratégico”, até mesmo “o maior erro estratégico na história recente da política externa dos Estados Unidos”[iv] nas palavras do presidente Barack Obama, altamente elogiado pela opinião liberal. Mas “não daria” para falar o que ela foi, o crime do século, embora não haveria tal hesitação se algum inimigo oficial tivesse cometido até mesmo um crime muito menor.

A ortodoxia prevalente não acomoda facilmente alguém como o general/presidente Ulysses S. Grant, que achava que nunca houve “uma guerra mais perversa que a promovida pelos Estados Unidos no México”, tomando o que é hoje o sudeste dos EUA e a Califórnia, e que expressou sua vergonha pela falta de “coragem moral para renunciar” em vez de participar do crime.[v]

Subordinação à ortodoxia prevalente tem consequências. A não-tão-tácita mensagem é que nós deveríamos somente lutar guerras espertas que não são erros, guerras que atingem seus objetivos, por definição justos e corretos de acordo com a ortodoxia prevalente mesmo se eles são na realidade “guerras perversas”, os maiores crimes. Os exemplos são muito numerosos para se mencionar. Em alguns casos, como o crime do século, a prática é quase sem exceção em círculos respeitáveis.

Outro aspecto familiar da subordinação à ortodoxia prevalente é a apropriação casual da demonização ortodoxa de inimigos oficiais. Para pegar um exemplo quase aleatório, da edição do The New York Times que por acaso está na minha frente agora, um jornalista de economia altamente competente nos adverte do populismo do demônio oficial Hugo Chávez, que, uma vez eleito no final dos anos 1990, “passou a enfrentar qualquer instituição democrática que estava em seu caminho”[vi].

Voltando ao mundo real, foi o governo dos Estados Unidos, com o apoio entusiasmado do The New York Times, que (no mínimo) apoiou o golpe militar que derrubou o governo de Chávez, brevemente, antes de ser revertido por uma revolta popular. Quanto a Chávez, seja o que se pense dele, ele ganhou repetidas eleições certificadas como livres e justas por observadores internacionais, incluindo a Carter Foundation, cujo fundador, o ex-presidente Jimmy Carter, disse que “das 92 eleições que monitoramos, eu diria que o processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo”[vii]. E a Venezuela sob Chávez regularmente atingia posições bem altas em pesquisas de opinião internacionais sobre apoio popular ao governo e à democracia (Latinobarómetro sediado no Chile).

Houve sem dúvidas várias deficiências democráticas durante os anos de Hugo Chávez, como as repressões à RCTV, que provocaram enormes reprovações. Eu me juntei às reprovações, concordando que tais repressões não poderiam ocorrer na nossa sociedade livre. Se um canal de TV proeminente nos Estados Unidos tivesse apoiado um golpe militar como a RCTV o fez, ele não sofreria repressões alguns anos depois, porque ele não existiria: os executivos estariam na cadeia, se ainda estivessem vivos.

Mas a ortodoxia facilmente supera meros fatos.

Falha em providenciar informação pertinente também tem consequências. Talvez os cidadãos dos Estados Unidos devessem saber que pesquisas de opinião popular executadas pela principal agência de pesquisa dos Estados Unidos obtiveram como resultado que, uma década depois do crime do século, a opinião popular considerou os Estados Unidos como a maior ameaça à paz mundial, sem concorrentes nem perto; certamente não o Irã, que ganha o prêmio entre comentadores de política estadunidenses. Talvez em vez de esconder o fato, a imprensa pudesse ter cumprido seu dever de trazer à atenção pública, junto a algumas considerações sobre o que tal resultado significa, quais lições ele fornece à política. Novamente, abandono de deveres tem consequências.

Exemplos como esses, os quais abundam, são suficientemente sérios, mas há outros que são muito mais importantes. Tome a campanha eleitoral de 2016 no país mais poderoso da história mundial. A cobertura foi massiva, e instrutiva. Os assuntos foram quase totalmente evitados pelos candidatos, e praticamente ignorados pelos comentadores de política, seguindo o princípio jornalístico de que “objetividade” significa reportar acuradamente o que os poderosos fazem e falam, não o que ignoram. O princípio vale até mesmo se o destino da espécie está em risco, como está.

A negligência atingiu um pico dramático em 8 de novembro de 2016, um dia verdadeiramente histórico. Nesse dia Donald Trump obteve duas vitórias. A menos importante recebeu cobertura midiática extraordinária: sua vitória eleitoral, com quase 3 milhões de votos a menos que sua oponente, graças a características retrógradas do sistema eleitoral dos Estados Unidos. A vitória mais importante passou em quase total silêncio: a vitória de Trump em Marraquexe, Marrocos, onde em torno de 200 países se encontravam para decisões essenciais acerca do acordo de Paris sobre mudança climática de um ano antes.

Em 8 de novembro, o processo parou. O restante da conferência foi amplamente dedicado para tentar preservar as esperanças, dada a iminência de os Estados Unidos não somente se retirarem do empreendimento, mas se dedicarem a sabotá-lo, acentuadamente aumentando o uso de combustíveis fósseis, desmantelando regulações e rejeitando o juramento de auxiliar países em desenvolvimento a adotar fontes de energia renováveis. O que estava em jogo na vitória mais importante de Trump era a perspectiva de vida humana organizada como conhecemos. Adequadamente, a cobertura foi praticamente zero, mantendo o mesmo conceito de “objetividade” determinado pelas práticas e doutrinas do poder.

Uma imprensa verdadeiramente independente rejeita o papel de subordinação ao poder e à autoridade. Ela joga a ortodoxia pelos ares, questiona o que “pessoas de bom senso aceitarão sem questionar”, rasga o véu de censura tácita, torna disponível a informação e variedade de opiniões e ideias que são pré-requisito para uma participação significante na vida social e política, e, além disso, oferece uma plataforma para as pessoas entrarem em debate e discussão sobre os assuntos que lhes concernem. Ao fazer isso ela cumpre sua função de fundação de uma sociedade verdadeiramente livre e democrática.

Noam Chomsky é Professor Emérito em Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA).

Artigo pulicado originalmente no website Chomsky.info (https://chomsky.info/01072017/) | Tradução e notas: Pedro G. Mattos publicada oridinalmente em 'A Terra é Redonda'

***
[ i] “it is by the goodness of God that in our country we have those three unspeakably precious things: freedom of speech, freedom of conscience, and the prudence never to practice either of them”. Following the Equator: A Journey around the World, 1897, capítulo XX. Disponível em: https://archive.org/stream/followingequator00twaiuoft.

[ii] Animal Farm, 1945. Disponível em: http://orwell.ru/library/novels/Animal_Farm/english/eaf_go.

[iii] “general tacit agreement that ‘it wouldn’t do’ to mention that particular fact”/ “veiled censorship”/ “an orthodoxy, a body of ideas which it is assumed that all right-thinking people will accept without question”/ “anyone who challenges the prevailing orthodoxy finds himself silenced with surprising effectiveness”/ “any official ban”. The Freedom of the Press. Disponível em: http://orwell.ru/library/novels/Animal_Farm/english/efp_go.

[iv] “the greatest strategic blunder in the recent history of American foreign policy”. My Plan for Iraq, 14 de julho de 2008. Disponível em: http://www.nytimes.com/2008/07/14/opinion/14obama.html.

[v] “a more wicked war than that waged by the United States on Mexico”/ “the moral courage to resign”. Referências podem ser encontradas em A Wicked War: Polk, Clay, Lincoln, and the 1846 US Invasion of Mexico, por Amy S. Greenberg.

[vi] “proceeded to battle any democratic institution that stood in his way”. A Threat to U.S. Democracy: Political Dysfunction, por Eduardo Porter, 3 de janeiro de 2017. Disponível em: https://www.nytimes.com/2017/01/03/business/economy/trump-election-democracy.html.

[vii] “of the 92 elections that we’ve monitored, I would say the election process in Venezuela is the best in the world”. 30 Years of The Carter Center (Sept. 11, 2012). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VPKPw4t6Sic&t=2685s.


Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Censura-velada/4/47191

terça-feira, 14 de abril de 2020

Covid-19, mata - por Latuff

Fonte: https://twitter.com/LatuffCartoons

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Pandemia expõe a Era dos Empregos de Merda – David Graeber (entrevista)

Pandemia expõe a Era dos Empregos de Merda

Agora, bilhões descobrem que podem trabalhar em casa, sem os controles burocráticos de sempre. Jornada poderia ser reduzida drasticamente, em relações pós-capitalistas. Mas haverá imensa pressão para que tudo volte ao “normal”
Será que o Occupy Home Office vai chegar ao Occupy Wall Street? Um telefonema com o antropólogo e crítico do capitalismo, David Graeber, que se encontra em Londres e que acredita que nossa vida laboral e nosso sistema econômico nunca mais serão os mesmos depois da crise do coronavírus.

Zeit Online: Senhor Graeber, de repente, fazer home office se tornou possível e os caixas dos supermercados passaram a ser sistematicamente relevantes. Será que a crise do corona está virando nosso mundo laboral de cabeça pra baixo pra sempre?

David Graeber: Aqui, na Grã Bretanha, o governo listou uma seleção das profissões sistematicamente relevantes — aqueles que trabalham nesses cargos e que podem continuar enviando seus filhos à escola, para serem cuidados. A lista chama a atenção pela incrível ausência de consultores de gestão e de administradores de fundos de investimento! Aqueles que mais ganham dinheiro, nem aparecem. A regra básica é: quanto mais útil é o trabalho, pior ele é pago. Uma exceção são, obviamente, os médicos. Mas mesmo assim você poderia argumentar: no tocante à saúde, a equipe de limpeza nos hospitais contribui tanto quanto os médicos, e grande parte do progresso nos últimos 150 anos veio de uma melhor higiene.

Na França, os empregados dos supermercados — que são, especificamente, os mais expostos — agora recebem um pagamento extra, graças a uma medida do governo. Os mercados não conseguem regular isso sozinhos…

É porque o mercado não é tão baseado assim na oferta e demanda, como sempre nos disseram: quem faz e em qual quantidade é uma questão de poder político. A crise atual deixa ainda mais claro que meu salário não depende de quão útil é a minha profissão.

Essa é a questão que você trabalha em seu livro Bullshit Jobs [“Empregos de Merda”, em livre tradução]: muitos dos trabalhos essenciais são mal pagos, enquanto funcionários bem remunerados costumam questionar se seus trabalhos em escritórios fazem algum sentido ou se eles estão apenas fazendo um “trabalho de merda”.

O que eu considero importante é: que eu nunca pensaria em contradizer uma pessoa que sente que realiza uma contribuição importante com seu trabalho. Porém, em meu livro, eu dei voz a pessoas que não sentem isso: pessoas que, às vezes, estão profundamente frustradas porque gostariam de contribuir com o bem coletivo. Mas, para conseguir o dinheiro que precisam para sustentar suas famílias, precisam realizar trabalhos que não servem para qualquer um. As pessoas me contavam: “eu trabalhava como professor de pré-escola, era um trabalho incrível, importante e que me fazia sentir realizado, mas com o qual eu não conseguia pagar minhas contas. E agora trabalho para algum sub-empresário que fornece informações sobre seguros de saúde. Codifico alguns formulários o dia todo, ninguém lê meus relatórios, mas ganho vinte vezes mais”.

O que acontece com esses funcionários de escritório que estão em seus empregos de merda, mas agora a partir de suas casas, por causa do coronavírus?

Algumas pessoas entram em contato comigo e me falam: eu sempre desconfiei que pudesse fazer meu trabalho em duas horas semanais, mas agora percebo que realmente é assim. Porque assim que você passa a trabalhar em casa, as reuniões que não agregam nada, por exemplo, geralmente já não são mais feitas.

Depois da crise financeira de 2008, você se envolveu com o movimento de protesto Occupy Wall Street, incluindo ativistas que passaram a ocupar um parque perto da Bolsa de Nova York. A crise do coronavírus poderia produzir um movimento de esquerda semelhante? Um Occupy Home Office?

Se acontecer, o mote será algo como: ocupe o apartamento em que você mora e não pague mais o aluguel. Agora, fala-se muito nas greves de aluguéis, porque as pessoas não conseguem mais pagar o aluguel, devido à crise do coronavírus. E o verdadeiro ponto é dar suporte aos trabalhadores mais importantes, sistematicamente, e que não receberam o equipamento necessário para realizar seu trabalho com segurança. É de nosso interesse que os trabalhadores da saúde e os entregadores de delivery tenham equipamentos de proteção.

Ao mesmo tempo, nesta crise aprendemos com muita clareza o papel central do trabalho para nossa sociedade: não interessa a quantidade de lugares que as pessoas deixam de visitar, elas sempre deverão continuar trabalhando.

Você percebe isso nas restrições no transporte público: se você o fecha, primeiro aos fins de semana, você não poderá mais ir ao parque. Mas Deus não permite que você não possa mais trabalhar! Embora tenhamos percebido há tempos que grande parte do trabalho não precise ser realizado no escritório.

Isso seria, na realidade, uma visão da situação atual, certo?

Sim. A única questão é: quando a crise acabar, as pessoas vão fingir que foi só um sonho? Situações semelhantes foram observadas após a crise de 2008. Por algumas semanas, todo mundo dizia “oh! tudo o que pensávamos que era verdade não é!”. Questões fundamentais finalmente surgiram: o que é o dinheiro? o que são dívidas? Mas, em algum momento, você, do nada, decide: “Chega disso por ora. Vamos fingir que nada aconteceu. Vamos refazer tudo de novo do mesmo jeito!” E a política neoliberal e o setor financeiro continuaram. É por isso que é tão importante que não esqueçamos daquilo que finalmente admitimos para nós mesmos em tempos de crise — por exemplo, quais empregos são sistemicamente importantes e quais não.

David Graeber em entrevista a Von Lars Weisbrod, no Zeit Online| Tradução: Simone Paz

Fonte: https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/a-pandemia-desnuda-a-era-dos-empregos-de-merda/

Grilagem, roubo de madeira, garimpo, invasões de terra. No #Brasil, a violência contra os indígenas não dá trégua nem durante a pandemia do coronavírus! - por Latuff

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quarta-feira, 8 de abril de 2020

Baixou o app? - por Nando Motta

Fonte: https://www.brasil247.com/charges/baixou-o-app

terça-feira, 7 de abril de 2020

#DiaMundialDaSaúde - por Latuff

Fonte: https://twitter.com/LatuffCartoons/status/1247518980270514176

Não pague por uma crise que não é sua! – por Artur Decone

Não pague por uma crise que não é sua!
Era uma vez uma ordem estabelecida que tinha como lógica principal te fazer trabalhar para você ter dinheiro para pagar para viver. Para! Agora um vírus de fácil contágio ameaçou essa ordem. Não é seguro conviver com outras pessoas e, portanto, não é seguro trabalhar. Logo, se não existe mais trabalho não existe mais dinheiro. Viva! Veja bem, quando você não tem trabalho, mas as outras pessoas têm, você está na merda sozinho. Quando ninguém tem trabalho, todos estamos na merda juntos. A matemática nos ensina que menos com mais é menos, mas menos com menos é mais! Então, na verdade, ninguém está na merda.

Os senhores que comandam essa ordem que não está mais tão estabelecida assim estão desesperados. Querem continuar te fazendo acreditar que o dinheiro deles vale alguma coisa. Querem que você corra riscos, não pela sua família como tentam te fazer acreditar, mas por eles! Sem a lógica do trabalho, os senhores não são mais necessários. E assim como a criança inocente que teve coragem de gritar que o rei estava nu¹, devemos ter coragem de não arcar com um problema que não é nosso.

Uma das provas de que essa antiga ordem não foi feita para o nosso bem estar é que a necessidade mais essencial que nós temos, a de ter um teto, é também a mais cara. E cada vez mais cara, por sinal. É a que representa a maior fatia do seu orçamento e, portanto, é a primeira que você deve abandonar nesse cenário onde não existe mais dinheiro. Fique tranquilo, em mais uma de muitas tentativas de mostrar que se importam com você, os senhores te darão uma esmola que é não poder ser despejado por um bom período de tempo caso você não pague. Mas lá na frente, assim que eles tiverem uma oportunidade de vestir novamente uma roupa e ir para o salão tentar restabelecer a ordem, eles jogarão nas suas costas uma dívida, que nada mais é do que outro dinheiro que não existe.

Quando esse momento chegar, e se ele chegar, quanto mais pessoas formos, mais força teremos. Na hora de definir as regras do jogo eles esqueceram de limitar o número de jogadores e acontece que temos muito mais jogadores do que mestres. Logo, está nas nossas mãos levantar da mesa e dizer que não queremos mais jogar! Lembre-se de duas coisas muito importantes: a culpa de nada disso que está acontecendo é sua e toda crise traz com ela uma oportunidade de construir algo novo.

Em abril, não pague o aluguel. Em maio também não. Enquanto essa crise durar, não pague. Converse com outras pessoas sobre a importância delas também não pagarem o aluguel. Esteja preparado e disponível para ajudar e ser ajudado quando os senhores vierem cobrar por algo que já sabemos que não existe mais.

Resistiremos juntos.

Há braços.

[1] Conto: A Roupa Nova do Rei: https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Roupa_Nova_do_Rei

agência de notícias anarquistas-ana


No outono as folhas
Caem e o caminho
Tapete se transforma


Dalva Sanae Baba

Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/04/06/nao-pague-por-uma-crise-que-nao-e-sua/

quinta-feira, 2 de abril de 2020

A pandemia usada para esmagar trabalhadores - por José Álvaro de Lima Cardoso

A pandemia usada para esmagar trabalhadores


Enquanto medidas para proteger emprego e renda são implantadas no mundo todo, Paulo Guedes autoriza cortes de 50% nos salários. Desemprego abaterá milhões, mas ministro está disposto a sacrificar população em prol do mercado
Imagem: John Langley Howard, California Industrial Scenes (1933) 

A crise econômica mundial que se avizinha – bafejada agora pelo coronavírus — pegará o Brasil, como até as pedras já previam, no contrapé. Antes da pandemia, a fragilidade externa do país já tinha aumentado muito, a partir das medidas do golpe de 2016. Por exemplo, o governo Bolsonaro está queimando as reservas internacionais deixadas pelo governo Dilma Rousseff, na tentativa de deter o aumento do câmbio. Somente em março o Banco Central já injetou US$ 15,245 bilhões em recursos novos no mercado de câmbio, tentando conter a escalada do dólar. Mesmo assim o real foi a terceira moeda que mais se desvalorizou no mundo, perante o dólar norte-americano, em 2020.

Um dos vários efeitos demolidores do Corona se deu sobre a economia chinesa, principal motor da economia mundial há muitos anos. A produção industrial caiu 13,5% no primeiro bimestre, em relação ao mesmo período do ano passado, uma queda superior à verificada na crise de 2008. Dos 41 maiores setores industriais, 39 tiveram redução na produção. As exceções foram petróleo e gás, e tabaco. Há previsões de que a queda no PIB chinês, no primeiro bimestre do ano, possa chegar a 13%. Como seria de esperar a economia como um todo mergulhou: vendas no varejo encolheram 20,5% ao ano no bimestre, a taxa de investimentos caiu 24,5%, a construção de imóveis caiu 44,9% nos dois primeiros meses do ano. Como os dados do primeiro bimestre incluem duas semanas de janeiro, nas quais a economia funcionou normalmente, tudo indica que os dados de março serão ainda mais devastadores.

A nós, meros mortais comuns, é sonegada muita informação, pois os donos do dinheiro não têm interesse em divulgar certas coisas. É, portanto, muito difícil estimar o risco de a crise contaminar a economia mundial como um todo, o chamado “risco sistêmico”. Segundo alguns analistas1 o risco dessa crise afetar o sistema mundial é muito mais grave em 2020, do que foi em 1979, 1987 ou 2008. Segundo o jornalista, informações de bastidores indicam que, nesta crise, o risco é mais alto de contaminação do mercado de derivativos, o que envolve trilhões de dólares. É uma verdadeira fábula de dinheiro aplicada em papéis sem lastro, investimentos financeiros completamente descolados da esfera real da economia.

Dois sintomas de que o risco sistêmico é elevado, apesar de a informação estar dissimulada pela maioria dos analistas internacionais: a) O Fed (banco central norte-americano) eliminou exigências de reservas bancárias nos bancos comerciais, o que significa uma expansão, como lembrou Pepe Escobar no artigo citado, “potencialmente ilimitada de crédito, para evitar uma implosão dos derivativos, decorrente de um colapso total de bolsas de mercadorias e ações em todo o mundo”; b) O governo alemão anunciou no dia 13/03 empréstimos “ilimitados”, que podem chegar a 550 bilhões de euros, para amparar as empresas em função da pandemia. Este plano de ajuda às empresas na Alemanha é mais significativo do que o utilizado na crise financeira de 2008. A crise na Alemanha, como no mundo, também é anterior ao coronavírus: considerado o motor da economia europeia, a Alemanha cresceu meros 0,6% em 2019, uma notável e clara desaceleração em relação a 2017 (2,5%) e 2018 (1,5%). A crise sanitária apenas piorou muito uma situação que já era ruim.

A pandemia, segundo a OIT na previsão mais moderada, poderá aumentar em 5,3 milhões o número de desempregados no mundo. No pior cenário, é possível que o número de desempregados cresça em 24,7 milhões, num universo, segundo a Organização, de 188 milhões de desempregados em 2019. Conforme previsão da OIT aumentará também o subemprego, com as inevitáveis reduções das jornadas de trabalho e dos salários. A Organização divulgou um cálculo da perda de renda pelos trabalhadores, com a crise, que deve ficar entre US$ 860 bilhões e US$ 3,4 trilhões até o fim deste ano.

A perspectiva de uma grande crise internacional, acelerada por uma brutal pandemia, está levando governos a optarem por ações drásticas, em todo o mundo. Não apenas no campo fiscal, tributário e creditício, mas em áreas diretamente ligadas ao controle da doença. Por exemplo, na Espanha o governo determinou que as autoridades de saúde estatais do país assumam o controle de hospitais privados, para atender e hospitalizar pacientes com coronavírus. Segundo o ministro da saúde da Espanha, a medida visa garantir por todos os meios a saúde e o interesse público e permitir que os cidadãos possam ser atendidos em condições de igualdade. O Ministério da Saúde espanhol determinou também que as empresas e laboratórios particulares que façam diagnósticos ou produzam máscaras e outros utensílios que possam ser usados no combate ao coronavírus, devem informar ao governo da sua existência e da sua capacidade produtiva em até 48 horas.

Em vários países se adotam medidas que protegem as pessoas da doença, e ao mesmo tempo procuram amortecer o impacto econômico e social para a população, preservando o emprego e a renda. Mas o governo e o parlamento brasileiros fazem exatamente o contrário, utilizando a crise como pretexto para a liquidação de direitos. Por exemplo, no dia 17/03, a portas fechadas, uma comissão mista do Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória (MP) 905, conhecida como Carteira de Trabalho Verde e Amarela. A medida reduz garantias relacionadas aos acidentes de trabalho e modifica, de 8% para 2%, a alíquota de contribuição ao FGTS paga pelo empregador. Também diminui de 40% para 20% a multa paga em caso de demissão, por exemplo.

Ao mesmo tempo o ministro da economia vem tentando acelerar no Congresso o processo de privatização da Eletrobras, aproveitando enquanto a sociedade tenta manter a saúde e sobreviver, ainda que à duríssimas penas. O mesmo Paulo Guedes recentemente listou 19 projetos ao Congresso, que são prioritários para o governo, absolutamente todos na direção de retirar direitos, enfraquecer o Estado e vender patrimônio público (dentre eles, autonomia do Banco Central, o Marco Legal do Saneamento e a MP do Emprego Verde Amarelo).

Nessa mesma lógica antipovo e de vergonhosa subserviência ao capital, o governo anunciou no dia 18 uma Medida Provisória que, dentre outras coisas, permitirá que as empresas reduzam em até 50% a jornada de trabalho e o salário dos seus empregados. Além da redução da jornada e salários as empresas poderão antecipar férias individuais, decretar férias coletivas e usar o banco de horas para dispensar os trabalhadores do serviço. Também poderão antecipar feriados não religiosos. A MP ainda permitirá ações visando simplificar o teletrabalho e a suspensão da obrigatoriedade dos exames médicos e treinamento obrigatórios.

Não fosse este o governo mais inimigo do povo de toda a história do Brasil, seria o momento para medidas fortes de proteção do emprego e da renda dos trabalhadores (que são 95% da população). Seria o momento de proibir demissões sem justa causa, instituindo garantia de emprego e de uma renda mínima de sobrevivência para os desempregados e informais, pelo menos enquanto durasse a pandemia. Seria o momento de revogar a Emenda Constitucional 95, imposta pelos banqueiros que ajudaram a financiar o golpe de 2016. Mas fazem o contrário e com tática bastante conhecida: aproveitar a confusão e a excepcionalidade do momento para rapidamente impor medidas que vão contra a esmagadora maioria da população, em favor dos grandes capitalistas e do sistema financeiro internacional.

1 Ver por exemplo o artigo Como o exército dos EUA pode ter levado o vírus à China, do bem informado Pepe Escobar, publicado em 17.03.20.

Fonte: https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/a-pandemia-usada-para-esmagar-trabalhadores/

Aos 98 anos, morre em Atenas MANOLIS GLEZOS – por A.N.A.

Aos 98 anos, morre em Atenas MANOLIS GLEZOS
Manolis Glezos presente!


Manolis Glezos (09/09/1922-30/03/2020) um grande homem, antifascista e partisano. Junto com Lakis Santas, removeu a bandeira com a suástica alemã durante a ocupação nazi de Atenas, em maio de 1941.

Nascido na aldeia de Apiranthos, na ilha de Naxus, Manolis Glezos mudou-se para Atenas em 1935 e anos depois participou na criação de grupos de juventude antifascistas.

Em décadas de grande resistência, Glezos tinha sido encarcerado várias vezes pelos alemães, pelos italianos e depois pelos governos militares de direita gregos, sendo até torturado e posto em regime de isolamento.

Ele continuou a lutar contra o fascismo até o fim.

Imortal! Descansa no poder.

Algumas pessoas dizem que num acordo também é necessário fazer algumas concessões. Mas por questão de princípio, entre o opressor e o oprimido não pode haver compromisso, da mesma forma que não pode haver compromisso entre o escravo e o tirano. A liberdade é a única solução.” – Manolis Glezos

Sem Fronteiras

Tradução: Ananás

agência de notícias anarquistas-ana

durmo sob uma oliveira
com o musgo
por travesseiro


Rogério Martins

Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/04/01/grecia-aos-98-anos-morre-em-atenas-manolis-glezos/

Fé Demais - por Latuff

Fonte: https://twitter.com/LatuffCartoons