sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Denise Stoklos leva à reflexão em 'Carta ao Pai' – por Davi Brandão




Denise Stoklos leva à reflexão em 'Carta ao Pai'


“Teatro é considerado quase a forma embaixadora de um país, pois mostra como  ele é”. A explicação anunciada é de Denise Stoklos, nome de referência na cena teatral brasileira, durante entrevista à nossa reportagem. "Mas isso está longe de ser visto aqui, em especial pelos meios que deveriam ver isso, como o Ministério da Cultura, Secretarias de Cultura, os governos”, completou Denise.

Em comemoração aos 45 anos de carreira, a paranaense que se transferiu para São Paulo no final dos anos 70 estreia na noite desta sexta-feira seu novo espetáculo solo “Carta ao Pai”, baseado na obra homônima de Franz Kafka. Em cartaz no palco Teatro Anchieta, no Sesc Consolação (R. Dr. Vila Nova, 245, na Vila Buarque, o público poderá conferir até o dia 29 de setembro o trabalho da artista reconhecida no mundo pela criação do método Teatro Essencial, que leva o público à reflexão e destaca a essência do teatro que pode ser feito de todos os modos, porém não sem a presença de um ator.

Em tom de acerto de contas,  mas nunca entregue ao seu destinatário,  a carta de Franz Kafka a seu pai, Herman, um comerciante austero e tirânico, tornou-se um clássico da literatura universal. Publicada em 1919 e, desde então, exaustivamente examinada por críticos e pesquisadores, traduz com profundidade singular o universo kafkiano e sua extrema capacidade de análise e argumentação sobre as relações humanas. “No Teatro Essencial o ator é o fundamento da cena e sua contingência política é o ponto de interpretação. Nesta “Carta ao Pai”, não é necessário fantasiar o texto ou envolvê-lo de aspectos de 1919. A busca é justamente por entregar alguns fragmentos de forma que a plateia os receba como atualizantes”, destaca.

Segundo a autora, diretora e atriz, que se especializou em mímica em Londres, em 1979, um momento importante, pois o espetáculo reflete os tempos atuais do Brasil que acordou e está nas ruas. Acompanhe o bate-papo:

Quando é observado este dom para o segmento da arte?
Desde muito pequena. Creio que desde quando tenho percepção de estar viva faço teatro. Como isso? Escrevendo, dirigindo, coreografando, iluminando, interpretando, sempre para contar alguma coisa que me tocou emocionalmente e isso sempre percebi. Depois comecei a fazer isso profissionalmente. Estudei Ciências Sociais, na Universidade Católica e Jornalismo, na Universidade Federal, áreas que me levaram a ter um approach muito grande de sociologia dos meus temas e de jornalismo, por fazer uma comunicação de tudo que estava me tocando.

As formações acadêmicas também explicam o engajamento político observado em suas montagens?
Comecei profissionalmente em 1968, com 18 anos, quando cursava o segundo ano de ambos os cursos. Claro, que o momento político da época me trouxe uma noção de engajamento político e meu trabalho não pode deixar de ser relacionado e baseado nas questões sócio, políticas e econômicas, como é feito até hoje. Logo desenvolvi este trabalho do modo que eu desejei, com o jeito que eu queria fazer, de me mexer no palco, a luz, as músicas. Fiz algo que depois dei o nome de Teatro Essencial.

Comente um pouco mais sobre este método.
Depois de muito tempo este Teatro Essencial, após muitas peças foi reconhecido nos Estados Unidos, e fui convidada para dar aulas por lá. Na verdade, o conceito do Teatro Essencial é de que o que se passa no palco não é uma ficção, pois o espectador não assiste como um voyeur (somente olhando pelo buraco da fechadura), mas neste teatro que eu faço o espectador é que dá o sentido, ele quem dirá o que está acontecendo. Apresento em diversas camadas sociais, da mais simples a literal, e cada um lê de acordo com quer ler e pode. Um modo que chamo de fricção, onde não existe uma historinha. Sempre dou o exemplo, que para fazer o “Padre Antônio Vieira” eu não coloco a batina, não faço trejeitos de quando fazia seus sermões, não faço os cenários do Maranhão, mas sim entro com o palco nu e com uma roupa de exercícios, e como eu mesmo, como mulher falo o texto. O público ao ver e perceber pelo instrumento da cena que é o ator e torna o texto atual e atualizante. Ele não assiste de fora, mas sim participa e autêntica como verdadeiro ou não. Não é de mentira o teatro que faço, mas sim uma espécie de dever da dona.

Poderia ser definido como um teatro de simplicidade, mas com a compreensão da mensagem?
Exatamente. Totalmente simples que não tem enfeites que é feito com a base do teatro. Um teatro sem texto ainda existe, um teatro sem luz ainda existe, um teatro se cenário ainda existe, um teatro sem som ainda existe, mas um teatro sem ator não é teatro. O teatro é ator, e o que ele tem como instrumento, o corpo, a voz e essa parte que vai organizar o corpo a voz, que é a sua inteligência, sua memória afetiva, suas escolhas ideológicas, sua intuição. E com isso se faz o teatro, que não é um passatempo, mas sim um ganha tempo, onde a pessoa vai para refletir sobre a natureza humana.
Na verdade não existe entretenimento, como é trabalho o teatro atual?

Não é entretenimento. Não tem como entreter-se, pois o espectador tem que ler o que está acontecendo. Ele tem que dar um sentido para aquilo que está vendo, pois não tem enfeites, histórias. Tem que se identificar  com aquilo. As pessoas precisam refletir. O teatro se faz necessário. Por isso que se diz “pão e circo”, pão para o alimento e o circo [teatro] para reflexão. Inclusive na Grécia Antiga os médicos receitavam pessoas de teatro para as pessoas melhorarem a compreensão de justiça ou altivez da vida. É algo sagrado e não entretenimento. Hoje é ruim pois é considerado supérfluo, e muitos que fazem correm para a televisão, vislumbrando o financeiro.
Muitos especialistas discutem o teatro atual. Você acredita que muitos dos problemas são reflexos desta perda de essência

Não acho que tenha perdido. Na verdade é que as manchetes sempre dizem que está morrendo. Mas isso hoje, ontem, o ano passado, sempre foi dito isso. Isso porque ele não possui produto, pois ele não é defendido por ninguém. Ele não paga para ninguém o suficiente para ele fazer aqui. Ele produz reflexão e isso não é produto, não é commodity. Ele vai sobrevivendo porque tem alguns apoiadores. Por isso temos que festejar quando chegamos aos 45 anos de profissão e o jovem tem que ver que mesmo diante de muita luta é possível fazer teatro e nem sempre é necessário se esconder na televisão

E você sempre se manteve do teatro? Recebeu convites para esse esconderijo chamado televisão?
Sou privilegiada e com essa oportunidade que tive de ter uma carreira internacional me beneficiou. Também o método construído foi importante. Tive minha valorização que me abriu muitas chances. Tenho um apoiador que é o Sesc, uma das mais importantes entidades do País. Não somente recebi, como fiz minha experiência na televisão. O Abujamra diz que todo ator tem que fazer uma novela na vida e eu já fiz uma, na TV Bandeirantes. Na televisão você tem um patrão, você fica preso àquilo e você perde o seu eu. Felizmente consigo manter minha carreira no teatro.

Algumas pessoas criticam o público, pois ainda o vê muito distante do teatro. Qual sua avaliação sobre isso?
Vivemos em um país cheio de contrastes, onde temos falta de escolas, de hospitais, de transporte. E claro que o teatro se torna uma coisa supérflua e difícil e nem todos tiveram a oportunidade de estar em uma sala de teatro. Isso é diferente na Escandinávia, por exemplo, pois lá a vida social é resolvida.
Você também destaca a juventude, comente sobre o jovem brasileiro deste imenso Brasil.
Eles são maravilhosos. O bom é que continuam fazendo teatro, algo de vanguarda. Talvez seja neste tempo de comunicação virtual, a única que irá permanecer, pois é a oportunidade de gente viva se encontrar com gente viva.

Nesta sexta-feira, um dos presentes destes 45 anos de trajetória é a estreia do espetáculo “Carta ao Pai”, certo? Comente sobre este texto, que traz ao brasileiro um texto refletido no mundo, com fragmentos de Franz Kafka.
“Carta ao Pai” é um texto muito importante do Kafka, pois ele inaugurou a literatura e o jornalismo moderno. Este texto serve muito ao meu teatro, pois fazer o filho aqui para mim, não é aquele que morava na  Tchecoslováquia, que teve um pai severo. O filho é um ser brasileiro que é maltratado pelo pai, que é o Estado. Aqui o filho fala para o pai, o que ele fez com ele. Como o espanca moralmente e quanto é difícil para ele ter uma vida de pé com toda essa repressão e opressão daquele que deveria estar defendendo este homem brasileiro. Então como eu não faço ficção, aqui a gente assiste nós todos, o ser brasileiro falando, se manifestando, apontando o que o sistema faz com a gente. A Carta ao Pai foi uma carta escrita onde ele denunciava tudo isso, nada de choro, mas sim como muita ação, de renúncia que sua mãe nunca deixara entregar ao seu pai, que nunca a leu. Mas todo o mundo leu.

O texto pode servir de reflexão para o atual momento vivenciado pelo Brasil, que decidiu ir às ruas para lutar pelos direitos sociais?
Com certeza. É completamente aplicado a isso. Estamos apontando: não suba os vinte centavos  no ônibus, não faça isso, pois impede que consigamos melhorar o Produto Interno Bruto, em virtude deste desvalidando aplicado por aqueles que estão no comando. Então “Carta ao Pai” vem muito em um momento apropriado que o Brasil vive.

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