quarta-feira, 16 de julho de 2014

A Copa e a Democradura II: Para xs “esquerdistas” entregadxs ao sistema – por Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira


A Copa e a Democradura II: Para xs “esquerdistas” entregadxs ao sistema
Iniciemos por um evento histórico recente, que é apontado por muitos historiadores como o marco do início de uma nova época: o atentado contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001. Sem negar que o fanatismo religioso causa muitos males, pergunto: vocês não têm a menor dúvida de que o atentado contra as Torres Gêmeas foi cometido por ordem de Bin Laden?! Vocês sabem que a família de Bin Laden tinha altos negócios com o governo Bush e que este – o presidente – ficou “impassível” durante algum tempo (conforme registros em vídeo) após receber a notícia do atentado, durante uma palestra para estudantes…?! Será que o título do texto que Noam Chomsky publicou logo após o atentado – que é: “O Atentado de 11 de Setembro é Um Presente Para os Conservadores” -, não poderia apontar para algo mais do que o seu “valor facial” (ou seja: algo mais do que a primeira leitura sugere)? Afinal, não foi esse atentado que deu a justificativa “moral” para os E.U.A. invadirem o Iraque, como também para recrudescerem as legislações e os expedientes de controle interno – e externo – sobre as vidas dos cidadãos, com expedientes como esse controle virtualmente universal da internet, denunciado por Edward Snowden? E qual é a linha de intervenção externa que os U.S.A. têm adotado, no período pós-ditaduras da América Latina..? A DEMOCRATIZAÇÃO de países politicamente “atrasados”…! Para mim, nenhuma destas forças – nem seus modos de luta – me interessam.

Como penso que vocês devem saber: anarquistas não são comunistas marxistas, que sonham com uma “ditadura do proletariado”. Essa tradição de pensamento ditatorial, como vocês mesmos admitem, é a formação da “esquerda” partidária (daí serem muito hábeis na utilização dos expedientes autoritários, mesmo nas DEMOCRADURAS)! Aliás, para mim, bem entendido, anarquismos nem sequer são “esquerda”, porque “direita” e “esquerda” referem-se a dois lados em luta pelo poder do Estado! Talvez, seja isto mesmo que os “States” queiram que se torne pensamento único: a ideia de que em política só existem duas opções, ou as ditaduras (“clássicas”), ou as democracias representativas, ou seja, a ideia de que fora do Estado não há “salvação” e de que, dentro do Estado existe uma promessa de paraíso: a “liberdade política” meramente estatística, ritualística e sazonal do sufrágio universal e seus corolários de formalismos legislativos promotores da “equitatividade social”!

Se vocês são otimistas e acham que estamos caminhando cada vez mais para um mundo melhor (“um mundo onde todos tenham a mesma oportunidade, de fato e de direito”), eu lhes digo que penso que estamos sim caminhando para um mundo das melhores utopias… NEGATIVAS, tais como “pintados” nas obras “1984″ e “Admirável Mundo Novo”. Ali, se vê populações felizes, com todas as suas necessidades básicas garantidas, se sentindo espontâneas e confortáveis como… peixes em aquários, que de tão acostumados com os vidros transparentes das estruturas que os contêm (faço aqui uma analogia com as estruturas políticas, econômicas e sociais altamente hierarquizadas e burocráticas dos Estados Modernos), nem sequer “sonham” com a possibilidade da existência do mar… Poético demais? Então, vamos aos duros fatos:

Vocês sabem que, neste momento, governos “democráticos” – inclusive de “esquerda” – de todos os países ricos estão “tratando” imigrantes pobres com confinamentos em campos de segregação (Alemanha e Itália), suas polícias (que nem são militarizadas como a do Brasil) estão “tocando o terror” contra populações de imigrantes (isso em países com governos social democratas, como a França, onde se multiplicam casos de agressões policiais a imigrantes pobres), suas políticas – dos países “democráticos” – concentram-se basicamente em impedir a qualquer custo – inclusive atirando – a entrada de imigrantes pobres em seus territórios e que, para os que conseguem entrar, a ordem é deportar maciçamente…?! Vocês sabem que, também no Brasil, o Governo Federal formou uma força tarefa para “despachar” (para fora do país), rapidamente, imigrantes Haitianos ilegais?

Vocês sabem que, em vários países “democráticos”, as manifestações que REALMENTE incomodam o Status Quo (ou seja, aquelas que denunciam todos os que fazem o jogo do poder) vêm sendo duramente reprimidas?! Por exemplo: Na Espanha, foram divulgadas imagens na internet de policiais algemando manifestantes em postes na rua e lhes dando longos banhos com os caminhões de água; nos E.U.A. a polícia já tinha iniciado essa moda que chegou esses dias em São Paulo, de borrifar gás de pimenta nos olhos de manifestantes já contidos por vários homens (aliás, a “versão quebra bancos” dos black blocks surgiu lá, devido ao descaso com que a grande mídia trata estes crimes “oficiais”); aqui no Brasil, para além da repressão contra as manifestações urbanas, operários grevistas na “insuspeita” construção da Megausina Hidrelétrica de Belo Monte (na região do Rio Xingu) receberam a “visita” da Força Nacional que não foi nada “cordial” com os trabalhadores no exercício do seu “legítimo direito de greve”! Então, como se vê, o problema da polícia não é ser ou não militarizada, como a do Brasil: isso é uma questão ilusória! O problema da polícia é SER POLÍCIA! A polícia – militar ou não – é uma das instituições destinadas a fazer o uso da força para manter o Status Quo (manter o sistema e os grupos que fazem seu jogo), e ai da Polícia que não possa fazer uso da força quando isso interessa à manutenção do sistema!

Vocês já se questionaram “por que”, justamente num momento em que a internet está servindo para mobilizar, mundialmente, tantos movimentos de protestos com uma tendência declarada à reivindicação de uma VERDADEIRA DEMOCRACIA (como foi o lema dos “Indignados”, na Espanha de 2011) – ou seja, reivindicações de Democracia Direta -, “por que”, justamente nesse momento, surgem propostas de regulação governamental da internet, como a do Marco Civil e a da Netmundial? Sei, o papo é que as grandes corporações de transmissão de dados já estão privatizando os dados dos usuários… Mas, então, a única escolha aí é entre ter seus dados virtuais controlados pelas corporações ou controlados pelos governos?! Aliás, para quem tem olhos para ver, a maioria dos governos mundiais são eleitos com megacampanhas eleitorais, cada vez mais caras e financiadas por grupos de grandes interesses econômicos, configurando-se, de fato, em mandatários destes grupos corporativos. Então, há alguma escolha aí, entre “a cruz” – das ilusões da religião dos nacionalismos – ou “a espada” – do mercado que fere as dignidades pessoais em nome do lucro?! Ou seja, parafraseando – não por acaso -, a música do polêmico Ney Matogrosso: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, porque isso vai longe, meninxs isso vai longe…” Vai sofisticar mais ainda os já tão refinados mecanismos de controle existentes sobre as vidas das pessoas nas sociedades contemporâneas: e qualquer prática que seja REALMENTE crítica com relação ao Status Quo, já será detectada e anulada desde o seu nascedouro, pelo BIG BROTHER! Não é à toa que um dos grandes conhecedores do mundo da internet, Julian Assange (do WikiLeaks), declarou que a internet está se tornando uma das maiores ameaças à civilização (ou seja, ao desenvolvimento do livre pensamento)… E também não é à toa que ele – Assange – está sendo vítima de uma campanha de difamação e de incriminação… A tal liberdade de pensamento nas democracias representativas só vai até onde se pensa O QUE SE PERMITE QUE SEJA PENSADO, ou seja, que a democracia representativa é o único e o melhor dos mundos políticos! Quem enxerga para além dos vidros do aquário, “mija fora do balde”, “joga água fora da bacia” – melhor, “do aquário”, porque perceber que existe o mar e querer se agitar para sair do aquário em direção à amplitude do horizonte, é crime contra o Estado – ou melhor, é um dano contra os vidros de contenção (qualquer alusão à estratégia black block não será mera coincidência?)!

E, vejam que eu me limitei aqui apenas às questões dos imigrantes pobres, dos manifestantes pró Democracia Direta, das ameaças à liberdade na internet como consequência da intensificação dos seus usos para fins de mobilizações realmente críticas… Eu poderia me estender mais tratando, p. ex, da questão dos estreitos vínculos das indústrias farmacêutica e bélica com a maior parte dos Estados “democráticos”, de modo que esses Estados submetem suas populações a políticas de vacinações massivas com substâncias cuja eficácia – e efeitos colaterais – ainda não são ponto passivo entre a comunidade científica, bem como estes Estados também são cúmplices – direta ou indiretamente – de boa parte das guerras do mundo moderno, pelo fato de serem alguns dos maiores clientes das indústrias armamentistas…

Mas, como eu já lhes disse, acho sim que estamos caminhando para um mundo digno das melhores utopias NEGATIVAS: um “Admirável Mundo Novo”, onde os cidadãos cada vez mais condicionados a viverem em harmonia com as leis e regras sociais – a se sentirem felizes dentro do aquário – têm as suas capacidades perceptivas e críticas cada vez mais entorpecidas por uma droga chamada… O acesso ao consumo em massa de produtos/bugigangas descartáveis, como também ao consumo de produtos da indústria de entretenimento como o… FUTEBOL!

Se depois de sabermos de tudo isto, vocês ainda acham que os Estados democráticos modernos são “racionais”, ou seja, que por dentro de suas instituições se pode garantir um mundo sem violência nem derramamento de sangue, um mundo melhor, onde todos tenham a mesma oportunidade de fato e de direito, eu precisarei ir mais além na minha demonstração e sintetizar todo o quadro apresentado em uma frase bastante didática: O MUNDO DOS ESTADOS NACIONAIS É UMA GRANDE MÁFIA! E se mesmo assim vocês continuam acreditando que é interessante brigarmos com o autoritarismo da FIFA, mas também por melhores sistemas de saúde, educação etc, sem questionarem a natureza do Estado e da grande propriedade do Capital, enquanto instrumentos alienadores do poder EFETIVO dos cidadãos “comuns” sobre a sua vida em coletividade, então, nem conversemos sobre “luta”, porque para mim, assim como já denunciava Ivan Illich (ainda nos anos setenta) muitos desses programas de expansão das redes de atendimentos de modernos serviços estatais e/ou empresariais, são na verdade parte de uma grande estratégia de apagamento dos modos de vida comunitários tradicionais (de convivialidades não prioritariamente mediadas por valores monetários), em substituição pelo modo de vida capitalista moderno (da dominância dos valores do mercado, concorrencial, produtivista e consumista), sob o argumento de que a “falta de acesso” a esses serviços modernos configura “pobreza” (quando pode ser apenas um outro modo de produção e consumo, tal como nos casos de tribos indígenas e comunidades caboclas e de pescadores). E ainda mais: as Comunidades Zapatistas no México – onde milhares de pessoas experimentam um modo de vida autogestionário, sem Estado, sem patrões, mais próxima à natureza e sem miséria – têm denunciado que o Estado Mexicano tem seduzido muitos dos seus integrantes para saírem das comunidades, atraídos pelo modo de vida consumista, propiciado por… “Programas sociais”!

Então, o que se vê é que os Estados Modernos têm exercido, majoritariamente, um papel histórico de promover a ampliação da dominação das formas de sociedades de mercado – um processo de arruinamento dos modos de vida que diferem do moderno modo de vida ocidental, industrial, produtivista e consumista. Em outras palavras: uma homogeneização, em escala planetária, das formas humanas de viver! Então, no âmbito deste modelo civilizatório, não se pode falar em respeito a tradições e/ou à diversidade! Exemplo disto é o fato de que entre os jovens de países orientais como o Japão e a China, onde a “moderna economia de mercado” foi desenvolvida e/ou estimulada (com a adoção de políticas governamentais específicas, claro), os modos de vestir se assemelham cada vez mais aos do Ocidente (com a universalização do uso do jeans, p. ex.), os gostos musicais também (verificando-se uma tendência ao crescimento do gosto pela música difundida na moderna indústria cultural ocidental, diga-se, estilos como o rock, o pop, o tecno etc), os hábitos alimentares idem (com a dominância cada vez maior do estilo alimentar dos “fast foods”) e até os tradicionais jogos locais tendem a ser secundarizados cada vez mais em favor do… FUTEBOL! E o futebol é um ótimo fenômeno para exemplificar este processo de homogeneização universal dos modos humanos de viver, sob a ação dos Estados Nacionais e das modernas sociedades de mercado:
Vocês sabem que entre os critérios que compõem o chamado “padrão” FIFA nas “arenas” – este é o nome, pois agora são europeizadas -, além da expulsão de comunidades pobres do entorno dos antigos estádios, consta também o da abolição das “gerais” – aquelas áreas dos estádios onde os ingressos eram mais baratos e que por isso eram frequentadas pelos torcedores pobres -? Sem falar, no impedimento à entrada de “fanfarras”, no impedimento ao uso de suportes de bandeiras (mastros), como também na abolição de cabines de vendas de ingressos no local etc. Ou seja, a FIFA homogeneiza – “padroniza” – o perfil dos torcedores nos estádios, configurando assim uma situação em que os grupos que aparecem nas telas das transmissões mundiais dos jogos são majoritariamente grupos de classe média (ou seja, os representantes da excrescência chamada “opinião pública mediana”)… Qualquer semelhança com o projeto de estratificação social sonhado pelo Governo Federal para a sociedade brasileira, será mera coincidência?! Aliás, quem diz ser crítico do autoritarismo da FIFA, para ser coerente, deve ser crítico do Governo Federal também, porque a FIFA não impôs unilateralmente suas regras ao Brasil, ao contrário, o Governo Federal ACEITOU SEDIAR A COPA, ou seja, é parceiro da FIFA, tendo o governo, inclusive, oferecido a este Pool de grandes corporações “agrados” tais como uma completa isenção fiscal para o megaevento! Em tempo: gosto da arte do futebol, mas rechaço veementemente a INDÚSTRIA DO ENTRETENIMENTO, que é um dos ramos de negócios mais criminosos do mundo, posto que é um dos que mais se prestam para a lavagem internacional de dinheiro oriundo de atividades criminosas (não é à toa a tradição de ligação entre bicheiros e times de futebol no Brasil).

Então, se, como vocês mesmos devem admitir e deduzir, só há uma classe de regimes sócio-políticos onde todos são levados a ver o mundo de forma igual, o que dizer de um modelo civilizatório como este, dos Estados Nacionais e das Modernas Sociedades de Mercado, onde domina todo este processo de homogeneização global dos modos de vida humanos?! Claro que a resposta já foi antecipada pelo seu próprio raciocínio: DITADURA, aliás, DEMOCRADURA (visto a existência dos RITUAIS FORMAIS de legitimação – pelo uso do sufrágio universal – das trocas sazonais de grupos administradores do sistema, bem como a existência FORMAL de ordenamentos jurídicos que garantem direitos individuais básicos como a liberdade de expressão e o direito inalienável à vida – que o digam os manifestantes libertários sistematicamente presos no Brasil e ao redor do mundo, bem como os imigrantes de países pobres, quando – e se – conseguem aportar em países democráticos ricos).

Nós, “progressistas”, subestimamos muito a inteligência dos grandes estrategistas a serviço da manutenção do sistema: nos achamos tão bons que não conseguimos ver nada a nossa frente, a não ser os nossos “anseios”, e esquecemos de coisas simples, tais como o fato de que felicidade e liberdade são duas situações que não mantêm nenhuma relação de vínculo necessário entre si e que, portanto, um povo pode ser feliz, mesmo nas mais sofisticadas das servidões (aliás, principalmente nestas, pois aqui a servidão é mais difícil de ser percebida do que em autoritarismos clássicos),como os habitantes das utopias negativas de George Orwell e Aldous Huxley,  como o peixe que vive no aquário sem nem sequer “sonhar” que existe mar.

E é por compreender que o fundamentalismo da moderna sociedade de mercado é a religião universal cada vez mais dominante hoje e que, como em toda e qualquer religião, seus adeptos cada vez mais numerosos se sentem felizes apenas por co-participarem de seus rituais sagrados – o produtivismo e o consumismo em massa, inclusive de entretenimento -, e por compreender também, por outro lado, que existem outras possibilidades de vida humana mais autônomas e que, como diz Cornelius Castoriadis, “existe sempre a possibilidade dos sujeitos desviarem o olhar em relação à sua cultura” (e enxergarem diferentemente das visões dominantes), é por tudo isto que eu não penso mais em termos de revolução (pois, antes que “outros” a façam, o sistema já “faz”… com a ajuda de vocês) mas sim em termos de REVOLTA, e ao contrário do que vocês pensam, eu acho que isso deve ser feito o tempo todo (e não apenas quando não se concorda com o governo da vez), porque, através disso, se poderia encontrar alguma ORIGINALIDADE (ao invés de apenas reproduzir modos “enlatados” de vida)!

Quando vejo que boa parte dos que estão se dispondo a enfrentar o grande império atual – das modernas sociedades de mercado e dos Estados Nacionais – são muito jovens, quero me afastar da “razoabilidade” e “maturidade” dos velhos (independentemente da idade cronológica) que antes eram “críticos” e hoje são colaboradores do projeto de mundialização deste modelo civilizatório que está transformando todos em meros cidadãos produtores/consumidores em massa (como também transformando tudo em mero produto de consumo em massa), e me pego a repetir o seguinte trecho de uma letra do – agora “outsider” – cantor e compositor cearense, Belchior (que, também não por acaso, eu lembro aqui): “Mamãe quando eu crescer eu quero ser adolescente, no planeta juventude haverá vida inteligente…”

Sim, sejamos tranquilos, porque existem todos os tipos de vida, mas nem todxs os seres vivem dispostxs a roubar o fogo da liberdade dxs deusxs, como Prometheus!

Nos vemos por aí, amigxs.

Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira

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