terça-feira, 28 de outubro de 2014

GOG: “Roupa suja a gente lava em casa, mas eu não vou voltar a lavar roupa para eles” - por Camilla Hoshino


GOG: “Roupa suja a gente lava em casa, mas eu não vou voltar a lavar roupa para eles”
Após atividade cultural de campanha no Paraná, em apoio à candidata Dilma Rousseff, GOG participou de uma roda de conversa com artistas do rap local, militantes do Levante Popular da Juventude e com o Brasil de Fato

Rapper, escritor e produtor cultural, Genival Oliveira Gonçalves, mais conhecido como GOG, é um dos nomes artísticos em destaque do movimento hip hop no Brasil. Durante atividade de campanha em apoio à reeleição da candidata Dilma Rousseff, GOG esteve em Curitiba e participou de uma roda de conversa com artistas do rap local, com militantes do Levante Popular da Juventude e com o jornal Brasil de Fato.

Durante a conversa, GOG fz críticas ao governo, mas defendeu seu apoio a Dilma como forma de manter os avanços sociais no Brasil. “Roupa suja a gente lava em casa, mas eu não vou voltar a lavar roupa para eles”, brinca em relação a uma possível eleição do tucano Aécio Neves. O rapper também fala sobre o hip hop como ferramenta de mobilização, o enfrentamento ao extermínio da juventude negra e o racismo institucional do Estado. Sobre o projeto do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) para a população negra, GOG afirma: “o ‘tucanado’ nunca andou com a gente.

Brasil de Fato- Um levantamento recente realizado pela Prefeitura de Curitiba nos bairros constatou que a cultura está entre as duas principais prioridades das pessoas que vivem nos territórios mais pobres da cidade. Como você vê isso?
GOG- A cultura já foi revolucionada, não é mais aquela coisa do “livro mais alto da estante”. Ela não está só no teatro ou no cinema. Isso foi rompido com a cultura de rua, com o break, nós desafiamos isso. Agora, a próxima ‘cena’ é discutir estratégia. Saber quem está com a gente e quem não está.

Você apoiou a Dilma em 2010 e também está apoiando a candidatura dela nestas eleições. Você poderia fazer um balanço do governo do PT no sentido das políticas para a população negra?
Tivemos duas Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade Racial [CONAPIR]. Foram apresentadas prioridades, o debate foi aberto. Muitos discutem o fato de elas terem sido consultivas e não deliberativas. Muitas coisas foram. Precisamos de mais, claro. Também tivemos as Conferências Nacionais de Cultura. Teríamos isso no governo PSDB? Ou seja, não podemos negar que uma faixa de diálogo foi aberta com o Governo Federal. Está como a gente quer? Não está.

Também é importante dizer que a caminhada de parte do movimento social para os gabinetes provocou um vazio na “quebrada” e todo o espaço vazio fisicamente vai ser ocupado. É o vácuo. Cadê os nossos parceiros? Às vezes você chega lá na chefia do gabinete, vê um parceiro que estava com você naquela luta e que diz “ah GOG, não tem jeito, agora eu entendo porque não anda e tal”, mas se entende o porquê, então vamos tentar desparafusar isso aí.

Sou super respeitoso com quem acredita no voto nulo, mas tem uma coisa que o Brown [vocalista da banda Racionais Mc’s] fala: o tempo é rei. E agora não é tempo do voto nulo. Roupa suja a gente lava em casa, mas eu não vou voltar a lavar roupa para eles. Essa situação que a gente precisa colocar para os parceiros.

Racismo institucional
Independente de qualquer governo, o Estado é racista. O racismo institucional está petrificado no Estado e falta sensibilidade, pois ele não tem a vivencia. Hoje eu fiz uma participação na campanha da Dilma e escrevi uma letra na hora: Lágrima escorria quando mamãe dizia/ Barriga quente espremida no fogão da chefia/ São eles que querem voltar a Brasília/ E para isso dizem que são a favor do bolsa família/ Não são, você sabe bem, irmão/ Não vamos deixar acontecer isso não. Então, essa é a nossa convocação de guerra agora, porque é mesmo uma batalha.

Qual deve ser o foco do debate para a periferia e para a população negra?
O que interessa para nós é discutir, mesmo dentro da estrutura, as migalhas que nos deixaram. Por exemplo, a PL 441/12, do deputado Paulo Teixeira [PT-SP], sobre o fim dos autos de resistência. Esse projeto de lei discute as situações quando o policial mata e não tem inquérito nos documentos, não tem laudo, nem investigação, mas só tem registrado “autos de resistência”. Nós, do território negro, do movimento negro principalmente, achamos que isso é uma licença para matar. Nosso discurso é o da vida e não o da propriedade. Nós não temos propriedade. A única propriedade que temos é a intelectual e, no meu caso, dou a ela o teor de domínio público. Pode usar minhas musicas, pegar meus textos, levar tudo. Mas então, a PL 441/12 para nós é interessante. E o PT tem essa discussão, enquanto que o PSDB não tem. O tucanato nunca andou com a gente. Outra “fita”: dos deputados federais eleitos pelo PSDB, nenhum é negro.

Você acredita que os jovens estejam pouco articulados nas periferias?
Olha, a geração James Brown querendo ser geração Beatles vai dar problema. Meu nome é Genival, não é Marcelo. Meu nome não é Ricardo. O que acontece é que a geração Beatles está, obrigatoriamente, ligada a um caminho para o centro, ela se estrutura nas ferramentas burguesas, na televisão, nos jornais de grande porte, nos estúdios potentes. E a gente? Eu gravei músicas maravilhosas num barraco, com um microfone na mão. Teve um disco que gravei onde a cabine era o banheiro. Gravei uma música com o Lenine, “A Ponte”, e ele colocou uma orquestra. Ficou “da hora”, mas eu falei pra ele “a original é aquela ali”. A geração James Brown é a que vale para mim. Claro que a geração Beatles também é humana, mas é difícil. A nossa revolução não foi bateria, baixo e guitarra. Foi toca disco! O DJ é a fotossíntese do hip hop, sem DJ não tem criadouro.

Nesse sentido, como o hip hop pode ser utilizado enquanto ferramenta de mobilização política? 
O rap é a maior estratégia de ocupação do território dentro da comunidade. A primeira tarefa do artista de hip hop, do movimento, é sabotar essa “fita” da geração Beatles, essa coisa de botar hierarquia no artista como se ele fosse um semi-Deus. A gente tem que desmistificar o artista e colocar o “artivista” na “fita”. Para mim uma das principais caminhadas do rap, principalmente da primeira geração, é aquele pensamento: “o cantor de rap conhecido mora do lado de casa, ele fala parecido comigo, ele ta nos protestos”. Aos poucos nós fomos criando nossos pretextos e sumimos dos protestos. Isso é um divã do hip hop, assim como há na política. Não creio que essa situação não possa mudar. Eu acho que nós, os ativistas sociais do hip hop, que também é um movimento social, temos que entender nossa caminhada como um pêndulo. Ele tem que percorrer todo o território, assim: “olha o GOG lá no congresso, e depois, olha o GOG lá na quebrada”. É difícil a gente falar disso, mas eu sempre me coloco como instrumento e na mesma hora em que as pessoas me colocam lá em cima, eu vou me puxando para baixo.

“Guerra preta, estratégia quilombola”
A nossa caminhada é essa, não quero estar aqui nas próximas eleições discutindo isso. Nelson Maca, um professor de literatura da Universidade Católica de Salvador [UCSAL] diz : “guerra preta, estratégia quilombola”. Nós estamos em guerra, em levante. E não é só estar assim em tempos de eleições, quando o hip hop não pode subir no palco ou quando a prefeitura não contrata a gente. Temos que estar em guerra contra o extermínio da juventude negra. A curva da mortalidade dos jovens não negros, no Brasil, depois das políticas publicas, está descendo. A do negro está subindo. O racismo institucional impede que se tenha avanços nessa discussão. Só nós que podemos pressionar o Estado pra que ele mude, mas com a certeza de que estamos colocando lenha na fogueira e fogo no pavio para as nossas “quebradas”. Às vezes o Estado é só um trajeto, o importante é o nosso território. Meu pai sempre falava: “Genival, vá onde quiser, caminhe com quem você quiser, mas durma em casa”. E eu acho que o hip hop muitas vezes não está dormindo no seu barraco, mas nas grandes mansões. Muito mais do que letra, o importante é onde você está focado.

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/30282

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