Ainda exilado na embaixada do Equador em Londres, Assange
falou, na noite de ontem (24/6) à rede de TV francesa RF1, no rastro do
escândalo suscitado por suas revelações
Em revelação-bomba, que marca sua volta à cena global,
criador do Wikileaks desvenda vigilância de Washington sobre três presidentes
franceses, ministros, diplomatas, altos funcionários e parlamentares
Os Estados Unidos colocaram a República francesa sob escuta.
Os presidentes François Hollande, Nicolas Sarkozy e Jacques Chirac, assim como
numerosos ministros, altos funcionários, parlamentares e diplomatas, estiveram
sob escuta, diretamente ou indiretamente, por quase uma década pelos serviços
secretos norte-americanos, de acordo com documentos confidenciais da Agência de
Segurança Nacional (NSA), obtidos pelo Wikileaks.
De acordo com as informações da NSA a que a Mediapart e o
Libération, em conjunto com o WikiLeaks, tiveram acesso sob a operação de
espionagem do Palácio do Eliseu [sede do governo francês], as interceptações
foram instaladas de 2006 a 2012 – mas nada impede que tenham começado antes e
não tenham continuado depois. Classificadas como “top secret”, as notas
detalham a espionagem obsessiva da França pelos Estados Unidos em questões
diplomáticas, de política local ou econômicas de todo tipo.
Que os Estados Unidos mantenham sob escuta os principais
dirigentes de um país aliado como a França revela, para alguns, um segredo de
polichinelo. A informação é agora comprovada por documentos originados no coração
do aparelho de Estado dos EUA.
Sobretudo, os elementos que tornamos públicos a partir de
hoje (veja aqui a análise dos documentos) revelam a magnitude até
então insuspeita da espionagem estadunidense, desprovida de qualquer suporte
judicial e controle real. Pois não são apenas os sucessivos presidentes da
República que foram espionados nos últimos anos; todos os estratos do poder público
foram, em um ou outro momento, alvo dos EUA, quer fossem ministros,
conselheiros presidenciais e ministeriais, diplomatas, porta-vozes. Até mesmo
dentro do Palácio do Eliseu, por exemplo, muitas linhas telefônicas (fixas ou
celulares) foram grampeadas.
Já um pouco manchada pelas revelações do ex-agente Edward
Snowden, a imagem da NSA e, com ele, a dos Estados Unidos, não deve sair
engrandecida a partir destas novas revelações, que lançam uma luz crua sobre as
práticas agressivas e injustas da maior potência mundial contra um país
normalmente considerado “amigo”. Ao menos de fachada.
Procurada, a NSA não quis comentar.
Assim como seus dois antecessores de direita, o atual
presidente socialista François Hollande não escapou à curiosidade dos grandes
ouvidos de Washington. Um relatório de 22 de maio de 2012 da NSA fez explicitamente
referência a uma conversa mantida quatro dias antes entre o recém-eleito
presidente e seu primeiro-ministro na época, Jean-Marc Ayrault. A conversa gira
em torno da vontade de François Hollande de organizar “consultas secretas” com
a oposição alemã a respeito de uma possível saída da Grécia da zona do euro –
um assunto ainda atual.
Os analistas da NSA evocam, no mesmo documento, a existência
de “relatórios anteriores” relativos a entrevistas sobre a chanceler Angela
Merkel. Isso sugere, portanto, que as interceptações do presidente francês
pelos EUA têm sido constantes.
No Palácio do Eliseu afirmou-se na terça-feira (23/6) que,
mesmo sem haver registro oficial desta conversa, ela é “bastante crível.”
Mas a presidência da República não quis fazer qualquer comentário quanto ao
mérito do tema, neste estágio. Na comitiva do presidente, contudo, diz-se que
antes do encontro entre François Hollande e Barack Obama, em 11 de fevereiro de
2014, em Washington, em seguida a essa entrevista, “foi assumido o compromisso
de não praticar mais escutas indiferenciadas dos serviços de Estado de um país
aliado”.
O diretor geral do partido de Nicolas Sarkozi (LR, ex-UMP),
Frédéric Péchenard, levou a informação para o ex-chefe de Estado, que “não
pretende responder neste momento.”
Os documentos classificados como “top secret”
Como a maior parte dos documentos obtidos pelo WikiLeaks, o
relatório de maio de 2012 da NSA, que tem como alvo François Hollande relava
numerosas iniciais que, uma vez decifradas, dão a dimensão da natureza
ultrassensível dos documentos revelados. Carimbadas como “top secret” (TS),
essas notas discutem as informações obtidas por meio de interceptações
eletrônicas (SI para SIGINT, ou seja “sinal inteligente”) e não deveriam ser,
sob nenhuma circunstância, compartilhadas com um país estrangeiro (NF para
NOFORN, sendo “nenhum estrangeiro”).
A nota sobre Hollande também é acompanhada, além de muitas
outras, da menção “não convencional”, uma categoria particular da numenclatura
na NSA, que corresponde à obtenção de documentos por meio de operações
excepcionais.
Nesta mesma nota sobre Hollande, aparece uma
pequena menção adicional, nem um pouco anódina: “Satélite Estrangeiro”. Este
termo, FORNSAT abreviado, refere-se a uma rede mundial de estações
de escutas da NSA espalhadas em países aliados dos Estados Unidos. Todas as
suspeitas dirigem-se — sem que seja possível ter certeza absoluta — às
antenas alemãs.
Nos últimos meses, a imprensa de fato revelou como o
serviços secretos alemão, o BND,
foi subcontratado para apoiar a espionagem norte-americana. Isso que gerou uma
forte indignação na Alemanha e a abertura de um inquérito parlamentar que visa
descobrir o tipo de decumento obtido pelo WikiLeaks.
Além do atual chefe do estado francês, outras personalidades
francesas da alta cúpula foram vigiadas. De acordo com os documentos em nossa
posse, que revelaremos nos próximos dias, o antigo presidente Nicolas Sarkozy e
Jacques Chirac, o ex-ministro socialista da economia Pierre Moscovici (hoje é
comissário europeu) e o ex-embaixador da França em Washington Pierre Vimont
também foram espionados.
É preciso dizer que o apetite da inteligência
norte-americana pela França revela enorme voracidade. Um outro documento
confidencial (ver abaixo) da NSA, redigido sobre o ex-presidente Sarkozy
(2007-2012), aponta a lista de alvos franceses definidos pelos EUA. Os dados
são preocupantes. Foram espionados membros destacados da assessoria pessoal do
então presidente, Nicolas Sarkozy: o conselheiro diplomático Jean-David
Levitte, o secretário geral do governo Claude Guéant, o porta-voz do ministério
das Relações Exteriores Bernard Valero, o ex-ministro Jean-Pierre Jouyet (hoje
secretário geral do governo), um dirigente da diplomacia não identificado,
e o ministro do Comércio Exterior Pierre Lellouche.
A lista de alvos franceses estabelecidos pela NSA sobre o
presidente Sarkozy
Para Claude Guéant, antigo secretário geral do governo e
ex-ministro do interior, “esta prática é escandalosa”. “O governo francês deve
reagir de forma apropriada. No mínimo, é necessário uma explicação em alto
nível, colocando um compromisso absoluto para acabar com essas práticas.
Estamos caminhando em direção a um mundo que é extremamente preocupante, onde
ninguém mais tem intimidade ou confidencialidade”, queixa-se o assessor próximo
de Nicolas Sarkozy.
“Se os americanos espionaram Merkel, por que os outros não
teriam sido grampeados?”, comentou Frédéric Péchenard, ex-chefe da policia
nacional e atual diretor geral dos Republicanos. “Mas se quisermos ser capazes
de nos defender, precisamos que nossos serviços estejam à altura. Precisamos de
meio técnicos, humanos e jurídicos mais eficazes. Ser vigiado por aqueles que
deveriam ser nossos aliados, pode causar um problema diplomático”, frisa ele.
“Eu, que era um grande amigo dos EUA, sou cada vez
menos”, disse o deputado Pierre Lellouche ao Midiapart. “Não estou surpreso.
Não me surpreende de ter sido vigiado enquanto estava no Comércio Exterior,
porque a espionagem industrial interessa muito aos norte-americanos. Sempre
temos esse tipo de conversações. Agora, retrucam com o argumento no âmbito da
lei sobre inteligência: nós vigiamos a todos, por que nos impedir de vigiar?
Vigiamos todos em qualquer lugar. Infelizmente, vou ter que dizer à Assembleia
Nacional, que estamos inseridos num império global construído no plano econômico,
onde os EUA não hesitam em conectar as redes da CIA, NSA, e também a
justiça norte-americana, que na sequencia amarra o processo. Eu denunciarei
isso sem parar”, acrescenta.
Segundo os documentos da NSA, telefones fixos de
conselheiros africanos a serviço do governo francês e os ministérios da
Agricultura e das Finanças foram igualmente grampeados. Encontramos também uma
lista de alvos conectados â antena do Centro de Transmissão Governamental
(CTG), situado no Palácio do Eliseu. Este é responsável de assegurar a “defesa
secreta”, em permanente contato com o governo e particularmente com os chefes
de Estado e o primeiro-ministro. Em outro número, referido com o título “FR VIP
AIRCRAFT REL”, reenvia para verificação uma linha da frota aérea governamental,
o ETEC [French Air Force], ligado a Força Aérea.
Au-delà du scandale que peut susciter aujourd’hui cet
espionnage américain, la facilité avec laquelle les États-Unis paraissent
pouvoir intercepter la moindre conversation des plus hauts dirigeants français
interroge aujourd’hui la faiblesse des capacités de contre-ingérence des
services de renseignement français. À ce propos, l’Élysée a coutume de rappeler
que sur les questions diplomatiques et militaires, il n’y a jamais eu de fuite
quelle qu’elle soit, précisant que s’agissant des sujets les plus sensibles,
toutes les précautions sont prises. Jusqu’à preuve du contraire.
Além do escândalo que pode suscitar, a espionagem
norte-americana demonstra a facilidade com a qual os EUA podem interceptar
qualquer conversa do mais alto escalão francês, diante da questiona fraca
capacidade dos serviços da contra-inteligência francesa. A este respeito, o
governo francês costuma lembrar que nas questões diplomáticas e militares,
nunca houve vazamento de nenhuma natureza, acrescentando que nos casos mais
sensíveis, são tomadas devidas precauções. Até que prova em contrário…
Por Julian Assange, Fabrice Arfi e Jérôme
Hourdeaux, no Miadiapart | Tradução: Inês Castilho e Cauê Ameni
Fonte: http://outraspalavras.net/destaques/julian-assange-como-a-nsa-espionou-paris/
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