segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Manifestantes celebram queda de Mubarak em Londres

Manifestantes celebram queda de Mubarak em LondresCenas de júbilo na bi-centenária praça Trafalgar em Londres mimetizam o carnaval popular visto no Egito na noite de sexta-feira, depois da deposição do ditator. Segundo os organizadores, outras 33 cidades do mundo abrigaram manifestações como essa em Londres. O evento foi filmado e deve virar um DVD a ser enviado para o Egito. "Que felicidade de se estar vivo, ser um egípcio e um árabe. Na praça Tahrir eles estão cantando 'O Egito está livre' e 'Nós vencemos'” , comemora Tariq Ali.

Wilson Sobrinho - Correspondente da Carta Maior em Londres
LONDRES - A maior rebelião popular testemunhada em gerações foi celebrada em Londres nesse sábado por milhares de manifestantes que simbolicamente reduziram a metros os 3,5 mil quilômetros que separam a praça Trafalgar, no coração da capital inglesa, e a praça Tahrir, o epicentro do terremoto político que atraiu todas atenções do planeta pelas últimas três semanas.

Organizada desde antes da deposição do ditador Hosni Mubarak como um protesto em apoio à tentativa do povo egípcio de expurgá-lo do poder, a manifestação acabou por mimetizar as cenas de celebração vistas nas ruas egípcias e o carnaval popular que se seguiu ao anúncio de que Mubarak havia se dado por vencido após dezoito dias de intensa pressão popular e trinta anos à frente do governo.

Quando o relógio indicou meio-dia, hora programada para o início das atividades, não mais que três centenas de ativistas haviam chegado. Clarões imensos na praça eram preenchidos por turistas alheios ao evento organizado pela Anistia Internacional. A pergunta inevitável era “haveriam os militantes e simpatizantes sido desmobilizados pela queda de Mubarak?” Salil Shetty, secretário geral da Anistia, chegou até mesmo a verbalizar publicamente a preocupação no palco montado na praça.

Porém, portando cartazes consertados de improviso para adaptar protesto em celebração, os ativistas foram chegando aos poucos. Uma criança de aproximadamente quatro anos, curiosa com a movimentação, perguntava para sua mãe qual o motivo da alegria. “É que eles acabaram de se livrar do líder malvado que tinha no país deles”, respondeu a mãe, tentando recolocar o calçado no pé da filha que ainda se divertia com os cada vez mais raros espaços livres na praça.

A explicação era plenamente satisfatória para uma criança, mas estava longe de descrever o internacionalismo e a diversidade da manifestação. O que se viu na manhã deste sábado no centro de Londres foi uma miríade de demandas, de grupos políticos e da sociedade civil. De ONGs a partidos trotskistas; de sindicados de classe a grupos demandando a independência de Burma; de movimentos feministas do Irã a membros ingleses da coalizão pacifista contra guerra. Muitos árabes de diferentes nacionalidades, mas muitos ingleses também.

Shetty foi o primeiro a se pronunciar. “Eu fui perguntado se isso era um protesto ou uma festa”, disse, fazendo uma breve pausa. “São ambos”, concluiu, lembrando que a queda do ditador é apenas o primeiro passo para a construção da democracia no Egito. “Agora vemos possibilidades de um novo Egito, não apenas para muçulmanos, mas para cristãos e outras religiões”, comemorou o secretário da Anistia antes de pedir um minuto de silêncio em homenagem aos mortos, feridos e desaparecidos da revolução.

Por aproximadamente uma hora uma dezena de sindicalistas, ativistas e líderes de movimentos sociais intercalaram-se no palco. Onde quer que os discursos usassem a palavra Palestina, gritos e palmas seguiam-se. De outro lado, as maiores vaias e gritos de desaprovação vieram nas duas vezes em que o nome do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair foi mencionado ao microfone.

Os discursos eram intercalados com vídeos de depoimentos de pessoas ao redor do mundo declarando apoio e solidariedade à luta do povo egípcio. Uma dessas gravações, capturada em Londres, possivelmente na semana passada em uma manifestação que reuniu algumas centenas de pessoas em uma passeata até a embaixada egípcia, trazia um senhor de aproximadamente 50 anos falando sobre como ele estava confiante no “nascer de um novo país”. Repentinamente ele embarga a voz e perde o controle e passa a chorar. No momento seguinte, uma senhora da mesma idade sai aos prantos e correndo do meio da multidão, amparada por alguém que parece ser sua filha.

No palco, os discursos seguiam. “Estamos aqui em solidariedade ao povo da Algéria, do Iêmen, da Palestina, que ainda estão lutando por justiça, por paz”, disse o representante do sindicato nacional dos jornalistas. “Como jornalista fui ensinado a ser imparcial. Mas eu também fui ensinado que nenhum jornalista precisa ser imparcial quando se trata de liberdade de expressão e justiça”, argumentou Peter Murray.

De tempos em tempos, gritos em árabe eclodiam em meio a massa. Especialmente quando árabes estavam no palco, como a ativista Amira Ben-Gacem, da Tunísia. “Estamos pedindo o básico: liberdade e democracia. E Tunísia e Egito, hoje, estão começando a democracia do marco-zero. Temos a habilidade necessária, temos as pessoas, temos a educação, podemos chegar lá. Temos todos os recursos necessários”, disse ela, prevendo que em uma década os países árabes provarão ao mundo que podem ser livres e democráticos.

Quase ao final do evento, quando boa parte das pessoas começava a dispersar, tendo Bob Marley como trilha sonora, uma família egípcia, enrolada em bandeiras do país, atraía a atenção dos fotógrafos. Abraçados, eles sorriam e celebravam em um nível que, por mais internacionalista que a manifestação fosse, poucos ali poderiam compartihar e compreender completamente.

As cenas de júbilo na bi-centenária praça inglesa agregam ao “currículo” desse espaço popular que foi palco do nascimento do movimento operário inglês nas últimas décadas do século XIX; onde o povo britânico celebrou a vitória sobre o fascismo e o nazismo na Segunda Guerra mundial; por onde desfilou o movimento pacifista dos anos 1960; onde milhares reuniram-se para pedir soluções pacíficas para os conflitos no Iraque e no Afeganistão.

Segundo os organizadores, outras 33 cidades do mundo abrigaram manifestações como essa em Londres. O evento foi filmado e deve virar um DVD a ser enviado para o Egito.

Reação oficial
A poucos metros de Trafalgar, ainda na sexta-feira, o primeiro-ministro britânico David Cameron reagiu ao anúncio do fim do regime de Mubarak com um pronunciamento fleumático que durou menos de um minuto. Cameron disse tratar-se de uma “preciosa oportunidade” para o país norte-africano caminhar rumo a um regime democrático de “governo civil” e destacou a postura “brava e pacífica” do povo egípcio.

“Como um [país] amigo do Egito, iremos ajudar de todas as maneiras que pudermos”, declarou o líder conservador, à porta da residência oficial, aproximadamente 90 minutos depois do anúncio da renúncia de Mubarak. O líder de oposição Ed Milliband, do Partido Trabalhista, também parabénizou a “vitória alcançada” pelo povo egípcio.

Bem mais contundente foi a reação do historiador, ativista e escritor britânico Tariq Ali. Há uma semana ele enfrentava uma fria tarde londrina na caminhada-protesto entre a embaixada americana e a egípcia e vociferava contra os governos ocidentais que “há 30 anos suportam esse regime”.

Menos de 20 minutos após o anúncio da queda do governo em Caio, um artigo de Ali aparecia na capa da edição online do diário The Guardian. “Uma noite de alegria no Cairo”, lia-se na primeira frase. “Que felicidade de se estar vivo, ser um egípcio e um árabe. Na praça Tahrir eles estão cantando 'O Egito está livre' e 'Nós vencemos'” , escreveu Ali, ativista desde os anos 1960.

Ali sustenta no artigo que a queda do regime apenas aconteceu em função de uma fratura na hierarquia militar, com membros de patentes mais baixas ficando ao lado dos manifestantes, impedindo ordens superiores de usar força para esvaziar a praça Tahrir. “A era da razão na política está retornando ao mundo árabe. O povo está cansado de ser colonizado e oprimido”.

E, assim como as bandeiras que coloriam a praça repetindo que muita coisa ainda está por vir, ele lembrou da Jordânia, da Algéria, do Iêmen.

Wilson Sobrinho é jornalista e correspondente da Carta Maior em Londres
Fonte: Carta Maior

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