terça-feira, 30 de junho de 2009

Mastigando Os Credores: Uma Entrevista Com Entartete Kunst - ANA

Mastigando Os Credores: Uma Entrevista Com Entartete Kunst

Para muitos na cena radical da Bay Area, a partida de Entartete Kunst no final deste mês marcará a passagem de uma era. Para mim certamente.

EK é um selo anarquista de gestão coletiva que lançou e co-lançou 20 discos e CDs nos últimos dez anos. Eles começaram produzindo peças e batidas predominantemente eletrônicas, mas mais recentemente têm incorporado mais rap a seu repertório. Conheci Marco a Melissa (e outros da EK) pela primeira vez pouco depois de eu começar um programa de voluntariado com a AK Press (quase uma década atrás). Seu trabalho árduo, apoio generoso e gestos camaradas não vêm sendo suficientemente celebrados ao longo dos anos. Desejamos a eles o melhor. Se você estiver na Europa este verão, não deixe de pegar as datas de excursão deles.

Fale sobre o seu single mais recente, Mix Tapes and Cotton. Sobre o que é a faixa?

Drowning Dog: “Mix Tapes and Cotton” é uma canção sobre racismo através dos olhos de uma criança. Quando eu era menino (na Flórida), a Ku Klux Klan incendiou uma cruz em nosso quintal, esfaqueou nosso cachorro e costumavam nos infernizar. Por isso é uma história pessoal. Ela diz que somos capazes de lidar com o racismo e o sexismo juntos como uma classe e que são as instituições — governos e corporações — que nos empurram isso, essa é a questão real. É uma canção sobre os trabalhadores pobres sem acesso à educação, mas com ilimitado acesso à lavagem cerebral podem canalizar sua raiva para atos estúpidos como queimar cruzes e falar aquele monte de merda e como nós (também trabalhadores pobres) podemos lidar com gente ignorante juntos. Mas quando as instituições (classe média e alta) usam ideais racistas e criam políticas que desumanizam e destroem vidas ou têm dinheiro e poder por trás dessas idéias aí fode tudo, fica perigoso, mortal (por exemplo, complexos industriais de prisão, militares, habitação, poluição, saúde etc.). É meio isso que diz.

Que acontece com a Entartete Kunst por esses tempos? Pode nos contar uma breve história da EK e o que estão tramando atualmente?

DJ Malatesta: Nós [Drowning Dog e Malatesta] estamos para começar uma excursão com umas trintas datas pela Europa Ocidental (a turnê Crunch The Creditors 2009), graças ao movimento anarquista e ao nosso trabalho duro pelos anos excursionando / construindo a solidariedade com umas pessoas / grupos / galeras etc. muito legais. E temos, como você mencionou um novo sete polegadas saindo agora, disponível pela AK Press e outras como NatterJack Press, London Class War, Les Creations Du Crane, Irregular Rhythm Asylum, e muitas outras.

Comecei esse grupo junto com dois amigos que não tiveram experiência nenhuma com anarquismo. Lançamos uma compilação de peças e batidas eletrônicas que tinha uns tons políticos, e ele passaram a criar vários outros projetos. Nesse ponto, comecei a trabalhar com muitos artistas e produtores DIY (faça-você-mesmo), principalmente na Bay Area, editando e compilando vinil e CDs e lançando-os sob o selo “Entartete Kunst” — tipicamente bandas, mas projetos solo também. Breaks, poesia, batidas doidas, ruído etc.

O nome “entartete kunst” significa “arte degenerada” em alemão. Tomamos o nome de uma exposição homônima usada pelo governo alemão dos anos 30 para tentar ridicularizar a arte radical. Usamos o nome porque somos conscientes que somos considerados degenerados por nossos chefes… de todos os tipos: políticos, financeiros, sociais.

Marcamos pelo menos sessenta shows na Bay Area durante aquele período para muitas bandas (incluindo nós mesmos) e fizemos uns vinte lançamentos desde 1999 — todos inteiramente financiados dos poucos dólares que sobravam nos contracheques de várias pessoas e dinheiro de drogas (risos), ocasionalmente pagando por um lançamento com o dinheiro de um anterior.

Não nos tornamos um coletivo até 2003. Por esse tempo, tínhamos muita certeza de que isso seria uma ferramenta de propaganda. Por um tempo, éramos em quatro fazendo todo o trabalho, depois em três. Sugeri que coletivizássemos. Passamos depois a organizar nossa primeira excursão européia (2003) e lançar o vinil 2 x 12 polegadas e o CD States Of Abuse (2004/5).

Nesse exato momento, são Drowning Dog e Malatesta (claro que isso pode mudar). Nós tocamos, gravamos, escrevemos e produzimos juntos. Lançamos nosso CD de estréia Got No Time CD (2007/8) e Mix Tapes and Cotton 7” (2009) juntos, e estamos planejando uma porção de lançamentos para a E.K. Inc.: um sete polegadas, johnny NO cash 7”, um lançamento em vinil e download de compositores de rap, multilingual, inspirado pelo ideário comunista-libertário e anarquista para 2010, e um novo lançamento de Drowning Dog assim como incontáveis outras colaborações e remixes.

DD: Got No Time é o CD de estréia do Drowning Dog!

O CD fala sobre como não temos tempo para as coisas realmente importantes na vida. Passamos a maior parte do tempo no trabalho, trabalhando pra caralho, tornando os outros ricos. E geralmente produzindo coisas que ninguém quer / precisa em nossa sociedade — muitos, muitos poucos de nós realmente poderão realizar plenamente seu potencial.

Por isso, Got No Time é na verdade um chamado para a eliminação de todos esses trabalhos de merda de que realmente não precisamos em nossa sociedade. Estou pronto para um dia de quatro horas numa semana de três dias (pra começar, porra).

E sobre o futuro? Vocês estão se mudando dos Estados Unidos e se radicando na Europa. Por quê?

DJM: O movimento é forte lá em comparação com o que rola por aqui, e com mais consciência de classe. Queremos trabalhar com muitas pessoas; infelizmente, tem um punhado só de grupos que se identificam com o que a gente faz ou mostram apoio à nossas políticas ou à nossa música. Mas há alguns… incluindo AK Press e Red Emmas.

As pessoas tomam menos antidepressivs na Europa… assim é melhor para contra-atracar.

DD: Pela pizza.

Entartete Kunst, e vocês como indivíduos é há algum tempo, parte do movimento anarquista na Bay Area. Pode nos falar um pouco sobre as coisas nas quais vocês têm estado envolvidos e que mudanças viram na Bay Area nos últimos anos?

DJM: Eu, por exemplo, tenho estado na maioria dos encontros anarquistas na Bay Area pelos últimos dez anos e, se tanto, eu o vi crescer (período do 9/11) e depois encolher (nos últimos dois anos), pelo menos no sentido do interesse do grande público. Há muitas razões pelas quais isso pode ter acontecido, mas pra ser bem honesto, acho que as pessoas que são as mais vocais na Bay Area são da classe errada e, portanto mantém as idéias firmes no seio de sua própria cultura. É o que eu penso. De um lado positivo, há alguns grupos que são meio que conscientes disso e começaram seus próprios grupos de trabalhadores, salvo engano — como o Modesto Anarchist Crew.

Vocês fizeram algumas excursões pela Europa agora e foram expostos a vários movimentos anarquistas no processo. Pode comparar e situar os contrastes de suas experiências com os anarquistas aqui e lá?

DJM: Se você é um anarquista comprometido, você é um anarquista comprometido. Eles lá têm circunstâncias diferentes: a mentalidade na Europa é muito mais comunista (num sentido anti-estatista) do que aqui e isso é importante, eu acho… embora não seja um nem o outro. Temos de ter consciência de que todos estamos conectados e que não podemos sobreviver sozinhos.

DD: Comparar e situar os contrastes, bom… Europa é diferente, nem melhor nem pior, mas diferente, tem um contexto diferente, lugar diferente, leis, história diferente. Sempre use o que tiver, quando puder, com o que se tem, onde estiver.

Podemos ir a esses espaços na Europa — centros sociais, squats, espaços de arte — na primeira leva de excursões me pareceu doido que aqueles espaços existissem: “Vocês têm centros sociais financiados pelo governo?!”

E a idéia de que você pode ocupar um lugar por anos e NÃO ter seus miolos estourados. Interessante pra caralho, não bem como a cultura / leis de propriedade americanas. Certo, nós podemos ocupar lugares nos States, mas não é o mesmo. É na maior parte em locações indesejáveis, fora do centro da cidade, aquela bosta de centro e geralmente não dura muito, não tem muito apoio da comunidade.

Infelizmente, se é que há, não há muito dinheiro colocado na cultura. A maior parte do dinheiro nos Estados Unidos vai para os militares e para a polícia. Financiar espaços para fomentar pensamento crítico ou questionamento criativo não está na lista de prioridades deles. Eles só precisam de mãos baratas para limpar a bosta deles. Educar pessoas e culturizar pessoas (acho que inventei essa palavra) pode causar problemas. Não pense. Cale a boca. Limpe a bosta. Ganhe dinheiro pra nós.

Isso não bem parte da pergunta que você fez, mas uma coisa eu acho importante e legal e é que é muito bom interligar todos os grupos que conhecemos nas viagens com outros que de outro modo jamais saberiam de sua existência. Porque vamos para países diferentes, somos capazes de conhecer tanta gente, galeras, grupos radicais, anarquistas legais. É tão importante que saibamos da existência uns dos outros porque sabe, tá ruim lá fora, sabe o que e quero dizer? Precisamos uns dos outros.

Que hip-hop vocês estão escutando atualmente?

DD: Collectif Mary Read, La K Bine, Comrade Malone, Mentenguerra, Microplatform, La Plataforma, The Edger, Beast, Keny Arcana, Kurzer Prozess, Direct Raption, Cuba Cabbal, Acero, Arapiata, Gente Strana Posse.

Quando a maioria das pessoas pensa em hip-hop eles certamente o associam com a política anarquista. Fale um pouco sobre a música anarquista e a cena hip-hop. Quem eram alguns dos pioneiros e com que têm se impressionado por esses tempos?

DJM: Há e havia quando começamos uma cena punk que toca em idéias anarquistas e se organiza coletiva e autonomamente, aí criaram redes das quais aparentemente nos beneficiamos até hoje, porque os garotos hoje em dia curtem todo tipo de som, não apenas um único tipo.

Temos visto um agudo crescimento de bandas de hip-hop, especialmente na Europa e Amércia Central / do Sul, nos últimos anos… embora, ironicamente, Emcee Lynx of Oakland tenha sido o primeiro rapper anarquista que ouvi por volta de 2000.

Obviamente tem havido um monte de rap de protesto / crítica social ao longo dos anos como Boogie Down Productions, KRS One, Public Enemy, The Coup, Dead Prez, Immortal Technique, mas nenhum de que se pudesse dizer ser especificamente anarquista. A lista na pergunta anterior é a de quem mais nos impressiona neste exato momento.

Mais infos: http://www.entartetekunst.info/

* Entrevista realizada por um membro da AK Press em maio de 2009

Tradução > Matias Romero

agência de notícias anarquistas-ana

Da flor o orvalho
nas pétalas: tua face
depois que choraste.

Luiz Bacellar

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