sábado, 31 de março de 2012

Eduardo Galeano: "Fomos treinados para ter medo de tudo e de todos" - Por Ana María Mizrah

Eduardo Galeano: "Fomos treinados para ter medo de tudo e de todos"A cada dia, nasce uma história em “Os filhos dos dias”, novo livro do escritor uruguaio. São 366 textos que, segundo Galeano, são histórias de invisíveis que merecem ser contadas. Confira a entrevista

Por que este título: Os filhos dos dias?
Segundo os maias, nós somos filhos dos dias, ou seja, o tempo é que estabelece o espaço. O tempo é nosso pai e nossa mãe e, como somos filhos dos dias, o mais natural é que a cada dia nasça uma história. Somos feitos de átomos, mas também de histórias.

Dentro dessas histórias há muitas vinculadas à nossa vida cotidiana. Você assinala: “vivemos em um mundo inseguro”. A particularidade é que projeta que existem diferentes concepções sobre a insegurança. A que se refere?
Muitos políticos no mundo inteiro, não é algo que passa somente em nosso país, exploram um tipo de histeria coletiva a respeito do tema da insegurança. Te ensinam a ver o próximo como uma ameaça e te proíbem de vê-lo como uma promessa, ou seja, o próximo, esse senhor, essa senhora que anda por aí, pode roubar-te, sequestrar-te, enganar-te, mentir para você, raramente oferecer-te algo que valha a pena receber. Creio que essa forma parte de uma ditadura universal do medo. Fomos treinados para ter medo de tudo e de todos e este é o álibi que necessita a estrutura militar do mundo. Este é um mundo que destina metade de seus recursos à arte de matar o próximo. Os gastos militares, que são o nome artístico dos gastos criminais, necessitam de um álibi. As armas necessitam da guerra, como os abrigos necessitam do inverno.

Quando fala dos medos, você joga com essa palavra para assim mencionar os meios e tem uma história que é “os meios de comunicação”. A que lugar você atribui aos meios em nossos medos
Às vezes, os meios atuam como medos de comunicação, então, se convertem em medos de incomunicação. Isto não é verdade para todos, mas sim para alguns meios que no mundo inteiro exploram esse tipo de histeria coletiva desatada com o tema da insegurança. Mentem, porque a insegurança não se reduz à insegurança que se pode sofrer nas ruas. Inseguro é este mundo e a primeira é a insegurança no trabalho, que é a mais grave de todas e da qual nunca falam os políticos que exploram o tema da insegurança. Não há nada mais inseguro que o trabalho. Todos nos perguntamos: e amanhã, haverá quem me contrate? Voltarei ao lugar de trabalho onde estive hoje? Terá alguém ocupado meu lugar?

Esse medo real de perder o trabalho ou de não encontrá-lo é a fonte de insegurança mais importante. Tão inseguro é o mundo, a quantidade de pessoas que matam os carros nisso que chamamos acidentes de trânsito, na realidade são atos criminosos por conta dos condutores que tendo permissão de dirigir, tem permissão para matar, ou a insegurança da maioria das crianças que nascem no mundo condenados a morrer muito cedo de fome ou de enfermidade incurável.

Aparecem as histórias dos desaparecidos, mas lhe menciono uma em particular, chamada Plano Condor, onde a história que se conta pertence a Macarena Gelma. Como foi para você conhecer Macarena Gelman?
Comecei conhecendo ao pai de Macarena (Marcelo) e ao avô Juan (Gelman) com quem trabalhei junto na revista Crisis em Buenos Aires e que é meu amigo de toda a vida. São muitos anos de amizade, ou melhor, de irmandade. Juan (Gelman) teve que sair da Argentina para continuar vivo, naqueles dias que se viviam em Buenos Aires, onde tinha que ir ou esconder-se. Então, eu recebia com muita frequência a seu filho Marcelo e me fiz de pai por algum tempo, depois o mataram, e a outra história é bastante conhecida.

A mulher de Marcelo (María Claudia) foi sequestrada na Argentina. Eram acusados do crime de protestar, delitos de dignidade que tem a ver com o direito estudantil ao protesto. Esses eram os crimes dos meninos, como eles foram assassinados muito cedo. A María Claudia assassinaram no Uruguai, onde já funcionava o mercado comum da morte, que foi o melhor em funcionamento, porque o Mercosul ainda tinha dificuldades graves. O mercado da morte funcionou muito bem naquelas horas do terror onde as ditaduras trocavam favores. Mandaram María Claudia grávida para o Uruguai e aqui os militares uruguaios se encarregaram do trabalho. Esperaram ela dar à luz, ela passou seus últimos dias, ou talvez seus últimos meses, na sede do Bulevar Artigas e Palmar (SID) onde descobriu-se a placa em memória de María Claudia e todos os que estiveram ali.

Me impressionou o contraste pela beleza exterior do palácio e os horrores que escondia. Depois de dar à luz, a mataram e entregaram seu filho(a) a um policial, troca de favores. A partir de uma busca complicada de Juan (Gelman) e seus amigos, conseguiu encontrá-la e agora chama-se Macarena Gelman. Nós tornamos muito amigos e uma vez jantando em casa, me contou essa história que é parte das histórias de “Os filhos dos dias” (livro). É uma história muito íntima, muito particular e lhe pedi autorização para publicá-la. É uma história rara, mas reveladora. Conta que quando ainda não sabia quem era e vivia em outra casa, com outro nome, nesse período sofria de insônia contínua, que não a deixavam dormir a noite porque a perseguia sempre o mesmo pesadelo. Via uns senhores desconhecidos muito armados que a buscavam no dormitório onde estava dormindo, debaixo da cama, no guarda-roupa e em todas as partes e ela acordava gritando e angustiadíssima.

Durante muitíssimo tempo, toda sua infância teve esse pesadelo que a perseguia e ela não sabia o por quê, de onde vinha. Até que conheceu sua verdadeira história e soube que estava sonhando os pesadelos que sua mãe havia vivido enquanto a formava no ventre. A mãe, uma estudante de apenas 19 anos, era perseguida de verdade por outros senhores armados até os dentes que a encontraram e a mandaram para morrer no Uruguai. Macarena estava no ventre dessa mulher acoada e perseguida. Desde o ventre padecia a perseguição que sua mãe sofria e depois a sonhou e se converteu em seus próprios pesadelos. Ela sonhou o que sua mãe havia vivido. É uma história que parece uma metáfora da transmissão, das penas, dos horrores, e também de outras continuidades que não são todas horríveis.

É um livro que contém muitas histórias de mulheres. Por que?
Também há muitas histórias de mulheres em meus livros anteriores, como Espelhos e Bocas do Tempo. Há muitas histórias dos invisíveis, e as mulheres ainda são bastante invisíveis. Há histórias de negros, de índios, das culturas ignoradas, das pessoas ignoradas e que merecem ser redescobertas porque têm algo para dizer e vale a pena escutar.

Neste último livro (Os filhos dos dias) há uma história que me impressionou muito, e que não havia escrito até agora, a de Juana Azurduy. Juana foi uma heroína das guerras de independência. Encabeçou a tomada do Cerro de Potosí que estava nas mãos dos espanhóis. Ela era a chefe de um grupo guerrilheiro que recuperou Potosí das mãos espanholas. Depois seguiu guerreando pela independência, perdeu seus 7 filhos e seu marido nessa guerra. Finalmente, foi enterrada em uma fossa comum e morreu na pobreza mais pobre que se possa imaginar. Antes havia recebido um título militar, foram as forças independentistas as que lhe deram um título que dizia em mérito: “a sua viril coragem”. Precisou-se de muito tempo para que uma presidenta argentina (Cristina Fernández) a outorgasse o título de General por sua feminina valentia.

Há muitas histórias dos povos originários, da luta pelos recursos naturais, e o rol das multinacionais. Em particular, uma história dedicada à selva amazônica.
Essa história sobre a Amazônia recorda que a Texaco, empresa petroleira que derramou veneno durante muitos anos, arruinou boa parte da solva equatoriana. Foi a juízo, mas perdeu. As vítimas desse atentado à natureza e às pessoas desse lugar não tinham meios econômicos, enquanto a Texaco contava com centenas de advogados. Ao cabo de anos, contudo, o pleito foi ganho, mas ainda não se colocou em prática, porque há muitas maneiras de se apelar, e de tirar a bola para fora e para isso não faltam doutores.

No livro tem um olhar crítico sobre os governos progressistas que ainda não descriminalizaram o aborto.
O livro toca todos os temas sempre a partir de histórias concretas. Não é um livro teórico.

As 366 histórias não são somente latino-americanas, você percorre o mundo.
Há muitas histórias que merecem ser recuperadas. Luana, por exemplo, foi a primeira mulher que firmou seus escritos nas tábuas de barro. Ocorreu há quatro mil anos e dizia que escrever era uma festa. Essa mulher é desconhecida. E vale a pena contar que essa história existiu.

A respeito da crise internacional , você resgata o que ocorreu na Islândia e o movimento dos indignados na Espanha.
Esta crise provém de um círculo muito pequeno de banqueiros onipotentes. Me ocorreu para esta história um título sinistro que foi “adote um banqueiro”. Os responsáveis da crise são os que mais têm se queixado e os que mais dinheiro tem recebido. Eles têm sido recompensados por fundir o planeta. Todo esse dinheiro que destinou aos que causaram o pior desastre na história da humanidade seria suficiente para dar comida aos famintos do mundo com sobra, inclusive.

Você acha uma contradição a existência do movimento dos indignados e que, ao mesmo tempo, tenha ganhado o Partido Popular na Espanha?
A aparição dos indignados é o que de mais lindo ocorreu no mundo nos últimos tempos. Creio que o melhor da vida é sua capacidade de surpresa. O melhor dos meus dias é o que ainda não vivi. Cada vez que uma cigana me cerca para ler a minha mão a peço por favor que a pague, mas que não leia. Não quero que me digam o que vai me ocorrer, o melhor que a vida tem é a curiosidade e a curiosidade nasce da ignorância do destino. A explosão dos indignados começou na Espanha, e depois se estendeu em outras partes. É uma boa notícia a capacidade de indignação. Bem dizia meu mestre brasileiro Darcy Ribeiro (intelectual brasileiro já falecido) que o mundo se divide entre os indignos e os indignados e que tem-se que tomar partido, há que se eleger.

Pensei muito nele quando surgiu este movimento. Jovens que perderam seus empregos e suas casas por responsabilidade desses malabarismos financeiros que acabaram despojando os inocentes de seus bens. Eles não foram os que pegaram empréstimos impossíveis, não foram eles os culpados da bolha financeira e deste disparate que aconteceu na Espanha de construir e construir e agora está cheia de moradias desabitadas e gente sem casa.

O PP ganhou a eleição, é verdade. A direita ganhou as eleições, e terá que lutar para que isso mude. Isto que aconteceu na Espanha também fala do desprestígio de forças de esquerda que entram na vida política prometendo mudanças radicais, e depois terminam repetindo a história, ao invés de mudá-la. Muitas pessoas, sobretudo os jovens, se sentem desapontadas e abandonam a política.

Publicado por Brasil de Fato, original de La Republica, de Montevidéu
Retirado: http://www.revistaforum.com.br/

sexta-feira, 30 de março de 2012

E à medida que o caixão descia para sempre... - por Henrique Bezerra

E à medida que o caixão descia para sempre...44 anos do assassinato de Édson Luís de Lima Souto!

No fim da tarde ou início da noite do dia 28 de março de 1968, por volta das 18hs foi assassinado o jovem paraense, estudante secundarista (que recém completara 18 anos), Edson Luís de Lima Souto, que jantava, momentos antes de mais uma das constantes manifestações da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço (FUEC), no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Os estudantes protestavam, “simplesmente”: “contra o aumento do preço da refeição, que consideraram abusivo, e pela conclusão das obras do restaurante” (Valle; 1998, p. 50). Um protesto “simples”, considerando suas reivindicações e por ser uma ação corriqueira naquele restaurante, porém, realizado num momento de intensa tensão política e social, em pleno ano de 1968. O Calabouço funcionava em outro local e fora demolido sem explicação confessada. Porém, acredita-se que tenha sido devido aos preparativos para uma reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), no Museu de Arte Moderna, de onde o antigo Calabouço ficava próximo.

Para alguns, o emblemático ano de 1968 começou com este acontecimento. A partir deste dia, foram inúmeras as manifestações de rua, aglutinando não apenas estudantes, até o decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5) e a avaliação de boa parte dos estudantes - que tinham maior participação na luta estudantil e política - que não havia mais a possibilidade de mobilizações como até então eram desenvolvidas, ou seja, partindo para a clandestinidade que exige a luta armada. O assassinato de Édson Luís, tomou proporções gigantes, devido, principalmente, o caráter explícito e covarde de tal ato. Não se tratava de mais uma pessoa que tinha sido “suicidada” (justificativa bastante utilizada pelos torturadores – como no caso de um outro assassinato, o do jornalista Vladimir Herzog [Vlado]) ou então, “simplesmente”, mais um caso de “desaparecimento” (outra justificativa exaustivamente utilizada pelos partidários do Golpe). Tratava-se, isto sim, de um assassinato! Aos olhos de todos e todas que se faziam presentes naquele restaurante ou ao seu redor – como por exemplo, os jornalistas Ziraldo e Zuenir Ventura, que estavam na redação de uma revista que tinha sede próxima ao Calabouço.

Com um tiro no peito, caiu morto “um jovem que poderia ser seu filho” (frase que se tornou uma consigna nas grandes manifestações do enterro, das missas de Édson Luís e até na passeata dos 100 mil). Na tentativa (frustrada e ridícula) de justificar o assassinato, o General Osvaldo Niemeyer Lisboa, superintendente da Polícia Executiva, afirmou que “a polícia estava inferiorizada em poder de fogo” (Poerner; 1979, p. 293). Aqueles estudantes – e desconheço relatos que afirmem o contrário – estavam “armados” com paus, pedras, garfos, facas, pratos... “Armas” encontradas em qualquer restaurante ou em qualquer rua, ontem e hoje. Mesmo assim, este militar tenta justificar dessa forma. Além disso, segundo o jornal estudantil O Metropolitano, de abril de 1968, ao falar sobre a brutalidade da violência policial, ressalta que a prova de tal brutalidade residia não apenas no assassinato do estudante, mas, também, nas “diversas perfurações a poucos centímetros do chão, nas paredes do restaurante. Pelo menos seis dessas perfurações se encontravam a metro e meio do solo”. (in Valle; 1998, p. 55). Ou seja,atiraram para matar, de fato!

Frente ao ocorrido, o jornal que fazia oposição à ditadura civil-militar no Brasil:
Correio da manhã, no editorial do dia seguinte (29 de março de 1968), se posiciona sem a farsa da imparcialidade:
“Estudantes reuniram-se ontem, no Calabouço, para protestar contra as precárias condições de higiene do seu restaurante. Protesto justo e correto. (...) Apesar da legitimidade do protesto estudantil, a Polícia Militar decidiu intervir. E o fez à bala. (...) Não agiu a Polícia Militar como Força Pública. Agiu como bando de assassinos. Diante dessa evidência cessa toda discussão sobre se os estudantes tinham ou não razão - e tinham. E cessam os debates porque fomos colocados ante uma cena de selvageria que só pela sua própria brutalidade se explica. Atirando contra jovens desarmados, atirando a esmo, ensandecida pelo desejo de oferecer à cidade mais um festival de sangue e morte, a Polícia Militar conseguiu coroar, com esse assassinato coletivo, a sua ação, inspirada na violência e só na violência. Barbárie e covardia foram a tônica bestial de sua ação, ontem. O ato de depredação dos restaurante pelos policiais, após a fuzilaria e a chacina, é o atestado que a Polícia Militar passou a si própria, de que sua intervenção não obedeceu a outro propósito senão o de implantar o terror na Guanabara. Diante de tudo isso, depois de tudo isso, é possível ainda discutir alguma coisa? Não, e não. A Guanabara, cidade civilizada e centro cultural do Brasil, não perdoará os assassinos”. (in Valle; 1998, p. 54).

Com as ruas escuras, mesmo já sendo à noite, as “autoridades da ditadura” efetuavam mais uma tentativa frustrada de “abafar” o que estava acontecendo, inclusive para que as pessoas nas ruas não conseguissem ler os diversos cartazes empunhados pelas que participavam do cortejo fúnebre. E à medida que o caixão de Édson Luís de Lima Souto, descia para sempre, em várias partes do cemitério de São João Batista, no Rio de janeiro, naquele cemitério e em várias partes do Brasil, o juramento era feito e compartilhado: neste luto, começa a luta!”. Pelo direito à Memória... Pela necessidade da luta!

Passaram-se 44 anos daquele fim de tarde. 44 anos e a violência de Estado
continua presente como sempre esteve. Em breve, no dia 1º de abril (considero esta data, mesmo sabendo que alguns defendem que o “aniversário” do golpe seja em 31 de março), serão completados 48 anos do golpe civil-militar de 1964. São 48 anos de impunidade, de “verdade velada” (e não revelada). Mesmo com uma presidenta e vários parlamentares que sofreram na pele as conseqüências do golpe, a maior parte dos arquivos da ditadura (ou, ao menos, aqueles que ainda não foram destruídos – prática comum entre os partidários do regime militar) continuam guardados por diversas chaves e sob os olhares atentos dos generais que hoje, no lugar da punição por seus atos, muitos vivem confortavelmente e desfilam como símbolos de vivos de um país que não se importa nem mesmo com sua História. A Comissão da Verdade continua “no papel”. Um engodo que, ao que parece, no máximo, produzirá alguns novos documentos com informações não tão novas assim e, pronto.

Baseados na argumentação de que a Lei da Anistia sela a conciliação nacional, torturadores, partidários do silêncio que deriva do medo, continuam impunes. E diversas mortes, seja a de Édson Luís, Vlado, o alagoano Manuel Fiel Filho - para citar apenas alguns nomes entre tantos “suicidados” e “desaparecidos” conhecidos e anônimos - sejam tratadas como meras “fatalidades”. De acordo com o que foi afirmado pelo cientista social Bruno Lima Rocha:
“Negar que o Estado brasileiro deliberadamente torturou, matou, cometeu desaparição forçada, violentou, liberou seus chacais para saque e botim de bens de opositores é negar a história do país. [...] Infelizmente esta mesma negação do óbvio faz com que tenhamos aprovado a Anistia para criminosos oficiais e, ao contrário, das demais democracias do ConeSul, sermos o país que menos puniu a seus antigos algozes”. (A comissão da verdade e o silêncio dos culpados; março de 2012. http://www.estrategiaeanalise.com.br/ler02.php?idsecao=e8f5052b88f4fae04d7907bf58
ac7778&idtitulo=cd8cefe7509e37d3bb41065fc61743a7).

Hoje, seja também de forma explícita e “legal” (como, por exemplo, com a máquina de extermínio legal, que recebe o significativo nome de: Caveirão) ou de formas mais sofisticadas, vários jovens como Édson Luís de Lima Souto, continuam sendo silenciados e/ou assassinados diariamente, principalmente, nas periferias das cidades. Crimes de intolerância parecem ser cada vez mais tolerados pelos quatro poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário e Midiático). Aqui e acolá, crimes de ódio às diferenças tornam-se comuns. Por outro lado, as manifestações “por paz” parecem tentativas de conforto pessoal e de tão estéreis soam irônicas. As feridas nos tão surrados Direitos Humanos, continuam abertas. E assim continuarão, até a dignidade ser um sentimento/ação de rebeldia.

Bibliografia:
MARTINS FILHO, João Roberto. Rebelião estudantil: 1968 – México, França e Brasil. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1996.
POERNER, Artur José. O poder jovem: história da participação dos estudantes brasileiros. 2ª edição: revistada, ilustrada e ampliada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
ROCHA, Bruno Lima. A comissão da verdade e o silêncio dos culpados. Março de 2012. Artigo visualizado em 28 Março de 2012. No portal: http://www.estrategiaeanalise.com.br
VALLE, Maria Ribeiro do. A morte de Edson Luís e a questão da violência. In
MARTINS FILHO, João Roberto (org.). 1968 faz 30 anos. Campinas, SP: Mercado das Letras; São Paulo: Fapesp; São Carlos, SP: Editora da Universidade de São Carlos, 1998
VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.

Zona Sul (periferia de Maceió/AL), fim de tarde ou início da noite de 28 de março de
2012 – 44 anos depois.
Henrique Bezerra - henrihc1@hotmail.com

quinta-feira, 29 de março de 2012

“Cordão da Mentira”, 1º de abril, concentração às 11h30, em frente ao Cemitério da Consolação, SP - por Latuff


Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

Surfe em Luto: Michael Peterson, lenda do surf australiano - 1952-2012

Michael Peterson, lenda do surf australiano - 1952/2012Michael Peterson foi três vezes campeão do Bells Beach Easter Surf Classic [hoje Rip Curl Pro Bells]. Venceu a primeira etapa do Circuito Mundial de Surf Profissional e um dos maiores surfistas da Austrália. Após um ataque cardíaco, MP faleceu pela manhã em sua casa na Gold Coast, aos 59 anos.

Edinho Leite (http://espn.estadao.com.br/surf/post/248636_MICHAEL+PETERSON+LENDA+DO+SURF+AUSTRALIANO+1952+2012)

quarta-feira, 28 de março de 2012

Israel, seus fantasmas e o perigo real - Por Immanuel Wallerstein

Israel, seus fantasmas e o perigo realHipótese de ataque nuclear iraniano é delirante. Mas Telaviv e Washington estão prestes a sofrer derrota séria no Oriente Médio

O primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, visitou os Estados Unidos no começo de março. Veio para dizer, mais uma vez, que um Irã nuclear representaria ameaça a Israel, e que Telaviv reserva-se o direito de tomar ação imediata para se opor a isso. O presidente Obama afirmou energeticamente que sim, um Irã nuclear colocaria uma ameaça a Israel; e que os Estados Unidos não poderiam aprovar isso – mas que o momento não era o melhor para isso. As opções não-militares contra Teerã deveriam ser esgotadas, antes de se cogitar outras ações.

Vamos examinar as premissas. Por que um Irã nuclear representaria ameaça existencial a Israel? Ou seja: quem acredita que, se tivessem armas nucleares, as autoridades iranianas as usariam para bombardear Israel? Na realidade, e apesar de declarações em contrário, ninguém nenhuma posição de responsabilidade – seja em Israel, nos Estados Unidos ou em outro lugar do mundo – acredita nisso.

Vamos começar com os argumentos explícitos. Governantes israelenses apontam o fato de o presidente Ahmadinejad e outros terem afirmado que desejam “limpar” Israel (ou algo parecido com isso). Muitos especialistas já argumentaram que a tradução está incorreta. Mas, mesmo que fosse certa, ela iria além de que repetir antigo posicionamento de um grande número de pessoas no Oriente Médio – que se opõem ao conceito de um estado judeu e sugerem outras alternativas para uma disputa de longa data?

Por que motivo no mundo os governantes iranianos bombardeariam Israel? Eles matariam pelo menos o mesmo número de árabes e israelenses. Estariam sujeitos a retaliação imediata de Israel, que possui um grande arsenal nuclear. O bombardeio de Israel pelo Irã é uma fantasia na qual nenhum líder responsável acredita.

Mas se eles não acreditam nesta hipótese, por que eles a suscitam? A resposta me parece clara. Se o Irã finalmente tivesse algumas armas nucleares, isso ira de fato mudar algo. Modificaria o equilíbrio geopolítico no Oriente Médio e enfraqueceria politicamente a posição de Israel. Provavelmente, também levaria à rápida aquisição de armamento nuclear por outros países. Penso na Arábia Saudita, Egito e Turquia, para começar.

Se os Estados Unidos ou Israel bombardeassem o Irã preventivamente, haveriam consequências políticas enormes e imediatas. Primeiro, é quase certo que o ato seria relativamente ineficaz, para interromper o projeto iraniano. E depois, enfraqueceria politicamente a posição tanto de Israel quanto dos EUA em todo o mundo. Essas duas razões juntas explicam por que o exército e os serviços de inteligência dos dois países se opõem tanto à opção militar. Eles temem que o discurso se popularize e permita que algum líder político, que não controla atualmente os governos de Israel ou dos Estados Unidos, seja tolo o suficiente para começar a guerra.

Os Estados Unidos e Israel estão atolados numa situação em que qualquer saída é negativa. Não importa o que façam, irão perder politicamente. Acredito que estão cientes disso; e que nem Netanyahu, nem Obama sabem o que fazer realmente, ou como defender seus próprios interesses políticos internamente. Por isso, gastam o tempo culpando e chantageando um ao outro. Enquanto isso, a liderança iraniana usa o discurso para levantar a bandeira patriótica e fortalecer sua posição interna, que esteve sob sério ataque não muito tempo atrás.

Enquanto isso, voltemos à Palestina, que continua a ser o problema real para Israel, e não uma questão fantasiosa. O Hamas tomou a decisão de ligar sua estratégia ao Egito e à Irmandade Muçulmana, que parece estar prestes a controlar o governo egípcio. O Fatah claramente teme, não sem motivo, a perda de controle da Cisjordânia para o Hamas. Preso entre o Hamas e o governo dos Estados Unidos, o presidente Abbas, da Autoridade Palestina também está em uma posição na qual perderá algo; e também não sabe o que fazer. Ele hesita, o que não parece ser a melhor tática de sobrevivência.

O futuro está com as ruas da Palestina. Simplesmente não acredito que poderão manter-se silenciosas. Poderá Israel chegar a algum acordo com elas? Logo saberemos.

Tradução: Daniela Frabasile
Fonte: http://www.outraspalavras.net/

Cartier-Bresson, fotógrafo e anarquista - por ANA

Cartier-Bresson, fotógrafo e anarquista“O anarquismo é, acima de tudo, uma ética e, como tal, mantêm-se intacta. O mundo mudou, mas não o conceito libertário, o desafio frente todos os poderes. Com isso, conseguiu se liberar do falso problema da celebridade. Ser um fotógrafo conhecido é uma forma de poder e eu não o desejo” (Henri Cartier-Bresson, 1998).

Alguém disse algo parecido como onde tivermos que lutar por dignidade, haveria um anarquista. Esta reflexão do grande fotógrafo francês, libertário até o fim de sua longa e lúcida vida, é um exemplo. Cartier-Bresson esteve na Espanha durante a República, e voltaria várias vezes, identificando-se com os anarquistas espanhóis e reivindicando a anarquia como um sentido ético para a vida. Nunca abandonou seu compromisso social em sua turnê pela Europa, Ásia, África e América Latina, deixando para a posteridade numerosos momentos históricos e retratos de personagens, graças à sua Leica e sua objetiva de 50 mm. Não é tão conhecido por seu trabalho para o cinema, durante a década de 30, com Paul Strand nos Estados Unidos e com Jean Renoir na França. Sua primeira vocação, no entanto, seria a pintura e o desenho, considerando o surrealismo como uma forma subversiva que casava bem com suas ideias libertárias. É início dos anos 30 quando se fascina pela fotografia, mas nunca abandonaria sua “paixão privada” pelo surrealismo e seu amor pelo desenho, dedicando seus últimos anos para este lado e deixando muitos nus femininos feitos em carvão (curiosamente, este interesse artístico é muito diferente de sua fotografia). De fato, tinha um grande interesse em fotografia a pintores como Matisse - com quem teve uma grande amizade - Braque, Giacometti, Bonnard, Bacon e muitos outros.

Cartier-Bresson se tornou anarquista muito jovem, ao descobrir mundos diferentes ao das civilizações judaico-cristãs e muçulmanas. Diante da inanidade presente em um mundo onde a tecnologia permite uma corrida contínua de imagens, reivindicou sempre a sensibilidade do olho do artista. Curiosamente, e apesar de considerado um dos pais do fotojornalismo e de possuir um inegável compromisso com o social, se distância da obra de outro grande fotógrafo como Sebastião Salgado. Cartier-Bresson acreditava que o trabalho de Salgado não foi concebido pelo olho de um pintor, mas pelo de um sociólogo, economista e ativista; apesar de respeitar muito o seu trabalho, acreditava que o brasileiro colocava um “aspecto messiânico” que a ele mesmo era estranho. Em uma ocasião, rejeitou o trabalho documental e jornalístico, pois considerava “extremamente chato”, algo que o próprio Robert Capa o repreendeu, aconselhando-o a se afastar de suas origens surrealistas, coisa que Cartier-Bresson parece ter feito apenas publicamente. Em qualquer caso, parece que o fotógrafo francês nunca se considerou um repórter e reivindicou sempre sua subjetividade artística: “Quando vou a algum lugar, tento fazer uma foto que resuma uma situação que encante, que atraia o olhar e tenha um bom relacionamento de formas, que para mim é essencial. Um prazer visual”. Pode se dizer que o fotojornalismo, considerado como mera acumulação e registros de fatos, é para Cartier-Bresson o caminho para lugar nenhum; a coisa verdadeiramente interessante é o ponto de vista a ser tomado sobre esses fatos, e a fotografia deve ser considerada como um re-evocação desses eventos. Além disso, não mais trabalhava para agências de publicidade, já que se manteve firme em sua crítica à sociedade de consumo desenvolvida desde a década de 60 do século XX. Sempre manteve até o fim sua rebeldia e encontrou mais motivos para alimentá-la com o surgimento da tecno-ciência, que ele considerava um verdadeiro monstro, e com a falácia do “conflito de gerações”; Cartier-Bresson reivindicava uma humanidade unida pela solidariedade, valor fundamental com o qual se encontrou uma e outra vez durante toda a sua turbulenta e longa vida, independentemente da sua idade ou condição.

Vejamos as palavras do próprio Cartier-Bresson sobre a atividade fotográfica: “Para mim, a fotografia é o reconhecimento simultâneo em uma fração de segundo do significado de um evento e a organização das formas que lhe dão seu próprio caráter”. O ser humano deve encontrar um equilíbrio entre sua vida interior e o mundo ao seu redor, buscando a influência recíproca e até mesmo considerar, finalmente, o resultado de um único mundo que reúne subjetividade e objetividade. Como visto, o fotógrafo francês rejeitava o sucesso e até mesmo o reconhecimento, mas queria transmitir algo às pessoas e saber, ao mesmo tempo, que era bem recebido.

Capi Vidal

Fonte: Tierra y Libertad – março de 2012, Espanha

agência de notícias anarquistas-ana
No colo da mãe,
Sem soltar o cata-vento,
Dorme a menina.
Sérgio Francisco Pichorim

segunda-feira, 26 de março de 2012

O horror e as feridas da interminável guerra do Afeganistão - Por Amy Goodman

O horror e as feridas da interminável guerra do AfeganistãoA violência não atinge só a zona de guerra. Nos Estados Unidos, as feridas da guerra manifestam-se de forma cada vez mais cruel.

Talvez nunca venhamos a saber o que levou um sargento do exército norte-americano a sair da sua base no Afeganistão no meio da noite e a assassinar pelo menos 16 civis nas suas casas, entre os quais nove crianças e três mulheres. O massacre próximo de Balambai, em Kandahar, Afeganistão, comoveu o mundo inteiro e intensificou os pedidos para que seja posto fim à mais longa guerra da história dos Estados Unidos. O ataque foi qualificado de “trágico” e certamente que é. Esta é, talvez, a maior incoerência da política norte-americana que impõe a democracia pela ponta da pistola e combate o terrorismo com o terrorismo.

“Fui eu”, disse o suposto assassino múltiplo quando regressou à base militar nos arredores de Kandahar, a cidade do sul denominada “o coração dos talibãs”. Foi informado que tinha deixado a base às 3 da madrugada e caminhou até três casas vizinhas, onde matou sistematicamente quem se encontrava lá dentro. O agricultor Abdul Samad não estava em sua casa no momento da matança. A sua esposa e os seus oito filhos e filhas foram assassinados. Algumas das vítimas foram apunhaladas, outras foram queimadas. Samad disse ao New York Times: “O nosso governo disse-nos que regressássemos a casa e depois deixam que os norte-americanos nos matem”.

O massacre ocorreu depois das múltiplas manifestações contra a queima de cópias do Corão por parte das forças armadas norte-americanas, que por sua vez se seguiu à publicação de um vídeo que mostra marines norte-americanos urinando sobre cadáveres afegãos. Dois anos antes, uma “equipa da morte” integrada por soldados norte-americanos – também próximo de Kandahar – tinha assassinado civis afegãos por esporte. Os soldados posaram para fotos horríveis junto dos cadáveres enquanto mutilavam os dedos e outras partes dos corpos como se se tratasse de troféus.

Em resposta ao massacre, o secretário da Defesa, Leon Panetta, proferiu uma série de clichês, entre os quais o de recordar-nos que “a guerra é um inferno. Este tipo de acontecimentos e incidentes vão continuar a se suceder. Aconteceram em todas as guerras. São acontecimentos horríveis e não é a primeira vez que se dão acontecimentos deste tipo e provavelmente não será última”. Panetta visitou esta semana o acampamento Leatherneck na província de Helmand, próximo de Kandahar, no quadro de uma visita previamente programada cuja data coincidiu casualmente com os dias posteriores ao massacre. Os 200 marines convidados a escutar o discurso de Panetta foram obrigados a deixar as suas armas fora da tenda. A NBC News informou que estas instruções são “muito raras”, uma vez que é ordenado aos marines que tenham sempre as suas armas na mão numa zona de guerra. À sua chegada ao Afeganistão, uma camioneta roubada cruzou a pista de aterragem a toda a velocidade em direção ao avião onde se encontrava Panetta e o condutor saiu da cabina em chamas, no que pareceu tratar-se de um ataque.

A violência não atinge só a zona de guerra. Nos Estados Unidos, as feridas da guerra manifestam-se de forma cada vez mais cruel.

O sargento de 38 anos que que cometeu o massacre provinha da Base Conjunta Lewis-McChord (JBLM, na sigla em inglês), um centro militar em expansão próximo de Tacoma, Washington, que foi descrito pelo jornal militar “Stars and Stripes” como a “base mais problemática das forças armadas” e mais recentemente, como uma base “no limite”. 2011 foi o ano em que se registou o maior número de suicídios de soldados nessa base, de onde também provinha a “equipa da morte”.

O Seattle Times informou este mês que uma equipe de psiquiatria que supervisionou o Centro Médico Madigan da base Lewis-McChord reverteu inexplicavelmente o diagnóstico de transtorno por stress pós-traumático a 285 doentes. A decisão está a ser investigada devido a dúvidas de que foi tomada em parte para evitar pagar os cuidados médicos do exército a quem cumpria os requisitos para os receber.

Kevin Baker também era um sargento do exército dos Estados Unidos colocado em Fort Lewis. Depois de ter combatido duas vezes no Iraque recusou ir uma terceira vez depois de lhe terem negado o diagnóstico de transtorno por estresse pós-traumático. Começou a organizar uma campanha para reivindicar o regresso dos soldados aos Estados Unidos. Disse-me: “Se um soldado é ferido no campo de batalha durante o combate e se está a sangrar e um oficial ordena que essa pessoa não receba cuidados médicos e isso custa a vida ao soldado, esse oficial será declarado culpado de abandono de funções e possivelmente de homicídio. Quando isso acontece nos Estados Unidos, quando isso acontece aos soldados que procuram ajuda e os oficiais ordenam que não haja um diagnóstico claro de transtorno por estresse pós-traumático e basicamente lhes negam essa ajuda, uma verdadeira ajuda psicológica, e o soldado acaba por sofrer internamente ao ponto de acabar com a sua própria vida ou com a de outra pessoa, então o oficial, as forças armadas e o Pentágono deveriam ser responsabilizados por essas atrocidades”.

Ainda que seja demasiado tarde para salvar a família de Abdul Samad, talvez o grupo de Baker, March Forward, juntamente com a “Operação Recuperação” dos Veteranos do Iraque Contra a Guerra (que advoga que os soldados que já sofrem de transtorno por stress pós-traumático não sejam enviados de novo para o combate) possam ajudar a pôr fim à desastrosa e atroz ocupação do Afeganistão.

Artigo publicado em "Democracy Now" em 16 de março de 2012. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Texto em espanhol traduzido para português por Carlos Santos para Esquerda.net
Fonte: Esquerda.net.

Pesadelo na Líbia - por Igor Fuser

Pesadelo na Líbia
Misteriosamente, a Líbia desapareceu da “grande mídia” nos cinco meses transcorridos após o assassinato de Muamar Kadafi

Misteriosamente, a Líbia desapareceu da “grande mídia” nos cinco meses transcorridos após o assassinato de Muamar Kadafi e a tomada do poder por seus inimigos, com a decisiva ajuda de milhares de bombas lançadas por aviões da Inglaterra, França e EUA. Agora, o país volta à cena com uma iniciativa para a formação de um governo autônomo em Benghazi, na região leste, em desafio ao Conselho Nacional de Transição, instalado pela Otan em Trípoli. Os temores de que, por trás da operação militar, existisse um plano para dividir a Líbia em três entidades políticas separadas – Cirenaica, no leste; Tripolitânia, no oeste; e Fezzan, no sul – ganham, assim, uma dimensão real.

Há fortes interesses estrangeiros em jogo. A Líbia possui as maiores reservas petrolíferas da África e dois terços delas estão concentradas na Cirenaica, atual foco do separatismo e também o reduto da sublevação anti-Kadafi . A fragmentação do país, com a instalação de um governo fantoche em Benghazi, facilitaria o controle dessa riqueza pelas transnacionais – que, aliás, já tratam de garantir a recompensa pela participação da Otan na guerra civil. Na lista das empresas a serem beneficiadas com os novos contratos para a exploração do petróleo da Líbia se destacam a Shell e a BP (da Inglaterra), a Total (da França), a ENI (da Itália) e a ConocoPhillips (dos EUA), ou seja, companhias sediadas nos mesmos países envolvidos na derrubada de Kadafi.

Enquanto isso, a Líbia vive uma situação de descalabro. O governo provisório não controla nem sequer a capital e o poder efetivo está nas mãos de centenas de milícias que mantiveram as armas após o fim dos combates. Mais de 8 mil pessoas estão presas sob a acusação de serem simpatizantes do regime deposto e se multiplicam os casos de torturas e de execuções sumárias, denunciadas por entidades de direitos humanos, como a Anistia Internacional.

O sonho da “primavera árabe”, usado pelo imperialismo para disfarçar sua ingerência em países soberanos no Oriente Médio, para os líbios está se tornando, cada vez mais, um amargo pesadelo.
Fonte: Brasil de Fato

Grupo realiza protestos contra torturadores em várias cidades - por Fábio Nassif

Grupo realiza protestos contra torturadores em várias cidadesO Levante Popular da Juventude realizou manifestações em várias capitais brasileiras na frente de residências e locais de trabalho de ex-militares e policiais acusados da prática de tortura durante a ditadura. Em São Paulo, protesto ocorreu em frente à empresa do delegado aposentado David dos Santos de Araújo, acusado pelo Ministério Público Federal de participar de torturas e assassinatos.

São Paulo - Às vésperas da data que marca os 48 anos do golpe militar no Brasil, um grupo de jovens iniciou nesta segunda-feira (26) uma série de ações que buscam dar visibilidade à impunidade de torturadores e acusados de outros crimes durante a ditadura ainda vivos. O Levante Popular da Juventude realizou "escrachos" em algumas capitais do país, como forma de denunciar os acusados desses crimes na frente de suas casas ou empresas.

O pano de fundo das manifestações é o início dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, que ainda não foi instaurada pela presidenta Dilma Roussef (PT). Além de recentes pronunciamentos do Clube Militar contrários à comissão, os militares ensaiam realizar diversas “comemorações”, o que acirra mais o embate.

Na capital paulista, cerca de 150 jovens, que apoiam a Comissão e pedem julgamento dos torturadores, se concentraram na frente da empresa de segurança Dacala, na avenida Vereador José Diniz. O dono é o delegado aposentado David dos Santos de Araújo, acusado pelo Ministério Público Federal de participar de torturas e assassinatos.

O “Capitão Lisboa”, como era conhecido, é acusado de ser um dos torturadores do Doi-Codi. O panfleto distribuído no ato afirma que David também é conhecido pelos estupros de filhos de pessoas que assassinou durante a ditadura civil-militar. E estampa as logomarcas da Anhanguera Educacional, Banco Safra, Banco Itaú, Jac Motors e Ford, empresas que são clientes de sua empresa de segurança.

Os 70 jovens participantes do ato em Porto Alegre foram à frente da residência do coronel Carlos Alberto Ponzi, na rua Casemiro de Abreu, 619. O ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) em Porto Alegre é acusado pela justiça italiana pelo desaparecimento do militante Lorenzo Ismael Viñas, capturado ao tentar atravessar a ponte que liga Uruguaiana à Paso de Los Libres (Argentina), em 26 de junho de 1980, durante a Operação Condor. O crime foi cometido depois da assinatura da Lei de Anistia, feita em 1979.

Em Belo Horizonte o grupo denunciou Ariovaldo da Hora e Silva, em sua residência na rua Biagio Polizzi, 240. Ele é acusado de torturar Afonso Celso Lana Leite, Cecílio Emigdio Saturnino, Jaime de Almeida, Nilo Sérgio Menezes Macedo e outros, quando era investigador da Polícia Federal. Segundo o livro Brasil Nunca Mais, Ariovaldo também é responsável pela morte de João Lucas Alves.

Adriano Bessa, acusado de ser um delator e prestador de serviços durante o período militar, foi o alvo dos 80 manifestantes em Belém do Pará. O Levante Popular da Juventude também realizou escrachos na Bahia e no Ceará.

“Comemorações”
Os militares, aposentados ou não, realizarão uma série de atividades que remetem ao golpe de estado. O Círculo Militar de Campinas realizará um lançamento do livro “Médici – a verdadeira história”, com a presença do filho do ex-presidente ditador Emílio Garrastazu Médici. A atividade é organizada em parceria com o Grupo Inconfidentes, uma organização saudosista de militares.

Em São Paulo, o Círculo Militar organizará uma festa no dia 31, chamada “Viagem no túnel do tempo”. O Clube Militar do Rio de Janeiro organiza o evento “1964 – A Verdade”, no dia 29.

Organizações de esquerda pretendem organizar ações de contraponto a essas. Uma delas é o bem humorado Cordão da Mentira, que se concentrará no dia 1° de abril, às 11h30, no Cemitério da Consolação. “Povoemos os porões do imaginário, com tudo aquilo que a ditadura encarcerou na sua cultura! Levemos pra lá o samba dos cordões, as imagens censuradas, as bocas amordaçadas. Fantasiemos as ruas com seus símbolos de opressão! Enganemos a todos com as farsas de nossa história!”, diz o manifesto que convoca o batuque.

Fotos: Protesto realizado em frente à casa do ex-chefe do SNI em Porto Alegre (Foto: Leandro Silva)
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/

[EUA] Resistência Anarquista Antifascista e Repressão no Arizona - por ANA

[EUA] Resistência Anarquista Antifascista e Repressão no ArizonaNo sábado, 13 de novembro de 2010, o Movimento Nacional Socialista se reuniu no centro de Phoenix, Arizona, como parte de sua tour comicamente intitulada "Recupere o Sudoeste 2". O NSM considera estar na vanguarda do impulso em direção a leis mais draconianas, discriminatórias e racistas, e crescente militarização na fronteira sul. Este é o contexto para a ação antifascista no Arizona. Anarquistas resistiram e alguns agora enfrentam intensa repressão estatal.

Dane Rossman, de Tucson, AZ, necessita de apoio urgente face a múltiplas acusações criminais decorrentes da revolta que ocorreu naquele dia. No pior cenário do caso, Dane poderá encarar mais de 20 anos de prisão. Ele é acusado de 6 lesões corporais dolosas e tumulto.

Neste momento Dane está solto sob fiança e comparece em datas agendadas no tribunal até seu julgamento em maio. Nenhum apelo foi feito por enquanto e ainda é difícil dizer o quão agressivamente o Estado está prosseguindo com as acusações. Dane e seus apoiadores estão atualmente tentando conseguir um advogado particular e sentindo fortemente que este pode ser o melhor caminho para que as coisas funcionem o melhor possível para ele - isto é, para manter Dane fora da prisão.

Por favor, ajude Dane da forma que você puder, financeiramente ou de outras formas, e transmita essa informação a todas as pessoas interessadas nas lutas em curso contra a supremacia branca e o fascismo.

Mais infos: http://azantifa.wordpress.com/

Tradução > Marina Knup

agência de notícias anarquistas-ana
As nuvens do céu –
o céu do infinito
eu de nenhum lugar
Stefan Theodoru

domingo, 25 de março de 2012

Não há revolução em lado nenhum - por Robert Kurz

Não há revolução em lado nenhumCarta aberta às pessoas interessadas na EXIT! na passagem de 2011 para 2012

Há muito que a chamada esquerda do movimento se julgou superior à oposição ou mesmo à simples relação entre reforma e revolução. O que só podia significar que já não se sabia o que poderia ser tanto uma como a outra. O objectivo da abolição revolucionária do capitalismo, como catalisador necessário até da mais pequena reforma social, não foi reformulado, mas apressadamente imputado ao extinto marxismo de partido e de Estado, para mais facilmente o poder descartar. A monotonia pós-moderna dum culto das superficialidades habituais e dos detalhes a-conceptuais, fanfarronando a sua pluralidade, não está para lá do antigo nível de certeza, mas simplesmente esperneando desamparada ao lado dele.

Na verdade, a ideia de revolução só foi considerada arrumada e selada pela operação do movimento de esquerda e sua ideologia desconstrutivista porque se perdeu a força para as habituais reformas dentro do capitalismo. Como é sabido, o neoliberalismo comum a todos os partidos roubou o conceito de reforma e transformou-o no seu contrário, sem encontrar qualquer resistência significativa. Lutas sociais reais não só eram cada vez mais raras, mas também sem qualquer referência à crítica social radical, permanecendo presas a interesses particulares tacanhos. Em vez de uma interferência mais forte nas relações sociais surgiu a performance de acções simbólicas; ou seja, a farsa de movimentos que já não eram movimentos, mas só queriam representar a sua própria simulação mediática. Às bolhas financeiras do capital de crise correspondiam as bolhas do movimento de esquerda, que tinham de estourar do mesmo modo.

Tanto menos credível é a repentina inflação do termo revolução, que teria vivido a sua segunda primavera por todo o mundo em 2011, sem que as ideias do passado tivessem sido criticamente revistas e transformadas. Em primeiro lugar surge naturalmente a chamada revolução árabe, que derrubou alguns regimes autoritários (Tunísia, Egipto e Líbia) com grande sacrifício de vidas humanas, enquanto noutros lugares (Síria, Argélia, Bahrein, Iémen) por enquanto tem vindo a ser metralhada. Em rápida sucessão a agitação cintilou também na Europa. A Grã-Bretanha testemunhou violentos distúrbios de jovens de classe inferior desesperados, a que o governo conservador respondeu com um padrão de repressão por assim dizer arábico. Nos países da crise da dívida do Sul da Europa (Grécia, Espanha, Portugal, Itália), houve um grau variável de movimentos sociais contra a brutal política de austeridade, impulsionado principalmente pela geração jovem. Um quadro semelhante se apresentou em Israel, com manifestações de massa contra a política anti-social do governo de Netanyahu. No Chile, os estudantes rebelaram-se contra a orientação neo-conservadora do sistema de ensino. Finalmente, nos Estados Unidos, deu que falar o chamado movimento occupy que, em protesto contra a desigualdade crescente e contra o poder dos bancos, foi entendido como um contrapeso ao ultra-conservador tea party e constituiu ramificações em muitos países, entre os quais a Alemanha.

A esquerda que cheira o traseiro de cada manifestação social à vista na rua o que mais gostaria era de se regalar nas paisagens florescentes de um ano revolucionário em 2011. Para além da falta de vergonha para voltar a desenterrar e a remoer freneticamente a palavra começada por R, que estava enterrada e esquecida, a mera adulação dos diversos protestos e levantamentos não ajuda nada a causa da libertação social. Marx sublinhou com razão que uma transformação verdadeiramente revolucionária apenas progride na medida em que os seus começos e fases de transição são criticados sem dó nem piedade, para os superar e para repelir as suas meias-verdades, falácias e aberrações. Se assim não for, todo o empreendimento se pode transformar no seu contrário. Decisiva aqui é a importância da reflexão teórica. Isto é especialmente verdade numa situação como a de hoje, em que ainda não há uma ideia desenvolvida da ruptura revolucionária com a ordem estabelecida. A forma de mediação é a polémica contra o estado dos movimentos, e não o envolvimento disposto a adaptar-se, reagindo de modo puramente táctico às dificuldades ideológicas e limitando-se a reflectir afirmativamente para os intervenientes a sua falsa consciência imediatista. Depois de mais de 250 anos de história da modernização não há mais espontaneidade inocente.

Para uma análise crítica é preciso em primeiro lugar verificar a diferença de certo modo existencial no grau de dureza da revolta e da repressão. Os movimentos de massas árabes pagaram deliberadamente um pesado tributo em vítimas e na verdade derrubaram governos. No sul da Europa e na Grã-Bretanha os embates foram violentos para as condições de metrópoles ocidentais, mas muito menos intensivos e em grande parte ineficazes. O mesmo se pôde ver em Israel e no Chile. O movimento occupy dos E.U.A., finalmente, caracterizou-se em grande parte por um mero moralismo superficial e piegas, sem garra, que entre os seus imitadores na Alemanha ainda foi rebaixado ao nível de gnomos de jardim por chefes de turma colocando questões bem comportados. É claro que as diferenças na militância externa não dizem nada sobre um conteúdo revolucionário, que só pode ser determinado pela profundidade da crítica radical, mas indicam o diferente nível de ruína e desespero.

A nova crise económica mundial de modo nenhum está terminada e não é apenas económica, mas em grande parte do mundo também levou a sérias distorções sociais que não podem resolver-se nas respectivas condições e formas de desenvolvimento específicas, pois referem-se a estruturas gerais do capitalismo global. Por um lado, em toda parte se pode ver uma explosão nos preços dos alimentos, que afecta sobretudo as classes mais baixas, mas também para os consumidores de renda média se torna cada vez mais dolorosa. Sobrepõem-se aqui o limite interno económico e o limite externo ecológico do capital. A política geral de inflação com a inundação de dinheiro dos bancos centrais é agravada para os produtos agrícolas pela produção crescente de biocombustíveis em vez de alimentos básicos, que ao mesmo tempo se tornam ainda mais escassos por desastres naturais socialmente provocados. Isso é notório em todos os países sem excepção, mas tal tendência torna-se insuportável em primeiro lugar onde, como nos países árabes, o custo dos alimentos básicos já consome a maior parte do orçamento da maioria da população.

Por outro lado, a precarização dos jovens académicos há muito latente agravou-se dramaticamente na crise económica mundial. Também este fenómeno é global; mesmo na Alemanha é conhecida a “geração estágio” e não é só desde ontem. No sul da Europa o desemprego juvenil generalizado atingiu a marca dos 50 por cento ou mais e disparou o corte na formação e o subemprego dos finalistas do ensino secundário e das universidades. Mesmo na China cada vez menos licenciados encontram um trabalho adequado. De doutorando para ajudante de empregado de mesa, diz o slogan da decadência. Claro que também há uma gradação global neste desenvolvimento. Enquanto na Europa e na América do Norte os rebentos da classe média qualificada ainda podem conseguir em parte apoio dos pais perante a falta de perspectivas, noutros lados eles já têm de ajudar a alimentar as famílias arruinadas. Não é de admirar que o tiro de partida simbólico para a revolta árabe tenha sido a auto-imolação de um jovem académico tunisino que já nem sequer como vendedor ambulante conseguia sobreviver.

Na história moderna a degradação social da juventude estudantil sempre foi fermento de erupções revolucionárias. Mas para que a partir daí ocorresse uma verdadeira revolução social teve de se criar em primeiro lugar um esboço teórico actualizado e, em segundo lugar, teve de realizar-se uma organização social abrangente, incluindo as classes mais baixas. A este respeito se mostra a completa vergonha intelectual, social e organizacional da geração Facebook. Em todos os movimentos não há vestígios de uma ideia nova e revolucionária, a classe média académica comporta-se em grande parte de modo auto-referencial e sem qualquer conexão sistemática com as classes mais baixas e o encontro não vinculativo através da Internet permanece sem força organizativa no domínio social. Além de frases democráticas ocas não há mais nada. Portanto, também em lado nenhum se pode falar de uma revolução, se se entender isso como mudança fundamental social e económica e não apenas como substituição das personagens da administração da crise por outras ainda piores.

Como não há qualquer dialéctica qualitativamente nova entre reforma e revolução, mesmo as abordagens sindicalmente limitadas não conseguiram implantar-se. A redistribuição dos rendimentos do petróleo e do turismo não se concretizou. Na Europa e nos EUA nem sequer exigências sociais específicas atingiram uma amplitude apreciável. Assim, a revolta está a ser instrumentalizada por forças muito diferentes que fazem valer a sua tendência para a barbarização perante o vazio ideal e organizacional. Nos países árabes são os fascistas religiosos islamistas que vencem uma eleição após a outra, assim pondo a descoberto a indiferença de conteúdo da democracia aridamente formal como padrão de legitimação. Eles já usurparam em parte os sindicatos, colocaram a sua política de caridade no lugar da emancipação social e, assim, ganharam as classes mais baixas, puseram em marcha o seu terror virtuoso hostil às mulheres e aos homossexuais e transformaram o incitamento anti-semita contra Israel numa válvula de escape para a raiva contra a falta de melhorias económicas. No sul e no leste da Europa está em grande ebulição o anacrónico fascismo nacionalista, que oferece a superfície de projecção para as formas bárbaras de digerir o vazio de ideias e a impotência social. Os pogroms contra os roma na Itália e na Hungria ou o tratamento cruel de refugiados e migrantes na Grécia falam por si. O complemento ideal para isso é dado pelo tom inequivocamente anti-semita do movimento occupy.

Israel demonstra a sua natureza dual em que, por um lado, como Estado dos judeus, se transformou no objecto de ódio número um na digestão ideológica da crise a nível mundial. Por outro lado, enquanto Estado capitalista, passa pelas mesmas rupturas sociais que todos as outros e produziu o seu próprio fascismo religioso, como poder autodestrutivo interno (um fenómeno comum a todas as culturas da pós-modernidade). Rabinos proeminentes falam do perigo de talibanização por uma minoria de fanáticos ultra-ortodoxos, que se equiparam aos seus irmãos inimigos islamistas como um ovo ao outro. Juntamente com os colonos chauvinistas, ameaçam barbarizar Israel e privá-lo da sua legitimação histórica. O movimento social da juventude israelita contra a administração da crise é semelhante em muitos aspectos ao da Europa. Dada a situação geral, teria de se ligar a revitalização do poder de intervenção quase sindical com a manutenção da força militar contra os inimigos de Israel unidos que querem em última instância uma limpeza anti-semita do mapa; dadas as circunstâncias, o espaço de manobra só poderia ser ganho fechando a torneira do subsídio financeiro aos ultras religiosos e nacionalistas. O protesto social pode de facto invocar o projecto sionista fundamental, que remonta a Moses Hess, mas a ideia socialista também aqui é apenas uma sombra do passado.

O mais impressionante é que, apesar das diferenças, por todo o mundo a rebelião é em grande parte "sem a esquerda", como o Frankfurter Allgemeine Zeitung registou com satisfação. Portanto, mesmo para os políticos da tertúlia pós-operaista da globalização, o entusiasmo com o movimento da multitude está um pouco entalado na garganta. Mas afinal o que teria ainda para dizer o mainstream do actual marxismo residual ou pós-marxismo, que está por um fio, aos que engrossam o protesto no movimento, independentemente dos seus protagonistas? Se a falta de ideias no plano intelectual e a impotência no plano social da geração Facebook é um produto directo da socialização do capitalismo de crise virtualizado, também os círculos de esquerda nas suas várias correntes representaram apenas uma ideologia postiça dessa mesma situação. Um mero reflexo da sua própria tacanhez teórica nos conceitos do batido desconstrutivismo não pode abrir qualquer perspectiva histórica aos novos intervenientes. Também não ajuda nada tratar a economia, redescoberta pela força das circunstâncias, com as grelhas de interpretação da década de 1970 (ou até mais antigas), e pretender juntar estas com o pensamento pós-moderno, numa mistura intragável.

A teoria de Marx não está a ser desenvolvida para lá das leituras historicamente obsoletas, mas está a ser despojada de sua crítica essencial das formas fundamentais do capitalismo, para transformar o limitado marxismo do movimento operário tradicional num marxismo de classe média pós-moderno ainda mais limitado. Em vez de criar uma nova ideia de revolução e, assim, formar um pólo oposto à barbárie da crise, a esquerda iludida pelo culturalismo em parte fantasiou até mesmo o fascismo religioso islâmico como força susceptível de aliança (viva a diversidade) e, inversamente, deu espaço a um impulso estupidamente anti-semita, inimigo de Israel por princípio; a condizer com o enterro da crítica radical da economia política.

O que une o protesto não-de-esquerda com a pós-esquerda com ele boquiaberta é a justificação aparente da frase democrática com a frase existencialista. O que falta de ambos os lados é a crítica conscientemente antipolítica da esfera da regulação capitalista; só que o protesto é apolítico até à medula, enquanto a esquerda volta sempre a requentar de novo o politicismo mais batido e na crise ressocialdemocratiza-se com gosto para manter a sua inocência comprovada. Como reverso da mesma medalha, em toda a parte se fazem as honras a um revoltismo hostil à teoria (em França com coloração pós-situacionista), que julga poder evitar a renovação conceitual e analítica da crítica radical, atribuindo à falsa consciência das massas uma partida para novas fronteiras, em suplementos culturais entusiasmados.

A Insurreição Que Vem já aí está, mas o seu conteúdo é tão pobre como a situação em si, que ela em lado nenhum é capaz de transcender conceitualmente. Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário, esta verdade antiga precisa de ser reinventada para a situação historicamente mudada. É no desenvolvimento e disseminação de conteúdos inovadores de reflexão, na própria intervenção teórica, que reside hoje a resposta à questão do que fazer; não em pseudo-atividades inventadas, nem na actividade artesanal em pequenos mundos ilusórios resguardados, que ainda ficam trás dos movimentos de protesto. Somente quando estes se modificam a si mesmos, confrontando-se com a teoria reformulada e justamente assim se mediando consigo mesmos, só então eles deixam de funcionar no vazio. Não deixa de ser involuntariamente cómico que a esquerda parada ao lado volte a tematizar outra vez a “questão da organização” com grande vazio de conteúdo teórico e sem uma ruptura fundamental com o padrão de pensamento falido do antigo marxismo e da pós-modernidade. Isso já em 1968 correu horrivelmente mal.

A renovação teórica em atraso só pode visar negativamente o falso todo de modo essencialista e anti-relativista. Quem não quiser apreender e combater a totalidade capitalista já perdeu. A viragem culturalista e desconstrutivista levou a um impasse, porque pretendeu fazer esquecer a lógica objectivada do fetiche do capital para poder fazer desaparecer a crítica no design das particularidades. Deve-se, pelo contrário, provocar uma espécie de contenda do universalismo, que caracterize a abstracção categorial como referência essencial da realidade. Não será com a barriga nem com os pés que se tocará para as relações de crise a sua própria melodia.

Certamente que é necessário um esforço teórico de muitas forças a nível mundial para suplantar a paralisia da transcendência revolucionária. Não, porém, como gritaria pluralista burguesa, mas sim na determinação da questão geral, o capital mundial, e na batalha pela verdade teórica do tempo. A elaboração teórica da crítica da dissociação e do valor formulada no contexto da revista EXIT tenta contribuir para isso no espaço de língua alemã e para além dele. A crítica da relação de dissociação e valor também determinada sexualmente mostrou que não se trata da antiga exegese do capital na lógica da derivação; mas, justamente por isso, por maioria de razão é preciso insistir em sintetizar a totalidade do capital em si quebrada. Não temos para apresentar a pedra filosofal, mas a partir do foco da crítica da forma basilar e da localização histórica foram produzidas as primeiras abordagens duma transformação da teoria crítica. Quem com razão se queixa de que a elaboração teórica ainda não foi suficientemente desenvolvida e concretizada não deve deixar desaparecer as condições para isso. Sem apoio material nada feito, a produção teórica e a possibilidade da sua recepção independente não podem ser tidas por adquiridas. Impacientes e não só são convidados a ajudar a EXIT a "nadar contra a corrente".

Robert Kurz pela redacção da EXIT!, Janeiro de 2012

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Original KEINE REVOLUTION, NIRGENDS in www.exit-online.org, Janeiro de 2012
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sábado, 24 de março de 2012

Documentário “White Terror” - por ANA

Documentário “White Terror”[Impressionante documentário que mostra as inquietantes mudanças nos últimos anos dentro dos movimentos de extrema-direita na Europa. Este é um documentário imprescindível de olhar e difundir.

Descrição do documentário
Nos últimos cinco anos tem havido uma mudança significativa dentro do movimento de extrema-direita: os veteranos há anos que se aposentaram, são demasiados velhos ou já morreram. Os novos ideólogos estão surgindo em toda a Europa e pulando para outros continentes. Não precisam necessariamente raspar a cabeça; criaram corporações, empresas de distribuição, clubes de música, revistas, editoras, sites na internet e substituíram as antigas simbologias por outras novas. No mundo globalizado em que vivemos, os propagadores do ódio encontraram na internet a ferramenta apropriada para avivar as ideias quase extintas para espalhar seus ideários a países tão distintos como Estados Unidos, Suécia ou Rússia. A coisa mais surpreendente é que, para os seguidores mais jovens, todos os sofrimentos do passado são uma espécie de história virtual e irreal.

Ver o vídeo, legendas em castelhano:
http://www.dalealplay.com/informaciondecontenido.php?con=252582

agência de notícias anarquistas-ana
Insetos que cantam...
Parece que as sombras se amam
nos cantos escuros.
Teruko Oda

“Ao deixar o preconceito e o racismo ferverem em banho-maria, surge o risco real da erupção do conflito” – por Navi Pillay

“Ao deixar o preconceito e o racismo ferverem em banho-maria, surge o risco real da erupção do conflito”Declaração da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, em ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial.

A relação entre racismo e conflito é uma relação profundamente enraizada e bem estabelecida. Certo número de estudos mostrou que um dos primeiros indicadores de violência potencial é o desprezo pelos direitos das minorias. Uma pesquisa promovida por uma organização não-governamental indicou que mais de 55% dos conflitos violentos de intensidade significativa entre 2007 e 2009 tinham as violações dos direitos das minorias ou tensões entre comunidades no centro da violência.

Apenas no último ano, vimos vários exemplos terríveis de violência étnica no meio de conflitos em muitos países do mundo. Na última semana, em uma visita a Guatemala presenciei as consequências trágicas e duradouras de práticas históricas de racismo contra povos indígenas e afrodescendentes. A Guatemala ainda está lidando com o legado de 36 anos de conflito armado.

Prevenir tal conflito é claramente mais desejável do que as tentativas posteriores de apagar as chamas e começar os difíceis processos de reconstrução, reconciliação e justiça – isso sem mencionar os custos humanos e sociais. Entretanto, o problema é que os avisos prévios em relação ao preconceito e à discórdia são frequentemente ignorados, e só quando os mais sinistros e tardios sinais começam a emergir é que o Estado e a comunidade internacional começam a reagir.

Vinte anos atrás, a Declaração sobre os Direitos de Pessoas pertencentes a Minorias Nacionais, Étnicas, Religiosas e Linguísticas reconheceu claramente a ligação entre estabilidade política e social e a promoção e a proteção dos direitos das minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas. Os Estados também reconheceram através da Declaração e do Programa de Ação estabelecidos em Durban, em 2001, que o racismo e a discriminação estão entre as causas primárias de muitos conflitos nacionais e internacionais. Uma olhada através dos primeiros arquivos e relatórios de alerta do Comitê sobre Eliminação da Discriminação Racial se torna uma trágica leitura dos tipos de conflitos que poderiam ter sido evitados se essas advertências iniciais tivessem sido atendidas.

Neste Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, peço que os Estados prestem atenção com os alertas prévios sobre preconceito, estereótipos, ignorância e xenofobia. Peço que eles tratem urgentemente da marginalização e exclusão de indivíduos pertencentes a certas comunidades das tomadas de decisões econômicas e políticas. Peço que se estabeleça um processo de consulta e um constante diálogo com todas as partes da sociedade, e que os esforços para garantir o acesso aos empregos, acesso à terra, acesso aos direitos políticos e econômicos não fique restrita de acordo com as características de raça, cor ou nacionalidade das pessoas. Peço também que os projetos de desenvolvimento não desfavoreçam desproporcionalmente uma comunidade em particular.

Essas não são obrigações novas para os Governos, mas são há muito tempo parte dos compromissos com os direitos humanos assumidos pelos Estados. Deixando os perigosos problemas sociais do preconceito e do racismo ferverem em banho-maria, surge um risco real da erupção de conflitos explosivos, anos ou décadas depois.
Racismo e preconceito podem fornecer, promover e perpetuar as narrativas que criam e sustentam conflitos – seja no mundo desenvolvido ou em desenvolvimento. Não esperemos que os ressentimentos se transformem em violência ou o preconceito se torne um genocídio antes de decidirmos agir.
Fonte: http://acnudh.org/pt

quinta-feira, 22 de março de 2012

Mais vazamentos à vista!

Mais vazamentos à vistaPara governo, solo em área com 7 quilômetros de diâmetro no Campo da Chevron pode estar abalado

Com o anúncio do segundo derramamento de petróleo no Campo de Frade, da Chevron, na Bacia de Campos, o governo trabalha com o pior dos cenários e já prevê vazamentos em série no local. A hipótese que estaria em estudo pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pelo Ibama, é que o afundamento do solo e as fissuras nas rochas, detectadas pela petroleira na semana passada, pode estar num raio de 3,5 quilômetros a partir da plataforma de acordo com uma fonte que acompanha o caso, ou seja, uma área com diâmetro total de sete quilômetros.

De acordo com essa mesma fonte, o cenário é preocupante, pois ainda não há tecnologia disponível para atenuar o problema, classificado como inédito por especialistas. Procurada pelo jornal carioca O Globo, a Chevron não confirma nem nega as possibilidades de abalo do solo marinho na região e de novos vazamentos. Mas, por e-mail, afirma que a decisão de pedir autorização à ANP para suspender temporariamente a produção no último dia 15 foi "uma medida de precaução e visa à realizção de um amplo estudo para o melhor entendimento da estrutura geológica" do campo. A gigante americana admite que "o campo é muito mais complexo do que os estudos revelaram". E acrescenta: "Parar a produção vai nos permitir estudar e entender melhor as complexidades geológicas da área."

- A área está muito fragilizada. Todo o solo dessa região, em um diâmetro de sete quilômetros, pode afundar. O óleo está saindo pelas fissuras, que ainda não foram dimensionadas. Ou seja, ninguém tem um conhecimento sobre o que está acontecendo - disse a fonte.

O oceanógrafo David Zee confirma que é possível que ocorram, sim, novos vazamentos na área dadas as características zoológicas da região, que tem solo poroso:

- Na perfuração, houve uma pressão muito grande. É como bater em único ponto de uma pedra, de um diamante, que irá provocar várias rachaduras em volta. Com a pressão, existe a hipótese de um óleo residual encontrar saída pelas áreas cimentadas. Isso seria um desdobramento, uma invasão do óleo residual, que estaria saindo de um lugar para o outro. Outra possibilidade seria um novo vazamento, não apenas residual - avaliou.

Empresa estuda deixar o país
Os sérios problemas que a Chevron está enfrentando no campo de Frade poderão levar a companhia a deixar o país. Segundo uma fonte, a análise que está sendo feita pela matriz da companhia, nos Estados Unidos, teria demonstrado perda de interesse em continuar investindo no Brasil.

Em novembro do ano passado, houve vazamento de 2,4 mil barris de petróleo, a 400 metros da plataforma que fazia a exploração. No início deste mês foi detectado novo derramamento, desta vez a três quilômetros do primeiro acidente. A empresa diz que apenas cinco litros vazaram no oceano, mas para especialistas e para a Polícia Federal, o número pode ser bem maior. Acredita-se que o segundo acidente seja consequência do anterior. Após sobrevoar o local na última sexta-feira, a Marinha informou que a mancha é tênue e tem um quilômetro de extensão.

Ao sair da fissura ( que tem extensão de 800 metros ) no solo do oceano, o óleo leva entre nove e 14 horas para chegar à superfície, diz o delegado federal Fábio Scliar, responsável pelo inquérito do acidente de novembro. A Chevron não sabe dizer quantas fissuras há no campo.

O secretário de Ambiente do Estado do Rio, Carlos Minc, diz que também está preocupado com a possibilidade de ocorrer um novo vazamento. Segundo ele, as três cimentações que foram feitas pela empresa após o primeiro vazamento não foram suficientes para impedir o surgimento de fissuras, já que a perfuração inicial danificou o solo marinho:

- Ninguém pode afirmar com certeza de que, daqui a três semanas, não irá ocorrer um novo vazamento.

Por parar de produzir, as perdas chegam a US$ 7,9 milhões por dia para o consórcio liderado pela Chevron, segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Segundo uma fonte, a ANP e a Chevron também não vêm se entendendo. Após o primeiro vazamento, a agência pediu que a petroleira furasse um 'poço de alívio' - um poço secundário usado para aliviar a pressão no subsolo - mas a companhia disse que o recurso não era necessário. Ontem, a empresa e a ANP não comentaram o assunto.

Desde sábado, por decisão da 4a Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, 17 executivos da petroleira e da Transocean, contratada pela Chevron para perfurar o poço, estão impedidos de deixar o Brasil. Entre eles, estão o presidente da Chevron, George Buck, e Guilherme Dantas Rocha Coelho, diretor geral da Transocean. Ao todo, há cinco brasileiros, seis americanos, dois franceses, dois australianos, um canadense e um inglês. A liminar foi concedida pelo Ministério Público Federal.

Até ontem, as companhias ainda não haviam entrado com recurso no Tribunal Regional Federal (TRF). Hoje, a decisão será encaminhada à Justiça Federal de Campos, que notificará os 17 funcionários das duas empresas. As companhias não serão notificadas. A Chevron disse que acatará qualquer decisão legal e vai defender os seus empregados.

Há a possibilidade de a Polícia Federal abrir novo inquérito contra a Chevron, mas isso só vai ocorrer se a ANP verificar que a petroleira não está recolhendo o óleo de forma adequada.

- Mas não há uma expectativa nesse sentido - disse o delegado Scliar.

Na quarta-feira, o Procurador da República Eduardo Santos de Oliveira vai oferecer denúncia criminal na Justiça Federal de Campos. Na denúncia, as duas empresas e os 17 envolvidosvão responder por crime ambiental e falsidade ideológica. Somadas, as penas podem chegar a 20 anos.

David Zee considera esse novo acidente um transtorno para a imagem do Brasil como país que pretende se tornar um grande produtor de petróleo:

- Pode ocorrer uma nova síndrome da Amazônia: o mundo inteiro acha ótimo a biodiversidade das florestas, mas não considera o país capaz de mantê-las, de impedir sua destruição. Com esses acidentes, a capacidade do Brasil de manter a Amazônia azul ( a riqueza contida no mar ) pode vir a ser questionada mundialmente -disse.

Fonte: Bruno Rosa, Ramona Ordoñez e Luiza Xavier, Economia O Globo - editado pela Agência Petroleira de Notícias
Infográfico: Jornal O Matiense

SP: Show Jello Biafra & The Guantanamo School of Medicine e Agrotóxico dia 24/03/2012!


Jello Biafra & The Guantanamo School of Medicine e Agrotóxico
Data: 24 de Março de 2012 – Sábado
Horário: entre 19h00 e 22h00

Local: Beco 203 SP - R. Augusta, 609 - Consolação
Telefone: 11 2339-0358

Ingressos antecipados e limitados com desconto:
R$ 60.00 – 1o Lote
R$80.00 – 2o Lote
Porta: Outro Valor
Fonte: Red Star 77 Red Star 77redstarpunk@gmail.com

quarta-feira, 21 de março de 2012

Um mundo de petróleo cada vez mais difícil - por Michael T. Klare*

Um mundo de petróleo cada vez mais difícilSe prosseguirmos no caminho do petróleo difícil ao invés de investirmos maciçamente em energias alternativas, podemos excluir qualquer esperança de impedir as mais catastróficas consequências

Os preços do petróleo agora estão mais altos do que alguma vez estiveram – exceto nuns poucos momentos frenéticos antes do colapso econômico global de 2008. Muitos fatores imediatos contribuem para esta alta, incluindo ameaças do Irã de bloquear o trânsito de petróleo no Golfo Pérsico, temores de uma nova guerra no Médio Oriente e perturbações na Nigéria, rica em petróleo. Algumas destas pressões podem diminuir nos meses pela frente, proporcionando alívio temporário na bomba de gasolina. Mas a causa principal dos preços mais elevados – uma mudança fundamental na estrutura da indústria petrolífera – não pode ser revertida e, assim, os preços do petróleo estão destinados a permaneceram altos por um longo tempo daqui para a frente.

Em termos de energia, estamos agora entrando num mundo cuja natureza implacável ainda tem de ser plenamente apreendida. Esta mutação essencial foi provocada pelo desaparecimento do petróleo relativamente acessível e barato – o "petróleo fácil", na linguagem dos analistas da indústria. Noutras palavras, a espécie de petróleo que impulsionou uma expansão vertiginosa da riqueza global ao longo dos últimos 65 anos, bem como a criação de infindáveis comunidades suburbanas orientadas para o carro. Este petróleo está agora quase acabado.

O mundo ainda dispõe de grandes reservas de petróleo, mas estas são difíceis de alcançar, difíceis de refinar, a variedade "petróleo árduo". A partir de agora, todo barril que consumirmos será mais custoso para extrair, mais custoso para refinar – e, assim, mais caro na bomba de gasolina.

Aqueles que afirmam que o mundo permanece "inundados" de petróleo estão tecnicamente corretos: o planeta ainda dispõe de vastas reservas. Mas os propagandistas da indústria petrolífera geralmente deixam de enfatizar que nem todos os reservatórios de petróleo são semelhantes: alguns estão localizados próximos à superfície ou próximos à costa e estão contidos em rocha porosa; outros estão localizados no subsolo profundo, no offshore distante, ou presos em formações rochosas inflexíveis. Os sítios anteriores são relativamente fáceis de explorar e proporcionam um combustível líquido que pode ser prontamente refinado em líquidos utilizáveis; os segundos só podem ser explorados através de técnicas custosas, ambientalmente arriscadas e muitas vezes resultam num produto que deve ser fortemente processado antes que a refinação possa sequer começar.

A simples verdade sobre o assunto é esta: a maior parte das reservas fáceis do mundo já foram esgotadas – exceto aquelas em países espinhosos como o Iraque. Virtualmente todo o petróleo que resta está contido em reservas mais difíceis de serem atingidas. Isto inclui o petróleo do offshore profundo, o petróleo do Ártico e o petróleo de xisto, juntamente com as "areias betuminosas" do Canadá – as quais não são compostas de petróleo de modo algum, mas sim de lama, areia e alcatrão semelhante a betume. As chamadas reservas não convencionais destes tipos podem ser exploradas, mas muitas vezes a um preço desconcertante, não apenas em dólares mas também em danos para o ambiente.

No negócio do petróleo, esta realidade foi reconhecida primeiramente pelo presidente e CEO da Chevron, David O'Reilly, numa carta de 2005 publicada em muitos jornais americanos. "Uma coisa é clara", escreveu ele, "a era do petróleo fácil está acabada". Não só muitos dos campos existentes estavam em declínio, observou ele, como "novas descobertas de energia estão a ocorrer principalmente em lugares onde os recursos são difíceis de extrair, fisicamente, economicamente e mesmo politicamente".

Nova prova desta mutação foi proporcionada pela Agência Internacional de Energia (IEA) numa revisão de 2010 das perspectivas do petróleo mundial. Na preparação deste relatório a agência examinou os rendimentos históricos dos maiores campos produtores do mundo – o "petróleo fácil" sobre o qual o mundo ainda repousa para o grosso da sua energia de forma esmagadora. Os resultados foram espantosos: esperava-se que aqueles campos perdessem três quartos da sua capacidade produtiva ao longo dos 25 anos seguintes, eliminando 52 milhões de barris de petróleo por dia da oferta mundial, ou cerca de 75% a atual produção mundial. As implicações eram estarrecedoras: ou descobrir petróleo novo para substituir aqueles 52 milhões de barris/dia a Era do Petróleo chegará logo a um fim e a economia mundial entraria em colapso.

Naturalmente, como a IEA tornou claro em 2010, haverá novo petróleo, mas só da variedade difícil que exigirá um preço de todos nós – e do planeta, também. Para apreender as implicações da nossa crescente dependência do petróleo difícil, vale a pena dar uma olhadela a alguns dos mais apavorantes pontos sobre a Terra. Assim, apertem os vossos cintos de segurança: primeiro estamos a ir para o mar para examinar o "promissor" novo mundo do petróleo do século XXI.

Petróleo de águas profundas
As companhias de petróleo têm estado a perfurar em áreas offshore desde há algum tempo, especialmente no Golfo do México e no Mar Cáspio. Até recentemente, contudo, tais esforços verificavam-se invariavelmente em águas relativamente rasas – umas poucas centenas de metros, na maior parte – o que permitia às companhias utilizarem perfuradores convencionais montados sobre colunas extensas. A perfuração em águas profundas, em profundidades que ultrapassam os 300 metros, é um assunto inteiramente diferente. Ela requer plataformas de perfuração especializadas, refinadas e imensamente custosas que podem custar milhares de milhões de dólares para produzir.

A Deepwater Horizon, destruída no Golfo do México em Abril de 2010 devido a uma explosão catastrófica, é bastante típica deste fenômeno. O vaso foi construído em 2001 por uns US$500 milhões e custa cerca de US$ 1 milhão por dia conservar e manter. Parcialmente devido a estes altos custos, a BP estava com pressa de acabar o trabalho do seu malfadado furo Macondo e mover a Deepwater Horizon para outro local de perfuração. Tais considerações financeiras, acreditam muitos analistas, explicam a pressa com a qual a tripulação do vaso selou o furo – levando a uma fuga de gases explosivos dentro do povo e a explosão resultante. A BP agora terá de pagar algo para além de US$ 30 bilhões para atender as todas as reclamações pelo dano feito com a sua fuga de petróleo maciça.

A seguir ao desastre, a administração Obama impôs uma proibição temporária à perfuração no offshore profundo. Mal se passaram dois anos, a perfuração nas águas profundas do Golfo está outra vez em níveis de pré desastre. O presidente Obama também assinou um acordo com o México que permitia perfurar na parte mais profunda do Golfo, ao longo da fronteira marítima estadunidense-mexicana.

Enquanto isso, a perfuração em águas profundas está a ganhar velocidade alhures. O Brasil, por exemplo, movimenta-se para explorar seus campos "pré sal" (assim chamados porque jazem abaixo de uma camada de sal) nas águas do Oceano Atlântico muito longe da costa do Rio de Janeiro. Novos campos offshore estão analogamente a ser desenvolvidos nas águas profundas do Gana, Serra Leoa e Libéria.

Em 2020, diz o analista de energia John Westwood, estes campos de águas profundas fornecerão 10% do petróleo mundial, quando eram apenas 1% em 1995. Mas este acréscimo de produção não sairá barato: a maior parte destes novos campos custará dezenas ou centenas de milhares de milhões de dólares para desenvolver e só se demonstrará lucrativo desde que o petróleo continue a ser vendido por US$ 90 ou mais por barril.

Os campos offshore do Brasil, considerados por alguns peritos como as mais prometedoras novas descobertas deste século, demonstrar-se-ão especialmente caras porque jazem sob 2.400 metros de água e 4.000 metros de areia, rocha e sal. Serão necessários os mais avançados e custosos equipamentos de perfuração do mundo – alguns deles ainda a serem desenvolvidos. A Petrobrás, a empresa de energia controlada pelo estado, já comprometeu US$53 bilhões para o projeto em 2011-2015 e a maior parte do analistas acredita que isto será apenas um modesto pagamento inicial de um estarrecedor preço final.

Petróleo ártico
Espera-se que o Ártico proporcione uma fatia significativa da futura oferta mundial. Até recentemente, a produção no extremo Norte fora muito limitada. Excepto na área de Prudhoe Bay no Alasca e num certo número de campos na Sibéria, as grandes companhias tem geralmente evitado a região. Mas agora, ao verem poucas outras opções, elas estão a preparar-se para grandes investidas num Ártico em fusão.

De qualquer perspectiva, o Ártico é o último lugar para se querer ir a fim de furar por petróleo. As tempestades são frequentes e as temperaturas no Inverno mergulham muito abaixo do ponto de congelamento. A maior parte do equipamento comum não operará sob estas condições. São necessários substitutivos especializados (e custosos). As equipes de trabalho não podem viver na região por muito tempo. A maior parte dos abastecimentos – comida, combustível, materiais de construção – devem ser trazidos de milhares de quilômetros a um custo fenomenal.

Mas o Ártico tem os seus atrativos: milhares de milhões de barris de petróleo inexplorado. Segundo o U.S. Geological Survey (USGS), a área Norte do Círculo Ártico, com apenas 6% da superfície do planeta, contém uma estimativa de 13% do seu petróleo remanescente (e ainda maior fatia do seu gás natural não desenvolvido) – números com que nenhuma outra região pode competir.

Sobrando poucos lugares para ir, as grandes empresas de energia agora estão a preparar-se para uma corrida a fim de explorar as riquezas do Ártico. Neste Verão, espera-se que a Royal Dutch Shell comece furos de teste em porções dos Mares Beauforte Chukchi, ao Norte do Alasca (a administração Obama ainda conceder as autorizações finais de operação para estas atividades, mas espera-se a aprovação). Ao mesmo tempo, a Statoil e outras firmas planeiam perfurar no Mar de Barents, ao Norte da Noruega.

Com estes cenários energéticos extremos, o aumento da produção no Ártico impulsionará significativamente os custos operacionais das companhias de petróleo. A Shell, por exemplo, já gastou US$ 4 bilhões só nos preparativos para furos de teste no offshore do Alasca, sem produzir um único barril de petróleo. O desenvolvimento em plena escala nesta região ecologicamente frágil, tenazmente contrariado por ambientalista e povos nativos locais, multiplicará este número muitas vezes mais.

Areias betuminosas e petróleo pesado
Espera-se que outra fatia significativa do futuro abastecimento mundial de petróleo venha das areias betuminosas do Canadá (também chamadas "areias petrolíferas) e do petróleo super pesado da Venezuela. Nada disto é petróleo tal como é normalmente entendido. Não sendo líquidos nos seu estado natural, eles não podem ser extraídos pelos materiais de furação tradicionais, mas existem em grande abundância. Segundo o USGS, as areias betuminosas do Canadá contêm o equivalente a 1,7 trilhão de barris de petróleo convencional (líquido), ao passo que os depósitos de petróleo pesado da Venezuela dizem abrigar outro milhão de milhões de petróleo equivalente – embora nem tudo seja considerado "recuperável" com a tecnologia existente.

Aqueles que afirmam que a Era do Petróleo está longe de ultrapassada apontam estas reservas como prova de que o mundo ainda pode extrair imensas quantidades de combustíveis fósseis inexplorados. E certamente é concebível que, com a aplicação de tecnologias avançadas e uma indiferença total para com as consequências ambientais, estes recursos na verdade serão colhidos. Mas não é petróleo fácil.

Até agora, as areias betuminosas do Canadá foram obtidas através de um processo análogo à mineração a céu aberto, utilizando pás monstruosas para arrancar uma mistura de areia e betume do solo. Mas a maior parte do betume próximo à superfície nas areias betuminosas ricas da província de Alberta foram exauridas, o que significa que toda extração futura exigirá um processo muito mais complexo e custoso. Terá de ser injetado vapor nas concentrações mais profundas para fundir o betume e permitir a sua recuperação através de bombas maciças. Isto exige um investimento colossal em infraestrutura e energia, bem como a construção de instalações de tratamento para todos os resíduos tóxicos resultantes. Segundo o Canadian Energy Research Institute, o pleno desenvolvimento das areias petrolíferas de Alberta exigiria um investimento mínimo de US$ 218 bilhões ao longo dos próximos 25 anos, não incluindo o custo de construir oleodutos para os Estados Unidos (tal como o proposto Keystone XL) para processamento em refinarias estado-unidenses.

O desenvolvimento do petróleo pesado da Venezuela exigirá investimento numa escala comparável. Acredita-se que o cinturão do Orenoco, uma concentração especialmente densa de petróleo pesado adjacente ao Rio Orenoco contenha reservas recuperáveis de 513 mil milhões de barris de petróleo – talvez a maior fonte de petróleo inexplorado do planeta. Mas converter esta forma de betume semelhante a melaço num combustível líquido excede em muito a capacidade técnica ou os recursos financeiros da companhia estatal, Petróleos de Venezuela SA. Consequentemente, ela está agora à procura de parceiros estrangeiros dispostos a investir os US$ 10 a 20 bilhões necessários apenas para construir as instalações necessárias.

Os custos ocultos
Reservas difíceis como esta proporcionarão a maior parte do novo petróleo do mundo nos próximos anos. Uma coisa é clara: mesmo se puderem substituir o petróleo fácil nas nossas vidas, o custo de tudo o que está relacionado com petróleo – seja a gasolina na bomba, produtos com base no petróleo, fertilizantes, tudo por toda a parte das nossas vidas – está em vias de ascender. Habitue-se a isto. Se as coisas decorrerem como se planeia atualmente, estaremos pendurados no big oil nas próximas décadas.

E estes são apenas os custos mais óbvios numa situação em que abundam custos ocultos, especialmente para o ambiente. Tal como no desastre do Deepwater Horizon, a extração em áreas do offshore profundo e em outras localizações geográficas extremas garantirá riscos ambientais sempre maiores. Afinal de contas, aproximadamente 22 milhões de litros de petróleo foram despejados no Golfo do México, graças à negligência da BP, provocando danos extensos a animais marinhos e ao habitat costeiro.

Recordar que, por mais catastrófico que fosse, ele ocorreu no Golfo do México, onde podiam ser mobilizadas forças amplas para a limpeza e a capacidade de recuperação do ecossistema era relativamente robusta. O Ártico e a Groenlândia representam um risco diferente, dado a sua distância das capacidades de recuperação estabelecidas e a extrema vulnerabilidade dos seus ecossistemas. Os esforços para restaurar tais áreas na sequência de fugas de petróleo maciças custariam muitas vezes os US$ 30 a 40 bilhões que a BP pretende pagar pelo danos do Deepwater Horizon e serão muito menos eficazes.

Além de tudo isto, muitos dos campos de petróleo difícil mais promissores estão na Rússia, na bacia do Mar Cáspio, e em áreas conflituosas da África. Para operar nestas áreas, companhias de petróleo serão confrontadas não só com os custos previsivelmente altos da extração como também com custos adicionais envolvendo sistemas locais de suborno e extorsão, sabotagem por grupos de guerrilha e as consequências de conflitos civis.

E não esquecer o custo final: Se todos estes barris de petróleo e substâncias afins do petróleo forem realmente produzidos a partir dos menos convidativos lugares neste planeta, então nas próximas décadas continuaremos a queimar combustíveis fósseis maciçamente, criando sempre mais gases com efeito estufa como se não houvesse amanhã. E aqui está a triste verdade: se prosseguirmos no caminho do petróleo difícil ao invés de investirmos maciçamente em energias alternativas, podemos excluir qualquer esperança de impedir as mais catastróficas consequências de um planeta mais quente e mais turbulento.

De modo que, sim, há petróleo não convencional. Mas não, ele não será mais barato, não importa quanto haja. E, sim, as companhias de petróleo podem obtê-lo, mas olhando realisticamente quem o desejaria?

[*] Autor de The Race for What's Left: The Global Scramble for the World's Last Resources (Metropolitan Books).
Fonte: http://resistir.info/

Aziz Ab’Saber e o Instituto da Cultura Árabe - por Soraya Smaili e Michel Sleiman

Aziz Ab’Saber e o Instituto da Cultura ÁrabeHá muitas histórias para contar sobre Aziz Ab’Saber e seu papel como intelectual. Porém, sua ligação com a cultura árabe e por que ele foi, e para nós continua sendo, o Presidente de Honra do Instituto da Cultura Árabe, cabe-nos contar. A busca e a difusão do saber eram a vida dele. Nunca se negou a dividir e compartilhar o que sabia. Nunca se negou a dividir o que podia. Construiu e ajudou a construir, deu ideias, apoio e, principalmente, sua amizade incondicional.

Essa é uma parte da vida do Eminente Professor e geógrafo brasileiro que nem todos conhecem. Embora tenha sido consciente e orgulhoso de sua origem árabe-libanesa, que sempre colocava lado a lado com a origem cabocla de sua mãe, Aziz Ab’Saber salientava que era um brasileiro. Por isso mesmo tinha apreço pela obra de Darcy Ribeiro, que sempre recomendava aos amigos e alunos. “O Povo Brasileiro deve ser lido e visto por todos nós, pois nos ajuda a entender como os árabes chegaram ao Brasil e como influenciaram a constituição da nossa cultura muito antes de a imigração árabe chegar”.

Certamente há muitas histórias para contar sobre Aziz Ab’Saber e o papel que desempenhou como intelectual. Porém, sua ligação com a cultura árabe e por que ele foi, e para nós continua sendo, o Presidente de Honra do Instituto da Cultura Árabe, cabe-nos contar.

Esse certame se inicia em 2004, quando começamos uma série de reuniões para discutir a formação de um instituto que divulgasse a cultura árabe em todos os seus aspectos universais e humanistas. O Professor Aziz, ao ser convidado, tomou parte das inúmeras e longas reuniões de formação. Afeito ao debate de ideias, participou ativamente da concepção do Instituto e foi defensor de um espaço de atuação onde deveria haver lugar para todos, mas onde se deveria discutir e divulgar em primeiro lugar a cultura. “A cultura”, dizia ele, “é um conjunto de valores sociológicos, antropológicos e animológicos. Não podemos nos deixar levar pelos fatos atuais e discutir os aspectos do contemporâneo ou os aspectos políticos, que são importantes, mas não são únicos”.

Com essas ideias, divulgadas continuamente e de maneira educadora e paciente, fez com que se acalmassem os ânimos dos que queriam discutir política e notícias do momento sem levar em consideração a parte histórica e a identidade cultural. Isso foi fundamental para estabilizar nossas posições e ações e para entendermos que nosso trabalho seria de longo prazo. Da mesma forma, ele não se cansava de afirmar que o “Instituto deveria ser um instituto da sociedade brasileira e não dos descendentes árabes. Essa será a nossa diferença e é o que o Brasil precisa”. De fato, o tempo mostrou que isso era necessário para garantir a continuidade do nosso trabalho. Deu-nos outras perspectivas e nos abriu os horizontes. Hoje, depois de quase oito anos de fundação, entendemos melhor o significado de suas palavras e verificamos que seus ensinamentos foram e continuam sendo cruciais.

Por essas razões que descrevemos tão suscintamente (há muito mais a falar), logo no início da formação do Instituto, decidimos que ele seria nosso Presidente de Honra, escolhido por aclamação na primeira eleição de diretoria. Claro que durante muito tempo ele procurou negar que seria um presidente de honra, pois não era afeito a títulos. Essa é uma característica do Professor Aziz que sempre agiu por ideais, por aquilo em que acreditava e não por projeção ou interesse pessoal. Após algum tempo de insistência da nossa parte, ele passou a aceitar silenciosamente quando fazíamos a referência, o que consideramos um privilégio.

Um marco nessa nossa história de formação do Instituto da Cultura Árabe foi o quanto o Professor Aziz se dedicou ao Instituto. Talvez porque ele visse um grupo de professores universitários, profissionais, escritores, jornalistas e estudantes tão empenhados na construção desse projeto. Decidiu que iria nos apoiar e nos ajudar e por isso não deixava de vir às reuniões, mesmo estando às vezes nos limites de sua condição física. Sua presença constante e a força do exemplo, bem como suas palavras e a duração de sua postura, foram elementos balizadores do nosso fazer cotidiano. E assim fomos fazendo e ele foi nos emprestando e concedendo sua força intelectual, sua habilidade de contar estórias, sua simpatia e seu imenso coração a um projeto em que ele acreditou e ajudou a impulsionar. Dessa forma também impulsionou todas as atividades do Instituto até onde pode. Esteve presente em inúmeras palestras, cursos, debates, homenagens, noites de poesia.

Uma das últimas atividades de que participou focava a mulher árabe, aspecto da sociedade árabe que ele considerava necessário discutir. Não se negou a participar de atividades nos lugares mais ermos da cidade e, como sempre, onde chegava atendia a todos, especialmente aos jovens e estudantes, que pediam para tirar fotos com ele. Devido à sua ligação com os livros e com o conhecimento, doou um conjunto grande de obras ao Instituto da Cultura Árabe, que se encontram guardados para a nossa futura biblioteca. Aliás, esse é um compromisso que firmamos com ele e que cumpriremos.

Durante o tempo em que convivemos, o Professor Aziz contou a história de sua família, a história de seu pai Nacib Ab’Saber, que traduz e resume a história de muitos outros imigrantes árabes no Brasil. Com a habilidade plena de um exímio contador de histórias, sempre incrementava a narrativa com aspectos poéticos e com muita leveza, mesmo para contar histórias muito sofridas. Por causa de seu desejo de resgatar a trajetória de seu pai e de sua família, nos propôs a formação do Centro de Estudos da Imigração Árabe no Brasil, que hoje está em andamento. O início desse projeto provém, como sempre ele fazia, de uma ideia simples, mas ao mesmo tempo complexa : “todos nós filhos ou descendentes devemos escrever, mesmo que seja em um pequeno pedaço de papel, a história de nossa família. Assim teremos um conjunto de histórias e escreveremos a história oral juntos”.

Além das histórias de Nacibinho e da infância do pequeno Aziz e seus irmãos, descobrimos que o Professor Aziz tinha uma verdadeira paixão por conhecer melhor os países árabes. Paixão essa que ele concretizou parcialmente em uma viagem feita com sua esposa Cléia e outros amigos da comunidade árabe, na década de 90. Dessa viagem ele trouxe na bagagem centenas de fotos que revelou e guardou por muitos anos. Ao apresentá-las para a diretoria do Instituto em uma ocasião em que fazíamos uma reunião na USP, ele falou da importância de mostrar essas fotos e fazer uma análise comparativa do solo, do relevo, do clima e do povo brasileiro com o que ele viu e conheceu no Líbano, na Síria e no Egito. O resultado foi, depois de alguns anos de elaboração, a exposição “Imagens e Paisagens do Mundo Árabe e o Brasil de Aziz Ab’Saber” que o Instituto da Cultura Árabe expôs na Caixa Cultural. Passados alguns anos da fundação deste Instituto, o fato marcante foi ouvi-lo dizer “Eu agradeço ao ICA (assim ele chamava carinhosamente) que me ajudou a resgatar a memória, a trajetória e a lembrança de meu pai e de minha família e permitiu que eu falasse sobre isso”.

O Professor Aziz nos mostrou que a busca e a difusão do saber eram a vida dele. Nunca se negou a dividir e compartilhar o que sabia e o que aprendeu. Nunca se negou a dividir o que podia. Paralelamente a isso construiu e ajudou a construir, deu ideias, deu apoio e, principalmente, deu sua amizade incondicional. Talvez não tenhamos ainda compreendido toda a dimensão do que ele nos deixou em gravações e escritos que buscaremos compilar e divulgar ao publico. Certamente temos um legado que persistirá e que nos norteará em nossa caminhada, pois seu pensamento e sua força inspiram e permanecem presentes.

Aziz Ab’Saber, presente e muito vivo!

(*) Soraya Smaili (Presidente do ICArabe, gestão 2004-2008) e Michel Sleiman (Presidente do ICArabe, gestão 2008-2012)
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/