quarta-feira, 30 de maio de 2018

Estado Assassino - por Latuff

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Michael Löwy: A descoberta do último Marx - Michael Löwy,

Michael Löwy: A descoberta do último Marx
"Karl Marx não era dos que se aposentam da revolução: continuou pensando, escrevendo, lutando, até seu último suspiro. A morte interrompeu um extraordinário processo de reelaboração, de reformulação, de reinvenção do materialismo histórico e da teoria da revolução."

Os últimos anos da vida de Marx costumam ser vistos como um período em que ele já teria saciado a própria curiosidade intelectual e parado de trabalhar. O novo livro de Marcello Musto que a Boitempo lança agora no bicentenário do barbudo chega para desfazer de uma vez por todas essa lenda e abrir novos caminhos para impulsionar o pensamento crítico e a transformação social hoje! A partir do estudo de manuscritos que vieram a público recentemente e ainda não foram traduzidos do alemão nem publicados em livro, O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos (1881-1893) demonstra como Marx passa a se interessar por antropologia, pelas sociedades não ocidentais e pela crítica ao colonialismo europeu. Ele defende que por trás disso, não havia, como se tem dito, mera curiosidade intelectual, mas o propósito teórico-político de alargar e refinar a compreensão do capitalismo. Confira, abaixo, o que Michael Löwy tem a dizer sobre o livro.Marcello Musto vem ao Brasil para uma série de debates de lançamento da obra em três diferentes estados. Saiba mais ao final deste post!

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Karl Marx não era dos que se aposentam da revolução: continuou pensando, escrevendo, lutando, até seu último suspiro. Muitos pesquisadores – inclusive quem vos escreve – se interessaram pelo jovem Marx; outros preferiram estudar a grande obra “da maturidade”, O capital. Marcello Musto, no formidável livro O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos, é o primeiro a analisar com profundidade o “último Marx” (1881-1883), descobrindo as fascinantes pistas que abriu, em seus derradeiros anos, o grande adversário do capitalismo. Conhecido por seus excelentes trabalhos sobre a história da Primeira Internacional, Musto explora o novo material publicado pela MEGA (a nova edição das obras completas de Marx e Engels), assim como documentos e cadernos de notas ainda inéditos, para examinar estas pistas: a antropologia, nos famosos mas pouco estudados Cadernos etnográficos; as formas pré-capitalistas de propriedade comunal; o colonialismo; os desenvolvimentos econômicos e sociais em países não ocidentais, tais como a Rússia, a Argélia e a Índia.

O quadro que esses escritos – certo, inacabados e não sistemáticos – vão desenhando é de um Marx extraordinariamente “heterodoxo”, isto é, pouco conforme com o marxismo pseudo-ortodoxo que tanto estrago fez no curso do século XX. Um Marx que critica impiedosamente o economicismo, a ideologia do progresso linear, o evolucionismo, o fatalismo histórico, o determinismo mecânico. A morte interrompeu um extraordinário processo de reelaboração, de reformulação, de reinvenção do materialismo histórico e da teoria da revolução.

Um dos exemplos mais impressionantes da “heresia” do velho Mouro são seus últimos escritos sobre a Rússia, em particular a carta, com seus rascunhos, a Vera Zasulitch. Em 1881, essa jovem revolucionária russa havia consultado o autor de O capital sobre o futuro da tradicional comuna rural no país dela. Na resposta, Marx manifesta sua simpatia pelos integrantes do movimento Narodnaia Volia (A Vontade do Povo) e avança a hipótese de um caminho russo ao socialismo, que pudesse evitar a esse povo todos os horrores do capitalismo. Um caminho que se apoiaria nas tradições coletivistas “arcaicas” da comuna rural russa para desenvolver um processo revolucionário ao mesmo tempo antitsarista e anticapitalista – em associação com a revolução social nos países industrializados da Europa.

Este belo livro de Marcello Musto confirma, mais uma vez, que a obra de Marx é um arsenal inesgotável de armas não só para entender mas também, e sobretudo, para transformar a realidade. Na verdade, mais que uma “obra” acabada, é um imenso canteiro de obras, que segue aberto e em expansão…

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“Todos nós estamos rediscutindo Marx. Dentre a vasta literatura existente, o novo trabalho de Marcello Musto se destaca como uma cuidadosa análise contextual dos últimos escritos e contributos de Marx para a nossa compreensão do mundo – ontem, hoje e amanhã. O velho Marx é uma obra excepcional e essencial para todos nós.” – Immanuel Wallerstein

Michael Löwy, sociólogo, é nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, e vive em Paris desde 1969.
 
 

FORA TEMER - por Latuff

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Marx, 200 anos: como reinventar a emancipação? – por Luisa Barreto

Marx, 200 anos: como reinventar a emancipação?
Em Berlim, Toni Negri, Michael Hart e novos movimentos debatem: por que “primaveras” de 2011-2013 fracassaram? Pode-se combinar horizontalismo com construção de programas e estratégias?

No início de maio, aconteceu em Berlim o Congresso Marx200: Política – Teoria –Socialismo, na Fundação Rosa Luxemburgo, em cooperação com o Teatro HAU Hebbel am Ufer. Foram quatro dias de extensa programação sobre a vida e obra de Karl Marx, em comemoração dos 200 anos de seu nascimento, em 5 de Maio de 1818. Foram dezenas de workshops, palestras e eventos paralelos como a exposição: Revoltem-se! Maio de 68/Poder e Impotência de uma Utopia (Empört euch! Mai 68/ Macht und Ohnmacht einer Utopie). Autores foram convidados para falar a partir das mais variadas perspectivas dentro da chamada crítica pós-marxista, temas atuais como o colonialismo, o feminismo e os movimentos sociais contemporâneos.

O evento, um painel a demonstrar que Marx revive principalmente na crítica pós-colonial e feminista, não se restringiu aos debatedores europeus. Estiveram lá pensadores árabes, latino-americanos, japoneses, africanos, indianos, chineses, que abordaram uma ampla diversidade de temas em composição com conceitos fundamentais da obra de Marx, como luta de classes hoje, relação entre Estado, sociedade e democracia; trabalho, antropologia. Outros temas presentes: Marxismo e feminismo, Psicanálise e Marxismo, Marx no Japão, Cyber-Marx, Marx na China, na África do Sul, Ecossocialismo e mostraram a força do pensamento marxista hoje.

Kavita Krishnan, secretária da Associação das Mulheres Progressistas da Índia (All India Progressive Women’s Association – AIPWA), membro do Partido Comunista da Índia – Marxist-Leninist (CPI-ML) e editora da revista Liberation falou sobre a revolta dos Dalits e a luta contra o fascismo, resistência e imaginação política, numa mesa sobre Linhas de Fuga da Perspectiva Socialista/Comunista e Utopia (Die Fluchtlinien sozialistisch/kommunistischer Perspektive und Utopie). Discussões sobre como a tradição marxista é transposta para outros contextos e quais os usos que se faz da interpretação sobre as relações entre Estado e sociedade na China, com Zhang Shuangli, da Universidade de Fudan e da Universidade de Shanghai, tiveram destaque na programação, assim como a palestra Marx Global, Classes e Política com Gayatri Spivak. Essas não foram as únicas mulheres; a presença feminina foi marcante em todas as mesas e debates.
 
Hardt e Negri: perguntas que importam

Não por acaso a palestra inaugural foi proferida por Michael Hardt, filósofo político e teórico literário conhecido pelos livros que escreveu com Antônio Negri, especialmente, a trilogia Império (2001), Multidão: guerra e democracia na era do império (2005) e Bem-Estar Comum (2016). Intitulada Assembly (para nós assembleia ou reunião), o assunto pairou em todas as discussões posteriores sobre como pensar resistência, utopia e imaginação hoje, e como desempoar o vocabulário da esquerda marxista trazendo-o para as lutas contemporâneas.

Assembly (2017) também é título do mais recente livro de Hardt e Negri, ainda sem tradução para o português. O livro não deixa de ser contíguo aos outros e nasce da pergunta que permaneceu em suspenso para os autores desde os movimentos globais contra governos autoritários e o neoliberalismo, que eclodiram desde 2011, numa linha temporal que segue até hoje. A onda iniciada com a Primavera Árabe em 2010 e atingiu países como a Tunísia, Egito, Líbia e outros do Oriente Médio e da África; que reverberou no 15-M, na Espanha e no Ocuppy Wall Street, desde 2011; e nas Jornadas de Junho de 2013 no Brasil, para citar alguns, repercutiu nos movimentos estudantis mundo afora, na revolta dos Dalits na Índia, no Black Lives Matter, no Ni Una Menos.

A pergunta que Hardt colocou na inauguração do evento foi: “Por que esses movimentos, que expressaram tantas necessidades e desejos não foram capazes de realizar as mudanças que estavam buscando?”

Ela leva a retomar questões sobre liderança e estratégia, dois pontos críticos na obra dos autores e que vez ou outra retornam na crítica aos escritos deles. Hardt reforçou que, principalmente após a eleição de Donald Trump, a pergunta se tornou inevitável e emergente, já que os protestos não parecem mais suficientes.

Muito se argumenta hoje em dia, a partir do conceito de multidão tal como elaborado por Hardt e Negri, se a falta de projeto claro a ser sustentado pelas revoltas e manifestações não é uma característica da própria horizontalidade dos movimentos atuais, que lutam contra temas diversos, porém imbrincados, sendo extremamente árdua a tarefa de criar um projeto que se efetive e concretize numa reorganização estratégica da esquerda global.

Onde estão os novos Rudi Dutschke, Martin Luther King, Antonio Gramsci, Nelson Mandela, Che Guevara e a própria Rosa Luxemburgo? – perguntou ele. Afinal, precisamos ou não de líderes carismáticos como os de outrora? O sentido de urgência desta pergunta não tem a ver com não reconhecer a potência e as ações dos movimentos que irrompem mundo afora, mas com recolocar a questão sobre o que significa assumir uma posição de liderança e quais seriam os requisitos e perigos de incumbir-se deste lugar, uma vez que ser um líder carismático é assumir uma posição de risco, disse o autor.

Eis aqui o paradoxo que emerge da própria questão e também dos livros escritos pelos autores. A tendência a recusa das formas centralizadas de liderança da esquerda tradicional, associadas ao elogio a multidão resultaram numa rejeição a autoridade, à liderança e, em consequência, na recusa a organização. Nos movimentos sociais dos últimos 50 anos, feministas, estudantis, dos trabalhadores, a posição de liderança foi duramente atacada e criticada, dentro dos próprios grupos, especificamente no que diz respeito à centralização da figura do líder, fato que deu início a uma série de práticas de democratização dentro dos próprios grupos, como garantir que todos falem, organizar assembleias e coordenar narrativas nas redes sociais e meios de comunicação.

Hardt citou o movimento Black Lives Matter, que vem constantemente rejeitando ou ao menos problematizando o modelo do líder carismático masculino, tão celebrado na história do movimento negro nos Estados Unidos, na forma de um acionamento do sistema imunológico do próprio movimento, como mecanismo de proteção e defesa das figuras proeminentes que coreografam ações e discursos através das mídias sociais. E não somente, mas também como estratégia de contenção do avanço de alguma figura, em particular, que se torne a representação do grupo como um todo, suprimindo a comunicação democrática e horizontal.

A relevância deste ponto na fase atual da obra de Hardt e Negri demonstra a necessidade de desatar o nó, até então amarrado, sobre a confusão entre criticar a posição de liderança e disto ter sido traduzido muitas vezes como recusa da organização, das instituições ou como falta de projeto político. Afinal, o lugar da liderança pressupõe uma certa expertise, capacidade de monitoramento sobre os movimentos da polícia e da própria multidão, de comunicação, de ouvir e aplicar ideias discutidas em comum, estratégias de defesa e de proteção, ou seja, ainda que esta capacidade que se aplicava geralmente a figura do líder seja generalizada pelo próprio intelecto geral, a multidão precisa se tornar multidão estratégica, disse Hardt.

Estratégia, nesse sentido, como uma forma de entender a própria liderança e como habilidade de tomar decisões, ter uma visão ampliada das questões em disputa, buscar uma continuidade para projetos de longa duração. Diferente, portanto, de tática, cujo campo de ação tende a ser temporal e espacialmente limitado. A questão da generalização da habilidade é fundamental, pois ainda que se tenha como pressuposto a democratização dos movimentos e a não concentração da tomada de decisão ou da definição da estratégia na figura do líder, é a generalização da habilidade de criar e de dar continuidade às estratégias criadas coletivamente que estão em jogo. Ou seja, o movimento centrífugo da multidão, que teria como partitura e ponto de partida o próprio intelecto geral, seria ou deveria ser radicalizado a partir da capacidade de criar estratégia.

Logo, a multidão estratégica seria a fundação da assembleia, estrutura e base das ações de resistência hoje, tendo como ponto de partida a inversão das funções comumente associadas a estratégia e a tática. A estratégia, nas palavras de Hardt, deveria ser função da multidão e dos movimentos e a tática deveria limitar-se à liderança. Multidão-estratégica e liderança-tática seriam os polos constitutivos de movimentos como o chamado municipalismo espanhol e o partido político Podemos, fundado na Espanha em 2014, o movimento Ni Una Menos na Argentina e o Diem25, Democracia na Europa 2025, movimento político pan-europeu de esquerda fundado por Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia.

No Brasil crescem não só os movimentos organizados como a Frente Povo Sem Medo (FPSM) e o MTST, mas lideranças como Marielle Franco, Sônia Guajajara, Davi Kopenawa Yanomami, Raoni Metuktire, Guilherme Boulos, Manuela D´Ávila, Jean Wyllys e tantos outros mais ou menos populares, mais ou menos escondidos. Seriam eles líderes estratégicos e carismáticos?

Após um breve apanhado das questões que motivara os primeiros livros, como os conceitos de produção social ou biopolítica, multidão, comum, Hardt tocou no conceito de empreendedorismo da multidão, “o mais irritante do último livro”, segundo ele. O termo, que nos transformou em empreendedores de si endividados, saturado pelo discurso neoliberal e pilar da crítica ao capital humano, foi reformulado pelos autores com novo sentido. Hardt afirmou a necessidade de restaurar o vocabulário da esquerda capturado pelo discurso econômico, como democracia e amor, fazer novo uso de conceitos que vem sendo apagados, negativizados ou substituídos. Empreendedorismo, longe de ser um vocabulário da esquerda, traz em si a ideia de empreender, criar. Segundo o autor, não há nada em comum com preencher um lugar deixado vazio pelo Estado; empreender, nesse sentido, não tem a ver com iniciativa privada, inovação, nem com uma forma de ascensão do precariado.

Como organizarmo-nos contra o avanço conservador e como empreender novos mundos? São as perguntas antigas com as quais estamos lidando em momentos como o atual. A palestra, muito bem amarrada e dentro do tempo, acabou com a dúvida também antiga: protesto e resistência são suficientes do ponto de vista estratégico e da construção de novos modos de vida?

As perguntas feitas ao autor ao final levantaram questões importantes sobre como estamos lidando com a ascensão dos líderes carismáticos de direita, e com o crescimento do conservadorismo em tempos de revolta da multidão. O papel do intelectual público, o qual Hardt e Negri exercem, foi questionado e colocado como forma de ausência de responsabilidade e de criação de estratégia. Ao final, com todos já cansados e sem respostas, pairou uma atmosfera de dúvida onde havia, de fato, mais perguntas que respostas. Michael esboçou uma justificativa, dizendo que seu lugar é o de trabalhar com os movimentos e aprender com eles, working with e learning from. Serão os próximos conceitos a serem tratados pelos autores os de risco e de responsabilidade?

FORA TEMER E PARENTE - por Latuff

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No triplex do juiz - por Jota Camelo

 

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Resistir é preciso, Palestina Vive !!!

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Israel: 70 anos de brutalidade - por Greg Shupak

Israel: 70 anos de brutalidade
Desde a criação do Estado hebreu, palestinos são expulsos de suas casas, presos, torturados, mortos e submetidos a violência econômica grosseira. É a “nakba”. Poderia ser a “solução final” de Hitler

Em 14 de maio de 1948, setenta anos atrás, Israel lançou sua “declaração de independência”. Desde então, todo dia 15 de maio tem sido o Dia Nakba quando os palestinos marcam a limpeza étnica sofria por seu povo depois da criação de Israel. [Nakba é uma palavra árabe que significa “desastre” ou “catástrofe”, termo similar a shoá em hebraico, que os judeus utilizam para designar o massacre nazista – nota OP]. Este Dia Nakba foi marcado pela Grande Marcha de Retorno, uma grande mobilização em massa até a cerca que Israel ergueu para separar Gaza e Israel, para manifestar seu desejo de passar pela barreira. Até o momento, Israel já matou pelo menos 52 manifestantes palestinos, no que a Anistia Internacional chamou de “uma violação repugnante da lei internacional”, envolvendo “o que parecem ser assassinatos intencionais, que constituem crimes de guerra”.

Como outros estados coloniais, Israel pretende asfixiar a vida social das populações dos territórios ocupados que procura dominar. Esse imperativo é particularmente urgente no caso de Israel, onde as populações judias e não-judias são de tamanho equivalente e a terra em questão é relativamente pequena. A negação discriminatória de direitos estende-se aos palestinos em outros países -são cidadãos de segunda classe em Israel, sob ocupação, na diáspora ou em campos de refugiados. Todos são impedidos de retornar às suas casas através do uso da violência e com a ajuda decisiva dos EUA.

A mensagem inconfundível para os palestinos de todas as gerações, desde antes da Nakba até a Grande Marcha de Retorno, é que a menor resistência ao etnoestado erigido em sua terra natal será combatido com prisões e mortes.

Anatomia da repressão
A violência israelense permeia todos os aspectos da vida dos palestinos, com estratégias de controle que assumiram uma variedade de formas ao longo do tempo. Para criar o Estado em 1948, as forças sionistas expulsaram 750.000 palestinos de suas casas. No processo, realizaram cerca de dez massacres em grande escala, cada um com pelo menos cinquenta vítimas, juntamente com cerca de cem massacres menores. As forças dos paramilitares israelenses  mataram palestinos em quase todas as suas aldeias, despejando repetidamente os corpos das vítimas em covas, antes da oficialização do Estado de Israel. Em várias ocasiões, milícias sionistas mataram crianças e estupraram mulheres palestinas.

Atrocidades semelhantes continuaram nos primeiros anos do Estado de Israel. Em 1953, as forças israelenses massacraram 69 aldeões palestinos em Qibya, depois de alegarem “infiltração” do território israelense por refugiados palestinos. Durante o conflito de Suez, três anos depois, eles mataram 48 trabalhadores palestinos em Kafr Kassim; 275 civis palestinos em Khan Yunis e num campo de refugiados próximo; em seguida, mais 111 palestinos no campo de refugiados de Rafah.

Depois de 1967, com o estado de Israel consolidado, o governo começou a perseguir o que Tariq Dana e Ali Jarbawi chamam de “sonho de uma ‘Grande Israel’ com o máximo de terra e o mínimo de árabes”. Mais de 350.000 palestinos foram expulsos de suas casas, enquanto Israel ocupava a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental (assim como as Colinas de Golan da Síria e o Sinai do Egito). Quase 600.000 colonos adentraram ilegalmente nos territórios ocupados com o apoio do Estado. E os massacres de palestinos em Israel continuaram desde então: no verão de 2014, Israel matou 2.251 palestinos – incluindo 1.462 civis e 556 crianças – durante a fúria assassina chamada Operação Margem Protetora. Como observou o estudioso canadense Nahla Abdo, a violência dos palestinos deve ser vista no contexto dessa “relação assimétrica” entre os dois lados.

Enquanto isso, aos palestinos nos territórios ocupados é sistematicamente negado o devido a processo legal: mantidos sem julgamento em detenções administrativas ou submetidos a processos militares e rotineiramente torturados. Tal tratamento estende-se às crianças palestinas, sujeitas a práticas que, nas palavras da UNICEF, “resultam em tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante, de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção contra a Tortura”, incluindo ameaças de “morte, violência física, confinamento solitário e agressão sexual, contra si mesmos ou um membro da família”. Atualmente, existem mais de 6.000 presos políticos palestinos em prisões israelenses.

Quando os palestinos não estão sendo algemados, torturados, bombardeados ou abatidos, eles vivem sob a ameaça contínua de tais ações. Depois da guerra de 1967, Israel estabeleceu um regime para examinar tudo, desde oficinas palestinas que fabricam móveis, sabão, tecidos, produtos de azeitonas e doces, até listar quantos televisores, refrigeradores, fogões a gás, pomares, animais e tratores os palestinos possuem, muitas vezes censurando livros, romances, filmes, jornais e panfletos políticos.

Expropriação econômica
A violência econômica – a expropriação da riqueza palestina e a destruição da capacidade dos palestinos de se sustentarem – marcou o tratamento de Israel aos palestinos desde o início do Estado israelense. Nos anos imediatamente posteriores a 1948, Israel adotou políticas destinadas a confiscar e controlar a terra palestina, destacadamente com a Lei da Propriedade Desocupada de 1950, pela qual Israel garantiu para si 90% da terra, designando como “desocupada” toda terra que os palestinos tivessem sido obrigados a abandoar devido repartição conduzida pelas Nações Unidas em 1947.

Os assentamentos israelenses são construídos em áreas ricas em recursos, projetados para explorar a água palestina e a terra arável – uma política que aumenta os recursos de Israel e priva os palestinos de desenvolvimento econômico. Após a ocupação de 1967, Israel construiu um regime econômico destinado a incorporar a economia palestina à economia de Israel, tornando seu governo colonial um empreendimento barato e, ao mesmo tempo, frustrando o desenvolvimento econômico palestino. Entre as medidas adotadas estavam o fechamento de instituições financeiras e monetárias árabes, a imposição da moeda israelense, a proibição de exportações e importações, exceto através de fronteiras controladas por Israel, a imposição de altos impostos (alfândega, imposto de renda, IVA), quase nenhum investimento em infraestrutura nas áreas palestinas, licenciamento restrito para atividades industriais e controle sobre comunicações, recursos de eletricidade, água e recursos naturais. As políticas israelenses transformaram o mercado palestino num mercado cativo, que se tornou um conveniente lixão para produtos industriais israelenses de má qualidade que não podiam competir com os fabricantes dos países industrializados da Europa e EUA. Isso não só trouxe grande lucro para a economia israelense, mas igualmente formou uma nova classe de capitalistas israelenses, cujas principais atividades industriais foram projetadas para os territórios ocupados.

Assim, as políticas israelenses provocaram uma deterioração da base econômica palestina e criaram uma dependência estrutural à economia de Israel, na medida em que o Estado ocupante controla os principais pontos nodais da atividade econômica, como fronteiras, terras, recursos naturais, comércio, movimentação de mão-de-obra, gestão fiscal e zoneamento industrial. Por mais de uma década, além disso, um brutal cerco militar combinado entre EUA e Israel e o Egito dizimou Gaza, a ponto de em breve a região ser inabitável. Militares e colonos de Israel arrancaram centenas de milhares de oliveiras palestinas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e nos primeiros anos do milênio o exército israelense arrasou quatro milhões de metros quadrados de terra cultivada.

A Grande Marcha do Retorno
Desde o início da Grande Marcha do Retorno, em 30 de março, Israel matou dezenas de palestinos e feriu quase 4.000. Nenhum israelenses foi morto ou ferido. O poder da Marcha é que ela chama a atenção para a ilegitimidade de manter artificialmente uma maioria demográfica judaica na Palestina histórica. Enquanto massas de palestinos aproximam-se da cerca entre Gaza e Israel, os manifestantes personificam a “ameaça” de palestinos retornando a seus lares e vivendo em uma Palestina-Israel que não pode ter como premissa manter os palestinos fora e perpetuamente apátridas -como refugiados ou como uma minoria oprimida dentro de Israel.

Os manifestantes estão, em suma, tentando afirmar, pelo menos temporária e simbolicamente, seu direito à sua terra, identidade, nacionalidade, liberdade -o que as negociações com Israel e seu patrono norte-americano não produziram até hoje.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Largo do Paissandu: quem precisa de ordem de despejo afinal? por Latuff

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O ano em que o velho mundo balançou - por Jean Tible

O ano que o velho mundo balançou 
Estudantes manifestam-se na Cidade do México, em setembro de 1968. Protesto espalhou-se pelo mundo, na forma de lutas da juventude e do acirramento das guerras de libertação, no Terceiro Mundo

Há meio século, um vírus de desobediência contagiou o planeta. Todas as hierarquias foram postas em xeque. Mas 1968 está sendo? Onde foi parar sua explosão inventiva?

A barricada fecha a rua, mas abre caminhos.
Uma das frases símbolos dos muros de Paris em
maio de 1968.
68, uma revolução mundial.
Um vírus da desobediência contagiou todo o planeta: Paris, Senegal, Japão, Vietnã, Cidade do México, Praga, Estados Unidos, Palestina, dentre outros pedaços.
Uma explosão de vida. A palavra-chave: experimentação. Novos desejos, aspirações e conexões brotam e desabrocham em todos os cantos do mundo. Um novo espírito do tempo, tempo do mundo.

O que parecia sólido se desmanchou no ar, o que parecia estável vazou (ainda que somente por alguns dias, semanas, meses – mas os efeitos ainda nos atingem). Colonialismo, patriarcado, supremacia branca, capitalismo e socialismo autoritário bambearam. Ou pereceram ou se reorganizaram – e continuam sendo questionados por inúmeras ações. Apesar da diversidade de situações e países, um elemento comum: o anticonformismo – seja encarando uma ditadura militar, poderes coloniais, sociedades capitalista ou socialista. Tratou-se de uma irrupção em defesa do direito de discordar, da multiplicação de vozes, da polifonia.

Abrir as portas dos asilos, das prisões e das escolas foi outro lema-pixo forte. Ninguém mais quis cumprir seu papel social habitual, embarcando num êxodo de libertação e busca de novas vias: operários (ocupando fábricas e locais de trabalho), estudantes (tomando universidades), artistas e criadores (dando outros significados para seus espaços e práticas), camponeses (se levantando), negros (se sublevando), mulheres, gays, lésbicas e muitas outras (afirmando novos corpos). Fuga do trabalho e busca da vida. Isso tudo já vinha ocorrendo, mas em 68 se acelerou e se reforçou, encontrou e produziu novos caminhos, pessoas, coletividades. Inspirações.

Todas as autoridades foram questionadas e hierarquias postas em xeque: patrões, professores, pais, chefes, tiranos, colonizadores, padres, pastores, rabinos, irmãs, representantes culturais e midiáticos… Uma viralidade do dissenso, um deslocamento das dominações e opressões e uma afirmação das singularidades. Desejos de autonomia, de novas vidas: o levante de uma nova geração político-existencial. Político e existencial: quem separou um dia essas esferas? A revolução é uma eztetyka (Glauber Rocha, 1967). Política e vida, política e arte – a busca pelo fim da representação em ambas. Impossível separar. Política e jogo, política e humor, política e festa, política e prazer, política e psicoativos. Política é criação – o resto é burocracia. Só interessa o que é inventor: “o trabalho criador propõe uma nova sociedade” (Helio Oiticica).

1968 é também (e sobretudo!) uma insubordinação anticolonial nos países da periferia (Argélia, Vietnã, Angola, Cuba…) e nos do centro (Panteras Negras e muitas outras nos EUA e outras partes). O Vietnã (e sua heroica resistência de camponeses pobres contra o maior Império) constituíram um poderoso catalisador das imaginações subversivas. Criar, um, dois, mil Vietnãs, declamava Che Guevara. Reforçando os nexos política-cultura, Zé Celso desloca essa frase ao dizer que o “objetivo é abrir uma série de Vietnãs no campo da cultura, uma guerra contra a cultura oficial, de consumo fácil”. O oposto da morte é o desejo – práticas de descolonização dos corpos. No Brasil, 1968 são as lindas e corajosas greves de Osasco e Contagem, as irrupções estudantis e, também, uma busca coletiva para se libertar definitivamente do complexo colonial – conectando-se com a busca de Oswald de Andrade pela exportação de poesia (e não mais sua importação enlatada). Consideramos 1922 como início de uma revolução cultural no Brasil, nos disse Glauber Rocha em 1969.

1968 marca o início do nosso mundo contemporâneo. Uma revolução sempre acompanha-se das reações, da contrarrevolução, daí a reação-repressão por todos os lados nos anos seguintes. A economia se reorganizou e buscou capturar a inventividade expressada, os poderes viram um excesso de democracia (onde ela existia minimamente) e de demandas sociais e existenciais. A partir daí, as desigualdades entraram numa perigosa espiral de aumento generalizado, tendo o Chile de Pinochet como laboratório desse novo modelo (neoliberalismo). No Brasil, o contragolpe veio bem rápido: o golpe civil-militar de 1964 reforçou ainda mais seu autoritarismo com o AI-5 de 13 de dezembro de 1968, e, na sequência, milhares de pessoas punidas, cassadas, presas, torturadas e centenas de filmes, peças, livros, programas de rádio, letras de música, revistas censurados.

1968 está sendo? Continua sua explosão inventiva? Vive, creio, numa nova sensibilidade, numa transesquerda (Zé Celso), num protagonismo negro, feminista, dos trabalhadores e criadores, em sua rebelião sempre renovada. Os tempos são outros mas guardam semelhanças, no Brasil contemporâneo e alhures, e nos pedem: criemos com alegria e cuidemo-nos – só nos resta resistir e criar, reexistir.

SP - Vídeo independente do desastre na ocupação do Largo do Paissandu - por Juliano Angelin

SP - Vídeo independente do desastre na ocupação do Largo do Paissandu
“Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”.

Foi a frase que ficou na minha cabeça ao longo do dia.

Fiquei pensando sobre como é estar do lado detrás da câmera registrando um desastre desse.

Como registrar e comunicar o acontecimento e a situação sem chover no molhado e sem explorar a condição delicada dessas pessoas? Muitas vezes tive vergonha de mim por estar ali numa situação de privilégio, preocupado em pegar bons takes e entrevistas, enquanto as pessoas acabaram de perder sua moradia, seus pertences e seus entes queridos.

Por um momento tive a impressão de ser o único ali incomodado com esse comportamento carniceiro da mídia. Quer dizer, único não, havia um grupo de crianças revoltadas gritando para não serem filmadas ou fotografadas. Ainda assim, a mídia fez (e está fazendo) seu papel: espreme a ferida para o sangue jorrar.

Isso sem contar com as especulações e boatos sobre a causa do incêndio. Histórias confusas e até com requintes de crueldade. Cheguei a ouvir que um casal brigando ateou fogo num bebê de 5 meses e o incêndio começou (!!!).

Claro, para o senso comum, as pessoas que moram em ocupações são maníacos selvagens capazes dos atos mais terríveis.

E a história do aluguel… Realmente, aquelas pessoas pagavam para uma galera, que se dizia do movimento e que na hora do desastre evaporou, ninguém sabe onde está. E mais uma vez, depois de tudo, quem leva a culpa é o pobre. Já que essa história do aluguel vai ser mais um argumento para criminalizar os movimentos sociais e combater as ocupações.

Conversei com uma repórter que pediu para não aparecer no vídeo. Quando perguntei para ela “Será que a corda não vai estourar novamente para o lado mais fraco”, ela me respondeu com a pergunta “Você trabalha para quem?”

Quando questionei um jornalista que filmava, sem autorização e de forma bastante invasiva algumas crianças dormindo, ele se escondeu atrás da câmera e focou em mim, como se o equipamento de filmagem fosse ao mesmo tempo um escudo e uma arma que o tornasse invencível contra qualquer lei ou ética.

O cenário é bastante desolador e triste. Na volta para casa, passei pelo show da CUT (Central Única dos Trabalhadores), e não entendi como era possível haver aquilo ali, enquanto a poucos metros trabalhadores e trabalhadoras estavam sem ter onde dormir ou queimavam debaixo dos escombros.

Em entrevista, uma das sobreviventes disse chorando: “…Mas a vida continua“.

Voltei pensando: “Continua, mas nunca será como antes”.

> Assista o vídeo (06:42) aqui:


agência de notícias anarquistas-ana

que flor é esta,
que perfuma assim
toda a floresta?

Carlos Seabra

A tragédia no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, por @LatuffCartoons

Fonte: https://twitter.com/LatuffCartoons