terça-feira, 28 de maio de 2013

Morre Roberto Civita, criador da revista @VEJA - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Jornalistas do ‘Le Monde’ denunciam uso de armas químicas na Síria - Revista Forum

Jornalistas do ‘Le Monde’ denunciam uso de armas químicas na Síria
Substâncias químicas, retiradas ilegalmente da Síria pelos profissionais do Le Monde, estão sendo analisadas
Oposição a Assad é alvo de armas químicas, segundo jornalistas do Le Monde (Foto: http://www.flickr.com/photos/syriafreedom/)
O ditador Bashar al-Assad estaria utilizando armas químicas contra os rebeldes na Síria. A acusação não é uma novidade, porém, desta vez foi feita por jornalistas do Le Monde, que ficaram infiltrados no país durante dois meses.
Em reportagem publicada no último dia 27 de maio, o jornal afirma que o fotógrafo que estava no país ficou com a visão turva e com problemas respiratórios, após um ataque das tropas de Assad, em 13 de abril, no centro de Damasco.
Recentemente, o governo sírio acusou os rebeldes de utilizarem armas químicas nos ataques contra as tropas de Assad. O repórter e o fotógrafo infiltrados pelo Le Monde, afirmam que viram ataques químicos e que partiram das tropas do ditador.
“Logo começaram a ter dificuldades para respirar, às vezes de forma extrema, começaram a vomitar ou perder consciência. Os combatentes mais afetados precisam ser retirados antes de se sufocarem”, afirmaram os jornalistas.
Substâncias químicas, retiradas ilegalmente da Síria pelos profissionais do Le Monde, estão sendo analisadas, de acordo com uma autoridade francesa, que não teve o nome divulgado.

Fé Demais - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Por que a Suécia está em chamas – por Tom Peck

Por que a Suécia está em chamas
Sete anos de governos de direita desfizeram sonho de país justo e aberto. Desigualdade e violência policial crescentes atiçaram revolta dos imigrantes
A partir do instante em que Henrik Sedin controlou o puck, ainda bem atrás no próprio meio-campo, começou uma noite terrível em Estocolmo. Faltava pouco para as 22h, domingo passado, quando o time de superstars milionários conseguiu enfiar o puck no fundo da rede vazia do adversário: 5-1. Pela primeira vez em sete anos, e em casa, frente à própria torcida, a equipe sueca era campeã mundial de hóquei sobre o gelo.
O Ericsson Dome, na parte sul da cidade, foi ao delírio. Nos pubs irlandeses, nos elegantes quarteirões de Södermalm, rolaram rios de pints de cerveja Guinness.
Mas em Husby, subúrbio no norte da cidade, distante do centro, região superpopulosa onde vivem imigrantes, começava uma conflagração, em tudo diferente do que se via entre os suecos brancos ricos. Um shopping centre foi vandalizado e uma garagem incendiada, o que causou a evacuação dos moradores de um bloco de apartamentos. Quando a polícia chegou, foi recebida a pedradas por mascarados; dois policiais foram feridos. Num vídeo que chocou o país, um terceiro policial caído aparece sendo espancado e chutado; os agressores chutaram também a pistola que se vê no coldre do policial.
Quando o dia clareou, havia mais de cem carros incendiados; e quando os jogadores campeões erguiam a taça, em confraternização com o rei Carl XVI Gustaf no Kungsträdgården, à vista de 20 mil fãs, a Suécia já entrara na primeira manhã dos piores tumultos urbanos de toda a moderna história do país, que continuam.
Centenas de carros e dúzias de prédios foram incendiados, e há mais de 100 presos. Imagens dos policiais feridos e prédios em chamas, na rica, pacífica e igualitária Suécia, surpreenderam o mundo. Mas, para outros muitos, não foi surpresa. Há anos os sindicatos, trabalhadores dos serviços sociais, cientistas políticos, rappers, em confronto com número crescente de extremistas de direita, já contam o Conto das Duas Estocolmos – duas sociedades que coexistem numa mesma cidade dividida e não integrada. Mas nunca se vira oposição e contraste tão declarados quanto naquela primeira noite de fogo nas periferias, que sitiaram a festa do hóquei-sobre-o-gelo do centro.
Para quem estave em Londres há dois anos, os tumultos em Estocolmo são assustadoramente familiares. Há duas semanas, começaram a circular notícias da morte de um imigrante português, 68 anos, atacado pela polícia dentro do apartamento onde morava em Husby, depois levado ao hospital, onde morreu. Ele teria sequestrado uma mulher, refém no apartamento, e teria recebidos os policiais com um cutelo de açougueiro na mão.
Mas Megafonen, grupo que milita por mudanças sociais nos subúrbios de Estocolmo publicou fotos de um saco do tipo que a Polícia usa para remoção de cadáveres sendo retirado do mesmo apartamento, num carro que parte em seguida. Não uma ambulância: um carro. Mais tarde se soube que a dita “refém” era, de fato, o cadáver da mulher do imigrante português, de 30 anos. Segundo seu cunhado, o homem tinha na mão uma faca de cozinha, não um cutelo de açougueiro; e que tentava defender-se contra uma gangue de mascarados que dias antes perseguira ele e sua mulher. Quando a Polícia bateu à porta do apartamento, a mulher contara ao cunhado, o marido supôs que fossem os mascarados da gangue que os seguia; gritou para assustá-los, talvez um pouco assustadoramente demais; e foi morto a tiros pela polícia.
Ativistas de esquerda, alvo preferencial, hoje, da Polícia sueca, que os acusa de insuflar os tumultos de rua, dizem que quando essa versão dos eventos chegou aos subúrbios, ajudou a incendiar quatro anos de ressentimento contra a brutalidade policial – queixa já antiga e muito repetida nos subúrbios, onde já praticamente não se veem suecos brancos – e contra o desemprego alto e crescente, a sempre crescente desigualdade, a falta de oportunidades para todos.
Mas, dessa vez, os tumultos espalharam-se pela cidade, também para os subúrbios a oeste e ao sul de Estocolmo e para outras cidades – Malmö, Gothenburg, Örebro – onde escolas, restaurantes e delegacias de Polícia foram incendiadas. É difícil determinar as motivações originais. Mas, o que quer que fosse, na origem, o movimento já está hoje invadido por gangues de rua, pequenos delinquentes, ou grupos de mascarados que, simplesmente, tomaram conta dos bairros mais pobres. Parece que há algo de podre no estado sueco.
A escala dos tumultos não se compara ao que se viu em Paris em 2005 ou em Londres há dois anos, onde aconteceram em áreas distantes do centro das capitais. Na Suécia não houve mortos e houve baixo número de feridos. O pequeno subúrbio de Husby é local agradável de viver, construído para suecos ricos – que já não vivem ali. Nem de longe se parece com o conjunto habitacional Broadwater Farm, de Tottenham, marco zero dos tumultos em Londres.
Hoje, 80% dos que vivem em Husby, Estocolmo, são imigrantes, a maior parte dos quais ali chegaram como refugiados, escapados dos mais diferentes cantos do mundo em guerra – Iraque, Irã, Afeganistão, Somália, Curdistão e, mais recentemente, da Síria – atraídos pela propagada hospitalidade com que os suecos recebem refugiados. Mas o desemprego entre os jovens é alto, pelo menos para os padrões suecos: 6%.
“Estão dizendo que é por causa daquele homem que foi morto” – disse Sadiya, 13 anos, somaliana, que faz um curso de arte e artesanato no centro de Husby.  “Acho que querem chamar a atenção da Polícia. O pessoal que está fazendo essas coisas é pouco mais velho que eu. Por que se preocupariam com o desemprego? São crianças.”
Na parte externa do centro onde são dados os cursos, durante o dia, mesmo no auge dos tumultos, a vida prosseguiu praticamente normal. As floristas continuaram a vender suas flores, fileiras de pequenos vasos plantados, alinhados na parte externa da loja. Os prédios de apartamentos, todos de média altura, têm jardins externos, bem cuidados. Mas todos os vidros da estação do metrô estão quebrados. As paredes que protegiam um telefone público foram destruídas. Restou o telefone, preso a um poste, no centro do que parece ser uma piscina de vidros quebrados. Na rua, um ônibus articulado foi explodido e incendiado. Há fragmentos de metal e vidro por todos os lados. Os carros incendiados já foram diligentemente removidos pelas autoridades, mas a coisa aqui parece grande demais. Uma colega de Sadiya, Sagal, diz que ninguém ali consegue dormir já há três noites.
Todas as crianças que assistem às aulas, cerca de 25, nasceram na Suécia, mas só uma é filha de pais suecos. Todas as demais são filhas de pais africanos do leste ou do meio-leste da África.
“É difícil para nós” – diz Ann-Sofie Ericson, diretora da Escola de Artes da Cidade de Estocolmo que supervisiona a área. – “19% de nossas crianças abandonam a escola a cada ano. Vivo a 15 minutos de carro daqui. Meus vizinhos são iraquianos. Quando as pessoas chegam, vêm para bairros como Husby. Alguns arranjarão emprego, educação, depois se mudam. Alguns não conseguem sair.”
Quase não há pobreza absoluta, mas não é a pobreza absoluta que alimenta os tumultos e levantes urbanos. A sociedade sueca, afamada por ser igualitária, com oferta excepcional de bem-estar para todos, foi construída por 40 anos de governo da democracia social , dos anos 1930s aos anos 1970s. Mas umcrash econômico no início dos anos 90s, e o governo de centro-direita que está no poder desde 2006 impuseram inúmeras restrições ao estado de bem-estar, apesar das condições econômicas relativamente benignas.
Estudo recente da OECD revelou que a Suécia tem o mais rápido crescimento da desigualdade dos 34 países do grupo – e surpreendeu muita gente. Por isso, foi muitíssimo citado ao longo da semana que passou.
Como vários lembraram, os tumultos urbanos em Londres brotaram ao final de 30 anos de economia neoliberal de linha Thatcherita e da “Terceira Via” – com furiosa desregulamentação das finanças justificada pela ideia de que pouco importava aumentar a desigualdade social, se as condições dos mais ricos continuassem a melhorar.
O que se vê na Suécia é que a desigualdade crescente está gerando indignação e fúria também crescentes.
Em Husby, quando cai a noite – que em maio dura pouco mais de quatro horas –, grupos de jovens reúnem-se no centro, todos usando calças e camisetas largas. “Acho que tenho até sorte, por estar na Europa” – diz Baraar Mohamed, filho de somalianos, 15 anos, cujos pais garantem que não jogou pedras nem incendiou coisa alguma. – “Comparado ao pessoal na Somália, talvez seja sorte. Mas não fiz nada, nem ando com eles, e vivo aqui, e tenho de conviver com a brutalidade da Polícia, e não tenho a mesma sorte que outros suecos da minha idade. Eu sou sueco. Sou sueco.”
Ken Ring, rapper sueco de origem queniana, que cresceu e ainda vive no subúrbio de Valingby, onde grupos de jovens apedrejaram vagões do metrô e incendiaram carros na 5ª-feira à noite, concorda.
“Nunca estive em lugar algum, do mundo, onde as pessoas saibam o que é a realidade de viver na Suécia” – diz ele. “Quando veem fotos dos nossos subúrbios, dizem ‘não, não é Estocolmo. Deve ser Londres, Marselha.’ Estocolmo é hoje uma loucura…”
Hoje com 34 anos, Ring foi nome bastante conhecido nos anos 90s, quando foi preso depois de gravar umrap em que falava de invadir o Castelo Real e estuprar a princesa Madeleine, 3ª na linha de sucessão ao trono, e que se casaria em duas semanas. Por causa do casamento, havia mobilização policial extra. Mas, depois, se reabilitou. “Onde moro vejo crianças de 14, 15 anos usando heroína. Tenho um filho de 12. Há dois anos, outra criança apontou uma arma para a cabeça do meu filho e disse ‘olhe só, você, assim, fica mais fraco que eu’. É a Suécia hoje. E não era para ser assim.”
Não era. O herói do dia, surgido dos tumultos de rua, é um bombeiro, Mattias Lassen, atingido por pedradas quando tentava apagar o fogo em casas próximas de Husby, e que, depois, publicou uma carta aberta aos que o apedrejaram, pelo Facebook.
“Podem me chamar, se seu pai bater o carro e precisar de ajuda. Posso ajudar sua irmã, se a cozinha dela pegar fogo. E nado na água gelada, para salvar seu irmão pequeno, se ele cair do bote” – escreveu ele. – Também posso ajudar sua avó, se ela tiver um infarto. E posso até ajudar VOCÊ, se acontecer de você pisar em gelo fino no lago, num ensolarado dia de março.”
A maré de insatisfação cresce dos dois lados. Nas eleições gerais de 2010, o Partido Sueco Democrático – que faz campanha contra os imigrantes, regularmente descrito como partido de extrema direita, ultrapassou pela primeira vez a cláusula de barreira dos 4% de votos. Elegeu 20 deputados, para o Parlamento, de 349 cadeiras.
Na 6ª-feira à noite, com número extra de policiais nas ruas de Estocolmo, onde as coisas estavam comparativamente mais calmas, graves tumultos irromperam em Örebro, a quase 200 quilômetros a leste da capital; e em Tumba, no sul do país. Pela primeira vez, grupos de ‘vigilantes’ de extrema direita tomaram as ruas, depois de postarem fotos de membros do grupo, com rostos mascarados. Em Tumba, a Polícia prendeu 18 deles. A Polícia também está à caça de “uma pequena claque de agitadores profissionais de esquerda”, acusados de estarem viajando de cidade em cidade, usando carros particulares, disseminando táticas que conhecem bem, como destruir calçadas para soltar as pedras, e provocando agitação por onde passam.
A grande maioria dos presos durante os primeiros dias de tumultos de rua já foram libertados. O primeiro a comparecer ante o juiz foi um arrependido e trêmulo jovem de 18 anos. “Nunca deveria ter-me juntado a eles” – disse ele. – “Queria ser bombeiro. Agora, acho que nunca conseguirei.”
Ontem, em Åkersberga, 60 quilômetros ao norte do centro de Estocolmo, ainda havia incêndios de carros à luz do dia, com a Polícia perseguindo grupos suspeitos, em helicópteros. Ken Ring, embora condene firmemente a violência geral, ainda tem esperanças. “Essas coisas ajudam a chamar a atenção. Os jornais falam, as televisões mostram. O governo não poderá deixar de ver o que está acontecendo.”
Depois que acabarem os incêndios provocados, com os ativistas de esquerda, os extremistas da direita fascista e os imigrados irados já julgados em tribunais justos, talvez, então, sim, o mundo perceba o que muitos suecos já perceberam: desde os anos neoliberais, as coisas na Suécia já não são o que parecem.
The Independent | Tradução: Vila Vudu

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Stand-up comedy: Obama diz que guerra contra o terror acabou! - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Charge do jornal Contraponto @Sisejufe: FUJAM! OS CUBANOS VEM VINDO! - por Latuff

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Uma charge para a Marcha das Vadias de Cabo Frio 2013 - por Latuff

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O campo libertário, hoje: radiografia e desafios (1ª parte) - Por Marcelo Lopes de Souza

O campo libertário, hoje: radiografia e desafios (1ª parte)
É bem verdade que vários debates vêm acontecendo, mas ainda falta muito para que certos dilemas e certos limites sejam enfrentados, entre os quais a persistente fragmentação do campo libertário, cujas fraturas não raro são realimentadas por intolerância, exclusivismo e sectarismo. Por Marcelo Lopes de Souza
Um exercício tipológico e sua(s) justificativa(s)
Uma questão básica por trás de qualquer exercício de construção tipológica é aquela referente à sua utilidade ou, mais especificamente, aquela concernente à famosa pergunta de Cícero: cui bono? Ou, em bom português: quem ganha com um tal exercício, e o quê?
A mim me parece que os libertários se conhecem a si próprios e o seu passado menos do que deveriam, e essa circunstância não contribui nem um pouco para fortalecê-los. A despeito de constituírem um universo heterogéneo, defenderei, aqui (como tenho defendido há muito tempo), que o pensamento e a práxis libertários — entendidos, de modo amplo, como não estando restritos ao anarquismo — formam, mesmo assim, um conjunto dotado de uma forte coerência à luz da história, ainda que nem sempre isso pareça evidente. O maior autoconhecimento dos libertários, ao se verem confrontados com uma proposta de interpretação que investe em uma unidade na diversidade (e sem sacrificar, realmente, nem uma coisa nem outra), é a primeira e maior justificativa para o exercício de construção tipológica que ofereço em seguida. A isso podemos acrescentar a sempre necessária reflexão sobre a conjuntura política, bem como o desejo, também sempre necessário, de apresentar o pensamento e a práxis libertários de uma maneira que seja inteligível para os “não iniciados”.
O moderno campo libertário, ou o campo libertário simplesmente (ou seja, deixando de lado esforços de duvidosa validade que insistem em apresentar certos pensadores de épocas pré-capitalistas como “libertários” ou mesmo “anarquistas” [1]), surge no século XIX com o anarquismo, muito especialmente com Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). [2] Aliás, pelo que consta, o adjetivo “libertário” (do francês libertaire) foi cunhado por um dos primeiros intelectuais libertários, Joseph Déjaque (1821-1864), em uma carta a Proudhon - o primeiro a reivindicar para si o qualificativo de “anarquista”. Todavia, acredito ser razoável dizer que, hoje em dia, e na verdade desde a segunda metade do século XX, o anarquismo dos clássicos (Proudhon, Mikhail Bakunin [1814-1876], Élisée Reclus [1830-1905], Piotr Kropotkin [1842-1921], Errico Malatesta [1853-1932] e outros), e que proponho chamarmos, doravante, de anarquismo clássico, não esgota, de modo algum, o pensamento e a práxis libertários. O neoanarquismo e o autonomismo, que serão apresentados e comentados mais adiante, devem ser vistos como manifestações mais ou menos distintas que, não obstante, preservam os traços essenciais do ethos libertário e do significado histórico do pensamento e da práxis libertários: o comprometimento simultâneo com a liberdade e a igualdade, com os direitos individuais e com os direitos coletivos, com o polo da autonomia individual e com o polo da liberdade coletiva; e, consequentemente, a “guerra em duas frentes” contra o binômio capitalismo + “democracia” representativa (corretamente identificada pelo filósofo autonomista Cornelius Castoriadis como uma “oligarquia liberal” [3]) e o “socialismo burocrático” (e suas raízes autoritárias no marxismo, chamado por Bakunin de “comunismo autoritário”). Tendo emergido na segunda metade do século XX, o neoanarquismo e o autonomismo surgiram em consonância com as especificidades de sua época; agir como se nada de realmente novo tivesse sido pensado depois de, digamos, Malatesta, equivaleria a negar a historicidade e congelar o pensamento. Assim, se é plausível que herdeiros (assumidos ou não) dos anarquistas do século XIX e da primeira metade do século XX tenham se afastado da herança clássica sem, apesar disso, deixar de ser libertários, é sensato admitirmos que o universo libertário vai além dessa herança. Acredito ser correto estabelecermos que o campo libertário, desde a sua constituição até os nossos dias, se tem feito representar por três grandes vertentes principais:
1) O anarquismo clássico, que foi a matriz fundadora. O anarquismo clássico, em si mesmo, já era bastante heterogêneo, em que pese nós podermos vê-lo, com o olhar retrospectivo e o benefício da distância no tempo, como estando costurado por toda uma série de convicções comuns, para além das diferenças entre mutualistas, coletivistas, anarco-comunistas e anarcossindicalistas: [4] entre outras, a crença na possibilidade de construção de uma sociedade sem “poder”, “leis” ou “autoridade”, crença essa que tem por base uma rejeição generalizante e um tratamento conceitualmente demasiado simplificado daquelas três ideias (excessivamente associadas ou reduzidas ao Estado e a instituições como a Igreja católica); e, também, uma certa obsessão pelo consenso e a desconfiança ou hostilidade em relação a decisões por votação e maioria (quase sempre vinculadas ou reduzidas à “democracia” representativa).
2) O neoanarquismo, que corresponde a uma revisão do legado clássico que, apesar de afastar-se desse legado em alguns pontos importantes, permanece, entretanto, reivindicando para si, explicitamente, a condição de ser um prolongamento dele. É o caso, por exemplo, de Murray Bookchin (1921-2006). Bookchin, mesmo tendo manifestado grande respeito pelo anarquismo clássico, em especial por Kropotkin, usou de seu direito de pensar com a própria cabeça, considerando as particularidades e exigências de seu tempo − o que o levou a discordar dos clássicos em alguns pontos importantes, como a propósito do uso muito restritivo (limitante e praticamente sempre negativo) do termo “poder” e no tocante às vantagens e desvantagens comparativas de “decisão por consenso” versus “decisão da maioria”.
3) O autonomismo, que, mesmo apresentando uma afinidade essencial com o anarquismo (a supramencionada “guerra em duas frentes” e toda uma série de convergências específicas), vai além do neoanarquismo em matéria de afastamento relativamente à herança clássica. No terreno filosófico, o mais importante formulador do “projeto de autonomia” foi, de longe, Cornelius Castoriadis (1922-1997). Castoriadis chegou mesmo, nas poucas vezes em que se referiu explicitamente ao anarquismo, a emitir opiniões um tanto injustas e demasiadamente simplificadoras, ainda que não de todo injustificadas (como aquela referente à “postura antiteórica” dos anarquistas, expressa em termos muito generalizantes por ele [5]). Convergente com a crítica bookchiniana da limitação anarquista clássica acerca da ideia de “poder”, a análise de Castoriadis, no entanto, é mais extensa e profunda que a de Bookchin, no tocante à construção de um conceito de poder suficientemente amplo a ponto de abarcar não somente o poder heterônomo mas, igualmente, o poder autônomo.[6] Para Castoriadis, a visão de uma sociedade sem nenhum poder e sem leis/normas é uma “ficção incoerente”; o que faz sentido, para ele, é empenhar-se na luta por uma sociedade sem dominação, sem assimetrias estruturais e sem hierarquias instituídas e sancionadas por um aparelho de Estado (cristalização de uma separação estrutural entre dirigentes e dirigidos). Seja lá como for, por mais que Castoriadis tenha avançado para além do anarquismo clássico em vários pontos − inclusive no que diz respeito a oferecer uma resposta suficientemente ampla, complexa e persuasiva ao marxismo também no plano teórico e filosófico −, é lamentável que, em parte por preconceito, em parte (e em decorrência disso) por desconhecimento, lhe tenham escapado inteiramente muitas das convergências (e mesmo antecipações embrionárias) dos anarquistas clássicos relativamente ao seu próprio pensamento.Uma tal tipologia, baseada em diversas variáveis específicas, em geral indicativas do grau de afastamento em face da herança clássica (por exemplo, a maneira como se conceitua “poder” e “lei”, a visão que se tem sobre o processo decisório ideal, a importância da ideia de “autonomia”, e assim sucessivamente), é, no entanto, apenas uma primeira aproximação. Além do mais, considera-se, aí, antes a evolução do pensamento libertário que o seu quadro atual, uma vez que, atualmente, o anarquismo clássico, via de regra, acaba sendo geralmente recuperado com alguma mediação imposta pelas lentes de nossa época. É conveniente, por conseguinte, complementar essa primeira aproximação.
Não posso, aqui, pretender dar conta de peculiaridades nacionais e muito menos locais, por falta de espaço ou, simplesmente, por desconhecimento em muitos casos, ao menos no que se refere aos detalhes. Talvez mais que qualquer outro campo do pensamento político (e da práxis), o libertário é extremamente variado (e notem que nem sequer estou a tratar daquilo que uma certa tradição estadunidense chama de right-libertarian, e que não passa, a rigor, de um ultraliberalismo, comumente bastante conservador e hiperindividualista [7]). A presente reflexão busca, em um nível bastante geral ou abstrato (mas nem por isso inútil, pelo contrário), ater-se aos traços mais característicos e predominantes que ressaltam da história de um pensamento e de uma práxis bisseculares. A despeito disso, e apesar de eu não poder incorporar particularidades e pormenores nacionais ou locais, é conveniente expandir, pelo menos um pouco, o quadro acima apresentado sob a forma de um trio, de modo a poder ter um panorama mais representativo da situação que temos especificamente hoje em dia, com isso logrando-se contemplar algumas vertentes particulares, determinadas divergências de detalhe e fenômenos que, por excelência, constituem ou correspondem a “zonas de transição”. Destarte, em uma segunda aproximação, o trio se transforma em um quarteto de categorias principais - que se desdobram, por sua vez, em subgrupos - e são complementadas pelos elementos que caracterizam, de modo bem menos claro, alguns outros fenômenos que, em sentido amplo, também parecem fazer parte da “nebulosa libertária” contemporânea:
1) Aqueles que retomam ou tentam retomar de maneira direta o anarquismo clássico: ainda que, aqui e ali, introduzam ou se vejam forçados a introduzir pequenas adaptações ou atualizações, muitos ativistas ainda buscam inspiração, basicamente, no anarquismo clássico. É o caso do chamado “anarquismo especifista”, por exemplo. Defendido pela Federação Anarquista Uruguaia (FAU) e recentemente um tanto influente também no Brasil, ele procura, bebendo sobretudo em fontes como os escritos de Bakunin e Malatesta, desenvolver um tipo de organização especificamente anarquista (daí o seu nome).
2) Neoanarquistas: os neoanarquistas compreendem autores e práticas bastante diferentes; se, parágrafos atrás, destaquei Murray Bookchin, seria, por outro lado, errado deixar de mencionar outros representantes, como Hakim Bey e Noam Chomsky. Cada um deles afastou-se da herança clássica de um modo particular, nem sempre muito consequente: Hakim Bey, a despeito de algumas ideias estimulantes e condizentes com nossa época (em sua flexibilidade e, também, em sua pirotecnia verbal, sem contar uma relativa incoerência), consegue mostrar-se um admirador de Fourier, Max Stirner e do “jovem Marx” (e de umas outras tantas coisas), em um ecletismo de fôlego curto; [8] Chomsky, brilhante e famoso linguista, também insiste em uma certa idealização do “jovem Marx” (decerto que parcialmente justificada), ao mesmo tempo em que não aprofunda muito a reflexão teórica de um ponto de vista especificamente anarquista (na verdade, as virtudes de seus escritos políticos são, acima de tudo, a clareza e o didatismo, mas sem grandes originalidade ou profundidade). [9] De todos os neoanarquistas mais conhecidos, Bookchin foi e ainda é o mais coerente, e também o que ofereceu contribuições particularmente produtivas em maior número, ainda que, às vezes, bastante controvertidas; entre elas, sua “ecologia social” (social ecology) e a sua polêmica estratégia do “municipalismo libertário” (libertarian municipalism).
3) Autonomistas: como tal podem ser entendidos tanto aqueles que, de um ponto de vista filosófico, refletiram sobre a ideia de autonomia em bases amplas e claramente libertárias (no sentido amplo que adoto para este adjetivo), quanto militantes (e pensadores-militantes) que, sem necessariamente cultivarem preocupações de ordem teórica, abraçam a “autonomia” como ideia-chave. No primeiro caso, temos o já citado Castoriadis; no segundo, ativistas de diversos movimentos sociais recentes ou contemporâneos (como os Autonomen alemães, que tiveram o seu apogeu na década de 1980; os autónomos espanhóis, que brilharam, sobretudo, na década seguinte; os [neo]zapatistas mexicanos, uma parcela dos piqueteros argentinos e outros tantos autonomistas latino-americanos). Infelizmente, o casamento entre teoria e prática esteve longe, ao menos até agora, de se consumar de modo satisfatório: enquanto Castoriadis, por razões cuja discussão extrapolaria os limites deste ensaio, praticamente abandonou o ativismo direto em favor de uma longa “pausa para reflexão” que se estendeu dos anos 1970 até sua morte (vale registrar que, entre os anos 40 e 60, ele foi, inquestionavelmente, um [pensador-]militante), na América Latina e na Europa das últimas décadas movimentos sociais que misturam referências e fontes anarquistas e marxistas, e às vezes dialogam com a própria obra de Castoriadis, têm reivindicado a ideia de “autonomia” em um sentido amiúde muito próximo do deste último, ainda que não raro permeado por algumas insuficiências e contradições. Ao mesmo tempo, muitos dos seguidores acadêmicos de Castoriadis se contentam com exegeses de seus textos e comentários às suas obras, “esquecendo-se” de dar a devida atenção aos movimentos que têm, certamente que com limitações e mil dificuldades, buscado defender, na prática, a autonomia.
4) Anarcopunks: os anarcopunks podem não ter uma grande relevância teórica (na verdade, o seu favorecimento de atitudes práticas e contundentes, frequentemente em detrimento do estudo sistemático das ideias e sua evolução, é proverbialmente conhecido), além de já não terem mais a mesma visibilidade que tiveram em outros tempos; ainda assim, por serem uma expressão libertária característica de nossa época, notadamente entre os jovens, merecem ser lembrados como uma vertente importante da práxis libertária. Versões diluídas ou repaginadas do movimento anarcopunk podem ser encontradas, hoje em dia, entre jovens que adotam (ainda que, às vezes, apenas vagamente) um discurso libertário, tendo assimilado, dos anarcopunks, alguns elementos estéticos e comportamentais. Contra esse ambiente, Murray Bookchin dirigiu as baterias de sua crítica, ao reprovar (em boa medida com razão, mas não sem uma certa rabugice) o que chamou de um “anarquismo de estilo de vida” (lifestyle anarchism), por ele contraposto ao “anarquismo social” (social anarchism). [10]
As quatro categorias acima delineadas possuem características bem distintas no que tange à nitidez, ao conteúdo programático ou, mesmo, à coerência interna. Enquanto eventuais remanescentes (no sentido, evidentemente, de simpatizantes ou aderentes extemporâneos) do anarquismo clássico são uma categoria que se refere a não mais que um resíduo, aqueles que retomam ou tentam retomar diretamente a herança dos clássicos, mas com algum tipo de preocupação de renová-la, não constituem, necessariamente ou sempre, um completo anacronismo (apesar de, em alguns casos, o grau de disposição para verdadeiramente repensar a herança clássica ou para dialogar a sério com os neoanarquistas e autonomistas ser pequeno). Parecem constituir, devido ao seu apego comum às referências clássicas, um grupo razoavelmente coerente. Os neoanarquistas e os autonomistas, em contraste, apresentam sérias diferenças internas, de tal maneira que, do ângulo da prática política, em vez de aproximação o que se tem é, na realidade, polêmica e afastamento (basta pensarmos nas duras críticas de Bookchin a Hakim Bey, bem como em outras polêmicas). Os anarcopunks, de sua parte, não formam propriamente um grupo distinto no que concerne ao pensamento libertário, dado que, para começo de conversa, sua contribuição, no terreno teórico ou da reflexão, como já disse, não foi expressiva; ao mesmo tempo, desenvolveram um estilo próprio - um estilo de vida e de ação sociopolítico-cultural -, e seria talvez injusto desprezar ou ignorar essa manifestação por conta, por exemplo, de uma crítica como aquela de Bookchin contra o lifestyle anarchism (crítica essa que, apesar de em grande medida válida e justificada, mostrou-se incapaz de compreender direito as angústias e potencialidades das manifestações do ethos libertário entre os mais jovens, no mundo das últimas décadas do século XX e deste início de século XXI).
Indo mais além dessas quatro categorias, encontraremos, em meio a vários movimentos sociais das últimas décadas, elementos libertários discursivos e práticos dispersos ou combinados com outros elementos, especialmente de origem marxista, conforme eu já tinha indicado parágrafos atrás. São os fenômenos de hibridismo que, de alguma forma, também precisam ser considerados como integrando ou impregnando a “nebulosa libertária”. Os movimentos sociais emancipatórios (ou, pode-se dizer também, as pessoas do povo que, por falta de oportunidade ou apetite, não cultivam preocupações de cunho teórico e tampouco têm interesse em perpetuar certas rivalidades históricas) têm sido, diversamente dos pequenos grupos de afinidade que gravitam em torno de organizações cristalizadas (em algumas situações, até mesmo petrificadas), um fascinante laboratório de experimentação para (re)aproximações entre elementos discursivos e práticos que costumamos, aqueles versados e interessados em teoria e história, a separar por meio de fronteiras nítidas - o que, especialmente nos dias de hoje, é, não raro, um exercício de ficção. Para o bem e para o mal, é preciso aceitar que, no que concerne ao universo dos movimentos sociais, as cartas são e vêm sendo reembaralhadas de um modo que, independentemente de ser deplorado ou saudado, não pode ser ignorado. Se, às vezes, seria desejável que houvesse mais aprofundamento e mais clareza quanto a origens, diferenças, pressupostos e implicações, por outro pode ser bastante saudável e promissor que ideias cuja génese foi distinta sejam postas em contato e, em meio a uma práxis, tenham a chance de se fecundar mutuamente.
No que diz respeito às aproximações (nem sempre conscientes) entre as “macrotradições” libertária e marxista (isto é, levando em conta a enorme heterogeneidade de ambos os campos), é preciso admitir, de toda forma, que sempre houve trocas e convergências. Não chego ao ponto de sugerir, como fez o neoanarquista Daniel Guérin, em seu valente (e não muito bem recebido) esforço para aproximar libertários (mais especificamente, anarquistas) e marxistas, que as polêmicas entre os dois grandes campos do pensamento revolucionário se baseariam, no fundo, em mal-entendidos (Guérin não reduz tudo a isso, é verdade, mas essa é a sua chave de interpretação privilegiada [11]); afinal, acredito ser imperativo reconhecer, até mesmo para benefício mútuo e honestidade no diálogo, as divergências reais que sempre existiram - e que subsistem ainda hoje, e que só deixarão de existir se um dos campos se dissolver. Mesmo assim, porque não reconhecer, como sugeriu Georges Gurvitch, a influência de Proudhon sobre Marx? [12] Ou a assimilação do materialismo histórico marxiano, a começar pelos ensinamentos de Economia Política, por Bakunin? [13] Os exemplos poderiam ser facilmente multiplicados: em seus últimos anos, Karl Korsch, um dos “conselhistas” (ou “comunistas de conselhos”) mais famosos, cogitava sobre uma espécie de fusão entre o marxismo e o anarquismo; e Murray Bookchin, que, assim como Castoriadis, teve origem no marxismo, rompeu com suas origens sem perder o respeito intelectual por Marx, como se pode ver pelo apreço revelado em um ensaio sobre o Manifesto Comunista. [14] Só que, com os movimentos sociais, não estamos mais testemunhando apenas esforços de aproximação ou diálogo, nem mesmo apenas “respeito intelectual e político” por uma tradição rival: o que há são, efetivamente, mesclas, nem sempre conscientes, resultando em hibridismos cujo valor, acima de tudo, deve ser determinado por sua produtividade histórica em meio a uma práxis. Tais hibridismos, tão bem representados pelos (neo)zapatistas mexicanos e por uma parcela dos piqueteros argentinos (e, também, por muitos Autonomen alemães, sobretudo nos anos 1980 e ainda nos anos 1990), são, seja lá como for, distintos dos exemplares e situações de oportunismo e “vampirização” do pensamento libertário que mencionarei no segundo artigo desta série, e que merecem ser criticados pela contrafação intelectual e política que, em maior ou menor grau, e com maior ou menor eficácia (confundindo e desarmando, até mesmo, não poucos libertários!), representam.
Controvérsias internas e divisionismo
Os libertários têm hoje, diante de si, um manancial de possibilidades, considerando que se concretiza perante seus olhos uma constelação favorável como não se concretizava desde os anos 1930, em meio à Guerra Civil Espanhola (mesmo levando-se em conta a criativa e confusa atmosfera de fins da década de 1960 e início da década de 1970): ao mesmo tempo em que o projeto neoliberal já vem mostrando, há muito, os seus limites práticos e a sua verdadeira e horrenda face antipopular, em meio a uma crise do capitalismo que atualiza as velhas contradições deste, o marxismo entrou, também ele, em uma crise não apenas prático-política (apressada, embora não propriamente iniciada com a implosão do “socialismo burocrático”), mas também de vitalidade teórica e filosófica. Não obstante isso, os libertários não parecem muito mais unidos, hoje, do que estavam no passado; de certo modo, estão até menos, a julgar pela proliferação de correntes e subcorrentes, pouco acompanhada de diálogos sérios e de investimentos de peso na construção de visões de conjunto, de articulações e de convergências intelectuais e estratégicas/táticas. Estariam os libertários aquém do momento histórico? Ou seria ainda prematuro oferecer um juízo assim tão severo?
Seja como for, é inegável que muito resta por ser feito − e os passos parecem ser, ainda, muito tímidos. Um interesse renovado pelas obras e biografias dos autores e lutadores do período clássico (de um Proudhon a um Kropotkin ou um Reclus, de um Bakunin a um Malatesta ou a uma Emma Goldman) pode ser constatado, no Brasil e em muitos outros países, e isso é um alento, já que o conhecimento dos clássicos é uma duradoura fonte de inspiração; por outro lado, me parece que, o mais das vezes, leem-se, sobretudo, pequenos fragmentos ou excertos, o que não propicia uma visão de conjunto sólida sobre as ideias e a sua história. Além do mais, é um pouco preocupante que a atitude perante os clássicos seja, muitas vezes, menos a de um necessário respeito que a de uma perigosa idealização, o que costuma ser a antessala do dogmatismo e do obscurantismo. Esquece-se que os clássicos, se merecem continuar a ser lidos e debatidos depois de muitas gerações (por isso mesmo são clássicos), não deixam, por essa razão, de ser homens e mulheres de seu tempo − como somos, de resto, todos nós, se me for permitido o truísmo −, e portanto com as limitações impostas pelo horizonte e pelas condições de sua época. Abster-se de apontar as diferenças entre eles e nós é tão anistórico quanto criticá-los sem levar em conta o contexto no qual escreveram, viveram e lutaram.
Há controvérsias internas que, caso não sejam enfrentadas e abraçadas como tarefa coletiva, mais podem envenenar que ajudar no autoaprimoramento. Para citar alguns exemplos: quais as relações possíveis (e necessárias?) entre “ação direta” e “luta institucional”, de acordo com a conjuntura? [15] Que tipo de relação se deve tentar estabelecer com o marxismo (aliás: com qual marxismo, deve-se precisar), atualmente − diálogo cauteloso, cooperação, confrontação ou o quê? Como evitar que o pensamento e a práxis libertários sejam vistos como, fundamentalmente, “coisa de gente jovem”, tal como hoje frequentemente ocorre, ao menos na prática (como se as ideias, atitudes e transformações pudessem ser circunscritas aos interesses de uma única faixa etária)? Como contribuir para aprofundar as análises teórico-conceituais e filosóficas (dos problemas econômicos à reflexão sobre a gestão e o planejamento das cidades) sem, todavia, resvalar para o teoricismo livresco e academicista, que tanto caracterizou grande parte do “marxismo ocidental”?
Não são muitos os que me parecem estar propondo essas e outras questões de modo explícito e abrangente, e também evitando um excesso de posições preconcebidas. É bem verdade que vários debates vêm acontecendo, mas tenho a impressão de que ainda falta muito para que certos dilemas e certos limites sejam verdadeiramente enfrentados, entre os quais eu desejo salientar a persistente fragmentação do campo libertário, cujas fraturas não raro são continuamente realimentadas por intolerância, exclusivismo e sectarismo. Enquanto isso, portanto, pululam as reflexões autorreferenciadas, isto é, que dialogam muito pouco (isso quando dialogam…) com outras tradições do próprio pensamento libertário. Dá testemunho eloquente desse divisionismo a maneira excessivamente severa com que Murray Bookchin foi tratado devido à ousadia de sua abertura para com a “luta institucional”, sob a forma de sua estratégia chamada de “municipalismo libertário”; amargurado diante de incompreensões e objeções feitas em tom nem sempre respeitoso, o grande libertário estadunidense preferiu, em seus últimos anos de vida, declarar-se rompido com o anarquismo, passando a denominar o seu enfoque de “comunalista”… [16]
Da minha parte, já me estendi, sobre a primeira das questões supramencionadas − quais as relações possíveis (e necessárias?) entre “ação direta” e “luta institucional”? −, em outra ocasião, [17] e ao lidar com a última questão venho tentando, há quase três décadas, dar alguma contribuição. Na continuação deste artigo, vou me concentrar na segunda daquelas questões: que tipo de relação se deve (ou se pode) tentar estabelecer com o marxismo, atualmente?
Notas
[1] Caso de Peter Marshall, autor de um volumoso livro sobre a história do anarquismo: Demanding the Impossible: A History of Anarchism. Londres e outros lugares: Harper Perennial, 2008 (1992; edição revisada em 1993).
[2] Não considero a obra de William Godwin (que recebeu uma grande atenção por parte de George Woodcock, em seu conhecido livro sobre a história do anarquismo), nem de longe, um marco histórico tão relevante como a vida e a obra de Proudhon. (Não custa lembrar que o livro de Woodcock em questão é Anarchism: A History of Libertarian Ideas and Movements. Peterborough e outros lugares: Broadview, 2004 [1962], reimpressão baseada na edição revista de 1986. A edição brasileira intitula-se História das idéias e movimentos anarquistas, tendo sido publicada, em 2002, em Porto Alegre, pela L&PM, em dois 2 volumes. A tradução apresenta problemas em várias passagens, mas a edição brasileira apresenta, como única vantagem em face da edição em língua inglesa de 2004, a presença do Post-Scriptum de 1973, não incluído nesta última.)
[3] Vide “Quelle démocratie?”, in: Figures du pensable – Les carrefours du labyrinthe VI. Paris: Seuil, 1999 (a tradução brasileira foi publicada, em 2004, pela editora Record, do Rio de Janeiro).
[4] Sobre essas diferenças ver, por exemplo, de George Woodcock, Anarchism: A History of Libertarian Ideas and Movements, op.cit.
[5] Já bem cedo Castoriadis endereçou esse tipo de crítica aos anarquistas: vide a sua contribuição, intitulada “Socialisme ou Barbarie”, para o número inaugural da revista Socialisme ou Barbarie (Organe de Critique et d’Orientation Révolutionnaire), publicado em 1949 (vide pp. 7-46).
[6] Sobre a ideia de autonomia, vale a pena reproduzir esta passagem de Castoriadis: “Autonomia: autos-nomos, (dar-se) a si mesmo, as suas leis. […] Em que sentido pode um indivíduo ser autônomo? […] A autonomia do indivíduo consiste em estabelecer uma outra relação entre a instância reflexiva e as outras instâncias psíquicas, assim como também entre o seu presente e a história por meio da qual ele se fez tal como ele é, permitindo-lhe escapar à servidão da repetição, refletir sobre si mesmo, sobre as razões de seus pensamentos e sobre os motivos de seus atos, guiado pela intenção do verdadeiro e pela elucidação de seu desejo. […] Posso dizer que estabeleço eu mesmo a minha lei – uma vez que vivo necessariamente sob a lei da sociedade? Sim, em um caso: se eu puder dizer, reflexiva e lucidamente, que essa é também a minha lei. Para que eu possa dizer isso, não é necessário que a aprove: é suficiente que eu tenha a possibilidade efetiva de participar ativamente da formação e do funcionamento da lei. A possibilidade de participar: se eu aceito a ideia de autonomia como tal (não somente porque ela é ‘boa para mim’), o que, evidentemente, nenhuma ‘demonstração’ pode me obrigar a fazer, nem tampouco pode me obrigar a colocar de acordo as minhas palavras e os meus atos, a pluralidade de indivíduos pertencendo à sociedade leva imediatamente à democracia, como possibilidade efetiva de igual participação de todos, tanto nas atividades instituintes como no poder explícito […].” (tradução livre; cf. “Pouvoir, politique, autonomie”, in: Le monde morcelé – Les carrefours du labyrinthe III. Paris: Seuil, 1990, p. 131-4; uma tradução brasileira de Le monde morcelé foi publicada em 1992 pela editora Paz e Terra, do Rio de Janeiro). O poder autônomo, assim, e em contraste com o poder heterônomo (manifestação com a qual estamos, em geral, habituados, por ser muito mais frequente na história), admite ser entendido por nós como aquele que é exercido por uma coletividade que, na ausência de assimetrias estruturais de poder (separação entre dirigentes e dirigidos), e consciente do processo de autoinstituição social das regras/normas (isto é, sem atribuir a legitimidade das regras/normas a alguma fonte extrassocial, seja ela divina ou natural), estabelece e reabre constantemente, de maneira livre, o debate e o processo decisório em torno dos fins e dos meios (da gestão, do planejamento, dos rumos e propósitos da vida coletiva) naquela sociedade específica.
[7] Nos Estados Unidos, o qualificativo libertarian é reivindicado por duas correntes de pensamento político com orientações muitíssimo diferentes: de um lado, a tradição anarquista e seus desdobramentos, o que é denominado enfoque left-libertarian; de outro lado, uma forma extremada de liberalismo, individualismo e privatismo, denominada right-libertarian. Esta última, a rigor, não outra coisa que um ultraliberalismo. Infelizmente, essa tendência é, nos Estados Unidos, bem mais forte que a influência dos left-libertarians. Nos países onde são faladas línguas neolatinas, e mesmo na Alemanha (e até mesmo, em grande medida, na Inglaterra), o problema praticamente não se coloca, pois libertaire (francês), libertário (espanhol), libertario (italiano) e libertär (alemão) se referem, quase sempre, à tradição iniciada com o anarquismo.
[8] Ver, de Hakim Bey, as seguintes edições brasileiras: Tempos modernos e oceano de limonada & outros escritos. Porto Alegre: Deriva, 2010; TAZ - Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad, 2011.
[9] Ver, de Noam Chomsky, entre numerosos escritos, Notas sobre o anarquismo, publicado em São Paulo, em 2011, pela editora Hedra.
[10] Vide Murray Bookchin, Social Anarchism or Lifestyle Anarchism: An Unbridgeable Chasm. Oakland e Edimburgo: AK Press, 1995 (uma tradução brasileira foi publicada, em 2011, pela editora Hedra, de São Paulo).
[11] Consulte-se, de Daniel Guérin, L’anarchisme: De La doctrine à la pratique [seguido de Anarchisme et marxisme]. Paris: Gallimard, edição revista e aumentada, 2009 (1965-1981, 1976).
[12] Ver, de Georges Gurvitch, (1980 [1964]), Proudhon e Marx. Lisboa: Editorial Presença e Martins Fontes, 1980 (1964).
[13] Sobre a influência de Marx sobre Bakunin no terreno da Economia Política consulte-se, inicialmente, claro, o próprio Bakunin; e, para começar, note-se que é sintomático que em um panfleto que contém acerbas críticas e sérias objeções ao marxismo, ele não obstante assim se expresse, em termos elogiosos que nada têm de irônicos: “Karl Marx, the undisputed chief of the Socialist Party in Germany − a great intellect armed with a profound knowledge, whose entire life, one can say it without flattering, has been devoted exclusively to the greatest cause which exists to-day, the emancipation of labour and of the toilers − Karl Marx who is indisputably also, if not the only, at least one of the principal founders of the International Workingmen’s Association, made the development of the Communist idea the object of a serious work. His great work, Capital, is not in the least a fantasy, an ‘a priori’ conception, hatched out in a single day in the head of a young man more or less ignorant of economic conditions and of the actual system of production. It is founded on a very extensive, very detailed knowledge and a very profound analysis of this system and of its conditions. Karl Marx is a man of immense statistical and economic knowledge. His work on Capital, though unfortunately bristling with formulas and metaphysical subtleties which render it unapproachable for the great mass of readers, is in the highest degree a scientific or realist work: in the sense that it absolutely excludes any other logic than that of the facts.” [Tradução livre: Karl Marx, o chefe incontestável do Partido Socialista na Alemanha - um grande intelecto armado com um conhecimento profundo, cuja vida inteira, pode-se dizer sem querer ser lisonjeiro, tem se dedicado exclusivamente à maior causa que existe atualmente, a emancipação do trabalho e dos trabalhadores -; Karl Marx, que é também, indiscutivelmente, se não o único fundador, pelo menos um dos principais fundadores da Associação Internacional dos Trabalhadores, fez do desenvolvimento da ideia comunista o objeto de um trabalho sério. Sua grande obra, O capital, não é de modo algum uma fantasia, uma concepção ‘a priori’, chocada em um único dia na cabeça de um jovem mais ou menos ignorante das condições econômicas e do sistema real de produção. Ela se baseia em um amplo e muito detalhado conhecimento e em uma análise muito profunda do sistema e de suas condições. Karl Marx é um homem de conhecimento estatístico e econômico imenso. Seu trabalho em O capital, embora infelizmente afetado por conta de fórmulas e sutilezas metafísicas que o tornam inacessível para a grande massa de leitores, é, no mais alto grau, um trabalho científico ou realista: no sentido de que ele exclui absolutamente qualquer outra lógica de não a dos fatos.] (Extraído do livro organizado por K. J. Kenafick, originalmente publicado em 1950, Marxism, Freedom and the State, disponível na Internet em 12/01/2002 )
[14] Sobre Korsch, vale a pena ler o artigo “Karl Korsch: A Marxist friend of anarchism”, de A. R. Giles-Peters; disponível na Internet em 20/04/2013. Quanto a Murray Bookchin, ver “The Communist Manifesto: Insights and Problems”; disponível na Internet em 16/01/2010 (publicado originalmente em New Politics, vol. 6, no. 4 (new series), whole no. 24, Winter 1998).
[15] Em um texto anterior, sintetizei desta forma o conceito de “luta institucional”, após explicar o significado da “ação direta”: “Ação direta é como (principalmente) os anarquistas têm denominado, há gerações, a atividade de luta armada, mas também de propaganda, agitação e organização, com a finalidade de promover a revolução social e eliminar a exploração de classe e o Estado que lhe dá respaldo. Houve época em que, entendida como ‘propaganda pela ação’ e privilegiando-se o enfrentamento armado, a ‘ação direta’ foi confundida com o emprego da violência, tendo sido, às vezes, até mesmo reduzida ao terrorismo. Felizmente, mesmo entre aqueles que não rejeitaram ou rejeitam, na qualidade de último recurso ou amiúde como estrita necessidade, a resistência armada, a ação direta passou a merecer uma definição bem mais abrangente. Neste texto, consoante essa linha interpretativa, ela designa o conjunto de práticas de luta que são, basicamente, conduzidas apesar do Estado ou contra o Estado, isto é, sem vínculo institucional ou econômico imediato com canais e instâncias estatais. De sua parte, a luta institucional significa o uso de canais, instâncias e recursos estatais, tais como conselhos gestores, orçamentos participativos ou fundos públicos. Aqui, entretanto, estabelece-se já uma distinção entre uma posição marxista-leninista e uma postura compatível com o campo libertário: a luta institucional abordada neste texto é uma luta institucional não partidária, ou seja, que não tem como pressuposto a criação de partidos políticos ou a filiação a partidos políticos por parte dos ativistas.” (cf. Ação direta e luta institucional: complementaridade ou antítese? (1.ª Parte)”; disponível na Internet em 27/04/2012, páginas não numeradas.
[16] Quanto às posições e à irritação e amargura de Bookchin no final de sua vida, consulte-se, por exemplo, seus livros Social Anarchism or Lifestyle Anarchism: An Unbridgeable Chasm, op.cit.; e Social Ecology and Communalism. Oakland e Edimburgo: AK Press, 2007. Também há vários textos (retirados de seus livros) disponíveis na Internet, como na página dos Anarchy Archives organizados por Dana Ward. Sobre as reações a Bookchin, pode-se exemplificar com a coletânea O bairro, a comuna, a cidade… espaços libertários! (São Paulo: Imaginário, IEL e Nu-Sol, 2003). Note-se, ainda, que eu mesmo tenho algumas ressalvas a propósito da estratégia de Bookchin (vide o meu artigo “Which right to which city? In defence of political-strategic clarity”, publicado em 2010 em Interface: A Journal for and about Social Movements, 2(1), pp. 315-333 (disponível na Internet em 27/05/2010); ao mesmo tempo, no entanto, certas críticas me parecem demasiado dogmáticas.
[17] Vide “Ação direta e luta institucional: complementaridade ou antítese? (1.ª Parte)”, op. cit.; e “Ação direta e luta institucional: complementaridade ou antítese? (2.ª Parte)”, disponível na Internet em 04/05/2012.

Anistia Online critica Brasil por violência policial, vítimas são jovens negros - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Encontro cultural debate os 125 anos da abolição da escravatura no Brasil - por Brasil de fato

Encontro cultural debate os 125 anos da abolição da escravatura no Brasil
Com atrações musicais, rodas de conversa e performance de poesias, o evento será realizado neste domingo (26) no Centro Cultural São Paulo
O Instituto Feira Preta promoverá, no próximo domingo (26), um encontro para debater os 125 anos da abolição da escravatura no Brasil e as consequências que ela trouxe para o país. Com atrações musicais, rodas de conversa e performance de poesias, a atividade terá como tema “Passados 125 anos de Abolição. E agora, o que somos?” e será realizada no Centro Cultural São Paulo.

O encontro, que faz parte do projeto Pílulas de Cultura Feira Preta, contará com a participação do grupo musical Meninos do Barro Vermelho e da escritora e representante da Fundação Cultural Palmares em São Paulo, Cidinha da Silva. Também irão marcar presença o rapper manu Réu, idealizador do Coletivo Literatura Suburbana, e a subsecretária adjunta da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do município de São Paulo, Matilde Ribeiro.

O instituto realiza esses encontros mensais sempre com atrações musicais e rodas de conversa que discutem o espaço da cultura negra no Brasil. O local do evento, que iniciará às 16h, será a sala Adoniran Barbosa, no Centro Cultural São Paulo, no bairro do Paraíso, centro de São Paulo.   
(Foto: Divulgação)


<Serviço>
Pílulas de Cultura Feira Preta – Passados 125 anos de Abolição. E agora, o que somos?
Dia: 26 de maio de 2013
Horário: das 16h às 20h
Local: Centro Cultural São Paulo, Sala Adoniran Barbosa
Endereço: Rua Vergueiro, 1000, Liberdade (11) 3397-4002
GRÁTIS (11) 3397-4002
Entrada franca
Classificação etária: livre

Programação:
16h 00: Roda de Conversa: Cidinha Silva e Matilde Ribeiro
17h 30 – 18h 00: Intervenção Literatura Suburbana – Israel Neto
Francisco (Manu Réu)
18h 00 – 20h: Apresentação Meninos do Barro Vermelho

Barack Obama e Guantanamo, sem olhos para greve de fome - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Hungria destrói todas as plantações da Monsanto -

Hungria destrói todas as plantações da Monsanto
A Hungria deu uma machadada no tronco infectado da gigante Monsanto e as suas modificações genéticas destruindo quase 500 hectares de culturas de milho plantadas  com sementes geneticamente modificadas.
De acordo com o o secretário de estado húngaro e Ministro do Desenvolvimento Rural Lajos Bognar, ao contrário de muitos países europeus (como Portugal) a Hungria é uma nação onde as sementes geneticamente modificadas estão banidas e proibidas, tomando uma posição semelhante ao Peru que instituiu uma lei que bane e proibe as sementes e alimentos geneticamente modificados por pelo menos 10 anos.
Os quase 500 hectares de milho destruídos estavam espalhados pelo território húngaro e haviam sido plantados há pouco tempo, explica o Ministro Lajos Bognar, o que quer dizer que o pólen venenoso do milho ainda não estava a ser dispersado.
Ao contrário dos membros da União Europeia, a Hungria baniu todas as sementes OGM. As buscas continuam pois como disse Bognar os produtores são obrigados a certificarem-se que as sementes que usam não são geneticamente modificadas. Durante a investigação os fiscais descobriram que a Monsanto havia injectado produtos da Pioneer Monsanto entre as sementes a plantar, possivelmente com o intuito de disseminar aquela cultura.
O movimento de livre trânsito de produtos dentro dos estados da União Europeia impede que as autoridades investiguem como estas sementes chegaram à Hungria, mas doravante irão certificar-se da validade das culturas em solo húngaro, assegurou o ministro. Uma rádio regional revelou que as duas maiores produtoras de sementes geneticamente modificadas foram afectadas com este acto mas que existem milhares de hectares nestas condições.
Os agricultores defenderam-se com a ideia de que não sabiam tratar-se de sementes OGM. Com a estação já a meio, é tarde demais para plantarem novas sementes por isso a colheita deste ano foi completamente perdida. E para piorar o cenário aos agricultores, a companhia que distribuiu estas sementes no condado de Baranya abriu falência o que impede que recebam compensação.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Organizando-se pelo direito à terra e ao mar de Gaza - por Joe Catron

Organizando-se pelo direito à terra e ao mar de Gaza
A luta dos agricultores e pescadores palestinos para assegurarem seus direitos
Desde Palestina/BriarPatch
Agricultores palestinos plantam árvores de oliva dentro da “zona tampão”, na área de Zayton, durante um dia internacional de ações, em 6 de fevereiro, realizado para convocar um boicote dos produtos agrícolas israelenses

“Os dois pescadores capturados hoje voltaram para suas casas”, explica Zakaria Baker em sua casa, no abarrotado campo de refugiados de Al Shati, na noite de 20 de fevereiro.

Baker, um ativista da UAWC (sigla em inglês de União dos Comitês de Trabalho Agrícola), dirige os comitês de pescadores em cinco cidades da Faixa de Gaza.

“O barco deles está em Ashdod, e os israelenses atiraram no motor”, acrescenta.

Três dias depois, os dois pescadores recontam sua experiência no jardim arenoso da casa de sua família na cidade setentrional de Jabalia. Eles estão cercados por uma dezena de parentes, e mais uma dezena de crianças agrupadas do lado de fora de um portão de ferro.

“De repente, a marinha israelense chegou com dois navios pequenos, com cinco a sete soldados por barco”, diz Mohamed Shehda Sadalla.

“O capitão de um dos barcos nos ordenou soltar nossas redes e nadar até os navios da marinha. Nós protestamos, dizendo a eles que estávamos em águas palestinas. Eles disseram: ‘Calem a boca ou vamos atirar em vocês’. Nós não seguimos suas ordens, mas fomos até o motor e o ligamos. Então um dos soldados atirou nele”.

Enfrentando a violência letal, Mohamed e seu primo mais novo Mahmoud Moussa Sadalla seguiram as ordens dos soldados, tirando suas roupas e nadando pelo mar frio até a embarcação da marinha. Uma vez a bordo, diz Mohammed, eles foram vendados e algemados, e então transferidos para um barco maior que os levou para a parte israelense do porto de Ashdod.

Depois de exames médicos, os soldados os levaram até o posto de controle de Erez onde eles foram questionados sobre seu trabalho, suas vizinhanças e o porto de Gaza. “Eles pegaram nossos nomes, idades e endereços. Então mostraram para a gente uma foto exata do teto da nossa casa em um computador”.

Os interrogadores tentaram recrutá-los como colaboradores. “Eles nos perguntaram sobre nossa situação econômica e quanto nós ganhamos por dia e se nós poderíamos nos ajudar mutuamente”, diz Mohamed. Ele e Mahmoud foram liberados depois do posto de controle, dentro da Faixa de Gaza, no final do dia.

Desde Palestina/BriarPatch
Barcos palestinos no porto da Cidade de Gaza. Pescadores, hoje, têm permissão de navegar até apenas 3 milhas náuticas da costa

A Faixa de Gaza, um trecho costeiro de 360 km quadrados, fica no cruzamento da África e da Ásia. Um dos territórios mais densamente populosos do mundo, a região contém 1,7 milhão de pessoas, dois terços delas refugiados que deixaram suas casas na Palestina por causa das milícias sionistas, e mais tarde por causa do exército israelense, durante a fundação do Estado de Israel, em 1948. Divide sua fronteira sudoeste com a península do Sinai, do Egito, e é cercada em todas as outras fronteiras por Israel ou pelo Mar Mediterrâneo, que é constantemente patrulhado pela marinha israelense.

Israel ocupou a faixa desde 1967, mas desmontou seus assentamentos em Gaza e redistribuiu suas forças terrestres em 2005. No entanto, manteve o controle das fronteiras do território, rotas marítimas, e espaço aéreo, além dos sistemas bancário e de telecomunicações, suas importações e exportações, registro populacional, e até a outorga de permissão de construções a organizações internacionais. Em 2007, Israel impôs um cerco incapacitante. Além do seu bloqueio náutico, reduziu bruscamente os bens permitidos a passar pelos postos de controle sob seu domínio, pondo fim a praticamente toda  exportação agrícola da Faixa de Gaza.

Também reafirmou sua política de zona tampão, tipicamente imposta com tiroteios. Antes, Israel tinha banido os palestinos de chegar a 150 metros da barreira que separa a Faixa de Gaza e Israel ou de navegar mais de seis milhas náuticas da costa. Em 2008, a zona tampão tinha crescido para englobar uma faixa de 300 metros de largura ao redor do território e todas, com exceção de três milhas náuticas da costa.

Essas áreas incluíram mais de 35% da terra agrícola da Faixa de Gaza e, muitos dizem, todas as suas áreas de pesca. “De zero a oito milhas náuticas não há peixes”, diz Mohamed al Bakri, gerente geral da UAWC na Faixa de Gaza.

A UAWC, fundada em Jerusalém em 1986, organiza agricultores e pescadores na Faixa de Gaza e na Cisjordânia em comitês agrícolas e de pesca. “Nós temos 16 comitês locais de agricultores”, diz Sa’d Eddin Sha’ban Ziada, que coordena os comitês agrícolas da UAWC em Gaza. “Nós temos outros cinco para pescadores.”

No total, diz Al Bakri , os comitês da Faixa de Gaza incluem 5.125 agricultores, pescadores e outros trabalhadores agrícolas.

“Nós precisamos de comitês locais fortes que possam representar suas sociedades”, diz Ziada. “Nós os apoiamos através de diversos programas para edificar a capacidade deles: liderança, trabalho em equipe, assessoramento de necessidades, gênero, apoio e mobilização comunitária, organização de sindicatos, documentação dos ataques israelenses e soberania alimentar. A UAWC insiste que esses corpos sejam fortes”. Além de organizar o trabalho, a UAWC apoia agricultores com projetos como hortas caseiras, aguadeiros e programas de aquicultura.

Apesar dos esforços da UAWC, as restrições de Israel fizeram grandes estragos. Entre 2007 e 2009, a força de trabalho da Faixa de Gaza caiu 42% e a insegurança alimentar alcançou 61% da população. Até novembro de 2011, a Faixa de Gaza tinha apenas 3.097 pescadores registrados, muito menos que os 10.000 do ano 2000.

Um cessar-fogo unilateral

No dia 14 de novembro de 2012, forças israelenses usaram um drone para assassinar Ahmed al Jabari, o comandante das brigadas Izz ad Din al Qassam do Hamas, na Faixa de Gaza. Foram oito dias de ataques aéreos e bombardeios de drones israelenses, fogo de artilharia, e bombardeio naval, respondidos com o disparo de foguetes por grupos de resistência na Faixa de Gaza e em seguida com manifestações em massa na Cisjordânia. Até o dia 21 de novembro, quando se assegurou um cessar-fogo entre Israel e o grupo de resistência palestina Hamas, seis israelenses e 186 palestinos – incluindo dois na Cisjordânia– tinham sido mortos.

A primeira linha do acordo mediado pelo Egito dizia: “Israel deve parar todas as hostilidades pelo mar e ar da Faixa de Gaza, incluindo incursões e a mira de indivíduos”. O texto continuava para prometer que Israel “se abstivesse de restringir a livre circulação e o ataque a residentes nas áreas de fronteira”. No dia seguinte, o governo palestino em Gaza anunciou que o limite de pesca tinha voltado a ser de seis milhas náuticas e os agricultores começaram cautelosamente a explorar os 300 metros da zona tampão.

“Depois do cessar-fogo, o governo local disse aos agricultores que a terra deles estava aberta”, diz al Bakri. “Depois que eles a cultivaram, escavadeiras israelenses entraram e destruíram tudo”.

Baker diz que os pescadores tiveram ainda menos trégua. “Nos três dias que seguiram o cessar-fogo, quatro pequenos barcos a motor e uma traineira foram capturados. Um pequeno barco foi bombardeado e destruído. Os motores de dois outros foram baleados. Desde o dia 24 de novembro, cinco barcos foram capturados, cinco foram baleados e três pescadores foram feridos”.

As experiências desses agricultores e pescadores reflete as dos moradores da Faixa de Gaza como um todo. Nos três meses que seguiram o cessar-fogo, o jornalista britânico Ben White descobriu que ataques militares israelenses mataram quatro palestinos e feriram 91. As forças israelenses promoveram 63 ataques a tiros na Faixa de Gaza e fizeram 13 incursões militares a suas terras, assim como 30 ataques náuticos a pescadores.

Enquanto isso, grupos de resistência palestina mantiveram a parte deles do acordo, para “parar toda a hostilidade da Faixa de Gaza contra Israel, incluindo ataques de foguetes e todos os ataques ao longo da fronteira.” Fora dois morteiros lançados da Faixa de Gaza depois dos ataques israelenses de dezembro, o cessar-fogo se manteve – mesmo que unilateralmente – até a manhã de 26 de fevereiro, quando as brigadas de Al Aqsa Martyrs do Fatah lançaram um foguete em direção a Israel que o grupo chamou de “resposta preliminar” à morte de seu membro Arafat Jaradat, supostamente sob tortura, na prisão israelense de Megiddo três dias antes.

Os pescadores dizem que a maior parte dos ataques contra eles desde o cessar-fogo ocorrem dentro das seis milhas náuticas da costa. Mas, de acordo com Al Bakri, os novos limites continuam insuficientes. “Depois do cessar-fogo, eles apenas abriram mais algumas milhas do mar,” diz. “Não há peixes naquelas três milhas. Dá no mesmo. Eles só queriam mostrar para a comunidade internacional que Israel está dando algo aos palestinos. A situação é a mesma; o mercado é o mesmo. Nada mudou na vida dos pescadores”.

Desde Palestina
Tanque israelense patrulha cerca da área de Khuza, na Faixa de Gaza. Desde cessar-fogo, em novembro, mais de 80 pessoas foram feridas pelos ataques israelenses contra a área agrícola perto da cerca ou no mar

No dia 21 de março, o porta-voz das forças de defesa israelenses anunciou que os limites de pesca seriam novamente reduzidos a 3 milhas náuticas.

Os agricultores, ele diz, têm poucas melhorias para determinadas culturas. “Alguns deles plantam trigo perto da zona tampão. Eles têm medo de que não vão poder cultivá-la”.

Na Faixa de Gaza, agricultores geralmente plantam culturas de acordo com a distância das paredes de concreto israelenses e torres de vigia: as que requerem menos atenção são plantadas mais perto das paredes. “De 50 a 150 metros, nós podemos cultivar trigo”, diz Ammar Saleh el Rahel, um agricultor de morangos em Beit Lahia. “Depois de 150 metros, nós podemos cultivar batatas. Depende de quanta água a plantação necessita. Nós não temos que tomar conta de trigo e batatas todos os dias. E a sua colheita só leva um ou dois dias. Nós arriscamos nossas vidas para cultivar essas plantações e ganhar qualquer lucro possível”.

A chácara alugada de 1,2 hectares de El Rahel está a 400 metros da barreira de separação – não longe o suficiente, ele diz, para economizar nas caras folhas de plástico usadas para cobrir as fileiras de morangos, à noite, e evitar que fossem alvo de balas durante os ataques de novembro. E como ele não pôde remover os plásticos durante oito dias, cerca de 80% do cultivo foi destruído. “Isso não aconteceu só comigo, mas com todos os agricultores de morango da área”.

“Nós precisamos de uma decisão clara da comunidade internacional”, diz Al Bakri. “Muitos deles falam de programas de desenvolvimento para zona tampão.” Na Cisjordânia, a UAWC organiza os agricultores em cooperativas agrícolas para distribuir seus produtos com eficiência. Através de parcerias com 16 organizações não governamentais internacionais, a UAWC lançou novos projetos para ajudar os agricultores locais a permanecer em suas terras.

Desde Palestina/BriarPatch
Um grupo de palestinos caminha pela praia perto do porto da cidade de Gaza

Muitos doadores veem investimentos perto da zona tampão como investimentos pobres, diz Al Bakri, uma percepção que Israel faz pouco para desencorajar. “Representantes de diversos países europeus foram até a zona tampão algumas semanas atrás para inspecionar um terreno onde eles queriam implementar um projeto”, diz. “As tropas israelenses atiraram neles para que eles se assustassem e fossem desencorajados de ajudar a desenvolver qualquer nova infraestrutura aqui”.

No curto prazo, ele completa, “nós não esperamos pelas decisões de Israel sobre essa área. Nós apoiamos os agricultores que estão indo à zona tampão para exercitar seus direitos de usá-la. Nós sabemos que os tratores israelenses podem vir mais tarde e destruir os plantios. Mas nós temos de dizer à comunidade internacional, ‘Estes são nossos direitos. Essa é a nossa terra’”.

Os boicotes estão funcionado
É por causa da incerteza, diz Ziada, que a UAWC enfatiza a o engajamento político. “Nós procuramos incentivar os agricultores e pescadores a terem voz ativa e a expressarem as opiniões deles”.

Ele relata eventos nos quais os comitês locais mobilizaram dezenas de participantes: o “Dia do Prisioneiro”, o “Dia do Nakba (catástrofe, ou do êxodo palestino)”, o “Dia da Terra”, o “Dia do Trabalho”, um festival para apoiar a família Samouni de Gaza (que perdeu 21 de seus integrantes durante os ataques de Israel em janeiro de 2009), uma marcha para pescadores no porto, e um protesto contra o Relatório Palmer que negou a culpa de Israel por seu ataque contra a Flotilha da Liberdade em 2010.

Legenda: Ativistas palestinos e internacionais em manifestação para pedir o boicote a produtos israelenses dentro da zona tampão

Durante a maior parte de suas manifestações recentes, a UAWC reuniu-se com protestantes na Cisjordânia e em 40 cidades europeias para pedir um boicote às companhias agrícolas israelenses. Os eventos em Gaza, que duraram vários dias, terminaram com uma marcha e uma plantação massiva de árvores de oliva na zona tampão no dia 9 de fevereiro. No dia 3 de março, algumas centenas de pescadores navegaram em uma flotilha de mais de 50 barcos do porto de Gaza até a cidade setentrional de Beit Lahia para protestar contra os ataques navais de Israel contra embarcações de pesca.

"Para fazer pressão, nós precisamos de um boicote aos israelenses pela comunidade internacional,” diz Al Bakri. “Só isso vai forçá-los a permitir que os palestinos usem nossas terras e águas”.

Mas ele acha que a reação internacional mostra que as mobilizações da UAWC estão funcionando. “Quando eu recebo telefonemas da Bélgica, da Noruega, da Itália e da Inglaterra… Significa que nossa voz está mais alta e que as pessoas conhecem os problemas”.

(*) Joe Catron é um ativista e escritor estadunidense baseado em Gaza, na Palestina, com um histórico de campanhas norte-americanas antiguerra, pelo meio ambiente, trabalho e de arrendatários. Ele trabalha com grupos palestinos e redes de solidariedade internacionais, particularmente para apoiar o movimento Boycott, Divestment and Sanctions (BDS) e movimentos de prisioneiros. Seu blog é o joecatron.wordpress.com e sua conta no Twitter é  @jncatron

Este artigo foi publicado na edição de maio /junho de 2013 de Briarpatch