quinta-feira, 28 de março de 2013

Netanyahu o Rambo de Israel! - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Porque a invasão do Iraque foi o maior erro da história da política externa americana – por Peter Van Buren - The Nation

Porque a invasão do Iraque foi o maior erro da história da política externa americana
Depois de algum modo ter transformado todo o Islã em um inimigo, Washington simplesmente atrelou-se a intermináveis crises as quais não teve nenhuma chance de vencer. Nesse sentido, o Iraque não foi uma aberração, mas o auge histórico de um modo de pensar que agora está lentamente ruindo
Eu estava lá. E "lá" era lugar algum. E nesse lugar algum era onde se deve estar se você quiser ver os sinais do fim dos tempos para o império americano. Era o lugar para se estar se você quiser ver a loucura e, oh, sim, foi uma loucura, não filtrada através de uma mídia complacente e sonolenta que fez a política de guerra de Washington parecer, se não sensível, pelo menos sensata e séria o suficiente. Eu estava no Ground Zero, que era para ser a peça central de uma nova Pax Americana no Grande Oriente Médio.

Não querendo estigmatizar, mas a invasão do Iraque acabou por ser uma piada. Não para os iraquianos, claro, nem para os soldados americanos, não foi também uma brincadeirinha qualquer. E aqui a mais triste verdade de tudo: no dia 20 de março, que marca o décimo aniversário da invasão infernal, nós ainda não entendemos seu propósito. No caso de você querer ir ir para o cerne da questão, invadindo o iraque os Estados Unidos fizeram mais para desestabilizar o Oriente Médio do que nós poderiamos ter imaginado aquela altura. E nós - e muitos outros- iremos pagar o preço por isso por muito, muito tempo.

A loucura do Rei George
É fácil esquecer quão normal a loucura pareceu naquela época. Em 2009, quando eu cheguei no Iraque, já estávamos no momento do último suspiro da possibilidade de salvar algo do que já podia ser entendido como o maior erro da história da politíca externa americana. Foi então que, como um oficial do Departamento de Estado designado para liderar duas equipes de reconstrução provincial no leste do Iraque, eu entrei pela primeira vez na fábrica de processamento de frango no meio do nada.

Até então, o plano de resconstrução americano para aquele país estava afundando em rios de dinheiro mal gasto. No centro dos esforços americanos- pelo menos depois dos Estados Unidos abandonarem a idéia de um governo interino para o Iraque, de que nossas tropas invasoras seriam recibidas com doces e flores como libertadores, caiu por terra - nós não tinhamos conseguido reconstruir nada de significante. Primeiramente concebido como um Plano Marshall para o novo século americano, seis longos anos depois tinha se desenvolvido em uma farça.

Na meu período de atuação, os Estados Unidos gastaram algo entorno de $2.2 milhões de doláres para construir uma enorme instalação no meio de nada. Ignorando a dura realidade dos iraquianos que nasceram e vendiam frangos ali a cerca de 2000 anos, os Estados Unidos decidiram financiar a construção de uma unidade central de processamento (tendo os iraquianos como gerente de compras locais) que arrancará e cortará, as frangos, com máquinas complexas trazido de Chicago, empacotaria os peitos e asas em filme plástico e, em seguida, transportaria tudo para supermercados locais. Talvez tenha sido o calor do deserto, mas isso fazia sentido na época, e o plano foi apoiado pelo Exército, o Departamento de Estado e a Casa Branca.

Elegante na concepção, pelo menos para nós, porém não se conseguiu lidar com algumas deficiencias simples, como falta de energia eletrica regularente, um sistema logistico para levar as frangos para e da fabrica, capital de giro, e...mercearias. como resultado disto os reluzentes $2.2 milhões investidos na fabrica processaram nenhum frango. Para usar algumas das palavras de ordem do momento, transformou nada, não qualificou ninguém, não estabilizou nem promoveu economicamente nenhum iraquiano. Ele apenas ficou lá vazio, escuro e não utilizados no meio do deserto. Como as frangos nós fomos depenados.

De acordo com a loucura da época, no entanto, o simples fato que a fábrica não ter cumprido nenhum de seus reais objetivos não significa que o projeto não foi um sucesso. Na verdade, a fábrica foi um sucesso na mídia dos EUA. Afinal, para cada visita monitoradas, com fins de propaganda, à fábrica, meu grupo abastecia o local às pressas com frangos comprados, preparamos as maquinas e faziamos uma apresentação fantasiosa.

No humor negro daquele momento, nós batizamos o lugar de Fábrica de frango Potemkin, entre visitas públicas e privadas, tudo ficava as escuras, apenas resurgindo com o cantar do galo a cada manha que alguma equipe de filmagem vinha para uma visita. Nossa fábrica foi, portanto, considerado um grande sucesso.Robert Ford, então na embaixada de Bagdá e agora embaixador dos EUA para a Síria, disse que sua visita foi o melhor dia que ele teve no Iraque. O general Ray Odierno, então comandannte de todas as forças dos EUA no Iraque, enviou blogueiros e civis, que acompanhavam os militares, para ver o projeto da vitória.Algumas das propagandas, que proclamavam que "ensinando os iraquianos a florescer sozinhos dá-se a eles a capacidade de fornecer a sua própria estabilidade, sem necessidade de contar com os americanos",

Nós não eram estúpidos, você pensa. Na verdade, todos nós sentimos espertos e inteligentes o suficiente para aprender a olhar o outro lado. A fabrica de frangos era uma historia engraçada no começo, o tipo da piada interna, você precisa saber o que realmente ocorre pra entender. É, nós desperdiçamos algum dinheiro, mas $2.2 milhões de dólares é uma quantia pequena numa guerra que um dia irá custar trilhões. Realmente, ao final das contas, qual foi o prejuízo?

O dano foi este: nós queríamos deixar o Iraque (e o Afeganistão) estáveis para avançar nos objetivos americanos. Fizemos isso gastando nosso tempo e dinheiro em coisas obviamente inúteis, enquanto a maioria dos iraquianos não têm acesso a electricidade, água limpar, regular e assistência médica ou hospitalar. Outro funcionário do Departamento de Estado no Iraque, escreveu em seu relatório semanal para mim, " Nossos projetos de inauguração que eram tipicamente saudados, agora um apresado obrigado,' suguido de uma longa lista de urgentes necessidades de serviços essenciais como água e enrgia". Como poderíamos ajudar a estabilizar o Iraque se nós agiamos como palhaços? Como um iraquiano me disse, " É como se eu estivesse pelado em uma sala com um grande chapéu na minha cabeça. Tudo mundo entra e ajuda a botar flores e fitas no meu chapéu, mas ningúem parece reparar que eu estou pelado"

Por volta de 2009, é claro, tudo isso deveria estar muito óbvio. Nós não estavamos mais dentro do sonho neoconservador de uma superpotência mundial incomparável, estavos apenas atolados no que aconteceu a este sonho. Nós eramos uma fábrica de galinhas no deserto que ninguém queria.

Viagem no tempo para 2003
Aniversários são tempos de reflexão, em parte, porque é muitas vezes só retrospectivamente que reconhecemos os momentos mais significativos em nossas vidas Por outro lado, em aniversários muitas vezes é difícil lembrar o que era tudo, realmente, quando tudo começou. Em meio ao caos do Oriente Médio hoje, é fácil, por exemplo, a esquecer como as coisas pareciam no começo de 2003. O Afeganistão, pareceu ter sido invadidao e ocupado de forma rápida e limpa, de forma que os soviéticos (os britânicos, os gregos antigos ...) jamais poderiam ter sonhado. O Irã estava assustado, vendo o poderoso exército americano na sua fronteira oriental e em breve na ocidental também, e estava pronto para negociar.

A maioria do resto do Oriente Médio foi enfiado em um longo sono com ditadores confiáveis o suficiente para manter a estabilidade. A Líbia era uma exceção, embora as previsões eram de que em pouco tempo Muammar Kadafi iria fazer algum tipo de acordo. E ele fez. Tudo o que era necessário era um golpe rápido no Iraque para estabelecer uma presença militar americana permanente no coração da Mesopotâmia. Nossas futuras guarnições militares lá, obviamente, supervisionariam as coisas, fornecendo os músculos necessários para derrubar todos os futuros elementos desestabilizadores. Isso fazia tanto sentido para a visão neoconservadora do começo da era Bush. A única coisa com a qual washington não contava era que nós fossemos o primeiro elemento desestabilizante.

De fato, o grande plano estava se desintegrando até durante o periodo em que ele estava sendo sonhado. Na ansia de ter tudo em seus termos, a equipe de Bush perdeu uma oportunidade diplomática com o Irã que poderia ter feito o barulho de hoje desnecessário, tanto quanto o afeganistão se despendaçando e o Iraque implodindo. Como parte do desastre homens desesperados, blindados pela história, aumentaram o volume de medidas desesperadas: tortura, gulags secretos, dissimulações, uso de drones para assasinato, e ações extra-constitucionais em casa. O mais frágil do acordos foi aparado para tentar salvar alguma coisa, incluindo ignorar a rede ploriferação nuclear paquistanesa A.Q Khan em troca de uma aproximação com Líbia, uma foto brega da Condoleezza Rice com o Qaddafi aproximação com Líbia.

Dentro do iraque, as forças do conflito sectário entre sunitas e xiitas foi desencadeada pela invasão dos EUA. Isso, por sua vez, criou as condições para um confronto Estados Unidos e o Irã dentro da política interna iraquiana, similar a crescente guerra na politica interna do Líbano (a onde outro evento desestabilizante, a invasão por parte de Isarel sancionada pelos EUA, ocorreu em seguida) entre Israel e Irã.

Nada disso terminou. Hoje, de fato, a guerra na política interna desses países simplesmente achou um novo palco, a Síria, com varias forças usando "ajuda humanitária" para empurrar e impulsionar os seus alidados sunitas e xiitas.

Descontentando as expectativas neoconservadoras, o Irã emerge da decada americana no Iraque economicamente mais poderoso, com o comercio não oficial entre os dois vizinhos sendo avaliado agora em $5 bilhões de dolares por ano, valor que continua crescendo. Nessa década, os Estados Unidos também conseguiu remover um dos contrapesos estratégicos do Irã, Saddam Hussein, substituindo-o por um governo dirigido por Nouri al-Malaki, que já encontraram apoio em Teerã.

Enquanto isso, a Turquia está agora envolvido em uma guerra aberta com os curdos do norte do Iraque. A Turquia é, naturalmente, parte da OTAN, então imagine o governo dos EUA sentado em silêncio enquanto a Alemanha bombardeou Polônia. Para completar o círculo, o primeiro-ministro do Iraque advertiu recentemente que uma vitória dos rebeldes da Síria vai desencadear guerras sectárias em seu próprio país e vai criar um novo refúgio para a Al Qaeda, que iria desestabilizar ainda mais a região.

Enquanto isso, militarmente queimado, economicamente sofrendo com as guerras no Iraque e no Afeganistão e sem qualquer moral no Oriente Médio pós-Guantánamo e Abu Ghraib, os estados Unidos sentam sobre suas proprias mãos, com faisca regional do que veio a ser chamado de primavera arábe se apagando, para ser substituído por desestabilização ainda maior dentro da região. E mesmo assim, Washington não parou de procurar a versão mais recente da (agora sem nome) guerra global contra o terror em regiões cada vez mais novas que precisam de desestabilização.

Tendo notado a facilidade com que o entorpecido público americano patrioticamente olhou para o outro lado, enquanto nossas guerras seguiram seus caminhos específicos para o desastre, nossos lideres sem sequer piscam mais dante da possibilidade de mandar cças americanos não tripulados e forças de operaçoes especiais para lugares cada vez mais distantes, mais notavelmente mais adentro da Africa, criando das cinzas do Iraque uma versão do estado de guerra perpetua que George Orwell uma vez imaginou em seu romance disutópico 1984. E eu não duvido, nem seguer por um segundo, que não haja um caminho direto da invasão de 2003 e que a fabrica de frango, para o lugar perigoso e caótico que hoje passa para o nosso mundo americano.

Feliz aniversário
No décimo aniversário da Guerra do Iraque, o Iraque continua, em qualquer nível, um lugar perigoso e instável. Até mesmo o sempre otimista Departamento de Estado aconselha viajantes americanos que vão para o Iraque, posto que cidadãos estadunidenses "continuam correndo risco de serem sequestrados... porque grupos rebeldes, incluindo Al Quaeda, ainda estão ativos" além de notar que "a norma do Departamento de Estado para negócios americanos no Iraque aconselha o uso de 'Detalhes de Segurança'".

Numa perspectiva mais ampla, o mundo está muito mais inseguro e perigoso do que estava em 2003. De fato, para o Departamento de Estado, que me enviou para o Iraque para testemunhar as leviandades do imperialismo, o mundo tornou-se ainda mais assustador. Em 2003, no momento infame do "missão cumprida", só a embaixada em território afegão foi considerada "extremamente perigosa" na lista de embaixadas além-mar. Não muito mais tarde, ainda, Iraque e Paquistão foram adicionados nesta lista. Hoje, Iemêm e Líbia, antes tediosos, mas seguros, para embaixadas, agora estão categorizadas como "extremamente inseguras".

Outros lugares antes considerados seguros para diplomatas e suas famílias como Síria e Mali foram esvaziadas e não contam com nenhuma presença diplomática americana. Até mesmo a sonolenta Tunísia, uma vez calma o bastante para que uma escola de árabe fosse estabelecida na embaixada, conta agora com uma equipe reduzidíssima com nenhum familiar residente. No Egito isto é oscilante.

A liderança iraniana observava cuidadosamente como a verão americana imperialista do iraque ruia, concluindo que Whashinthon era ameaça tão grande, voltando atrás no que tange a negociaçao de questões polêmicas, e assim (pelo menos por enquanto) dobrou suas apostas em conseguir alcançar capacidade de devastação nuclear, ajudado pelo trabalho anterior da mesma A.Q. Khan. A Coreia do norte outro beneficiario do A.Q Khan, seguiu o mesmo caminho, cada vez mais afastado de Washington, se tornando nesse meio tempo uma genuina potência nuclear. Seu vizinho a China prosseguiu o seu próprio caminho de dominação econômica, enquanto continua ajudando a "pagar" para a Guerra do Iraque, vai se tornando o maior detentor da dívida dos EUA entre os governos estrangeiros. Ela agora possui mais de 21 por cento da dívida dos EUA realizada no exterior.

Não coloque o livro de piadas de lado ainda. Explicitamente o grande apologista da estrátegia adotada no iraque, com a ausência de George W. Bush e dos altos funcionários de seu governo, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair lembrou-nos recentemente que há mais no horizonte. Admitindo que há "muito tempo desistiu de tentar persuadir as pessoas do Iraque foi a decisão certa". Blair acrescentou que novas crises estão se aproximando. "Você tem uma crise hoje na Síria, você tera uma outra no Irã embreve", disse ele. "Estamos no meio desta luta, que vai levar uma geração, que vai ser muito árduo e difícil.Mas acho que estaremos cometendo um erro, um erro profundo, se pensarmos que podemos ficar fora dessa luta. "

Pense nesse comentário como um aviso. Depois de algum modo ter transformado todo o Islã em um inimigo, Washington simplesmente atrelou-se a intermináveis crises nas quais nenhuma chance de vencer. Nesse sentido, o Iraque não foi uma aberração, mas o auge histórico de um modo de pensar que agora está lentamente ruindo. Por décadas, os Estados Unidos terão um militar grande o suficiente para garantir que a nossa queda seja lenta, sangrenta, feia e relutante, embora inevitável. Um dia, porém, mesmo os caças não tribulados teram que aterrissar. Assim, feliz 10 anos de aniversário Guerra do Iraque! Uma decada depois da invasão, um caótico e instavél oriente médio é o legado interminado da nossa invasão. Eu acho que o alvo da piada somos nós afinal, embora ninguém esteja rindo.

Tradução: Mailliw Serafim e Caio Sarack

terça-feira, 26 de março de 2013

Da série “Contos Bíblicos”: Davi e Golias, estrelando @jeanwyllys_real e @marcofeliciano - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

As entranhas do declínio americano – por Joseph Stiglitz

As entranhas do declínio americano
Joseph Sitglitz explica: por que desigualdade, redução do Estado e rentismo financeiro produzem, além de injustiça, cada vez mais ineficiência
Vamos começar estabelecendo uma premissa básica: a desigualdade nos Estados Unidos aumenta há décadas. Todos estamos conscientes deste fato. Certas vozes na direita negam a realidade, mas analistas sérios, em todo o espectro político, reconhecem o fenômeno. Não vou elencar todas as evidências neste texto: basta lembrar que a diferença entre o 1% e os 99% é muito vasta quando a analisamos em termos de rendimento anual; e ainda maior quando observamos a riqueza — ou seja, o capital acumulado e outros bens. Considere a família Walton: os seis herdeiros do império do Walmart possuem uma riqueza combinada de cerca de 90 bilhões de dólares, o que é equivalente à riqueza somada dos 30% mais pobres, entre os norte-americanos (muitos deles possuem patrimônio líquido zero ou negativo, especialmente depois do colapso imobiliário). Warren Buffet [leia, de sua autoria, “Parem de mimar os super-ricos”] situou o tema de forma correta quando disse: “Houve uma guerra de classes nos últimos 20 anos, e minha classe ganhou.”
Portanto, o debate real não é sobre o fenômeno da desigualdade, mas sobre seu significado. À direita, ouve-se algumas vezes o argumento de que a desigualdade é basicamente uma coisa boa: se os ganhos dos ricos crescem, afirma-se, toda sociedade segue em seu vácuo. Este argumento é falso: enquanto os ricos têm ficado mais ricos, muitos norte-americanos (e não apenas os mais empobrecidos) não conseguem manter seu padrão de vida, muito menos avançar. Um trabalhador em tempo integral típico ganha hoje o mesmo salário que recebia três décadas atrás.
Entre a esquerda, por outro lado, o crescimento da desigualdade frequentemente provoca um apelo por justiça: por que tão poucos podem ter tanto, enquanto tantos têm tão pouco? Não é difícil entender por que, em uma era dirigida pelo mercado, na qual a própria justiça é em si uma mercadoria que pode ser vendida e comprada. Mas alguns rejeitariam o argumento, rotulando-o como coisa de sentimentais piedosos.
Mesmo colocando o sentimento à parte, existem boas razões para que os próprios plutocratas importem-se com a desigualdade — até mesmo por egoísmo. Os ricos não existem em um vácuo. Necessitam de uma sociedade que funcione em torno deles, para sustentar sua posição. A evidência histórica e do mundo moderno é inequívoca: vamos chegar a um ponto em que a desigualdade desencadeará disfunções econômicas que se espalham por toda a sociedade. Quando isso acontecer, até os ricos pagarão um grande preço.
Vamos examinar algumas razões.
O problema do consumo
Quando um grupo social concentra muito poder, torna-se capaz de assegurar políticas que beneficiam a si próprio, a curto prazo — ao invés de contribuir, a longo prazo, para a sociedade como um todo. Foi o que ocorreu nos EUA, no que diz respeito às políticas tributárias, regulatórias e de investimento público. As consequências (aumento dos rendimentos e da riqueza em favor de um único setor da sociedade) tornam-se visíveis quando se observam os gastos das famílias, um dos motores da economia norte-americana.
Não por acaso, os períodos em que setores mais amplos da sociedade norte-americana registraram aumento dos rendimentos líquidos — ou seja, quando a desigualdade foi reduzida, em parte graças a impostos progressivos — foram aqueles em que a economia cresceu mais rápido. Também não é por acaso que a atual recessão, assim como a Grande Depressão, foi precedida por grandes aumentos na desigualdade. Quando muito dinheiro é concentrado no topo da sociedade, os gastos do norte-americano médio tornam-se necessariamente menores — a menos que haja algum estímulo de outra natureza. A concentração do dinheiro reduz o consumo porque indivíduos de renda mais alta consomem uma fração muito menor de seus rendimentos, se comparados às pessoas de rendimentos mais baixos.
Aparentemente, não é assim. Os gastos dos ricos são extraordinários, como se constata admirando, nas páginas do Wall Street Journal de fim-de-semana, as fotografias coloridas dos anúncios imobiliários. Mas a realidade torna-se visível quando você faz a conta. Considere alguém como o candidato do Partido Republicano à Presidência, Mitt Romney, cujos rendimentos chegaram, em 2010, a 21,7 milhões de dólares. Mesmo se Romney optar por um estilo de vida muito mais perdulário, gastará apenas uma fração desse montante, em um ano típico, para manter a si mesmo e sua esposa, em suas diversas casas. Mas tome a mesma soma de dinheiro e divida por aproximadamente 500 pessoas — na forma, digamos, de empregos que paguem 43.400 dólares por ano — e você descobrirá que quase todo o dinheiro é gasto.
A relação é direta e obrigatória: quanto mais o dinheiro fica concentrado nas classes mais favorecidas, mais a demanda agregada declina. A não ser que “algo a mais” aconteça, na forma de intervenção, a demanda total será menor do que a economia é capaz de oferecer. Significa  que haverá um aumento no desemprego, o que vai enfraquecer a demanda ainda mais. Nos anos 1990, a bolha da tecnologia foi este “algo a mais”. Na primeira década do século 21, foi a vez da bolha imobiliária. Hoje, o único recurso, em meio a uma profunda recessão, são os gastos do governo — exatamente o que o pessoal no topo da pirâmide está tentando refrear.
O problema da caça de rendas
Aqui, preciso recorrer um pouco ao jargão econômico. A palavra renda foi originalmente usada, e ainda é, para descrever o que alguma pessoa recebe pelo uso da terra: é o retorno obtido simplesmente em virtude de propriedade, e não pelo fato de fazer ou produzir algo. Renda contrasta com salário, por exemplo, que conota uma compensação pelo trabalho fornecido pelos assalariados. O termo renda foi, depois, estendido para abranger os lucros de monopólio — a renda que alguém recebe simplesmente por controlar um monopólio. E por fim, o significado da palavra expandiu-se ainda mais, para incluir a remuneração de outros tipos de reivindicações de propriedade. Se o Estado concede a uma empresa o direito exclusivo de importar uma certa quantia de um certo bem (como o açúcar), então os ganhos oriundos deste monopólio são chamados de “renda da quota”.
A concessão de direitos de mineração ou extração de petróleo produz uma forma de renda. O mesmo ocorre com tratamento tributário preferencial, para certos lucros. Num sentido mais amplo, a caça de rendas [rent seeking] define muitas das maneiras por meio das quais nosso processo político favorece os ricos às custas de todos os demais. Inclui transferências e subsídios do governo, leis que tornam os mercados menos competitivos, leis que permitem aos executivos abocanhar uma fração desproporcional dos lucros das empresas e que permitem às corporações ampliar seus lucros destruindo a natureza.
Embora difícil de quantificar, a magnitude da “caça às rendas”, na economia norte-americana, é imensa. Indivíduos e empresas que se aprimoram nesta atividade são fartamente recompensadas. O setor financeiro — que hoje funciona em grande medida como um mercado de especulação, ao invés de uma ferramenta para promover produtividade econômica autêntica — é caçador de rendas por excelência. A prática não se limita à especulação. Este setor extrai rendas também de seu controle sobre os meios de pagamento — por exemplo, cobrando tarifas exorbitantes nas operações bancárias e cartões de crédito, ou imponto, aos vendedores, tarifas menos conhecidas, que são repassadas aos consumidores.
O dinheiro que o setor financeiro extrai dos norte-americanos pobres ou de classe média, por meio de práticas predatórias de crédito, pode ser visto como uma forma de renda de monopólio. Nos últimos anos, este setor apropriou-se de cerca de 40% de todo o lucro empresarial nos EUA, algo totalmente distante de sua contribuição social. A crise mostrou, ao contrário, como ele pode espalhar devastação pela economia. Numa sociedade de caça às rendas, como aquela em que os Estados Unidos se converteram, retorno financeiro e retribuição à sociedade estão perigosamente fora de sintonia.
Em sua forma mais simples, as rendas não são mais que transferências de riqueza, de uma parte da sociedade para os caçadores de renda. Muito da desigualdade em nossa economia resulta da caça de rendas, porque este processo extrai recursos da parte de baixo da pirâmide e os concentra no topo.
Mas há uma consequência econômica mais ampla: a luta pela apropriação de rendas é, na melhor das hipóteses, uma atividade de soma-zero. A caça de rendas não produz o crescimento de nada. Os esforços que ela envolve são direcionados a abocanhar uma parte cada vez maior do bolo, ao invés de fazê-lo crescer. Mas é ainda pior: a busca de rendas distorce a alocação de recursos e torna a economia mais frágil. É uma força centrípeta: o retorno da caça de rendas torna-se tão desproporcional que cada vez mais energia é dirigida a esta atividade, às custas de tudo o mais.
Países ricos em recursos naturais são tristemente famosos pela atividade de caça às rendas. É muito mais fácil tornar-se rico nestes lugares obtendo acesso aos recursos, em condições favoráveis, que produzindo bens ou serviços que beneficiam a população e elevam a produtividade. É por isso que estas economias foram tão mal sucedidas, a despeito de sua aparente riqueza. É fácil desdenhar e dizer: “Não somos a Nigéria, não somos o Congo”. Mas a dinâmica de caça às rendas é a mesma.
Vanity Fair | Tradução: Gabriela Leite

segunda-feira, 25 de março de 2013

O Empresário da Guerra - Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria e Irã - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Um jogo de comadres sem rumo – por Felipe Amin Filomeno*

Um jogo de comadres sem rumo
Fernando Henrique Cardoso e revista “Época” protagonizam mais uma página desconcertante do jornalismo brasileiro
Em 22 de Março de 2013, foi publicada pela revista Época uma entrevista com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A entrevista é uma pérola de contradições e frases sem sentido, com o objetivo de caracterizar a situação atual do Brasil como ruim. Nada surpreendente, tendo em vista a natureza do entrevistador e do entrevistado, mas vale a pena revelar os problemas desta empreitada mútua, a qual provavelmente será bastante divulgada pelos grupos conservadores deste país.
Em relação ao entrevistador, trata-se de um veículo de mídia que – como os demais que integram o oligopólio privado da mídia brasileira – é escancaradamente simpático ao PSDB e adversário do PT. A simpatia de Época por FHC já fica clara na apresentação da entrevista, quando ele é caracterizado como “uma das cabeças mais privilegiadas do país” dotada de “inesgotável curiosidade para perscrutar o que pode vir por aí”. Duvido que achem tratamento tão afável da Época ao Lula (em relação a qualquer de suas qualidades).
Em relação ao entrevistado, trata-se de um ex-presidente cuja atuação depois do mandato resumiu-se a um contorcionismo intelectual. Ao avaliar seu próprio governo, FHC culpa crises internacionais pelo que deu errado e toma para si o mérito pelo que deu certo. Já ao avaliar os governos de Lula e Dilma, FHC culpa o PT pelo que deu errado e toma para si e para um cenário internacional favorável o mérito pelo que deu certo. Um peso, duas medidas. Para os que quiserem conhecer o contorcionismo intelectual de FHC frente à sua própria teoria da dependência, vale ler Revisitando a obra Dependência e Desenvolvimento na América Latina, escrito pelo professor José Maurício Domingues e publicado em 2010 pela FLACSO.
Sobre a situação do país e as eleições vindouras, FHC afirma que “Há um sentimento mudancista, mas ainda sem dar conteúdo à mudança. Não sei se no povo. Mas entre as pessoas que leem jornal, sim. Inclusive empresários.” Pasmem, FHC fala isso dois dias depois de 63% dos brasileiros considerarem a gestão de Dilma boa ou ótima (aprovação recorde). Pelo menos, teve a lucidez de notar que o sentimento de mudança não está “no povo”, apenas nas pessoas que “leem jornal” (provavelmente pessoas que leem entrevistas deste tipo em Época e Veja). FHC utiliza artifícios retóricos interessantes para tentar convencer o público de que o Brasil vai mal sob os governos do PT e o povo quer mudança. Em 2008, FHC usou a expressão francesa malaise para se referir ao que agora chama de “sentimento mudancista” e acabou passando vergonha (diante do entrevistador da BBC, que o contrariou, e do povo brasileiro, que elegeu Dilma em 2010).
Aí, Época responde ao ex-presidente dizendo que “O povo sente que o desemprego está em baixa, e a renda aumentou. Não há sensação de crise.” Para o que FHC diz: “Nem sei se é necessário crise. De vez em quando, as pessoas querem aerar. Querem mudar. Meio irracionalmente. Quando tem uma basezinha que não é irracional, o problema se agudiza.” Por um momento pensei que eram Caetano ou Gil sendo entrevistados, de tão confuso. Como pode um ex-presidente que, segundo Época, possui um “arsenal teórico de cientista social”, explicar a mudança política em escala nacional com base em pessoas que “irracionalmente” querem “aerar”?
Em seguida, FHC diz que Dilma toca uma política industrial anacrônica de “apoiar certas empresas” e “certas áreas”. Aqui concordo parcialmente com ele, pois também sou crítico de se proteger indústrias tradicionais de manufatura ou oligopólios transnacionais instalados no país sem que haja uma política forte de incentivo à inovação tecnológica, à formação de capital humano e de defesa da concorrência (vide meu artigo de crítica à estratégia neo-desenvolvimentista lula-dilmista, publicada em Outras Palavras em agosto de 2012). Porém, discordo desta rejeição tout court da política industrial como ferramenta para o desenvolvimento. Não é isto que nos sugere a experiência do Leste Asiático (ou mesmo a dos EUA).
Então Época pergunta, em referência a um suposto retorno ao velho desenvolvimentismo durante o governo Dilma: “Mas há duas maneiras de o Estado intervir. No desenvolvimentismo, ele subsidia empresas e cria estatais. A partir dos anos 1990, o Estado passou a tratar mais de saúde, educação e políticas sociais. Essa mudança é inexorável ou voltaremos ao passado?” Acho tragicômico. O repórter tenta associar o desenvolvimentismo com algo ruim, do passado, dependente de subsídios e de estatais e apresenta os anos 1990 (do governo FHC) como os anos dourados da saúde, educação e políticas sociais. É só pegar dados sobre investimento público em saúde, educação e políticas sociais pra concluir que aumento substancial não houve nos anos 1990, mas sim nos anos 2000, sob o governo de Lula.
FHC também afirma que, no governo Dilma, “A política fiscal foi abandonada, como se fosse uma persistência do que eles chamavam de neoliberalismo”. Ainda bem que temos a mídia alternativa com vozes de lucidez para contrariar inverdades. Em artigo publicado por Carta Capital (25/02/2013), o economista João Sicsú mostrou que os indicadores de “gasto social per capita” e “dívida líquida do setor público” tiveram desempenho substancialmente melhor nos governos Lula e Dilma do que durante o governo FHC.
A entrevista continua com pérolas como “É de espantar que o Congresso jamais tenha discutido o pré-sal. Quando fiz a quebra do monopólio, houve um debate imenso. Agora, tudo foi feito a frio.” Não só houve debate como, não sendo suficiente, a batalha dos royalties agora chegou ao Supremo Tribunal Federal. Para ser justo, FHC também fez afirmações interessantes, por exemplo, quando defendeu a meritocracia nas universidades ou que o meio-ambiente não seja deixado de lado numa estratégia de desenvolvimento. Todavia, ao final, perguntado sobre que estratégia o Brasil deveria adotar, FHC – “uma das cabeças mais privilegiadas do país” – responde “É difícil imaginar, assim, de repente.”
Da minha parte, ao neoliberalismo de FHC e aos anos 1990, requiescat in pace.
Felipe Amin Filomeno é economista, doutor em Sociologia pela Johns Hopkins University e professor adjunto do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina

sexta-feira, 22 de março de 2013

São Bernardo, Labrador e outros: Tráfico de drogas que explorava cães é descoberto na Itália - Por Natalia Cesana

São Bernardo, Labrador e outros: Tráfico de drogas que explorava cães é descoberto na Itália
Foi descoberto em Milão, na Itália, um esquema de tráfico de drogas em que cocaína, proveniente dos cartéis da Colômbia e do México, era escondida nas vísceras de cães de porte grande, que ao chegarem na Itália eram mortos para que a droga fosse recuperada. Os animais, antes de partirem, eram submetidos a operações cirúrgicas que permitiam encher o intestino com papelotes de cocaína pura.
O caso surgiu graças à investigação feita pelos agentes policiais que já deram 75 ordens de prisão a 57 adultos e 18 menores de idade, quase todos oriundos da América Latina e seriamente suspeitos de associação criminosa destinada a cometer crimes contra a pessoa e o patrimônio, posse de arma e tráfico de drogas.
Um dos membros da gangue, localizada na Espanha e para onde foi expedido mandado de detenção europeu, é procurado em toda Barcelona. Foram realizadas também, em território italiano, numerosas visitas a pessoas que orbitam estas organizações criminosas e apreendido material de importante teor investigativo.
As raças mais usadas para tal esquema eram são bernardo, mastim napolitano, labrador e dog de Bordeaux. A droga, antes de ser colocada no ventre dos animais, era envolta em papel celofane, depois em papel carbono para que ficasse um pacote impenetrável a raios x, mais uma camada de celofane e uma camada de vinil preto. Com este sistema já foram feitas 48 viagens e apenas um cão foi salvo desde então, graças à confissão da esposa de um dos traficantes.
Em abril de 2012, em Pisa, a polícia interveio em uma disputa familiar entre sul-americanos por causa do estado em que um dos animais havia chegado a Milão dias antes. Quando a polícia chegou ao apartamento, a mulher contou aos agentes que havia droga escondida no cão e que por este motivo estava brigando. O animal foi levado ao veterinário para ser operado.
Devido a este episódio os investigadores puderam reconstruir as pistas do tráfico.
Com informações de il Fatto Cronaca e La Zampa

O dia em que Roberto Marinho, Murdoch e Merval viraram parceiros

O dia em que Roberto Marinho, Murdoch e Merval viraram parceiros
Encontro ocorreu em setembro de 1995 e selou a ofensiva de Rupert Murdoch, dono da News Corporation e envolvido em escândalos no Reino Unido, sobre o mercado de tevê por assinatura no Brasil.
São Paulo - Os grandes conglomerados de mídia estão mais conectados do que se pode imaginar. E a histórica fotografia acima é um exemplo do qual não se deve esquecer.

A News Corporation, do empresário Rupert Murdoch, e a Globopar, holding das Organizações Globo, tornaram-se parceiros em 1995 para explorar o serviço de tevê via satélite no Brasil, através da Net Sat, operação então ligada à NET, que pertencia à Globo.

A proposta era introduzir tecnologia digital e o “pay-per-view” no país, além de facilitar a internacionalização da programação da tevê Globo nos Estados Unidos.

O acordo foi selado durante viagem de Murdoch ao Rio de Janeiro, quando ele visitou Roberto Marinho e outros altos executivos globais, como Merval Pereira, então diretor de redação do jornal ‘O Globo’.

O apetite de Murdoch pelo Brasil cresceu ainda mais em 2004, quando ele tornou-se majoritário na Sky, ao comprar parte das ações da Globo na empresa. Em seguida, trabalhou pela fusão da Sky com a Directv, então concorrentes. A Directv, com sede nos Estados Unidos, já pertencia a ele.

Em 2006, Murdoch vendeu sua participação na Directv ao grupo norte-americano Liberty Media, do empresário John Malone. Com isso, o empresário se afastou das operações de tevê no Brasil, reduzindo seus negócios aos canais Fox, distribuídos por várias operadoras.

Também as Organizações Globo se distanciaram das operações de tevê a cabo e satélite, se concentrando na produção de conteúdos. Isso ganhou força a partir de 2004, com a venda de parte da Net para o empresário mexicano Carlos Slim, dono da Embratel.

A legislação também se enrijeceu. A lei 12.485/2012, por exemplo, impede que empresas de radiodifusão tenham direta ou indiretamente mais de 50% do capital de empresas de telecomunicações. Hoje, a Globo mantém posição minoritária na Net e na Sky.

quarta-feira, 20 de março de 2013

“Existe uma mentalidade racista ainda muito aprofundada no nosso país” Douglas Belchior – Felipe Rousselet

“Existe uma mentalidade racista ainda muito aprofundada no nosso país”
(Reprodução/Facebook)
Douglas Belchior, ativista do movimento negro, fala sobre as fotos racistas tiradas durante o trote aos calouros de Direito da UFMG
Na última sexta-feira, 15, duas fotografias tiradas durante o trote aos calouros do curso de Direito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) causaram uma imensa repercussão negativa nas redes sociais.
Uma das fotografias exibe uma caloura caracterizada como uma negra acorrentada a um jovem branco, com uma placa com os dizeres “Caloura Chica da Silva”; e a outra mostra um calouro amarrado a uma pilastra enquanto quadro rapazes posam fazendo uma saudação nazista.
De acordo com a vice-reitora da UFMG, Rocksane de Carvalho Norton, a universidade tomou conhecimento das fotos e irá punir os responsáveis pelas mesmas. “A direção da Faculdade de Direito vai iniciar um processo de apuração dos fatos e ficar responsável pela aplicação das penalidades que sejam cabíveis ao caso”, disse em entrevista ao portal G1.
A reportagem da revista Fórum ouviu o ativista do movimento negro e membro da Uneafro (União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora), Douglas Belchior, que falou sobre o trote da UFMG, abordando o racismo no Brasil, a política de cotas e a eleição do deputado Marco Feliciano (PSC) para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Como você avalia as polêmicas fotos tiradas durante o trote do curso de direito da UFMG?
Douglas Belchior - Apesar dos avanços que a gente tem, eles são pequenos diante do desafio do combate ao racismo, porque a sociedade brasileira é racista. Existe uma mentalidade racista ainda muito aprofundada no nosso país.
Com esse tipo de ação, a cada ano, a cada trote, percebemos um outro momento de exposição desse sentimento. Se, por exemplo, em programas matutinos, em programas de comédia, cotidianamente a gente tem a exposição da figura negra fazendo papel de ridículo, ou sendo menosprezada, ou sendo objeto de chacota e motivo de risos, imagina o que acontece em espaços mais conservadores como esse.
Na verdade, é mais uma demonstração do quanto a gente precisa combater o racismo enquanto mentalidade e enquanto valores na nossa sociedade. E não é só por meio de políticas públicas, que são importantes, mas fundamentalmente com a eleição desse tema como algo prioritário para a formação de um novo homem e de uma nova mulher.
Precisamos trabalhar isso na mentalidade. Afinal, foram 388 anos de escravidão e mais 125 anos em que o povo negro tem sua cidadania negada e continua no mesmo espaço social que sempre viveu desde o início da história oficial do Brasil. Existe uma permanência e esse tipo de episódio revela isso.
Algumas pessoas que se manifestaram sobre as fotos nas redes sociais afirmaram que se tratava de uma brincadeira e que não seria um ato de racismo. Como você analisa este tipo de afirmação?
Douglas Belchior - É uma outra característica do racismo brasileiro, que é o viés da graça, da risada, o viés do engraçado. Não só em relação ao racismo, mas com um carácter de chacota, uma dimensão das opressões que vivemos no Brasil. A formulação de piadas racistas, de termos, de situações, a reprodução disso nos espaços da cultura popular, da comédia.
Não só em relação aos negros, mas também em relação à mulher, que continua sendo tida como aquela que “nasceu para trabalhar na cozinha” ou “precisa contar só até seis, porque não existe fogão de sete bocas”. Ou ainda o uso do elemento da homofobia como objeto para riso. É um subterfúgio, uma forma de diminuir o impacto da opressão, colocar como uma brincadeira, algo menor. Como se fosse parte da nossa cultura menosprezar essa população.
Isso reafirma o racismo. A cultura brasileira se criou de maneira a negar o racismo que é explícito nas relações cordeais e nessas relações do riso, da graça.
Esse foi o primeiro ano em que a UFMG adotou o sistema de cotas no seu vestibular, reservando 13,62% das vagas para cotistas.  Você acredita que a ampliação da política de cotas evitaria que episódios como este se repitam?
Douglas Belchior - Não me recordo agora qual a população de negros no estado de Minas Gerais, mas desconfio que seja maior que esses 13,62% que você está me falando. A reivindicação que o movimento negro faz em relação às cotas é a reserva de vagas proporcional ao percentual da presença negra no estado. Não há dúvidas de que se o sistema de cotas garantisse maior oportunidade motivaria mas negros a fazê-lo.
Aquele velho debate: cotas é apenas uma política reformista, compensatória, ou tem um papel histórico no processo. Nós achamos que as cotas têm um papel histórico no processo de tomada de consciência, no processo de combate ao racismo, da mentalidade racial brasileira.
Veja só, um negro dentro desta universidade [UFMG], garante uma reação negativa a este tipo de acontecimento. A presença negra pode gerar uma reação diferente de quando não existe um negro ali, uma reação diferente daquela provocada entre os que são solidários. Não tenho dúvida nenhuma que o sistema de cotas, colocando os negros em espaços sociais onde ele nunca esteve, aumenta nossa chance de reação e exposição desse tipo de situação.
Você tem vários exemplos de que negros, quando estudam e chegam a ser doutores, advogados, médicos, suportam muito menos a opressão racial e denunciam mais. O sistema de cotas, portanto, é um propulsor de denúncias contra o racismo.
É disso que a gente precisa. O Brasil precisa deixar de ser o país do racismo velado e passar a ser o país, ao menos, do racismo reconhecido. É só reconhecendo a doença que nós podemos tratá-la. E cotas é um passo neste sentido.
Quais outras medidas poderiam evitar tais manifestações racistas?
Douglas Belchior - Existe uma medida muito importante, fundamental, a lei 10639/03, de 2003, que fez dez anos agora. As políticas reparatórias de compensação são importantes, mas existem políticas estruturantes, que mexem com a mentalidade a médio e longo prazo.
Você imagina que o garoto que está naquela foto não deve ter mais que 20 anos, pelo menos essa foi a minha impressão. Portanto, há dez anos ele estava no ensino fundamental. Imagina se este menino, desde os 10 anos de idade, tivesse sido atendido por uma política educacional que promovesse a diversidade, que ensinasse os valores do povo negro, a sua cultura, e a importância disso tudo para a formação do Brasil, com certeza a sua mentalidade seria diferente do que é hoje.
Se a escola valorizasse a diversidade e aplicasse a lei 10639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino da história da África, dos africanos, da sua cultura, e da sua importância para a formação do país. Certamente, esse menino teria outra postura na sociedade. Portanto, a lei 10.639/03 possui uma papel fundamental na estrutura, na estruturação das relações sociais no Brasil.
Coincidentemente, essa lei avançou nos últimos dez anos, mesmo período em que as políticas de cotas avançaram, apesar de todo barulho. A gente avalia que o sistema de cotas é o “mal menor” que a burguesia vê. A lei 10639/03, que estrutura a educação em uma leitura que valoriza a diversidade, com certeza traz muito mais prejuízos aos racistas e à burguesia brasileira.
Como estamos falando de violações de direitos humanos, neste caso o racismo, como o movimento negro avalia a eleição do deputado Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados?
Douglas Belchior - A gente percebe um avanço e algumas vitórias dos movimentos sociais, dos movimentos de luta pelos direitos das mulheres e contra o racismo nestes últimos anos. Houve algum avanço no sentido de leis, por mais que não sejam aplicadas como gostaríamos e ainda não gerem os resultados que esperamos, mas são avanços importantes que provocam uma reação muito raivosa, muito poderosa. Isso tem de ser considerado. À medida que temos mais espaços para gritar e exigir nossos direitos, também a reação dos racistas, dos homofóbicos e machistas tendem a ganhar força
A eleição do Feliciano é, sem dúvida nenhuma, um sinal desse avanço dos setores conservadores, ocupando esses espaços e visando que novos avanços aconteçam. Com certeza isso tem de ser considerado, mas é também um recuo das forças progressistas, no caso, o PT e o PC do B, que abriram mão deste espaço. Abdicaram com a leitura de que setores da economia, ou do agronegócio, seriam mais estratégicos do que esse.
Sem dúvida nenhuma essa eleição é uma reação à luta dos movimentos por parte dos conservadores e, por outro lado, a nossa representação progressista tem recuado. Não existe desculpa para o PT e o PC do B terem aberto mão deste espaço. Não existe lugar vazio na política e os caras ocuparam este espaço.

Vai faltar sabão em pó!

Fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/economia/96697/Por-que-Lemann-e-Verônica-pagaram-tanto-pelo-picolé.htm

segunda-feira, 18 de março de 2013

Wikileaks: o plano da USAID para acabar com o governo de Chávez - Por Natalia Viana e Luiza Bodenmuller

Wikileaks: o plano da USAID para acabar com o governo de Chávez
Documento secreto detalha como o embaixador William Brownfield, hoje secretário-assistente do Departamento de Estado, planejava acabar com o chavismo
Após o fracasso do golpe contra Hugo Chávez em 2002, a embaixada americana em Caracas resolveu tomar para si a tarefa de reorganizar a oposição venezuelana, apostando em uma estratégia de longo prazo que minaria o poder do governo. Em agosto de 2004, mesmo mês do referendo revocatório promovido pela oposição com amplo apoio da missão americana, o texano William Brownfield chegou a Caracas, nomeado por George W. Bush, para assumir o posto de embaixador no país. Pragmático e sucinto, William Brownfield elaborou um plano de 5 pontos para acabar com o chavismo em médio prazo, como revela um documento do WikiLeaks analisado pela Agência Pública.
O documento secreto, enviado por Brownfield a Washington em 9 de novembro de 2006, relembra as diretrizes traçadas dois anos antes. “O foco da estratégia é: 1) Fortalecer instituições democráticas, 2) Infiltrar-se na base política de Chávez, 3) Dividir o Chavismo, 4) Proteger negócios vitais para os EUA, e 5) Isolar Chávez internacionalmente”, escreveu Brownfield, hoje secretário anti-narcóticos do Departamento de Estado – órgão que cuida do treinamento de forças policiais estrangeiras pelos EUA, incluindo em dezenas de países latinoamericanos.
Entre 2004 e 2006, a Usaid realizou diversas ações para levar adiante a estratégia divisada por Brownfield, doando nada menos de US$ 15 milhões a mais de 300 organizações da sociedade civil. A Usaid, através do seu Escritório de Iniciativas de Transição (OTI) – criado dois meses depois do fracassado golpe – deu assistência técnica e capacitação às organizações e colocou-as em contato com movimentos internacionais. Além disso, explica o documento, “desde a chegada da OTI foram formadas 39 organizações com foco em advocacy (convencimento); muitas dessas organizações são resultado direto dos programas e financiamentos da OTI”.
Um dos principais objetivos da Usaid era levar casos de violações de direitos humanos para a corte interamericana de Direitos Humanos com o objetivo de obter condenações e minar a credibilidade internacional do governo venezuelano. Foi o que fez, segundo o relato do ex-embaixador, o Observatório das Prisões Venezuelanas, que conseguiu que a Corte emitisse uma decisão requerendo medidas especiais para resolver as violações de direitos humanos na prisão ‘La Pica’, no leste do país. Outra organização, a “Human Rights Lawyers Network in Bolivar State” (rede de advogados de direitos humanos no estado de Bolívar), apresentou à Corte Internacional um caso de massacre de 12 mineiros pelo exército Venezuelano no estado de Bolívar. O grupo foi criado, segundo Brownfield, “a partir do programa da Freedom House, e um financiamento da DAI distribui pequenas bolsas no programa”.
A empresa DAI – Development Alternatives Inc – foi de 2004 a 2009 a principal gerente da verba da Usaid no país, tendo distribuído milhões de dólares a diversas organizações a partir da estratégia do governo norte-americano. (Clique aqui para ler mais sobre a DAI)
Ela desembolsou, por exemplo, US$ 726 mil em 22 bolsas para organizações de direitos humanos, segundo o documento do WikiLeaks. Também ajudou a criar o Centro de Direitos Humanos da Universidade Central da Venezuela. “Eles têm tido sucesso em chamar a atenção para o Direito de Cooperação Internacional e à situação dos direitos humanos na Venezuela, como uma voz nacional e internacional”, explica o texano Brownfield no despacho diplomático.
Outras áreas nas quais financiamento para ONGs ajudaria a concretizar a estratégia americana incluíam tentativas de neutralizar o “mecanismo de controle Chavista”, que utiliza “vocabulário democrático” para apoiar a ideologia revolucionária bolivariana, nas palavras do diplomata. “A OTI tem lutado contra isso através de um programa de educação cívica chamado ‘Democracia entre nós’, cujo princípio era ensinar ao povo venezuelano o que, de fato, significava democracia. Programas educacionais dirigidos, como tolerância política, participação e direitos humanos já atingiram mais de 600 mil pessoas”, diz o documento.
DIVIDINDO O CHAVISMO
Em seguida, o documento detalha as estratégias para “dividir o chavismo”, baseadas na concepção de que Chávez tentava “polarizar a sociedade venezuelana usando uma retórica de ódio e violência”. O remédio, na cabeça de Brownfield, seria dar auxílio a ONGs locais que trabalham em “fortalezas Chavistas” e com os “líderes Chavistas” para “contra-atacar a retórica” e “promover alianças”. Os esforços da Usaid neste sentido custaram US$ 1,1 milhão para atingir 238 mil pessoas em mais de 3 mil fóruns, workshops e sessões de treinamento, “transmitindo valores alternativos e dando oportunidade a ativistas de oposição de interagirem com Chavistas, obtendo o desejado efeito de tirá-los lentamente do Chavismo”.
Exemplos são o grupo “Visor Participativo” composto por 34 ONGs formadas e supervisionadas pela OTI, para trabalhar no fortalecimento das municipalidades. “Enquanto Chávez tenta recentralizar o país, a OTI, através do Visor, está apoiando a descentralização”, escreve Brownfield.
Outra iniciativa, a custo superior a US$ 1,2 milhões, promoveu a criação de 54 projetos sociais em toda a Venezuela “permitindo visitas do Embaixador a áreas pobres do país e demonstrando a preocupação do governo dos EUA com o povo venezuelano”, detalha Brownfield. “Esse programa confunde os bolivarianos e atrasa a tentativa de Chávez usar os EUA como um ‘inimigo unificador’”.
Com o objetivo de “isolar Chávez internacionalmente”, o embaixador gaba-se de que a USAID, através das ONG americana Freedom House, financiou viagens de membros de organizações de direitos humanos da Venezuela ao México, Guatemala, Peru, Chile, Argentina, Costa Rica e Washington. “Além disso, o DAI trouxe dezenas de líderes internacionais à Venezuela e também professores universitários, membros de ONGs e líderes políticos para participarem de workshops e seminários, para que eles voltassem aos seus países de origem entendendo melhor a realidade da Venezuela, tornando-se fortes aliados da oposição venezuelana”.
Brownfield termina o documento, escrito em 2006, com um alerta: “Chávez deve vencer a eleição presidencial de 3 de dezembro e a OTI espera que a atmosfera para o trabalho na Venezuela se torne mais complicada”. De fato, o embaixador saiu do país no ano seguinte, assumindo o mesmo posto na Colômbia antes de ser designado pelo governo Obama para cuidar de cooperação policial com outros países.
Antes de Brownfield assumir a política dos EUA para a Venezuela o escritório de Iniciativas de Transição (OTI) focava sua atuação no fortalecimento dos partidos políticos de oposição – como mostra outro documento do WikiLeaks, de 13 de julho de 2004 – incluindo um projeto de US$ 550 mil destinado a promover consultorias de especialistas latinoamericanos em liderança política e estratégia aos partidos, e um projeto de US$ 450 com o International Republican Institute (IRI) – do Partido Republicano -  para treinar os partidos de oposição a “delinear, planejar e executar campanhas eleitorais” em “escolas de treinamento de campanha”.
Em 2010, sob crescente pressão do governo venezuelano, o escritório da OTI no país foi fechado, e suas funções foram transferidas para o escritório para América Latina e Caribe da Usaid.

O 3º. Ugra Zine Fest !!!

O 3º. Ugra Zine Fest !!!
O UZF, cuja terceira edição acontecerá nos dias 6 e 7 de abril, passa agora a fixar residência em um dos mais queridos e importantes centros culturais da capital paulistana, o Centro Cultural São Paulo, onde também funciona a tradicional Gibiteca Henfil. Estamos empolgadíssimos com a parceria, pois é sem dúvida um grande ganho para o evento em matéria de infra-estrutura, conforto e acessibilidade.
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Deixando de lado a rasgação de seda, corre lá dar uma olhada na programação, que também foi ampliada: agora são dois dias inteiros lotados de atividades!
Programação
DIA 6 DE ABRIL, SÁBADO
10h: Oficina de colagem, com Kauê Garcia.
Local: Gibiteca Henfil (Vagas limitadas. Inscrição prévia pela Gibiteca Henfil)
12h: Palestra “Construindo uma Fanzinoteca”, com Fernanda Meireles.
Local: Praça das Bibliotecas
14h: Pré-estréia do 3º capítulo da trilogia “Fanzineiros do Século Passado”, de Márcio Sno.
Local: Sala Lima Barreto
15h30: Palestra “Retrospectiva do editor Edgard Guimarães”, com Edgard Guimarães.
Local: Praça das Bibliotecas
16h45: Debate “Fanzines, Sexualidade e Questões de Gênero”.
Mediação: Fernanda Meireles. Com Anita Prado, Julie e mais um nome a confirmar.
Local: Praça das Bibliotecas
DIA 7 DE ABRIL, DOMINGO
10h: Oficina de Quadrinhos Experimentais, com Law Tissot.
Local: Gibiteca Henfil (Vagas limitadas. Inscrição prévia pela Gibiteca Henfil)
12h: Palestra “O Fanzine na Escola”, com Ana Basaglia.
Local: Praça das Bibliotecas
14h: Exibição do documentário “DocZine”, de José Lopes.
Local: Sala Lima Barreto
15h30: Palestra “Prego no Brasil e no mundo”, com Alex Vieira.
Local: Praça das Bibliotecas
16h30: Debate “Estratégias de Viabilização para os Quadrinhos Independentes”
Mediação: Worney. Com Daniel Esteves, Alex Vieira e Gual.
Local: Praça das Bibliotecas
18h: Show com as bandas Tuna e Morto Pela Escola.
Local: Sala Adoniran Barbosa
DURANTE OS DOIS DIAS:
Exposição “Panorama Iberoamericano de Publicações Independentes”
Local: Praça das Bibliotecas
Exposição “Futuro Primitivo” do coletivo português Chili Com Carne
Local: Praça das Bibliotecas
Feira de venda e troca de zines e publicações independentes
Local: entrada da Biblioteca

@SergioCabralRJ conta as horas para invadir a Aldeia Maracanã - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

“Nada como um dia após o outro” – Por Antonio Eleilson Leite

“Nada como um dia após o outro”
“Da Ponte pra cá”, rap dos Racionais lançado em 2002, é grande painel das transformações vividas pelas periferias brasileiras, seus habitantes e artistas
Pretendo neste artigo fazer uma análise deste rap nos seus aspectos internos, contextualizando-o também no conjunto de composições do CD Nada como um dia após o outro dia e na obra mais recente dos Racionais, focando também a interpretação, difusão e recepção deste Rap, apontando conexões com a produção literária da periferia de São Paulo, tema ao qual me dedico nesta coluna. Para isso farei uso de dois produtos artísticos de Mano Brown que antecipam boa parte dos elementos desta composição. São eles o texto “A número 1 sem troféu”, publicado no livro Capão Pecado, do escritor Ferrez em 2000 e do depoimento “Privilégio 2 – O tempo é rei” dado pelo rapper para o CD Na Batida Vol. 3 – Equlíbrio, trabalho solo de K L Jay lançado em 2001. Além desses materiais, utilizo-me da performance ao vivo deste rap no DVD Mil trutas, mil tretas, lançado em 2006 pelos Racionais MC’s. Escrito originalmente em quatro capítulos, este ensaio será publicado em três etapas ao longo de março.
I. Em cada favelado, um universo em crise
“Da ponte pra cá” é a última faixa do CD 2 do álbum Nada como um dia após o outro dia, gravado em 2002 pelo grupo de Rap Racionais MC’s. Lançado em julho do mesmo ano pelo Selo Cosa Nostra Fonográfica e distribuído pela Zambia, é o quinto e último CD do grupo. O Racionais que a partir de 1993 alcançaram lugar de destaque na cena do Rap nacional com o CD Raio X do Brasil, lançado naquele ano1, expandiram seu prestígio no universo mais amplo da música brasileira quatro anos depois com o CD Sobrevivendo no Inferno que tinha como principal faixa o rap “Diário de Um Detento”, obra que aborda o episódio conhecido como o Massacre do Carandiru. Este rap foi tema de um videoclipe lançado em 1998, que venceu o Festival VMB da MTV daquele ano, ampliando assim a visibilidade do grupo apesar de sua postura arredia à mídia comercial, especialmente à TV aberta2. Dez anos depois de sua criação o Racionais MC’s alcançava a consagração.
Junto com o sucesso, vieram a elevação do poder aquisitivo e uma nova condição social para seus integrantes. Essa mudança, a meu ver, causa uma série de conflitos na alma de cada um deles e nas suas relações dentro contexto social das periferias onde residem e com a sociedade de maneira geral. Tal crise parece ser o tema central das composições do CD Nada como um dia após o outro dia, um álbum duplo onde cada CD tem um título distinto: CD 1: Chora agora; CD 2: Ri depois.
Essa dicotomia de sentimentos – chorar e rir – esclarece o sentido do título do CD. Expressão corriqueira da fala popular “nada como um dia após outro dia” é utilizada comumente para enfatizar o revide, a desforra ou vingança que aconteceu ou está na iminência de se realizar. Algo como “deixa estar”. Um recuo tático para preparar o bote fatal. É um apelo para não desistir como fica claro na voz do “radialista” (Mano Brown) que abre o disco:
Sou mais você nessa guerra. A preguiça é inimiga da vitória. O covarde morre sem tentar. É a selva de pedra. Eles matam os humildes demais. Você é do tamanho de seu sonho. Junte seus pedaços e desça para a arena. Mas não se esqueça. Aconteça o que acontecer: nada como um dia após o outro dia
Não se trata de deixar que o destino se encarregue de assegurar um bom lugar aos justos e condenar os “vermes e traíras”. A condenação é algo que se estabelece nas relações concretas. E o veredito do condenado é ter que admitir o vitória do “Negro Drama”. É constranger-se em ver o filho querendo ser preto: Inacreditável, mas seu filho me imita (Negro Drama). É insultar o “Zé Povinho” que cresce os zóio pro dinheiro que eu ganho, pro carro que eu uso (“Negro Drama”). Esse clima de ressentimento e dor com calúnias, inveja e injúrias percorre várias composições, principalmente aquelas escritas por Mano Brown3. São emblemáticas dessa condição a citada “Negro Drama”, além de “Vida Loka I”, “Vida Loka II” e “Jesus Chorou”. Quatro composições onde predominam a forma lírica com acentuada presença de visão e reflexão daquilo que é vivido e experimentado 4. Junta-se a essas o rap “Da ponte pra cá”, também de autoria de Mano Brown.
Esta composição, porém, tem um lugar distinto no CD. Sem nenhuma referência na relação de músicas no encarte, ela aparece como um apêndice. Todas as músicas estão agrupadas dentro de uma delimitação definida pela intervenção de um DJ de rádio: a Rádio Êxodos. Na abertura do CD 1 Chora agora, assim como no encerramento do CD 2 Ri depois, este DJ é o próprio Mano Brown. A saudação inicial é uma faixa específica do CD: Sou + Você. Já o anúncio da despedida se dá no final da faixa Trutas e Quebradas que, assim como a primeira faixa, não é uma música. Aqui, os Racionais repetem o que fizeram no CD anterior, ou seja, mandam um “salve” para uma extensa lista de pessoas e suas respectivas quebradas. Feitas as saudações, Mano Brown anuncia o fim da programação em um tom muito distinto do início das transmissões. Econômico nas palavras, poética e suavemente declama: “a dama mais glamourosa da noite é a própria noite”.
Sai de cena Mano Brown. Assume os microfones da mesma Rádio Êxodos, o DJ Nell, que manda mais vários salves para os manos num clima mais agitado, anunciando uma madrugada fria, 10 graus de temperatura aos 23 minutos de terça-feira. A partir dali, algo diferente começa (ou se anuncia): vem a faixa “Da ponte pra cá”: A lua cheia ilumina as ruas do Capão / Acima de nóis só Deus, né não? É um posfácio. Ao mesmo tempo é um rap que não se descola do restante das músicas do CD, na medida em que traz um forte acento no pertencimento local, apego a certos valores, afirmação de um código de ética determinado, valorização dos trutas, entre outros elementos que compõem o ethos de quebrada, lugar que está acima de qualquer questão, em relação ao qual o sentido de pertencimento não é dado a qualquer um que o queira. Não é para forasteiro ou para aqueles que, sendo de lá, não são dignos deste pertencimento: Nóis aqui, vocês lá / Cada um no seu lugar / Entendeu? / Se a vida é assim, tem culpa eu? Um rap que se insere em um conjunto de composições que têm como traço em comum o “rolê na quebrada” como definiu Leandro Pasini5 , autor que identifica outros dois raps dos Racionais com mesmo estilo, a saber: “Fim de Semana no Parque”(CD Raio X do Brasil) e “Fórmula Mágica da Paz” (CD Sobrevivendo no Inferno).
O aspecto local é fundamental para entender este rap, como fica sugerido no próprio título da composição. Nela, o Racionais cunha o termo “Da ponte pra cá” que, ao lado de “Vida Loka”, repercutirá não só no rap brasileiro como em toda a sintaxe periférica incorporando-se ao vocabulário que define o sentimento e a condição dos que vivem nas periferias e se reconhecem como pertencentes a uma cultura com características definidas, antes de tudo, pela geografia: Mesmo Céu, mesmo CEP no lado Sul do mapa.
1Este CD tem raps de sucesso como “O Homem na Estrada”, “Fim de Semana no Parque” e “Tá vendo aquele mano na porta do bar?”
2O Racionais, desde sua criação em 1988, nunca fez concessão à TV, tendo tido aparições somente na MTV onde o DJ K L Jay teve durante alguns anos o programa Yo! E na TV Cultura onde gravou o Programa Ensaio (2007) e no Programa Roda Viva no qual foi entrevistado Mano Brow (2006)
3Não há no CD uma informação sobre a autoria das músicas. Tradicionalmente no Racionais, os raps são compostos por Mano Brow e Edi Rock e cada um interpreta sua composição. Neste CD fica muito evidente essa distinção de autoria em função do teor autobiográfico de algumas letras ou com referências a locais que são sabidamente ligados a Mano Brow como a Zona Sul e o bairro do Capão Redondo. Na faixa Negro Drama, interpretada pelos dois há duas partes muito distintas que não deixam dúvidas sobre o que cada um compôs. Além disso, a familiaridade que se tem com a obra dos Racionais permite aos que a ele se dedicam uma percepção muito clara da distinção de estilo de composição e interpretação de Edi Rock e Mano Brown
4ROSENFELD, Anatol, O teatro Épico, (pag. 22), Perspectiva, São Pàulo, 6ª edição, 2011
5PASINI, Leandro:Mano Brown: Poesia e Lugar Social, in; Cultura e Pensamento, nº 3, dezembro de 2007, Ministério da Cultura/FAPEX, Brasília/Salvador.