A Palestina e a “responsabilidade ao proteger” do Brasil
Longe da mídia, Santa Maria é o palco de outra história, além da tragédia da boate Kiss, que também envolve a morte de pessoas inocentes. Recentemente, nessa cidade gaúcha, a FAB passou a montar Veículos Aéreos Não-Tripulados produzidos pela AEL, subsidiária da israelense Elbit Systems com sede em Porto Alegre. Esses VANT são parte de um acordo de 48 milhões de reais firmado com o Brasil em 2010.
A cidade de Santa Maria ocupou recentemente trágicas manchetes enquanto brasileiros de todo o país mobilizavam-se em apoio às vítimas e aos parentes e amigos das vítimas que perderam a vida no incêndio fatal da boate Kiss. Longe da mídia, Santa Maria é o palco de outra história que também envolve a morte de pessoas inocentes. Recentemente, nessa cidade gaúcha, a FAB passou a montar Veículos Aéreos Não-Tripulados (VANT) produzidos pela AEL, subsidiária da israelense Elbit Systems com sede em Porto Alegre. Esses VANT são parte de um acordo de 48 milhões de reais firmado com o Brasil em 2010 e serão usados em operações ao longo da fronteira e durante grandes eventos como a Copa das Confederações, em 2013, a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016.
De acordo com as estatísticas do Stockholm International Peace Research Institute, durante o mandato do ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, o Brasil se tornou um dos maiores importadores de armas e tecnologia militar israelenses; quase o dobro da quantidade de exportações de Israel para os EUA. Para reforçar mais a cooperação, em 2010 um novo acordo de cooperação em segurança foi firmado, o qual assegura o comércio de tecnologia sensível. Israel é um dos poucos países no mundo onde o exército brasileiro mantém um escritório. Elbit Systems, uma das maiores empresas militares israelenses, é uma grande beneficiada dessa parceria. Essa empresa já assinou quase uma dúzia de contratos e acordos de cooperação. A AEL, sua subsidiária brasileira, cresceu 150 vezes no período de 2003 e 2011. Joseph Ackermann, principal executivo da Elbit Systems, já foi premiado com a medalha de mérito da Força Aérea.
Não adentro na – legítima – questão sobre se deve ou não ser uma prioridade para o desenvolvimento da economia brasileira o foco na indústria militar. Questiono simplesmente as consequências políticas, éticas, legais e possivelmente econômicas das políticas atualmente implementadas, as quais revelam um Brasil focado em fortalecer sua indústria militar baseado em tão estreita relação com Israel.
Elbit, por exemplo, está produzindo as armas que permitem a Israel continuar guerras e cometer crimes de guerra, lucrando com isso. Uma das especialidades dos equipamentos da Elbit são alvos certeiros atingidos por esses mísseis disparados por meio dos VANT. Segundo fontes Palestinas, dois terços das pessoas mortas por esses equipamentos na guerra de oito dias de Israel em Gaza, em novembro de 2012, eram civis. A Human Rights Watch revela vítimas dos VANT como Mahmud Said Abu Khater, um professor de ciência da Faixa de Gaza, que sentava em frente a seu jardim com seu filho de três anos no colo, conversando com um conhecido, quando ele e seu amigo foram mortos. Ou Talal al-Asaly, um fazendeiro de 48 anos, morto junto com dois de seus filhos, Ayman, 19, e Abeer, 11, ao colher menta do jardim atrás de sua casa.
Da mesma forma, o ilegal muro israelense do apartheid, que está aleijando comunidades palestinas ao isolá-las em guetos murados, proporciona uma grande fonte de renda para a Elbit. A empresa oferece “sistemas de detecção de intrusão” manufaturados especificamente para uso no muro, em particular ao redor de Jerusalém. As subsidiárias Elbit Electro-Optics (El-OP) e Elbit Security Sistems forneceram e incorporaram câmeras de vigilância em diferentes assentamentos.
A concessão de tal relação especial a uma empresa diretamente envolvida em crimes de guerra, incluindo a construção do muro e assentamentos, constitui, no mínimo, uma patente contradição com a política externa brasileira, que possui a supremacia dos direitos humanos nas relações internacionais preservada em sua Constituição. Quando Celso Amorim, o ministro da Defesa atual, estava dirigindo o Itamaraty, o Brasil, assumiu um papel de liderança na defesa dos direitos palestinos à posição de Estado nas fronteiras de 1967 e ajudou no trabalho em direção ao reconhecimento da Palestina como um Estado observador não-membro, em 29 de novembro de 2012.
Em sequência a essa medida da ONU, Israel anunciou a construção de mais 300 unidades de assentamentos ao redor de Jerusalém, que levarão à expulsão de cerca de 2.300 palestinos. Como resposta, os chefes de missão pela Palestina da União Europeia liberaram semana passada um relatório que recomenda o fim das transações financeiras com assentamentos ilegais israelenses como uma das poucas opções diplomáticas ainda sobre a mesa para pressionar Israel a respeitar as fronteiras de 1967 e terminar seu projeto de assentamentos e do muro. Ao mesmo tempo, o Brasil monta VANT que financiam a mesma empresa que constroi o muro e que literalmente protege os assentamentos.
Em seu discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU em setembro, a presidente Dilma Rousseff afirmou que “O Brasil sempre lutará para que prevaleçam as decisões emanadas da ONU. Mas queremos ações legítimas, fundadas na legalidade internacional. Com esse espírito, senhor presidente, defendi a necessidade da “responsabilidade ao proteger” como complemento necessário da “responsabilidade de proteger”.” Esse chamado para se decretar a “responsabilidade ao proteger” consequentemente deveria implicar também a responsabilidade de não financiar violações de direitos humanos enquanto se desenvolvem a própria defesa e capacidades militares do Brasil.
Em duro contraste com isso, semanas após o Relator Especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos territórios Árabes ocupados por Israel em 1967, Richard Falk, ter apresentado seu relatório sobre cumplicidade corporativa à Assembleia Geral, no qual convocava um boicote a empresas envolvidas com violações israelenses de direitos humanos, citando a Elbit como caso de estudo particular, o exército brasileiro concedeu dois novos contratos a essa companhia.
As relações com a Elbit e o resto do complexo militar-industrial israelense não apenas financiam a viabilidade do muro, assentamentos e guerras israelenses: é um passo a mais em direção à dependência da indústria militar do Brasil em relação a Israel, um país hoje enfrentando o mesmo futuro de boicotes, desinvestimentos e sanções como o da África do Sul na época de seu apartheid.
Da Palestina, o chamado pelos boicotes, desinvestimentos e sanções começou em 2005 e já se tornou uma questão-chave nas eleições de Israel, com um dos principais candidatos, Zipi Livni, fazendo da necessidade de se derrotar o movimento de boicote um de seus slogans de campanha. O chamado específico da Palestina por um embargo militar veio em 2010 e foi prontamente apoiado por organizações da sociedade civil representando dezenas de milhões de pessoas de todo o mundo e um número de ganhadores do prêmio Nobel da Paz.
Uma grande parte da sociedade civil brasileira e movimentos sociais apoiam o embargo militar. Quando Celso Amorim se tornou Ministro da Defesa, partidos políticos palestinos e a sociedade civil se uniram numa carta de felicitações e ao mesmo tempo expressaram sua esperança de que, considerando sua reputação pela promoção dos direitos humanos e autodeterminação dos povos, Amorim iria considerar ações relacionadas ao embargo de armas sobre Israel: “Confiamos que você irá agir em sua nova posição para assegurar que a política de defesa do Brasil promova solidariedade e respeito pelos direitos humanos. […] Não pode haver passos efetivos em direção à paz enquanto Israel mantiver o gatilho da arma que aponta para o povo palestino. O Brasil não pode ser um agente efetivo por uma paz justa enquanto financiar essa arma.”
Infelizmente, esses chamados tiveram pouco efeito no Brasil. Enquanto as visões da política externa brasileira para alianças estratégicas do país estão encontrando hoje expressões em uma série de iniciativas internacionais do Ministério da Defesa, a questão fundamental de que a indústria militar brasileira esteja cada vez mais dependente da cooperação israelense e o exército brasileiro ainda mais de equipamentos israelenses é um fato contínuo.
Porém, em governos de muitos países, autoridades locais e corporações estão começando a evitar contratos com o complexo militar-industrial israelense ou empresas envolvidas com violações de direitos humanos israelenses. Na Noruega, o país que fez de sua capacidade de mediar e propor iniciativas de paz uma de suas marcas registradas, o governo está implementando uma severa recusa a qualquer tipo de relações militares e, já em 2009, o Ministério das Finanças instruiu desinvestimentos à Elbit, como uma empresa envolvida em graves violações à lei internacional. Alguns meses depois a Elbit pode compensar três vezes a perda de investimentos da Noruega com o contrato de VANT concluído com o Brasil. A África do Sul está prestes a dar fim às últimas ligações com a indústria de armas israelense, que durante a era do apartheid – assim como no Brasil durante a ditadura – havia amparado a capacidade de repressão do regime.
O esforço de décadas para cortar esses laços pelo aliado brasileiro enfatiza que relações militares são fáceis de contratar, mas difíceis de se livrar. Quanto mais cedo o Brasil decidir pela independência em relação a Israel, melhor será.
Globalmente, os VANT estão se tornando um dos alvos-chave dos defensores antimilitarização por causa de suas implicações particularmente perigosas. VANT tornam guerras, para aqueles que os possuem, em um videogame com poucas chances de baixas, banalizando a campanha de guerra por um lado, e pelo outro custando incontáveis mortos calados. VANT geram também sérias questões de privacidade e situações de controle do tipo “big brother” quando usados internamente para propósitos de segurança, visto que muitos deles não são nem mesmo visíveis quando observando seus alvos.
Muito frequentemente a implicação política, ética, legal e econômica discutida acima das relações militares e despesas são contestadas com argumentos de “segurança nacional”, que visam silenciar todas as outras considerações frente a essa necessidade superior. Ironicamente, Israel é o melhor exemplo de que a “segurança” não pode ser atingida militarmente. Em qualquer caso, deveria ser crucial que a sociedade civil seja informada e questione os argumentos de “segurança nacional” produzidos pelos militares antes de aceitar que a renda de seus próprios impostos seja aplicada em tais tipos de contrato.
VANT são o brinquedo militar favorito no momento, mas o ataque em Gaza em novembro, que deixou 162 pessoas mortas, muitas delas assassinadas por esses instrumentos, como aqueles montados em Santa Maria, serviu de laboratório e base de marketing para um novo item da moda militar: o Iron Dome, que supostamente intercepta mísseis antes que eles possam cair. De acordo com fontes da mídia, os militares brasileiros imediatamente demonstraram interesse pelo dispositivo. Fora o fato de que especialistas como Subratha Goshroy, cientista bélico e ex-membro do Comitê de Segurança Nacional do congresso dos Estados Unidos, já desbancaram a efetividade operacional assim como a sustentabilidade econômica do dispositivo, é de se desafiar a imaginação pensar com qual propósito, com que expectativas e contra os mísseis de quem o exército do Brasil possivelmente gostaria de usar essa tecnologia militar, que é falha no caso de uma fronteira de 51km com Gaza, ao longo de sua fronteira mais de mil vezes mais longa.
Qualquer decisão que o Brasil tome em relação a suas estratégias de defesa, combinando a posição que causa orgulho do Brasil em favor da autodeterminação palestina nas Nações Unidas com a cumplicidade com essas empresas que fazem a criação de Estado palestina impossível não é criar “equilíbrio”, mas sim expor incoerência. Se as contradições aparentes nas políticas de defesa atuais vão ser resolvidos ou exasperadas isso dependerá em grande parte da pressão que a sociedade civil for capaz de exercer em favor dos direitos humanos e as chamadas da Palestina para um fim às relações militares com Israel.
(*) Mestrada em Estudos Orientais, tem sida nos últimos 10 anos, coordenadora de relações internacionais para 'Stop the Wall', a campanha palestina contra o Muro de apartheid que Israel está construindo na Palestina. Ela é a autora de "Relações Militares Entre Brasil e Israel", um amplo estudo sobre o assunto.
De acordo com as estatísticas do Stockholm International Peace Research Institute, durante o mandato do ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, o Brasil se tornou um dos maiores importadores de armas e tecnologia militar israelenses; quase o dobro da quantidade de exportações de Israel para os EUA. Para reforçar mais a cooperação, em 2010 um novo acordo de cooperação em segurança foi firmado, o qual assegura o comércio de tecnologia sensível. Israel é um dos poucos países no mundo onde o exército brasileiro mantém um escritório. Elbit Systems, uma das maiores empresas militares israelenses, é uma grande beneficiada dessa parceria. Essa empresa já assinou quase uma dúzia de contratos e acordos de cooperação. A AEL, sua subsidiária brasileira, cresceu 150 vezes no período de 2003 e 2011. Joseph Ackermann, principal executivo da Elbit Systems, já foi premiado com a medalha de mérito da Força Aérea.
Não adentro na – legítima – questão sobre se deve ou não ser uma prioridade para o desenvolvimento da economia brasileira o foco na indústria militar. Questiono simplesmente as consequências políticas, éticas, legais e possivelmente econômicas das políticas atualmente implementadas, as quais revelam um Brasil focado em fortalecer sua indústria militar baseado em tão estreita relação com Israel.
Elbit, por exemplo, está produzindo as armas que permitem a Israel continuar guerras e cometer crimes de guerra, lucrando com isso. Uma das especialidades dos equipamentos da Elbit são alvos certeiros atingidos por esses mísseis disparados por meio dos VANT. Segundo fontes Palestinas, dois terços das pessoas mortas por esses equipamentos na guerra de oito dias de Israel em Gaza, em novembro de 2012, eram civis. A Human Rights Watch revela vítimas dos VANT como Mahmud Said Abu Khater, um professor de ciência da Faixa de Gaza, que sentava em frente a seu jardim com seu filho de três anos no colo, conversando com um conhecido, quando ele e seu amigo foram mortos. Ou Talal al-Asaly, um fazendeiro de 48 anos, morto junto com dois de seus filhos, Ayman, 19, e Abeer, 11, ao colher menta do jardim atrás de sua casa.
Da mesma forma, o ilegal muro israelense do apartheid, que está aleijando comunidades palestinas ao isolá-las em guetos murados, proporciona uma grande fonte de renda para a Elbit. A empresa oferece “sistemas de detecção de intrusão” manufaturados especificamente para uso no muro, em particular ao redor de Jerusalém. As subsidiárias Elbit Electro-Optics (El-OP) e Elbit Security Sistems forneceram e incorporaram câmeras de vigilância em diferentes assentamentos.
A concessão de tal relação especial a uma empresa diretamente envolvida em crimes de guerra, incluindo a construção do muro e assentamentos, constitui, no mínimo, uma patente contradição com a política externa brasileira, que possui a supremacia dos direitos humanos nas relações internacionais preservada em sua Constituição. Quando Celso Amorim, o ministro da Defesa atual, estava dirigindo o Itamaraty, o Brasil, assumiu um papel de liderança na defesa dos direitos palestinos à posição de Estado nas fronteiras de 1967 e ajudou no trabalho em direção ao reconhecimento da Palestina como um Estado observador não-membro, em 29 de novembro de 2012.
Em sequência a essa medida da ONU, Israel anunciou a construção de mais 300 unidades de assentamentos ao redor de Jerusalém, que levarão à expulsão de cerca de 2.300 palestinos. Como resposta, os chefes de missão pela Palestina da União Europeia liberaram semana passada um relatório que recomenda o fim das transações financeiras com assentamentos ilegais israelenses como uma das poucas opções diplomáticas ainda sobre a mesa para pressionar Israel a respeitar as fronteiras de 1967 e terminar seu projeto de assentamentos e do muro. Ao mesmo tempo, o Brasil monta VANT que financiam a mesma empresa que constroi o muro e que literalmente protege os assentamentos.
Em seu discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU em setembro, a presidente Dilma Rousseff afirmou que “O Brasil sempre lutará para que prevaleçam as decisões emanadas da ONU. Mas queremos ações legítimas, fundadas na legalidade internacional. Com esse espírito, senhor presidente, defendi a necessidade da “responsabilidade ao proteger” como complemento necessário da “responsabilidade de proteger”.” Esse chamado para se decretar a “responsabilidade ao proteger” consequentemente deveria implicar também a responsabilidade de não financiar violações de direitos humanos enquanto se desenvolvem a própria defesa e capacidades militares do Brasil.
Em duro contraste com isso, semanas após o Relator Especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos territórios Árabes ocupados por Israel em 1967, Richard Falk, ter apresentado seu relatório sobre cumplicidade corporativa à Assembleia Geral, no qual convocava um boicote a empresas envolvidas com violações israelenses de direitos humanos, citando a Elbit como caso de estudo particular, o exército brasileiro concedeu dois novos contratos a essa companhia.
As relações com a Elbit e o resto do complexo militar-industrial israelense não apenas financiam a viabilidade do muro, assentamentos e guerras israelenses: é um passo a mais em direção à dependência da indústria militar do Brasil em relação a Israel, um país hoje enfrentando o mesmo futuro de boicotes, desinvestimentos e sanções como o da África do Sul na época de seu apartheid.
Da Palestina, o chamado pelos boicotes, desinvestimentos e sanções começou em 2005 e já se tornou uma questão-chave nas eleições de Israel, com um dos principais candidatos, Zipi Livni, fazendo da necessidade de se derrotar o movimento de boicote um de seus slogans de campanha. O chamado específico da Palestina por um embargo militar veio em 2010 e foi prontamente apoiado por organizações da sociedade civil representando dezenas de milhões de pessoas de todo o mundo e um número de ganhadores do prêmio Nobel da Paz.
Uma grande parte da sociedade civil brasileira e movimentos sociais apoiam o embargo militar. Quando Celso Amorim se tornou Ministro da Defesa, partidos políticos palestinos e a sociedade civil se uniram numa carta de felicitações e ao mesmo tempo expressaram sua esperança de que, considerando sua reputação pela promoção dos direitos humanos e autodeterminação dos povos, Amorim iria considerar ações relacionadas ao embargo de armas sobre Israel: “Confiamos que você irá agir em sua nova posição para assegurar que a política de defesa do Brasil promova solidariedade e respeito pelos direitos humanos. […] Não pode haver passos efetivos em direção à paz enquanto Israel mantiver o gatilho da arma que aponta para o povo palestino. O Brasil não pode ser um agente efetivo por uma paz justa enquanto financiar essa arma.”
Infelizmente, esses chamados tiveram pouco efeito no Brasil. Enquanto as visões da política externa brasileira para alianças estratégicas do país estão encontrando hoje expressões em uma série de iniciativas internacionais do Ministério da Defesa, a questão fundamental de que a indústria militar brasileira esteja cada vez mais dependente da cooperação israelense e o exército brasileiro ainda mais de equipamentos israelenses é um fato contínuo.
Porém, em governos de muitos países, autoridades locais e corporações estão começando a evitar contratos com o complexo militar-industrial israelense ou empresas envolvidas com violações de direitos humanos israelenses. Na Noruega, o país que fez de sua capacidade de mediar e propor iniciativas de paz uma de suas marcas registradas, o governo está implementando uma severa recusa a qualquer tipo de relações militares e, já em 2009, o Ministério das Finanças instruiu desinvestimentos à Elbit, como uma empresa envolvida em graves violações à lei internacional. Alguns meses depois a Elbit pode compensar três vezes a perda de investimentos da Noruega com o contrato de VANT concluído com o Brasil. A África do Sul está prestes a dar fim às últimas ligações com a indústria de armas israelense, que durante a era do apartheid – assim como no Brasil durante a ditadura – havia amparado a capacidade de repressão do regime.
O esforço de décadas para cortar esses laços pelo aliado brasileiro enfatiza que relações militares são fáceis de contratar, mas difíceis de se livrar. Quanto mais cedo o Brasil decidir pela independência em relação a Israel, melhor será.
Globalmente, os VANT estão se tornando um dos alvos-chave dos defensores antimilitarização por causa de suas implicações particularmente perigosas. VANT tornam guerras, para aqueles que os possuem, em um videogame com poucas chances de baixas, banalizando a campanha de guerra por um lado, e pelo outro custando incontáveis mortos calados. VANT geram também sérias questões de privacidade e situações de controle do tipo “big brother” quando usados internamente para propósitos de segurança, visto que muitos deles não são nem mesmo visíveis quando observando seus alvos.
Muito frequentemente a implicação política, ética, legal e econômica discutida acima das relações militares e despesas são contestadas com argumentos de “segurança nacional”, que visam silenciar todas as outras considerações frente a essa necessidade superior. Ironicamente, Israel é o melhor exemplo de que a “segurança” não pode ser atingida militarmente. Em qualquer caso, deveria ser crucial que a sociedade civil seja informada e questione os argumentos de “segurança nacional” produzidos pelos militares antes de aceitar que a renda de seus próprios impostos seja aplicada em tais tipos de contrato.
VANT são o brinquedo militar favorito no momento, mas o ataque em Gaza em novembro, que deixou 162 pessoas mortas, muitas delas assassinadas por esses instrumentos, como aqueles montados em Santa Maria, serviu de laboratório e base de marketing para um novo item da moda militar: o Iron Dome, que supostamente intercepta mísseis antes que eles possam cair. De acordo com fontes da mídia, os militares brasileiros imediatamente demonstraram interesse pelo dispositivo. Fora o fato de que especialistas como Subratha Goshroy, cientista bélico e ex-membro do Comitê de Segurança Nacional do congresso dos Estados Unidos, já desbancaram a efetividade operacional assim como a sustentabilidade econômica do dispositivo, é de se desafiar a imaginação pensar com qual propósito, com que expectativas e contra os mísseis de quem o exército do Brasil possivelmente gostaria de usar essa tecnologia militar, que é falha no caso de uma fronteira de 51km com Gaza, ao longo de sua fronteira mais de mil vezes mais longa.
Qualquer decisão que o Brasil tome em relação a suas estratégias de defesa, combinando a posição que causa orgulho do Brasil em favor da autodeterminação palestina nas Nações Unidas com a cumplicidade com essas empresas que fazem a criação de Estado palestina impossível não é criar “equilíbrio”, mas sim expor incoerência. Se as contradições aparentes nas políticas de defesa atuais vão ser resolvidos ou exasperadas isso dependerá em grande parte da pressão que a sociedade civil for capaz de exercer em favor dos direitos humanos e as chamadas da Palestina para um fim às relações militares com Israel.
(*) Mestrada em Estudos Orientais, tem sida nos últimos 10 anos, coordenadora de relações internacionais para 'Stop the Wall', a campanha palestina contra o Muro de apartheid que Israel está construindo na Palestina. Ela é a autora de "Relações Militares Entre Brasil e Israel", um amplo estudo sobre o assunto.
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