domingo, 28 de dezembro de 2014

(México) Para que serve uma mordaça? ANA


(México) Para que serve uma mordaça?
Há 33 anos, um jovem afro-americano trabalhava como jornalista de rádio na cidade da Filadélfia [nos Estados Unidos]. Seu nome era Mumia Abu-Jamal, e o chamavam “a voz dxs sem voz”.

O ex Pantera Negra tinha aprendido jornalismo enquanto trabalhava no periódico de sua organização. Dessa experiência, escreveu: “Aprendi bem o ofício do jornalismo. Exceto por uma coisa. Nunca aprendi a me submeter ao poder do Estado. Não escrevo da perspectiva dos privilegiados, dos estabelecidos, mas a partir de uma consciência da opressão e da resistência”.

Em 9 de dezembro de 1981, Mumia foi baleado, espancado quase até a morte e encarcerado pela morte do policial [branco] Daniel Faulkner. Neste momento, muitxs ouvintes contavam com ele para ter notícias verídicas sobre o que acontecia nos bairros negros, se informar sobre os protestos da organização MOVE quase diariamente, saber qual era o crime mais recente da polícia contra o povo, ou escutar suas entrevistas com figuras relevantes como Bob Marley, Julius Irving ou presxs políticxs Porto-riquenhxs.

Ao ser falsamente incriminado e julgado pelo assassinato de Faulkner, o juiz – um membro vitalício da Ordem Fraternal da Policia [FOP] – utilizou a presença do MOVE no tribunal e a história de Mumia com o partido dos Panteras Negras para espantar o júri para que dessem a pena de morte.

Um pouco depois, o preso político disse: “Não querem apenas minha morte, querem meu silêncio”.
Até agora, entretanto, graças à sua própria resistência e do movimento que o apoia, seus eternos inimigos na FOP não conseguiram sua morte, tampouco seu silêncio.

Mas com seus 33 anos de encarceramento, continuam tentando. Em 21 de outubro deste ano, a legislatura do estado da Pensilvânia aprovou uma nova lei mordaça especialmente para ele, mas que também afeta outras pessoas.

Para que serve a mordaça?

Para a polícia e seus aliados, esta lei serve para apagar a voz e o exemplo de Mumia Abu-Jamal da história. Também os ajuda a seguir com seus crimes contra o povo sem que haja uma voz clara que os aponte, sem que haja uma voz inteligente que dê um sentido de história aos eventos atuais, sem que haja uma voz digna que não conheça a submissão.

Sob a nova lei mordaça, chamada de lei de “revitimização”, se os livros de Mumia, ou seus ensaios, ou o som de sua voz na rádio, ou suas entrevistas, ou suas mensagens, ou suas apelações, ou sua própria vida lhe causarem “angústia mental” à viúva, ela ou a promotoria ou procuradoria podem obter a ordem de um juiz para que ele detenha a atividade “ofensiva”.

E esta lei não só afeta Mumia Abu-Jamal, mas a todxs xs presxs no estado da Pensilvânia!

E com respeito a elxs, para que serve a mordaça? Pois sem as vozes dissidentes dentro das prisões, seria muito mais fácil para as autoridades manter controle, seguir com seu regime letal de castigo, de humilhação, de degradação. Para as pessoas que se beneficiam do sistema carcerário, é conveniente calar estas vozes também.

Até agora, o Estado não tentou aplicar a nova lei mordaça. Entretanto, Mumia, Prison Radio, outrxs presxs e alguns grupos de direitos humanos, fizeram uma petição contra a promotoria e a procuradoria e chamam o movimento para ajudar a derrubar esta lei. Enquanto isso, ele segue escrevendo.

Este novo ataque contra Mumia Abu-Jamal e outras pessoas encarceradas vem em meio a uma repressão tremenda no México, como no caso de Ayotzinapa, com cada vez mais mortes, desaparecimentos forçados, encarceramentos, mas também em meio a uma onda de ampla resistência com centenas de milhares de pessoas protestando nas ruas.

Nos Estados Unidos, também vem em um momento onde ocorre um caso de terror policial atrás do outro, como os de Mike Brown em Ferguson e Eric Garner em Nova Iorque. E as pessoas estão saindo às ruas em uma cidade atrás da outra.

Neste novo cenário de insatisfação e rebelião, para que serve uma mordaça? Pois, para as pessoas dos movimentos sociais, não serve para nada. De fato, a perda da voz de Mumia Abu-Jamal, com suas análises, suas denúncias, suas mensagens de solidariedade e libertação, seria um golpe.

Por isso, nos 33 anos de encarceramento, haverá uma semana de eventos na Filadélfia para exigir sua liberdade e apoiar a luta para pôr fim à nova lei mordaça. Também haverá ações solidárias em outras cidades do mundo. Na cidade do México fizemos um ato em frente a embaixada dos Estados Unidos [no dia 9 de dezembro], onde queimamos mordaças, pintamos um tecido, lemos textos de Mumia, e cantamos música jaraneira e de rap, tudo amplificado com um bom bici-som.

Também exigimos liberdade para todxs presxs políticxs do México, Estados Unidos e do mundo, e o fim da importação do modelo carcerário dos Estados Unidos no México.

Da esperança que nos Estados Unidos várixs presxs que segundo as autoridades, deveriam ter morrido na prisão, agora saíram depois de passar décadas encarceradxs. O mais recente é Sekou Odinga, acusado de participar da fuga de Assata Shakur, entre outras coisas. Também saíram Eddie Conway, Sekou Touré, Herman Wallace, embora moribundo, e Lynne Stewart, também doente de câncer.

Em seus recentes ensaios, Mumia Abu-Jamal segue escrevendo sobre parte destxs presxs e também sobre presxs comuns que fizeram fortes denúncias do sistema e por isso, são especialmente vulneráveis à nova lei mordaça, incluindo “os 6 de Dallas”.

Apesar de todos os torpes (mas cruéis) esforços do Estado, a voz de Mumia Abu-Jamal está mais clara e forte do que nunca. Estão para sair dois novos livros e segue escrevendo e difundindo seus ensaios. E como sempre, se solidariza com os movimentos que ganham força. Desde sua cela, faz parte destes movimentos.
Pelo bem de Mumia e de todas as pessoas afetadas, temos que derrubar a nova lei de mordaça, que só serve para reprimir.

Amig@s de Mumia do México

Fonte e mais fotos:

Tradução > Anarcopunk.org

Notícia relacionada:

agência de notícias anarquistas-ana

Na tarde sem sol
folhas secas projetando
sombras em minh’alma.
Teruko Oda

5 formas para construir um movimento depois de Ferguson


5 formas para construir um movimento depois de Ferguson

Este movimento é sobre a luta contra a opressão do povo negro. Mas, ao mesmo tempo, esse movimento carrega uma promessa para todos: acabar com o racismo e com a polícia ajudará todas as pessoas pobres e a classe trabalhadora, e valorizará nossa humanidade em comum Por Unity and Struggle

O seguinte artigo faz parte de uma série de reflexões publicadas pelo coletivo Unity and Struggle sobre a onda de protestos que varreu os Estados Unidos depois do assassinato de Mike Brown e Eric Garner pela polícia.

1. Trabalhar para abolir a polícia e as prisões, não para reformá-las. 
O Presidente Obama passou uma lei para colocar câmeras no uniforme dos policiais, mas isso não impediu os policiais de continuarem matando pessoas negras. O assassinato de Eric Garner foi flagrado pela câmera assim como muitos outros e isso não salvou a vida dele. Muito pior, essa reforma pode ser usada contra as pessoas que supostamente deveria proteger: um estudo recente revelou que as câmeras no uniforme ajudam muito mais a polícia do que suas vítimas.

A polícia e o sistema prisional não podem ser reformados, pois sua regra básica é manter uma sociedade capitalista, racista, injusta, desigual – e isso requer violência. Como Kristian Williams documentou em “Os nossos inimigos de azul”, as forças policiais se desenvolveram nos Estados Unidos para capturar escravos fugitivos, acabar com greves e prevenir multidões famintas de tomar aquilo que precisavam para viver. O sistema não está “falido” quando mata alguém como Mike Brown, ele está funcionando como se pretende.
Ao invés de correr atrás de reformas, nós deveríamos trabalhar para abolir a polícia e as prisões. Não acontecerá tudo ao mesmo tempo, mas nós podemos guiar nossos esforços com essa consigna: desempoderar, desarmar e desmantelar. Nós podemos desempoderar a polícia nas ruas, ao construir grupos de vizinhos que respondam ao abuso policial, e impedi-los de nos aterrorizar. Nós podemos exigir que a polícia seja desarmada, retirando seus equipamentos militares e armas de fogo. E nós podemos trabalhar para desmantelar as unidades policiais uma por uma, começando pelas mais violentas.
2. Construir grupos democráticos, onde nós possamos criar nossos próprios líderes. 
Os velhos líderes da Era dos Direitos Civis estão recuando. Jesse Jackson foi vaiado no palco, quando ele tentou passar um prato de arrecadação. Al Sharpton foi vaiado quando disse para todos votarem nos Democratas. A mudança está muito atrasada: esses líderes ganharam proeminência apenas quando o movimento dos anos 70 foi derrotado, ao substituir os interesses daqueles que diziam representar pelos seus próprios, e ficaram sob os holofotes desde então.

Agora nós temos a oportunidade de construir diretamente grupos, eventos e atividades democráticos, conduzidos coletivamente por pessoas da classe trabalhadora e pobres. Sim, o movimento necessita de líderes. Mas os líderes reais não existem apenas para ficar no poder ou virarem famosos. Ao invés disso, eles ajudam o movimento a se desenvolver e ajudam novos líderes a surgir para lidar com novos problemas. Nós precisamos de líderes das nossas vizinhanças e espaços de trabalho, que lutem nas lutas conosco e que se façam desnecessários com o tempo.
3. Julguem as pessoas pelo que elas propõem e fazem, não por sua identidade ou retórica. 
O movimento pauta a luta contra a opressão do povo negro. Mas, ao mesmo tempo, esse movimento carrega uma promessa para todos: acabar com o racismo e com a polícia ajudará todas as pessoas pobres e a classe trabalhadora, e valorizará nossa humanidade em comum. O movimento deve acolher todos os que realmente estejam comprometidos com esses objetivos com o máximo de igualdade possível.

Nem todo mundo pensa dessa forma. Com boas intenções, muitas pessoas usam as políticas de “aliados” ou “privilégios” para tentar corrigir as desigualdades do capitalismo e do racismo dentro do movimento. Mas na maior parte do tempo isso apenas faz com que aqueles que não estão no centro dessas lutas (frequentemente, pessoas brancas) se envolvam por conta de um sentimento de culpa ou autossatisfação. As pessoas constantemente pensam sobre sua própria identidade e como elas não podem trabalhar juntas, ao invés de encontrarem um jeito de podermos trabalhar juntos e o que nós precisamos fazer para vencer. Em vez de nos unir para destruir o capitalismo e o racismo, esses métodos na verdade nos reduzem àquilo que nós somos sob esses sistemas. Como recentemente defendido em zines e blogs, isso nos torna neuróticos, divididos e separados.

Ainda pior, os falsos líderes da classe média e os conservadores usam essa culpa para traçar fronteiras de acordo com a identidade, e dividem aqueles de nós que estão lutando nas ruas. Culpados, os “aliados” confusos não sabem se apoiam a rebelião radical negra ou os (falsos) líderes, que trabalham para reprimir a militância de base e encerrar o debate. Quando nós decidimos se alguém está certo baseando-se apenas na sua identidade, nós impedimos o movimento de crescer através da experiência e do debate. Ao invés de julgar as pessoas dessa forma, nós devemos pesar se suas propostas e ações realmente contribuem para libertar os pobres e a classe trabalhadora negra – e, portanto, para libertar todos nós.
4. Mude a marcha: de protestos que quebram a ordem para poder e cuidado coletivo. 
Tomar as ruas e avenidas proporcionou um imenso salto adiante para o movimento, mas todas as táticas têm limites. Se nós pararmos de construir nossa capacidade de lutar e nos manter, então mesmo a ocupação de vias expressas poderá tornar-se um tipo de reformismo militante, simplesmente causando uma perturbação para ganhar a atenção daqueles que nos governam. Para continuar construindo a força do movimento, nós precisamos de novas formas para afirmar nosso poder coletivo e tomar o controle de mais e diferentes espaços, para o nosso próprio bem.

Um pequeno passo é apoiar um ao outro quando nós estamos revidando. Algumas pessoas enfraquecem e colocam em perigo o movimento quando elas impedem os manifestantes de confrontar os policiais, de danificar a propriedade, de soltar seus amigos detidos ou retirando objetos da rua. Mas o sistema é violento conosco todos os dias, por definição. Pedir por “não violência” e “protesto pacífico” apenas perpetua essa condição, ao reafirmar que somente o Estado capitalista pode usar a força – contra nós. Em vez de policiar um ao outro, nós precisamos ter um guardando as costas do outro.

Nós também precisamos revidar contra o capitalismo e o Estado, e nos apoderar dos meios que sustentam as nossas vidas e resistências. Acampamentos ao redor do mundo, da Praça Tahrir ao Occupy Oakland, fizeram isso em miniatura. Agora nós precisamos começar a pensar maior e a agir. Para superar a polícia, a supremacia branca e o capitalismo, nós teremos que ocupar os escritórios do Estado, as prefeituras, as estações da polícia; tomar as nossas escolas, locais de trabalho e sistemas de transporte; e prover educação, saúde, transporte, bens e serviços de graça para nossas comunidades. Nós podemos começar construindo grupos com outros que estão protestando e com pessoas com quem nós trabalhamos, aprendemos e vivemos.
5. Aprofundar nosso conhecimento sobre raça, capitalismo e revolução. 
Se os policiais assassinos não são umas poucas “maçãs podres” ou frutos de um sistema “falido”, mas, pelo contrário, o resultado lógico de um sistema, então nós precisamos entender como esse sistema funciona. As experiências do povo negro, mulheres e queers e da classe trabalhadora como um todo, são todas fundamentalmente moldadas pelo capitalismo e pelo Estado. Para aprender como esse mundo funciona, nós podemos explorar as ideias de Marx e muitos outros na história das revoluções. Para aprender como transformá-lo, nós podemos olhar para os comunistas que se opuseram ao autoritarismo e ao Estado e muitos outros grandes revolucionários, lançando mão da história da revolução mundial.

As revoluções passadas podem nos mostrar as características gerais de como o capitalismo pode ser derrubado. A Rússia de 1917, a Espanha de 1936, os pontos altos das revoluções anticoloniais e mais recentemente o Egito em 2011, nos oferecem boas e más lições. Nós sabemos que essas formas de contrapoder tendem a surgir, primeiro como pequenas sementes, e então em larga escala em momentos de crise. Nós sabemos que divisões internas entre os oprimidos se transformam em barreiras para o crescimento do movimento e devem ser superadas. Nós sabemos que há movimentos que podem gerar novos grupos dirigentes, que tentam parar a revolução e consolidar o seu poder de classe separada. Nós sabemos que novas formas de vida social e criatividade tendem a surgir no calor da luta.

Nós podemos extrair lições gerais como essas das revoluções passadas, mas cada uma é diferente. Qual será a nossa?

O artigo original “5 Ways To Build a Movement after Ferguson” pode ser acessado no site do Unity and Struggle . A tradução é do Passa Palavra.

Fonte: http://passapalavra.info/2014/12/101612

SOS a cidade de São Paulo agradece...

Fonte... em algum lugar da rede...

Os barões da mídia e as saudades da ditadura – por Giovanna Dealtry


Os barões da mídia e as saudades da ditadura

Castello Branco, primeiro ditador do período pós-64, é cumprimentado por Octávio Frias de Oliveira, proprietário da Folha da Manhã

Censura aos jornalistas que divergem e superficialidade na cobertura do caso Petrobras demonstram: velha imprensa flerta com autoritarismo

É muito triste que, hoje, no Brasil, não se faça mais um jornalismo político comprometido, senão com a profundidade, ao menos com a investigação dos múltiplos aspectos do mesmo fato. Tenho certeza que há vários jornalistas, inclusive nos grandes veículos de comunicação, comendo pelas beiras para que isso aconteça. Mas a realidade é que não dá mais (nunca deu, aliás) para termos três ou quatro empresas ditando quais deveriam ser os rumos do imaginário político nesse país.

Particularmente, sou totalmente favorável à exposição, apuração com rigor e, consequente, penalização dos sujeitos envolvidos com a corrupção da Petrobrás. Mas é preciso sempre voltar ao óbvio. Nós estamos discutindo esse caso livremente porque vivemos numa democracia. E quem tornou esse país uma democracia não foram os donos das grandes corporações midiáticas, como sabemos.

Vivemos em um país que se tornou uma democracia, apesar de, durante décadas, essas corporações estarem ao lado da ditadura. Se hoje é possível lermos, nos grandes jornais, reportagens com riquezas de dados, entrevistas (inclusive com torturadores) que contribuíram para o trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV), também, é possível encontrar editoriais como o recente “Página Virada”, publicado, no dia 12 de dezembro, na Folha de São Paulo.

Estivéssemos nos anos 70 ou no Clube Militar, tais palavras, a respeito do relatório final da CNV, por certo, fariam sentido para uma grande parte da sociedade: “O relatório silencia, assim, sobre os crimes das organizações armadas que combateram para substituir a ditadura militar por outra, de cunho comunista.” Parece ser essa a tal “linha editorial” que vigora na grande mídia. É bom não nos esquecermos que foi desse mesmo jornal que o jornalista Xico Sá pediu demissão, depois de ter uma crônica sua não publicada – justamente, aquela em que declarava seu voto em Dilma Roussef. E estamos, aqui, falando de um jornal que tem colunistas como Reinaldo Azevedo.

A mesma “linha editorial” atingiu um dos maiores nomes do jornalismo mineiro recentemente. João Paulo Cunha, há 18 anos trabalhando no jornal Estado de Minas pediu demissão após ser “advertido” que não poderia escrever mais sobre política, em sua coluna semanal. Nas palavras de Cunha, é “inadmissível que o jornal censure seus profissionais. Ao censurar a imprensa ou o jornalista, você está tirando dele o mais importante, que é a liberdade de expressão e a possibilidade de trazer várias visões de mundo”.

De que lado, então, estaria a “censura”, esta “falta de democracia”, tão gritada a cada vez que se pede por provas consistentes dos fatos? É preciso ter estômago para ver jornalistas que, até mesmo pelo longo tempo dentro das redações, sabem de muito mais podres dos governos – não só do PT –, mas também das empreiteiras, dos envolvimentos com outros partidos, dos cartéis estabelecidos etc, mas que escolhem (ou a “linha editorial” os obriga) a olhar só para um lado. Pessoas que, como os historiadores e jornalistas já provaram, sabem que corrupção, no Brasil moderno, foi plantada e só fez crescer raízes a partir da ditadura militar. Isso justifica que o PT possa participar ativamente ou facilitar a corrupção na Petrobrás? Não, não justifica. A corrupção, envolvendo executivo, legislativo, grandes empresas públicas e privadas, vai desaparecer se o PT sair do poder? Não, não vai. Vai apenas trocar de mãos. E o ponto não seria exatamente esse, acabar com a corrupção? Ou o ponto seria, simplesmente, tirar a poder das mãos do PT ?

Pelo que vi da entrevista patética da ex-gerente de Petrobrás, Venina Velosa, o jornalismo já decidiu há tempos de que lado está. E não é do lado do povo, como deveria, como seria sua obrigação moral e ética. (Só de mandar a Glória Maria pra fazer aquela entrevista, que nem da área de política é, já se notam as intenções). A grande brasileira, que “muito nos orgulha”, como declarou Leilane Neubarth, em seu twitter, disse rigorosamente nada. Não provou nada. Não mostrou uma cópia dos “milhares” de documentos e emails que tem em seu poder. De novo, a corrupção aconteceu no governo do PT, e os responsáveis têm mais que pagar perante a lei. Em especial, termos o dinheiro desviado ressarcido.

O jornalismo brasileiro das grandes empresas está interessado em investigar com afinco os outros grandes desvios de verbas que acontecem em outras áreas? Recentemente, o próprio sistema Globo noticiou assim uma matéria sobre corrupção nas forças armadas. “Empresa americana admite que pagou propina a dois militares da FAB”. Como qualquer leitor mais arguto percebe, o ônus da corrupção recai sobre a Dallas Airmotive e não sobre os oficiais que, por estarem “sob investigação”, não têm sequer seus nomes revelados. As grandes empresas de jornalismo brasileiro estão interessadas em investigar a corrupção nas licitações em São Paulo? Um dos casos mais notórios refere-se à Alstom. Envolveu, entre outras irregularidades, a compra sem licitação de doze trens durante o governo Alckimin em 2005. Não é sobre “irregularidades nas licitações” que recaem as acusações de Venina Velosa?

Notícias como essas aparecem na primeira página, e, no dia seguinte, a matéria vai para dentro do caderno. Em seguida se fragmenta em notas ocasionais, até desaparecer. Então, ninguém pode reclamar que eles não falaram sobre isso, certo? Em compensação, somos obrigados a saber todas as vezes que um dos presos do mensalão vai ao banheiro, vai passar o Natal em casa, escova os dentes etc. Mesmos direitos que qualquer outro preso tem. Pesos, espaços e ênfases diferentes dependendo do acusado, parece-me.

O meu problema, aqui, não é defender o PT, porque o PT é bem grandinho, ele que arque com as consequências de seus atos. O meu problema é com essas mega corporações jornalísticas que só fazem crescer, espraiar seus tentáculos até na área de educação. Pelo jeito, aqui no Rio, não há problema nenhum em termos a Fundação Roberto Marinho fazendo acordos com o governador Pezão, para conferir diplomas de Ensino Fundamental e Médio – os mesmos que deveriam ser oferecidos pela rede pública de ensino – se esta não estivesse sucateada. Nesse caso, parece não haver importância que o governador do Rio seja um dos principais aliados do PT.

E meu problema, como brasileira que viveu a ditadura, problema que deveria ser o nosso, é com a manutenção de uma democracia conquistada com mortes, desaparecidos e torturados. Uma democracia que, pela primeira vez desde a redemocratização, permite ao STF e à Polícia Federal trabalharem livremente, investigando o próprio executivo. O que não acontecia nos governos do PSDB. O meu problema é com um jornalismo que, grita “censura”, quando se fala em Regulação da Mídia, mas confere todo espaço ao rapaz mimado, desculpe, senador Aécio Neves, quando este se dispõe a processar twitteiros que o chamaram de cheirador.

Só para lembrar: a professora do Instituto de História, Mônica Grin, quase sofreu em julho desse ano o confisco de seus computadores de trabalho, a mando da Justiça de São Paulo. O motivo foi a denúncia, movida pelo comitê eleitoral do PSDB, de supostas calúnias que teriam partido do computador localizado na sala da professora. A falta de qualquer notificação prévia à instituição ou à professora é apenas uma das marcas de todo tom intimidador do caso.

Sem dúvida, essa foi a pior eleição que já enfrentamos desde a redemocratização, em especial, no que se refere aos ataques pessoais partindo de ambos lados. Mas, acabou. Como declarou Dias Tofolli, ministro do Supremo Tribunal Federal, não haverá terceiro turno. Vamos tratar de arrumar os problemas reais desse país, como esse passado “anistiado”, e a corrupção endêmica que envolve todas as esferas de poder, inclusive as beatificadas pelo PSDB.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/os-baroes-da-midia-e-as-saudades-da-ditadura/

Barack Obama e Raúl Castro querem normalizar relações bilaterais - por Latuff

Fonte: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/38869/barack+obama+e+raul+castro+querem+normalizar+relacoes+bilaterais.shtml

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Jim Saah Aprendeu a Fotografar Durante o Auge do Hardcore de Washington, DC - Vice


Jim Saah Aprendeu a Fotografar Durante o Auge do Hardcore de Washington, DC
Ian MacKaye, Minor Threat.

No final dos anos 70 e começo dos 80, o punk estava sendo reinventado em salões escuros nos fundos de restaurantes chineses de Washington, DC. O fotógrafo Jim Saah estava na linha de frente desse movimento, desviando de caras pogando violentamente e de poças de vômito para fotografar bandas de hardcore locais como Bad Brains, Minor Threat e S.O.A, além de grupos de mais longe, como o pessoal da Costa Oeste do Black Flag, que – no começo dos anos 80 – escalou o nativo de DC Henry Rollins (na época funcionário da Häagen-Dazs) como vocalista.

As fotos primordiais de Saah aparecem em Salad Days, um novo documentário sobre a cena hardcore da cidade. Nele, descobrimos que o Ian MacKaye, Minor Threat e Fugazi, ainda recebe trotes sobre ser straight edge aos 52 anos de idade, e que seu irmão, Alec MacKaye, vomitou no pé do Thurston Moore certa vez.

Liguei para Saah para conversar sobre como ele documentou involuntariamente uma das subculturas mais influentes dos EUA. 
Void.
VICE: Como você começou a fotografar a cena hardcore de DC?
Jim Saah: Descobri o punk rock em 1980, ou por aí, quando eu tinha 16 anos, e logo descobri que as pessoas que faziam aquela música estavam em DC, bem no meu quintal. Então, claro, comecei a ir a todo show que conseguia.

Quais suas primeiras memórias desses shows?
​Os shows aconteciam em todo tipo de lugar estranho: um salão atrás de um restaurante chinês, lojas abandonadas... Eles faziam matinês de hardcore nas tardes de sábado, e esses shows eram incríveis. A comunidade, a energia e a camaradagem eram intoxicantes.

Como era andar pela cidade quando "espancadores de punk" ainda existiam?
​No documentário, as bandas falam de caipiras pulando de caçambas de caminhonetes para bater neles. Muitos desses caras não aceitavam isso; eles não eram lutadores inerentes. Como o Henry Rollins diz no filme: "Eu não sabia lutar, eu tinha vindo de uma escola particular, eu era dos subúrbios de Upper North West. Mas você aprende a dar um soco depois de um tempo". Então eles começaram a quebrar uns caras e a andar em grupos. Você via as pessoas entrando em brigas nos shows e tudo mais.

A cena é conhecida por ser o berço do straight edge, mas havia bastante bebida e droga nos shows, certo?
​É, as pessoas se enganam porque DC é conhecida pela coisa do straight edge, mas muitas pessoas iam para os shows bêbadas ou fumavam maconha.

Faith.
Então os garotos straight edge eram sempre minoria nesses shows?
​Eles eram um grupo pequeno, com certeza.

Tem uma foto sua do público sentado no show, assistindo uma banda, o que você vê com frequência nos shows do Fugazi. Fale um pouco sobre isso.
​Acho que essa foto foi tirada entre bandas. Com os shows do Fugazi, se as pessoas ficavam muito violentas – chutando muito e tal – [a banda] parava e dizia: "Calma aí". Mas as pessoas dançavam nos shows do Fugazi. Ninguém realmente ficava sentado, exceto talvez no Rites of Spring, ou algumas das bandas que tentavam se afastar dessa coisa de violência. Eles faziam shows bem cedo, em lugares como o Food for Thought, e as pessoas se sentavam e assistiam respeitosamente a banda, propositalmente sem dançar, pogar etc. Mas esse não era o caso nos primórdios da cena.
Ian MacKaye, Minor Threat.
E aquela foto do Ian MacKaye pregando para a multidão, acontecia muito das bandas pararem no meio da música quando as pessoas ficavam muito violentas?
​Bom, isso nunca era como o Minor Threat. Com o Fugazi isso acontecia bastante; não em todo show. Numa parte do filme, talvez em 1990, as pessoas estão pogando muito violentamente e o Guy [Picciotto, guitarrista do Fugazi] para o show. Eles terminam a música e ele mergulha no público e agarra um carinha que estava pulando na cabeça de todo mundo. "Senta aí, porra. Se você quer chutar as pessoas na cabeça, sobe no palco e tenta me chutar na cabeça."

E os shows simplesmente acabavam depois disso?
​Geralmente eles continuavam. Às vezes eles paravam o show, gritavam com as pessoas e voltavam a tocar direto, eles nem chegavam a perder o ritmo.
Ian MacKaye em um show do Dead Kennedys.
O Ian também aparece num show do Dead Kennedys que você fotografou. Ele está no fundo, olhando preocupado enquanto um cara toma um mata-leão e coloca a língua pra fora. As pessoas viam o Ian como um policial nos shows?
​Acho que o Ian era só um fã. Se não era um show dele, ele não agia como um segurança e ficava mandando nas pessoas. Ele só ficava do lado do palco assistindo. Se era um show dele e ele estivesse tocando, aí sim. Quer dizer, não posso falar por ele, essa é só minha observação.
Guy Picciotto, Fugazi.
Me fala sobre a famosa foto do Guy Picciotto – a foto dele caído com as pernas abertas no palco.
​Isso foi num show no 9:30 Club, onde ele ficou rolando e se jogando nas coisas, e parece que ele se machucou algumas vezes. Às vezes ele caía na bateria ou puxava as cordas da guitarra no chão. E isso já era quase no final do show. Ele não tinha se machucado nessa hora, acho, ele só estava exausto, e tem um microfone jogado no chão e um monte de coisas em volta – achei que foi uma escolha interessante para a capa do Repeater. O próprio Guy fez piada disso quando o disco saiu; ele dizia para as pessoas: "Minha bunda está na capa!". Talvez ele tenha ficado com um pouco de vergonha, não sei.

O resto da banda falou com você sobre usar a foto na capa do Repeater?
​Eles pediram especificamente essa foto. Eles escolheram todas as fotos. Eu mandava coisas para eles porque fotografava muitos shows, e então o Kurt Sayenga fez o design. Ele fez um fanzine, eu fiz um fanzine e a gente trabalhava junto em algumas coisas, então eles me pediram para mandar as fotos para ele.
Black Flag.
O Henry Rollins te deu uma imagem muito impressionante do shortinho suado dele. Era sempre intenso fotografá-lo com o Black Flag?
​Ele era sempre muito intenso. Quando comecei a frequentar aos shows, ele já tinha saído da cidade para entrar no Black Flag, então eu o via quando eles vinham tocar, e meio que já conhecia ele de antes. Ele era um cara muito intenso naquela época. Entrevistei ele para o meu fanzine e ele ficou lá com aquela cara. Não sei se era um personagem – não éramos realmente amigos antes disso – mas ele geralmente ficava apertando uma bola de piscina e te encarando enquanto você falava com ele.

E então, nos shows ao vivo... tudo explodia: suar e cantar usando aqueles shorts que ficavam ensopados, se jogar na multidão... era uma coisa visceral, com suor, saliva e música alta. Era muito intenso. 

Parece que o Black Flag se encaixava perfeitamente na cena de DC, mas só o Henry era mesmo da cidade.
​É, ele também foi do S.O.A e algumas outras bandas de DC antes de se juntar ao Black Flag. Acho que algumas pessoas devem achar que eles são de DC, mas foi ele quem se mudou para Los Angeles para cantar na banda, acho.
Henry Rollins, Black Flag.
O que você acha que causou a decadência de cena no final dos anos 80?
​O Minor Threat ter acabado. Eles eram a minha banda favorita – eles e o Faith. A maioria das bandas que eu curtia nos anos 80 acabaram. Aí veio aquela nova safra de bandas, como o Rites of Spring, o Beefeater e as coisas da era "Revolution Summer".

Parte dessa coisa do Revoltution Summer era que as pessoas queriam retomar a cena – elas queriam tocar para públicos menores e não ter caras violentos aparecendo e acertando socos na cabeça de todo mundo, e eu achava isso OK. Essas bandas apreciavam uma cena mais calma e menor, mas nenhuma delas durou muito. Tipo, o Rites of Spring durou, sei lá, nove meses, e o Happy Go Licky e o Beefeater lançaram alguns discos póstumos e foram fazer outra coisa. Então acho que foi uma combinação de motivos. 

Parecia que a maioria das bandas não estavam tão dispostas a promover as causas políticas sobre as quais muitos dos shows eram feitos. Esse foi outro fator?
​Brian Baker [do Minor Threat] e outras pessoas diziam que eram boas causas, eles eram envolvidos com política, mas isso acabou se tornando a força motora: Quase todo show em DC nessa época acabava sendo um show do [coletivo ativista local] Positive Force, e algumas pessoas queriam se concentrar apenas na música. Mas muita gente também se interessava por política e coisas como o movimento anti-Apartheid que eles fizeram. Então havia dois lados: um monte de garotos envolvidos com o Positive Force e outras pessoas que só iam ver as bandas e ficavam pensando: "Porra, queria que esse cara parasse de falar e deixasse a banda tocar".
Bruce Hellington, 9353.
Thurston Moore disse que a cena mudou totalmente depois que os garotos começaram a transar. Você acha que isso é verdade?
​Achei o termo que ele usou – "pré-sexual" – engraçado. Pessoalmente, uma das razões para eu ter ido a menos shows em 1984 e 85 foi porque eu estava namorando. E quando ele disse isso, eu só concordei com a cabeça. Porque pensei: "É, a cena mudou pra mim quando comecei a transar". O punk rock era ótimo, mas essa outra coisa também era muito legal.

Acho que isso talvez tenha sido o começo de toda a coisa pós-hardcore/emocore, onde as bandas começaram a escrever músicas sobre garotas.
​Exatamente. A cena mudou musicalmente a esse respeito. As pessoas começaram a escrever as coisas que sentiam, e acho que essa é a natureza de envelhecer. Acho que ter relações com homens e mulheres teve algo a ver com isso. Acho que é verdade o que o Thurston disse. Ele acertou.

Você fotografou todas as grandes bandas do período – Minor Threat, Bad Brains, Fugazi etc. Quem te realizou mais como fotógrafo?
​Eu diria que, no começo, o Minor Threat foi a banda que mais gostei de fotografar, porque eles e o público estavam totalmente envolvidos. Quanto à energia e à banda que eu mais me empolgava em fotografar: Fugazi. Dá para perceber pelo tanto de fotos que fiz deles; tenho milhares de fotos da banda. E eu nunca enjoava porque eles sempre faziam um show foda; eles nunca tinham uma setlist pronta e nada nunca estava escrito. Era diferente todas as vezes.

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Tradução: Marina Schnoor


Fonte: http://www.vice.com/pt_br/read/jim-saah-aprendeu-a-fotografar-durante-o-auge-do-hardcore-de-washington-dc