Para compreender a blindagem de Alckmin
Sem polêmica, governador fica tranquilo
Na surdina, SP aprovou seu Código (Anti-)Florestal. Nem
esquerda, nem sociedade civil mobilizaram-se. Episódio revela vazio político em
que surfam conservadores paulistas
Curiosos (e reveladores) são os meandros da política. Em
2012, a aprovação de um novo Código Florestal brasileiro provocou intenso debate entre
setores da sociedade brasileira. A tramitação, no Congresso Nacional,
arrastou-se por quatro anos. A crítica dos ambientalistas à nova lei, por sua
complacência com o desmatamento, foi um dos marcos do desgaste do governo
Dilma, entre a parcela da população mais à esquerda. Mas ontem, em São Paulo,
consumou-se uma mágica.
No Estado onde o agronegócio é mais forte e predatório, a
Assembleia Legislativa aprovou uma espécie de Código (Anti-)Florestal paulista.
Ele vai muito além das concessões oferecidas aos proprietários
de terra, em esfera nacional, há dois anos. A área de mata a ser preservada às
margens dos rios cai para apenas cinco metros, em alguns casos (são 30 metros,
no Código Florestal brasileiro). As propriedades que desrespeitarem a quota mínima
de vegetação nativa exigida por lei poderão “compensar” a ilegalidade plantando
árvores (inclusive eucaliptos) em outros Estados. Criou-se um evidente
incentivo a desmatar em São Paulo e reflorestar, digamos, em Roraima (onde o
hectare custa muito menos e a fiscalização paulista não chega). Apresentado em
março pelo deputado Barros Munhoz (PSDB), líder do governo Alckmin na
Assembleia, o projeto tramitou em regime de rolo compressor. Vai agora à sanção
do governador. Sua sanção será um escândalo, em momento de crise hídrica — da
qual o desmatamento é um dos fatores centrais. No entanto, o governador Alckmin
e sua maioria legislativa não sofreram um arranhão. Por que a diferença?A
resposta óbvia é a pressão conservadora. O projeto de Munhoz tramitou por nove
meses em surdina porque, por exemplo, nenhum jornal da velha mídia dispôs-se a
publicar algo sobre ele, nesse período (a Folha traz um bom texto hoje, quando a Inês já é morta). A coalizão de
partidos que apoia Alckmin — entre eles, o PSB e o PV… — bloqueia qualquer
tentativa de abrir debates ou investigações, na Assembleia. Lá, jamais haverá,
por exemplo, uma CPI para apurar a corrupção nas “licitações” entre amigos que
estão sucateando o Metrô.
Mas esta resposta basta? Há dezesseis anos, os partidos de
esquerda perdem todas as oportunidades possíveis para ser alternativa ao PSDB.
Crise da água, caos no transporte público, aumento constante da violência do
crime e da polícia, Código (Anti-)Florestal — nada disso leva um partido ou
parlamentar a fazer uma denúncia fora dos corredores da Assembleia, tentar uma
mobilização. A paralisia contagia a sociedade civil. Terá havido, contra a lei
aprovada ontem, um centésimo da grita que se armou (“Veta, Dilma”) há dois
anos? Por que a complacẽncia?
Os fatos ajudam a desvendar como regrediu a cena política
brasileira, nos últimos quatro anos. A esquerda institucional acostumou-se com
o poder e esqueceu seu papel na contestação da ordem. A sociedade civil
mobilizada limita-se a pautas cada vez mais fáceis e pouco profundas. As novas
mídias alternativas deixam de cobrir inúmeros fatos relevantes (Outras
Palavras, por exemplo, também foi surpreendido com o novo Código Anti-Florestal
paulista…). Encontrar saídas para este impasse será crucial, nos próximos
meses.
Fonte: http://outraspalavras.net/blog/2014/12/11/para-compreender-a-blindagem-de-alckmin/
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