sexta-feira, 31 de agosto de 2012

PT, PSDB e a oligarquia do Brasil - por Latuff

Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

A tal da rede social - Por Theotonio de Paiva*

Como me converti em mais um censurado pelo Facebook, cujas noções de culpa-e-castigo remontam ao século XIV e Peste Negra
É curioso como o processo de punição é compreendido e empreendido dentro de uma rede social. Pensa comigo, caro leitor, numa dada situação, na qual um sujeito é atacado por um determinado vírus, ou coisa que o valha, presente na própria rede. Em conseqüência disso, ele passa a transmitir involuntariamente mensagens e a realizar compartilhamentos e comentários a torto e a direito. A resultante disso, pela lógica desse sistema, é de responsabilizar… o próprio sujeito.
Assim, no momento em que escrevo esse texto, tenho a minha página no Facebook censurada por exatos quinze dias. A razão? Eu me utilizei da prática de spam! Mas, como assim? Não foi involuntário? Perguntará o incrédulo leitor com o acontecido. Posso assegurar que assim foi. No entanto, o texto lacônico não admite dúvida, muito menos contestação: passamos assim a ser responsabilizados por uma ação de risco que a própria rede é quem deveria melhor administrar.
Com efeito, o que transparece na reação empreendida é de que não há razão para se ir atrás de quem primeiramente difundiu a epidemia virtual. Pela lógica que se depreende isso seria rezar contra o bom senso. E bom senso, já dizia o filósofo, é uma categoria que todos batem no peito dizendo que possuem quando efetivamente a prática de vida demonstra exatamente o contrário.
Num nível infinitamente mais sutil, cara leitora, trabalha-se com o mesmo tipo de sanção do século XIV, quando a peste negra invadiu a Europa. Ou, se quiser, pensando num tempo a frente, naquela época em que homens e mulheres eram identificados às imagens de seitas hostis, como as que foram projetadas aos leprosos, judeus bruxas e feiticeiros. Vigiar e punir, essa é a lógica. Simplesmente vaticinam a exclusão do indivíduo. E mais: se voltar a fazê-lo daqui a quinze dias, mesmo que involuntariamente, será desligado implacavelmente do convívio da terceira maior população mundial!
Não, caro leitor, isso não é a glória, tampouco um assunto de somenos importância. Estamos falando de uma coisa miúda chamada liberdade. A tal propalada liberdade de expressão que procuro utilizar bastante bem aqui, neste blog, nos sites em que, porventura, colaboro, nos trabalhos realizados como homem de teatro e professor, e, igualmente, dentro das redes sociais dentro das quais participo, sem nenhuma modéstia, ativamente.
No meu caso, rede social não é um pequeno entretenimento ao qual tenho acesso para mostrar as minhas vaidades e idiossincrasias. Nada, aliás, contra as idiossincrasias e as vaidades. Ocorre, entretanto, que penso diferentemente. As redes sociais, e, em alguma medida, a própria web, tornaram-se espaços para um maior convívio afetivo entre os homens, é verdade, além de ganharem uma dinâmica preciosa para compartilhamento de informações e conhecimentos. Um lugar (ou lugares) para se pensar sobre as relações entre os homens e para ruminarmos virtualmente algumas ideias.
E mais: a sua riqueza se faz a partir de uma demanda enquanto espaço plural, leitor atento, em que homens e mulheres conseguem efetivamente se corresponder e pensar novas perspectivas acerca de suas vidas, afetos, vivências, reflexões estéticas, políticas e de toda ordem do saber.
Assim, penso ser inadmissível quando essa manifestação se encontra tolhida por um pretexto que não se justifica a luz dos fatos, ou seja, por ter sido atacado por uma ação nefasta que visa espalhar mensagens e vírus à revelia de quem quer que seja.
Essa punição dá uma medida estranha, perversa, sobre um fenômeno cultural que precisa ser mais bem entendido e administrado por todos nós. Hoje aconteceu comigo, leitor amigo, pode amanhã acontecer com qualquer um outro.
Naquela altura, em meio à avalanche de mensagens espúrias, que saíam em meu nome pela rede social, lembrei-me dele: o velho e bom Asterix. E lembrei-me por sua luta contra uma força avassaladoramente maior do que ele.
E brindei, a cada ação do vírus, com a seguinte taça: na medida das minhas forças e talento, responderia com arte. E, vejam só como fui paciente, postei músicas como Eu não tenho nada a ver com isso, do Vinícius e Toquinho,Baioque, do Chico Buarque.
Mas não fiquei nisso. Foram ao ar imagens e comentários que diziam com humor, naquele compasso de quem anda sutil demais, a angústia de ser importunado insistentemente por uma ação absolutamente predatória.
Ao gerar transtornos absurdos, parecia promover efetivamente uma espécie de mal-estar generalizado e uma descrença no sujeito que teoricamente promovia aquilo. E, como toda descrença significativamente simbólica, lembrava àqueles atores sociais envolvidos – amigos, conhecidos e outros que nem sei o nome – de que a retórica do poder, qualquer poder, é implacável. Sempre.
Nesse sentido, ao ser removido de chofre de um convívio social e de trabalho, encontro-me naquela situação besta, do sujeito vigiado por forças infinitamente maiores do que ele, silenciosamente atentas, mas com enormes dificuldades em promoverem justiça, a mais simples dimensão do acordo entre os homens.
Theotonio de Paiva, dramaturgo e diretor de teatro, é doutor em Teoria Literária pela UFRJ e colaborador de Outras Palavras.

Marighella – O que é um herói? Por Artionka Capiberibe

Marighella – O que é um herói? 

Há várias definições no dicionário Houaiss nas quais nosso personagem se encaixaria. Mas arrisco minha própria definição: herói é alguém que está fora da curva; “feito de outro barro”, como disse um dia um índio do Oiapoque
Eu desconfiava: [...]
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.
(Carlos Drummond de Andrade, Igual-desigual, A Paixão Medida)
Essa semana, assisti ao filme “Marighella”, um documentário cuidadoso com os dados históricos e plasticamente belo, produzido e dirigido por Isa Grinspun Ferraz, sobrinha daquele que é o personagem central da trama, Carlos Marighella. O filme é instigante, faz pensar no passado, no presente, em ideais, sonhos de um país (de um mundo) diferente, em pessoas ímpares, tantas coisas que um texto só é insuficiente para esgotar tudo, por isso, vou tentar me concentrar no tema do herói.
Sendo filha de combatentes da ALN (Ação Libertadora Nacional), cresci ouvindo falar de Marighella, de como enfrentou duas ditaduras; de como queria acabar com as desigualdades sociais; de como sabia liderar outros que tinham o mesmo desejo que o seu; de como era corajoso, forte, envolvente e poeta. Não por acaso tenho um irmão que se chama Carlos, em sua homenagem. Ele sempre fez parte do panteão de heróis da minha família, que inclui, na ordem de primeira grandeza: Che Guevara e Camilo Cienfuegos, este também homenageado como segundo nome do meu irmão Carlos. Marighella é para nós uma espécie de herói particular.
Fui ao cinema acompanhada de uma amiga, Carmen, para quem Carlos Marighella era pouco conhecido, tendo-lhe sido apresentado apenas na graduação em ciências sociais. A conversa depois do filme, deixou claro que meu herói só era de foro privado por falta de espaço público. Carmen me disse, pegando o gancho nas falas da película: “ele é como Tiradentes, é um mártir, dos tempos recentes, mas ainda desconhecido”. Fiquei pensando no ainda, em quanto tempo AINDA levaria para que ele fosse estudado nas escolas como um herói nacional, desconfio (ou espero) que a mobilização em torno da Comissão da Verdade e da abertura dos arquivos da ditadura possa acelerar este processo, revelando também os vilões da história. Mas aqui quero introduzir a questão que dá título a este texto: o que é um herói? Há várias definições no dicionário Houaiss nas quais nosso personagem se encaixaria. Mas arrisco minha própria definição: herói é alguém que está fora da curva; “feito de outro barro”, como disse um dia um índio do Oiapoque; capaz de inspirar os outros e de ouvi-los; corajoso, altruísta; que consegue enxergar à frente de seu tempo; alguém que não nega as contradições próprias do ser humano (inclusive as suas).
Um herói não é um santo. E Marighella não o era, mantendo-se sempre radical em sua forma de pensar e agir
Mais ainda, um herói não é um santo. E Marighella não o era, mantendo-se sempre radical em sua forma de pensar e agir. Isso aparece no filme em diferentes situações, como na fala de Antônio Cândido contando como fora atacado pela revista Fundamentos, dirigida por Marighella, com o epiteto “Trotskista” que, como ele explica, na época era usado como um terrível xingamento e não como uma vertente do comunismo oposta ao stalinismo. E, sobretudo na atuação direta do líder como guerrilheiro, seja assumindo a ação do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, mesmo discordando de sua função estratégica, ou nas chamadas “expropriações das riquezas dos grandes capitalistas” (como assaltos a bancos e ao trem pagador). Seu radicalismo não era, contudo, de um dogmatismo empedernido, pois, se assim não fosse, ele não teria abandonado o stalinismo após saber dos crimes de Stálin. Manteve-se sempre comunista, mas a revolução que aspirava era construída a partir da realidade brasileira e não da importação de modelos outros.
Parafraseando Cazuza, eu diria que meus heróis não “morreram de overdose”, morreram torturados, exterminados, aniquilados pelas forças do Estado e “meus inimigos [ainda] estão no poder”. Fato incrível, porque hoje no poder está sentada uma ex-guerrilheira. No entanto, ela está cercada pelas mesmas figuras retrógradas de antanho e fazendo um governo que permite o massacre de lideranças populares e indígenas, que, em nome de um duvidoso e antiquado modelo de desenvolvimento, sacrifica o meio ambiente e, com isso, o presente das populações locais e o futuro das novas gerações. O que entristece e decepciona é ver que este governo não incomoda a quem deveria incomodar, é apenas uma reedição moderna do que vem sendo feito há séculos no país, a diferença é que agora sobram algumas migalhas a mais aos mais pobres. Definitivamente, a presidenta não se enquadra na minha definição de herói.
Contudo, da geração que sonhou e lutou junto com Marighella há ainda muitos vivos, alguns deles presentes no filme e tão personagens deste quanto Marighella. Estes homens e mulheres continuam agindo para mudar o mundo tão injusto em que vivemos, atuando em várias frentes, como: no apoio às mães dos mortos injustamente nas periferias das metrópoles brasileiras; denunciando uma polícia militar sangrenta; brigando pela abertura dos arquivos da ditadura, a apuração da verdade dos crimes cometidos por esta, o resgate da memória daqueles que foram subjugados pelo Estado e a punição dos torturadores; advogando para movimentos sociais, movimentos estudantis e sindicatos; buscando fazer da educação um instrumento de criatividade e transformação; lutando por um desenvolvimento socioambiental e econômico sustentável; pelas chamadas minorias que vivem nos interiores e sertões do país e na Amazônia (ribeirinhos, parteiras tradicionais, índios, quilombolas); e por um Estado mais transparente e menos corrupto.
Estes são meus heróis, pois acredito que todos precisamos de heróis (até mesmo os mais céticos). A eles dedico este texto.
Artionka Capiberibe é antropóloga, professora da EFLCH-Unifesp, é autora de Batismo de fogo: os Palikur e o Cristianismo (Ed. Annablume).

Noam Chomsky: “Querem vencer Assange pelo cansaço” – por José Maria León - Gkillcity

Noam Chomsky: “Querem vencer Assange pelo cansaço”
Nesta entrevista ao site equatoriano GkillCity, o linguista e filósofo norte-americano defende que Assange não teria hipóteses de ter um julgamento justo nos Estados Unidos. Chomsky acrescenta que do ponto de vista de quem ama a democracia, o fundador do Wikileaks merecia "uma medalha de honra" em vez de um julgamento. "A sombra que paira sobre todo este assunto é a expectativa de que a Suécia envie rapidamente Assange para os EUA, onde as hipóteses de ele receber um julgamento justo são virtualmente zero".
O governo norte-americano emitiu uma nota em que declara que este assunto Julian Assange é um problema de britânicos, equatorianos e suecos. Você acha esse argumento honesto? Os EUA estão interessados no destino do criador do Wikileaks?
A declaração não pode ser levada a sério. A sombra que paira sobre todo este assunto é a expectativa de que a Suécia envie rapidamente Assange para os EUA, onde as hipóteses de ele receber um julgamento justo são virtualmente zero. Tudo isso é evidente a partir do tratamento brutal e ilegal dado a Bradley Manning [o soldado norte-americano acusado de ter vazado as informações mais importantes que o Wikileaks publicou], e a histeria geral com que o governo e os media vêm tratando o caso.

Além disso, do ponto de vista de quem acredita no direito dos cidadãos a saber o que seus governos planeiam e fazem – ou seja, de quem tem afeto pela democracia – Assange não deveria receber um julgamento, mas uma medalha de honra.

Numa entrevista com Amy Goodman para o Democracy Now!, você afirmou que a principal razão para os segredos mantidos pelos Estados é protegerem-se da sua própria população. É a primeira vez na história em que o mundo vê as verdadeiras cores da diplomacia?
Qualquer um que estuda documentos cujo prazo de sigilo expirou, percebe que o segredo é, em grande parte, um esforço para proteger os políticos dos seus próprios cidadãos – e não o país dos seus inimigos. Sem dúvida o segredo é por vezes justificado, mas é raro – e no caso dos documentos expostos pelo Wikileaks, eu não vi um único exemplo disto.

Esta não é – de maneira nenhuma – a primeira vez que as verdadeiras “cores da diplomacia” foram expostas por documentos divulgados. Os Pentagon papers são um caso famoso. Mas a questão é que se trata de um tema recorrente. As informações contidas inclusive nos documentos desclassificados oficialmente são, em geral, muito impressionantes. Porém, muito raramente estas informações tornam-se conhecidas pelo público – e até pela maior parte dos académicos.

Sobre o asilo oferecido pelo Equador para Assange, aponta-se uma ambiguidade na atitude do governo de Rafael Correa. Por um lado, manteria confronto retórico constante com os media (estando em disputa judicial com o diário El Universo e o jornalista Juan Carlos Calderón e Christian Zurita, autores do livro Big Brother). Por outro, defende Julian Assange. Você também vê uma contradição nisso?
Pessoalmente, acho que só em circunstâncias extremas o poder do Estado deveria limitar a liberdade de imprensa – não importando, a esse respeito, quão vergonhoso e corrupto seja o comportamento dos media. Não há dúvida que houve vários graves abusos – por exemplo, quando as leis de difamação inglesa foram usadas por uma grande empresa mediática para destruir um pequeno jornal dissidente, que publicou uma crítica a uma de suas notícias sobre um escândalo internacional. Ocorreu há alguns anos, e não despertou praticamente nenhuma critica.

O caso do Equador tem de ser analisado pelos seus méritos, mas qualquer que seja a conclusão, não há qualquer influência em dar asilo ao Assange; assim como a supressão vergonhosa da liberdade de imprensa, no caso que mencionei, não deveria pesar, se a Grã-Bretanha concedesse o direito de asilo a alguém que teme perseguição estatal. Nem ninguém afirmaria o contrário, no caso de um poderoso Estado ocidental.

Já que estamos falando de ambiguidade, haveria um duplo padrão na aplicação das leis pelos britânicos, já que no caso de Pinochet o pedido de extradição solicitado por Baltazar Garzón foi negado?
O padrão reinante é subordinado aos interesses de poder. Raramente há uma exceção.

Qual é, na sua opinião, o futuro imediato no caso Assange? A polícia britânica invadirá a embaixada equatoriana? Assange será capaz de deixar a Inglaterra? Mais tarde, estará em perigo, mesmo recebido pelo Equador?
Não há praticamente nenhuma possibilidade de Assange sair do Reino Unido, ou da embaixada. Duvido bastante que a Inglaterra invada o território, uma violação radical do direito internacional – mas esta hipótese não pode ser descartada. Vale a pena lembrar o ataque contra a embaixada do Vaticano, por forças norte-americanas, depois da invasão no Panamá, em 1989. As grandes potências normalmente consideram-se imunes à lei internacional; e as classes próximas ao poder costumam proteger essa postura. Ao meu ver, a Inglaterra tentará vencer Assange pelo cansaço, esperando que ele não consiga suportar o confinamento num pequeno quarto na embaixada.

Num aspecto mais amplo, Slavoj Zizek disse que não estamos a destruir o capitalismo, mas apenas a testemunhar como o sistema se destrói a si mesmo. Seriam os movimentos do Occupy, a crise financeira na Europa e nos EUA, a ascensão da América Latina e outros países marginais ou o caso Wikileaks sinais deste desmoronamento?
Longe disso. A crise financeira na Europa poderia ser resolvida, mas está a ser usada como uma alavanca para minar o contrato social europeu. É basicamente um caso de guerra de classes. A atuação do banco central dos EUA (o Federal Reserve) é melhor do que a do europeu, mas é muito limitada. Outras medidas poderiam aliviar a grave crise no EUA, principalmente o desemprego. Para a maior parte da população, o desemprego é a principal preocupação, mas para as instituições financeiras, que dominam a economia e o sistema político, o interesse está em limitar o déficit, para permitir que prossiga o pagamento de juros.

Em geral, há um enorme abismo entre a vontade pública e política. Este é apenas um caso. A ascensão da América Latina é um fenómeno de grande significado histórico, mas está longe de estremecer o sistema capitalista. Embora o Wikileaks e os movimentos Occupy sejam irritantes para os que estão no poder – e um grande apoio para o bem público –, não são uma ameaça para os poderes dominantes.

(*) Entrevista por José Maria León, publicada no site Gkillcity | Tradução: Cauê Ameni, para o site Outras Palavras.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Por que o Equador ofereceu asilo a Assange - Por Mark Weisbrot*

Ética e direito internacional exigiam proteger fundador do Wikileaks. Caso gera precedente histórico e abala reputação dos EUA e Inglaterra

O Equador tomou a decisão correta: oferecer asilo político a Julian Assange. Ela segue-se a um incidente que pode dissipar as dúvidas sobre que motivos levam os governos britânico e sueco a tentar extraditar o fundador do Wikileaks. Na quarta-feira, o governo do Reino Unido lançou uma ameaça sem precedentes, de invadir a embaixada do Equador, se Assange não fosse entregue. Este assalto seria um ato extremo, na violação do direito internacional e das convenções diplomáticas. É até difícil encontrar exemplo de um governo democrático que tenha sequer feito tal ameaça, quanto mais executá-la.

Quando o ministro das Relações Exteriores do Equador, Ricardo Patiño, tornou públicas, numa resposta irritada e desafiadora, as ameaças que recebera por escrito, o governo britânico tentou voltar atrás e dizer que não se tratava de uma ameaça de invasão da embaixada (que é território soberano de outro país). Mas o que mais poderiam significar estas palavras, extraídas da carta entregue por uma autoridade britânica?

“É preciso adverti-los que há base legal, no Reino Unido – a Lei de Edifícios Diplomáticos e Consulares, de 1987 – autorizando-nos a agir para prender o Sr. Assange, nas instalações da embaixada. Esperamos sinceramente não chegar a tal ponto, mas se vocês não foram capazes de resolver o assunto da presença do Sr. Assange em suas instalações, há uma opção aberta para nós”.

Alguém em seu juízo acredita que o governo britânico faria esta ameaça inédita, caso se tratasse apenas de um cidadão estrangeiro qualquer, perseguido por um governo estrangeiro por polemizar – não há acusações criminais, nem um julgamento?

A decisão do Equador, de oferecer asilo político a Assange era previsível e razoável. Mas é também um caso paradigmático, de considerável significado histórico.

Primeiro, os méritos do caso: Assange tem medo bem fundamentado de sofrer perseguição, caso seja extraditado para a Suécia. Sabe-se perfeitamente que ele seria encarcerado de imediato. Como não é acusado de crime algum, e o governo sueco não tem razões legítimas para levá-lo a seu país, esta é uma primeira forma de perseguição..

Podemos inferir que os suecos não têm razões legítimas para a extradição porque a oportunidade de interroga-lo no Reino Unido foi-lhes oferecida repetidamente. Mas a rejeitaram, recusando-se inclusive a apresentar razões para tanto. Há algumas semanas, o governo equatoriano ofereceu-se a autorizar o interrogatório de Assange em sua embaixada londrina, onde o fundador do Wikileaks reside desde 19 de junho. Mas o governo sueco recusou-se – novamente, sem oferecer razão. Foi um ato de má-fé, no processo de negociação que se estabeleceu entre os governos, para tentar resolver a situação.

O ex-procurador-chefe do distrito de Estocolmo, Sven-Erik Alhem também deixou claro que o governo sueco não tem razões legítimas para requerer a extradição de Assange, quando afirmou que o pedido do governo sueco é “irrazoável e não-profissional, assim como injusto e desproporcional”, já que ele poderia ser facilmente interrogado no Reino Unido.

Ainda mais importante, o governo do Equador concorda que Assange tem medo razoável de uma segunda extradição para os Estados Unidos, e de ser perseguido aqui por suas atividades como jornalista. A evidência é forte. Alguns exemplos: uma investigação em andamento, sobre Assange e o Wikileaks, nos EUA; evidências de que um indiciamento já foi preparado; declarações de autoridades importantes, como a senadora Diane Feinstein, do Partido Democrata, de que ele deveria ser processado por espionagem, o que potencialmente pode levar à pena de morte ou prisão perpétua.

Por que este caso é significativo? Provavelmente, é a primeira vez que um cidadão que foge de perseguição política pelos Estados Unidos recebe asilo de um governo democrático interessado em fazer valer as convenções internacionais de direitos humanos. É algo de relevância enorme, porque por mais de 60 anos – especialmente durante a Guerra Fria — os EUA tentaram retratar a si mesmos como defensores internacionais dos direitos humanos. E muitas pessoas buscaram e receberam asilo nos EUA.

A ideia de que o governo dos EUA é um paladino dos direitos humanos, que foi aceita principalmente no próprio país e em seus aliados, desprezou os direitos humanos das vítimas das guerras e da política externa norte-americanas. É o caso de 3 milhões de vietnamitas ou de mais de um milhão de iraquianos mortos, e milhões de outros desabrigados, feridos ou maltratados por ações dos EUA. Esta concepção – segundo a qual os EUA deveriam ser julgados apenas segundo o que fazem em suas fronteiras – está perdendo apoio à medida em que o mundo torna-se mais multipolar, econômica e politicamente. Washington perde poder e influência e suas guerras, invasões e ocupações são vistas por cada vez menos gente como legítimas.

Ao mesmo tempo, na última década, deteriorou a situação dos direitos humanos nos próprios Estados Unidos. É claro que, antes da legislação dos direitos civis, nos anos 1960, milhões de afro-americanos nos Estados do sul não podiam votar nem tinha outros direitos civis – e o constrangimento internacional provocado por isso contribuiu para o sucesso do movimento pelos direitos civis. Mas ao menos, ao final daquela década os EUA podiam ser vistos como um exemplo positivo, em termos de domínio da lei, garantia do devido processo e proteção dos direitos e liberdades civis.

Hoje, os EUA reivindicam o direito de deter indefinidamente seus cidadãos. O presidente pode ordenar o assassinato de um cidadão sem que ele sequer seja ouvido. O governo pode espionar seus cidadãos sem autorização judicial. E as autoridades são imunes a processo por crimes de guerra. Contribui para a deterioração da imagem o fato de os Estados Unidos contarem com menos de 5% da população mundial, mas quase um quarto da população encarcerada – em boa parte, vítima de uma “guerra às drogas” que também está perdendo legitimidade rapidamente, no resto do mundo.

A busca bem-sucedida de asilo por Assange é outra nódoa na reputação internacional de Washington. Mostra, ao mesmo tempo, como é importante ter governos democráticos independentes dos Estados Unidos e não dispostos – ao contrário da Suécia e do Reino Unido – a colaborar, em nome da conveniência, na perseguição de um jornalista. Seria desejável que outros governos fizessem a Inglaterra saber que as ameaças de invadir embaixadas estrangeiras colocam-na fora das fronteiras das nações que respeitam o estado de direito.

É interessante assistir aos jornalistas pró-Washington e a suas fontes buscando, na decisão do Equador de oferecer asilo a Assange, razões de interesse próprio. Correa quer retratar-se como campeão da liberdade de expressão, dizem eles; também alegam que atingir os Estados Unidos, ou apresentar-se como líder internacional. É tudo ridículo.

Correa não procurou confusão e a disputa é, desde o início, um caso em que ele sofrerá perdas em qualquer hipótese. Enfrenta tensão crescente com três países que são diplomaticamente importantes para o Equador – EUA, Reino Unido e Suécia. Os EUA são o maior parceiro comercial do Equador e ameaçaram, diversas vezes, romper acordos comerciais que garantem os empregos de milhares de equatorianos. Como a maior parte da mídia internacional foi hostil a Assange desde o início, o pedido de asilo foi usado para atacar o Equador, e acusar o governo de um endurecimento contra a mídia interna. Como já escrevi, é um exagero grosseiro e uma falsificação da realidade equatoriana, que tem uma mídia não submetida a censura, majoritariamente na oposição ao governo. A maior parte dos leitores do mundo ouvirá, por muito tempo, apenas esta versão deturpada sobre o Equador.

Correa tomou sua decisão porque era a única opção ética a adotar. Qualquer um dos governos independentes e democráticos da América do Sul teria feito o mesmo. Quem dera as maiores organizações mundiais de mídia tivessem a mesma ética e compromisso com a liberdade de expressão e de imprensa.

Veremos agora se o governo do Reino Unido respeitará o direito internacional e as convenções de direitos humanos, oferecendo a Assange um trânsito seguro ao Equador.

Tradução: Antonio Martins
Mark Weisbrot é co-diretor do Centro para Pesquisas Econômicas e Políticas (CEPR), Também é co-roteirista (com Oliver Stone) do documentário Ao Sul da Fronteira

O destino de Assange: o que acontece agora? – por Marcelo Justo

O destino de Assange: o que acontece agora?
A invasão da embaixada equatoriana em Londres abriria uma virtual caixa de pandora diplomática. No “The Times”, Roger Boyes opinou que, com essa medida, não só seria praticamente inevitável uma ruptura de relações com Equador, como a tensão diplomática se estenderia com certeza “a Venezuela, a Bolívia e até ao Brasil”. Além disso, uma ocupação da embaixada para prender Assange poderia ser utilizada como precedente para ataques contra embaixadas britânicas ou de outros países.

Londres - O Equador terminou com o suspense. A decisão do governo de Rafael Correa de garantir o asilo político a Julian Assange teve como corolário a resposta da chancelaria britânica que a qualificou como “lamentável” e indicou que cumprirá com sua “obrigação legal” de extraditar para a Suécia o fundador do Wikileaks.

Após quase dois meses do ingresso de Assange na sede diplomática equatoriana em Londres solicitando asilo político, a tensão subiu vários graus. Em uma coletiva de imprensa em Quito, o ministro de Relações Exteriores, Ricardo Patiño, assinalou que a decisão se baseava na Constituição equatoriana e no direito internacional. “O Equador acredita que é justificado o temor de Julian Assange de ser uma vítima política por sua defesa da liberdade de informação”, indicou. Segundo Assange, a acusação de delito sexual feita pela justiça sueca é parte de uma estratégia político-diplomática estadunidense para conseguir sua extradição e julgamento pela revelação de cerca de 90 mil documentos secretos via Wikileaks, acusação que, nos EUA, é passível de pena de morte.

O chanceler equatoriano indicou que solicitou uma reunião urgente à União das Nações Sulamericanas (Unasul) e à Alternativa Bolivariana para os Povos da América (ALBA). Patiño expressou seu desejo de que o Reino Unido conceda um salvo-conduto para que Assange possa viajar ao Equador, assinalando que o direito de asilo tem precedência sobre qualquer outra legislação nacional ou internacional. “O asilo é um direito fundamental que pertence ao sistema de normas imperativas do direito”, disse Patiño. O chanceler destacou que empreendeu longas negociações com o Reino Unido, a Suécia e os Estados Unidos e que nenhum desses países ofereceu garantias sobre o futuro de Assange.

A chancelaria britânica, por sua vez, disse que o Reino Unido não outorgará o salvo-conduto a Assange para que possa sair da embaixada. Na quarta-feira, em uma nota enviada pela embaixada britânica em Quito para o governo equatoriano, o governo advertiu que a lei britânica contemplaria a suspensão temporária da imunidade diplomática. A lei de Recintos Diplomáticos e Consulares de 1987 autorizaria o governo a “revogar o status diplomático” de um edifício se a lei está sendo violada. O parlamento britânico aprovou a lei depois que, em 1984, disparos foram feitos desde a embaixada líbia contra opositores que protestavam contra o governo de Muamar Kadafi, causando a morte da agente britânica Yvonne Fletcher.

A chancelaria britânica assinalou que está disposta a negociar um acordo satisfatório para ambas as partes, mas descartou de saída a possibilidade de conceder um salvo conduto. Segundo a imprensa britânica só há outras
duas opções.

A aplicação da lei de 1987 abriria uma virtual caixa de pandora diplomática. No “The Times”, Roger Boyes opinou que, com essa medida, não só seria praticamente inevitável uma ruptura de relações com Equador, como a tensão diplomática se estenderia com certeza “a Venezuela, a Bolívia e até ao Brasil”.

Não é o mais aconselhável para um país que fez este ano um giro pela América Latina para retomar sua relação com a região e definiu o Brasil como um dos mercados dos BRICs a conquistar para sair da recessão econômica. Segundo a BBC, a este problema se agregaria outro de maior repercussão internacional. Uma ocupação da embaixada para prender Assange poderia ser utilizada como precedente para ataques contra embaixadas britânicas ou de outros países: um virtual mini-caos. Mas se esta estratégia não for adotada, o fundador do Wikileaks terá que permanecer na embaixada: a polícia poderia detê-lo assim que pusesse um pé fora do prédio.

Neste cenário, tudo se abre para um desenlace tipo filme de Hollywood. O Equador poderia tentar levar Assange ap aeroporto em carro da embaixada que também gozaria de imunidade ou, mesmo, fazê-lo viajar escondido na mala diplomática. “Há regras estritas para o equipamento diplomático que permitem aos países transportar a documentação que necessitem. Estas valises diplomáticas podem ser de qualquer tamanho, mas são para documentos oficiais. É difícil ver como se poderia esconder uma pessoa nelas para subi-la ao avião”, especula a BBC. É de supor que o próprio avião deveria ter uma certa imunidade diplomática. É fácil ver como, na escada da aeronave, o filme de espionagem poderia se transformar em uma farsa digna de Mister Bean.

Um empate técnico parece mais factível. Em outras palavras, Julian Assange permaneceria na embaixada. Há muitos antecedentes neste sentido. É provável que o cardeal Jozesf Mindszenty detenha o recorde de tempo: ele passou 15 anos na embaixada dos Estados Unidos em Budapest, a partir da invasão soviética da Hungria, em 1956. Assange poderá superá-lo?

Tradução: Katarina Peixoto

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Estado Assassino: Rumores: o Irã estaria enganando o Ocidente? – por Luiz Eça

Rumores: o Irã estaria enganando o Ocidente?
Na edição de 7 de agosto, o jornal israelense Haaretz publicou notícias assustadoras.

Novas informações de fontes diplomáticas indicavam que o Irã estaria fazendo mais progressos na produção de componentes para seu programa de armas nucleares do que o Ocidente e Israel imaginavam.

Este fato só teria chegado ao conhecimento deles depois que o Irã recusou-se a permitir que inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica visitassem a base de Parchin. E que fotos de satélites publicadas pelo Institute for Science and International Security (ISIS) mostrassem uma tentativa de “limpar” totalmente o local para esconder o que está sendo feito ali.

Meses atrás, notícias semelhantes foram publicadas na imprensa de Israel.

Como nessa ocasião, também agora não se identificou sua origem, nem se forneceram quaisquer fatos que detalhassem e permitissem a comprovação da acusação.

O Haaretz fala em “fontes diplomáticas”, mas não informa quais nações. Nem diz em que consistiram os “progressos” iranianos.

Gareth Porter, especialista em Oriente Médio, nota no Inter Press Service que as fotografias apontadas como provas das intenções iranianas de enganar a vigilância ocidental nada têm de novo, uma vez que já foram apresentadas anteriormente.

Naquela ocasião, a Associated Press pediu a opinião de seis fontes diplomáticas a respeito  das fotos. Pelo menos quatro dessas fontes as consideraram inconvincentes.

Para a inteligência dos EUA não eram reveladoras do que se pretendia acusar o Irã.

Na verdade, a própria ISIS, que havia levantado dúvidas sobre a possível tentativa iraniana de esconder atividades suspeitas em novembro passado, mais tarde pronunciou-se no outro sentido.

Paul Brennen, um especialista em interpretação de fotos de satélites para a ISIS, informou ao New York Times que: “Não há jeito de saber ou não se as atividades que você vê nessa imagem particular de satélites são de limpeza (de vestígios de produção de armas nucleares) ou apenas trabalho de rotina”. E acrescentou: “Há muita atividade lá – sempre”.

Outras supostas evidências da atividade nuclear militar do Irã foram levadas ao Haaretz pelo Mujahideen-al-Khalj (MEK), cuja credibilidade é absolutamente discutível.

Trata-se de uma organização, rotulada como terrorista pelo próprio Departamento de Estado dos EUA, que tem em sua folha corrida atentados praticados contra alvos americanos e apoio a Saddam Hussein na guerra contra o Irã.

Nos últimos tempos, praticou alguns atentados no território do Irã, matando policiais e civis. Milicianos do grupo são treinados pelo Mossad em locais remotos do Iraque para realizar ações contra o Irã, sendo acusados de participação nos assassinatos de cinco cientistas nucleares iranianos.

Neste ano, o MEK contratou uma firma de relações públicas americana para promover uma caríssima campanha pela sua retirada da lista de organizações terroristas dos EUA.

Apesar de estarem recebendo o apoio de algumas personalidades militares e políticas (especialmente republicanos) dos EUA, ainda não conseguiram seu objetivo.

O Haaretz reporta que membros do MEK afirmaram ao jornal inglês Daily Telegraph que o trabalho dos cientistas iranianos do “grupo de armas” acha-se numa fase avançada, envolvendo ogivas e detonadores”.

O MEK não apresentou nenhuma prova de suas revelações. A não ser sua palavra, que não vale grande coisa.

Por enquanto, o que prevalece é a posição dos 16 serviços secretos civis e militares dos EUA: eles reafirmam que o programa nuclear iraniano não oferece perigo.

Na opinião desses serviços, o Irã não só não está desenvolvendo um programa nuclear militar, como também não demonstrou tais intenções.

“Recentes avaliações das agências de espionagem americanas”, diz o New York Times, em 24 de fevereiro deste ano, “são bastante consistentes com as revelações da inteligência em 2007, concluindo que o Irã havia abandonado seu programa de armas nucleares há anos. Os chefes das agências afirmaram que as avaliações de 2007 foram confirmadas em 2010 pela National Inteligent Estimative e elas representam a visão consensual de 16 agências de inteligência”.

Testemunham estas afirmações nada menos do que James R. Clapper, o diretor da inteligência nacional; David Petraeus, diretor da CIA; Leon Panetta, secretário da Defesa, e o General Martin Dempsey, comandante do Estado Maior das Forças Americana.

Notícias alarmistas como a do Haaretz parecem fazer parte de uma campanha de Bibi Netanyahu para convencer seu povo e a opinião pública mundial da necessidade de deter o Irã enquanto ainda dá tempo.

Há alguns dias, o primeiro-ministro declarou que estava perfeitamente consciente dos danos humanos e materiais que o conflito com os iranianos traria a Israel. Mas que seriam muitas vezes menores do que os causados por um Irã equipado com armamentos nucleares.

Na semana passada, na visita de Mitt Romney, Bibi afirmou, aplaudido pelo candidato republicano, que as sanções não haviam mesmo dado resultado.

Pouco antes, defendeu o provável bombardeio das instalações nucleares iranianas. Quando repórteres lembraram que os principais generais e chefes dos serviços de segurança ou eram contra ou achavam que só se justificava com a participação dos EUA, ele foi categórico: em assuntos assim, a última palavra cabia aos políticos, não aos militares.

Lembro que, na última pesquisa, Netanyahu só obteve 31% de opiniões favoráveis.

É fato reconhecido que, numa guerra, o povo do país costuma cerrar fileiras em torno do chefe de estado.

É possível que Bibi queira recuperar-se, criando um clima de guerra iminente ou mesmo bombardeando o Irã, antes das eleições americanas de novembro, para desgosto de Obama.

Nesse caso, Bibi aposta que o presidente americano fatalmente seria obrigado a tomar posição ao lado de Israel.

É claro, haveria o risco de Obama ficar em cima do muro e Israel ter de enfrentar o Irã sozinho, com perdas muito grandes, o que poderia voltar o povo contra o líder israelense.

Enquanto mede os prós e contras, Bibi vai apresentando ao mundo argumentos a favor da guerra.

Inclusive rumores, provavelmente inventados, de avanços iranianos no perigoso caminho do armamentismo nuclear.

Luiz Eça é jornalista.

As lições de Guernica, 75 anos depois - Por Amy Goodman

As lições de Guernica, 75 anos depois

O poder da arte em transformar armas em arados, e resistir à guerra, é constantemente renovado.
Mural representando Guernica, de Pablo Picasso (Papamanila/Wikipedia)

Há setenta e cinco anos, a cidade espanhola de Guernica foi bombardeada e reduzida a escombros. O ato brutal levou a que um dos maiores artistas do mundo pintasse um quadro em três semanas de trabalho intenso. “Guernica” de Pablo Picasso, um óleo de 3,5 x 7,8 metros retrata de forma cruel os horrores da guerra, refletidos nos rostos das pessoas e animais. Isto não prova que tenha sido o pior ataque durante a Guerra Civil da Espanha, mas tornou-se no mais famoso, graças ao poder da arte. O impacto de milhares de bombas lançadas sobre Guernica, o fogo das metralhadores aéreas que disparavam sobre civis tentando fugir do inferno, ainda hoje é sentido – pelos idosos sobreviventes, que ansiosamente partilham as suas memórias vividas, bem como pela juventude de Guernica, que luta por um futuro para a sua própria cidade longe da sua história dolorosa.

A Legião Condor da Luftwaffe Alemã (Força Aérea Alemã durante a Alemanha Nazi) fez o bombardeio a pedido do Gen. Francisco Franco, que liderou uma revolta militar contra o governo espanhol democraticamente eleito. Franco pediu ajuda a Adolf Hitler e Benito Mussolini, que estavam ansiosos para pôr em prática técnicas modernas de guerra sobre os indefesos cidadãos de Espanha. O ataque contra Guernica foi a primeira destruição completa de uma cidade civil na história europeia efetuada por bombardeamento aéreo. Enquanto casa e lojas eram destruídas, algumas unidades de fabrico de armas, juntamente com uma ponte importante e a linha férrea foram deixadas intactas.

Ativo e lúcido aos 89 anos de idade, Luís Iriondo Aurtenetxea, sentou-se comigo nos escritórios da organização Gernika Gogoratuz, que em língua Basca significa “Recordar Guernica”. O basco é uma língua antiga e um elemento fundamental na independência feroz do povo Basco, que vive há milhares de anos na região fronteiriça entre Espanha e França.

Luís tinha catorze anos e trabalhava como assistente num banco local quando Guernica foi bombardeada. Era dia de feira, por isso a cidade estava cheia, a praça do mercado repleta de pessoas e animais. O bombardeamento começou às 16h30 da tarde do dia 26 de abril de 1937. Luís recorda: “Nunca mais acabava. O ataque durou três horas e meia. Quando terminou, saí do abrigo e vi toda a cidade a arder. Estava tudo em chamas.”

Luís e outras pessoas fugiram até à aldeia vizinha de Lumo, no alto da colina, onde, com o cair da noite, viram a sua cidade arder e as suas casas ruírem pelas chamas. Deram-lhes um lugar onde dormir num celeiro. Luís continua: “Não me recordo se era meia-noite ou outra hora qualquer, porque na altura não tinha relógio. Ouvi alguém chamar-me… No fundo, podia ver-se Guernica em chamas, e graças à luz do fogo, eu vi que era a minha mãe. Já tinha encontrado os meus outros três irmãos. Eu era o último.”Luís e a sua família foram refugiados de guerra durante muitos anos, acabando por regressar a Guernica, onde ele ainda vive e trabalha como pintor – tal como Picasso em Paris.

Luís levou-me até ao seu estúdio, com as suas paredes cobertas de pinturas. A mais proeminente era a que ele pintou sobre aquele momento em Lumo quando sua mãe o encontrou. Perguntei-lhe como se sentiu naquela altura. Os seus olhos marejaram-se de lágrimas, Pediu-me desculpa e disse que não podia falar disso. Apenas a alguns quarteirões de distância situa-se uma das fábricas de armas que foi preservada da destruição. Um edifício onde são fabricadas armas químicas e pistolas, chamado Edificio Astra. Embora Astra se tenha mudado, a empresa de fabrico de armas mantém a sua ligação com a cidade, uma vez que várias das suas armas automáticas são denominadas de “Guernica” desenhadas “por guerreiros, para guerreiros”.

Há alguns anos, um grupo de jovens ocupou o edifício vazio, exigindo que fosse transformado num centro cultural. Oier Plaza é um jovem ativista de Guernica que me contou, “A princípio a polícia expulsou-nos, mas nós voltamos a ocupar o edifício. Finalmente, a câmara comprou-o, e iniciámos este processo de recuperação do edifício para criar o projeto Astra.”

O objetivo do projeto Astra é reconverter esta fábrica de armas num centro cultural com aulas de arte, vídeo e outros meios audiovisuais. “Temos de olhar o passado para compreender o presente e criar um futuro melhor. E eu acho que Astra faz parte desse processo. É o passado, é o presente, e é o futuro desta cidade.”

De “Guernica” de Picasso ao auto-retrato de Luís Iriondo Aurtenetxea com a sua mãe, passando pela iniciativa de Oier Plaza e os seus jovens amigos, o poder da arte em transformar armas em arados, e resistir à guerra, é constantemente renovado.

Artigo publicado em Democracy Now. Tradução de Noémia Oliveira para o Esquerda.net

Saudável: Lobo marinho aparece em costeira no sul de Ilhabela (SP)

Saudável: Lobo marinho aparece em costeira no sul de Ilhabela (SP)
Lobo-marinho é encontrado em costeira no sul de Ilhabela. (Foto: Ronaldo Alves de Sousa/PMI)

Um lobo marinho da espécie arctocephalus tropicalis foi trazido pelas correntes marítimas até uma costeira no sul de Ilhabela nesta terça-feira (14). Ele foi encontrado por um morador, que chamou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

Pesando aproximadamente 90 quilos e medindo 1,50 m, o lobo marinho é um macho adulto da região subantártica. Ao chegar ao local, a veterinária Olga Loureiro, do Programa de Respeito Animal da Secretaria de Saúde, constatou que o lobo marinho estava saudável e apenas havia parado na costeira para descansar.

A veterinária explicou que a principal dificuldade é conter os curiosos, pois não é recomendado se aproximar desse tipo de animal. Geralmente eles chegam cansados de nadar e a presença muito próxima das pessoas causam estresse ao bicho. A orientação é que as pessoas que avistarem esta espécie entrem em contato com Defesa Civil, Polícia Ambiental ou a Secretaria de Meio Ambiente.

Animais subantárticos
Em Ilhabela, nesta época do ano, aparecem muitos animais subantárticos que vêm com as correntes marítimas que margeiam a costa da América do Sul, em direção sul ao norte. São pinguins, leões, lobos e elefantes marinhos, focas e baleias. Esses animais chegam cansados e muitas vezes desnutridos devido ao esforço que fizeram para nadar e pela falta de alimentação adequada. Eles precisam descansar em ambiente calmo e tranquilo para se recuperarem. No caso de pinguins, eles aparecem entre julho e outubro.

Fonte: G1
Fonte: http://www.anda.jor.br/

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A Carta Magna está sob ataque nos EUA e no mundo – por Noam Chomsky

A Carta Magna está sob ataque nos EUA e no mundo
Recentes decisões da Corte Suprema dos EUA incrementam o enorme poder político das grandes corporações e dos super ricos, golpeando com maior força ainda os vestígios vacilantes de uma democracia política. Enquanto isso, a Carta Magna sofre ataques mais diretos. Recordemos a Lei do Habeas Corpus de 1679, que proibia a “prisão em alto mar” e, com isso, o procedimento impiedoso de prisão no estrangeiro com o fim de torturar. O conceito de devido processo legal ampliou-se com a campanha internacional de assassinatos da administração Obama, de modo que esse elemento central da Constituição se tornou nulo e vazio.

(*) Segunda parte do artigo "Como a Carta Magna se tornou uma carta menor.

Pessoas sagradas e processos inacabados
A emenda 14 posterior à Guerra Civil garantia os direitos de pessoa aos antigos escravos, embora ainda em teoria. Ao mesmo tempo, criava uma nova categoria de pessoas com direitos: as grandes empresas. De fato, quase todos os casos relativos à décima quarta emenda que terminaram nos tribunais tinham a ver com direitos empresariais, e há quase um século já haviam determinado que essas ficções legais coletivistas, estabelecidas e sustentadas pelo poder de Estado, possuíam plenos direitos, como as pessoas de carne e osso. Na realidade, trata-se de direitos bastante mais amplos, dadas as suas escala, imortalidade e proteções de responsabilidade em relação a suas dimensões, imortalidade e proteções de responsabilidade limitada.

De acordo com os “acordos de livre comércio”, a Pacific Rim pode, por exemplo, acionar El Salvador pelo fato de o país tentar proteger o meio ambiente. Os indivíduos não podem fazer tal coisa. A General Motors pode reclamar direitos nacionais no México. Não há necessidade de se preocupar sobre o que aconteceria se um mexicano exigisse direitos nacionais nos Estados Unidos.

No plano interno, as recentes decisões da Corte Suprema incrementam o enorme poder político das grandes corporações e dos super ricos, golpeando com maior força ainda os vestígios vacilantes de uma democracia política operativa.

Enquanto isso, a Carta Magna sofre ataques mais diretos. Recordemos a Lei do Habeas Corpus de 1679, que proibia a “prisão em alto mar” e, com isso, o procedimento impiedoso de prisão no estrangeiro com o fim de torturar: o que hoje se chama mais educadamente de “entrega”, como quando Tony Blair entregou o dissidente líbio Abdel Hakim Belhaj, hoje dirigente da rebelião, à misericórdia do Coronel Kadafi; ou quando as autoridades estadunidenses deportaram o cidadão canadense Maher Arar para a sua Síria natal, para ser encarcerado e torturado, reconhecendo só posteriormente que não havia acusação alguma formada contra ele. E muitos outros, amiúde através do aeroporto de Shannon, o que provocou diversos protestos na Irlanda.

O conceito de devido processo legal ampliou-se com a campanha internacional de assassinatos da administração de Barack Obama, de modo que esse elemento central da Carta de Direitos (e da Constituição) se tornou nulo e vazio. O Departamento de Justiça explicou que a garantia constitucional do devido processo legal, que remonta à Carta Magna, requer agora unicamente as deliberações internas do poder Executivo. O advogado constitucional da Casa Branca mostrou-se de acordo com isso. O rei João Sem Terra teria assentido com satisfação.

A questão foi suscitada depois do assassinato, a mando do presidente, por meio de aviões não tripulados, de Anuar al-Awalaki, acusado de incitar a jihad, por escrito, e de ações não determinadas. Um jornalista do New York Times captou bem a reação geral da elite, quando ele foi assassinato num ataque com aviões não tripulados, junto aos habituais danos colaterais. Rezava a sua manchete: “Ocidente celebra a morta de um clérigo”. Alguns levantaram as sobrancelhas pois se tratava de um cidadão estadunidense, o que suscitava questionamentos sobre o devido processo legal...considerados irrelevantes quando se assassina concidadãos às vistas do chefe do Executivo. E irrelevante, também, de acordo com as inovações legais sobre o devido processo legal, levadas a cabo na administração Obama.

Também se deu uma nova e útil interpretação à presunção de inocência. Como informa o New York Times, “Obama adotou um método discutido para contar as baixas civis sem esconder os dedos. Conta com efeito como combatentes mortos todos os homens em idade militar na zona de ataque, de acordo com diversos funcionários da administração, a menos que existam dados de inteligência que de forma póstuma demonstrem que se trata de inocentes”. De modo que a determinação de inocência posterior ao assassinato mantém sagrado o princípio da presunção de inocência.

Seria descortês recordar das Convenções de Genebra, cimentos da lei humanitária moderna. Elas proíbem que “se leve a cabo execuções sem juízo prévio, pronunciado por um tribunal regularmente constituído, que permita todas as garantias judiciais que se conheçam como indispensáveis pelos povos civilizados”.

O caso célebre mais recente de assassinato cometido pelo Executivo foi o de Osama Bin Laden, assassinado depois de ter sido detido por 79 comandos da marinha, indefeso, acompanhado apenas de sua esposa e com o corpo jogado ao mar sem autópsia. Pense-se o que quiser, ele era um suspeito e nada mais que um suspeito. Até o FBI concorda com isso.

A celebração neste caso foi assombrosa, mas ele suscitou muitas perguntas a respeito do rechaço desavergonhado do princípio da presunção de inocência, sobretudo quando um julgamento era apenas impossível. Foram objeto de dura condenação. A mais interessante foi a de Matthew Yglesias, comentarista respeitado da esquerda liberal, que explicava que “uma das principais funções da ordem institucional internacional consiste precisamente em legitimar o uso de uma força militar mortífera por parte das potências ocidentais”, de maneira que se torna “assombrosamente ingênuo” sugerir que os EUA tenham de obedecer ao Direito Internacional ou outras condições que exigimos com retidão aos mais débeis.

Só se pode oferecer objeções táticas à agressão, ao assassinato, à ciberguerra ou a outras ações que o Santo Estado leva a cabo a serviço da humanidade. Se as vítimas tradicionais veem as coisas de um modo um tanto diferente, isso simplesmente revela seu atraso moral e intelectual. E ao crítico ocidental ocasional, que não chega a compreender essas verdades fundamentais pode-se desconsiderá-los como “tontos”, explica Yglesias, referindo-se decerto a mim, e eu confesso alegremente minha culpa.

Na lista de terroristas do poder executivo dos EUA
Por acaso o ataque mais chamativo aos pilares das liberdades tradicionais foi o pouco conhecido caso Holder, que a administração Obama levou à Suprema Corte. Neste caso, contra o Projeto de Direito Humanitário [Humanitarian Law Project], condenou-se o projeto por ele recomendar a “assistência material” à organização guerrilheira PKK, que tem lutado, durante muitos anos, pelos direitos dos curdos na Turquia e figura na lista dos grupos terroristas do poder executivo dos EUA. A “assistência material” consistia em assessoria legal. A redação da sentença parecia aplicar-se de forma muito ampla, por exemplo, a debates e petições de investigações, inclusive a aconselhar à PKK a abrir mão dos meios violentos. Mais uma vez existia um espaço que dava margem à crítica, mas até isso aceitava a legitimidade do lista de terroristas do estado: decisões arbitrárias do Executivo, sem recurso.

O histórico da lista de terroristas guarda um certo interesse. Assim, por exemplo, em 1988, a administração Reagan declarou que o Congresso Nacional Africano era um dos “grupos terroristas mais destacados” do mundo, a fim de que Reagan pudesse manter seu apoio ao regime do apartheid e sua depredação assassina da África do Sul e aos países vizinhos, como parte de sua “guerra contra o terror’. Vinte anos depois, o Congresso saiu da lista de terroristas e hoje podem viajar, os seus membros, aos EUA, sem visto especial.

Outro caso interessante é o de Saddam Hussein, eliminado da lista de terroristas em 1982, para que a administração Reagan pudesse apoiá-lo na sua invasão do Irã. Esse apoio continuou intenso depois de encerrada a guerra Irã-Iraque. Em 1989, o presidente Bush chegou até a convidar engenheiros nucleares iraquianos aos EUA para lá fazerem a sua formação avançada em produção de armas, outra informação que há de ser afastada dos olhos “dos intrometidos e ignorantes”.

Um dos exemplos mais feios do uso da lista de terroristas tem relação com o povo torturado da Somália. Imediatamente após o 11 de setembro, os EUA capturaram a rede somali de assistencialismo Al-Barakaat, com base na tese de que ela financiava o terrorismo. Essa conquista foi saudada como um dos grandes êxitos da “guerra contra o terror”. Em contraste, a retirada um anos depois das acusações, por falta de fundamento oferecido por Washington, gerou pouco interesse.

Al-Barakaat era responsável por cerca da metade dos 500 milhões de dólares de remessas a Somália, “mais de o que qualquer setor econômico do país e dezes vezes a quantidade de ajuda exterior que a Somália recebe”, segundo determinou uma investigação das Nações Unidas. A organização assistencialista também administrava negócios de importância, na Somália. E todos foram destruídos. O mais destacado especialista acadêmico da “guerra financeira contra o terror”, Ibrahim Warde, conclui que, além de destroçar a economia, este frívolo ataque contra uma sociedade muito frágil “pode ter desempenhado seu papel na ascensão dos...fundamentalistas islâmicos”, outra consequência familiar na guerra contra o terror.

A ideia mesma de que seja o Estado que deva gozar da autoridade de emitir tais juízos é uma grave ofensa à Carta de Direitos, como o é o fato de que se considere tal autoridade indiscutível. Se a queda em desgraça da Carta segue tendo lugar nesses últimos anos, o futuro dos direitos e das liberdades se mostra obscuro.

Quem rirá por último?
Algumas palavras finais sobre a Carta do Bosque. Seu programa consistia em proteger a fonte de sustento da população, os bens comuns, dos poderes externos: no começo, da realeza britânica; com o passar dos anos, as cercas e outras formas de privatização por parte das corporações predadoras e das autoridades do Estado, que cooperam com elas, não se fez mais do que acelerar-se e recompensarem-se de acordo. Os danos são amplos.

Se escutamos hoje as vozes do sul podemos chegar a saber que a “conversão dos bens públicos em propriedade privada mediante a privatização do entorno é nossa, cuja gestão, se não é comum, é um modo mediante o qual as instituições neoliberais eliminam os elos frágeis que mantém as nações africanas unidas. A política foi hoje reduzida a uma empresa lucrativa na qual se contemplam principalmente os retornos de investimentos antes da atividade que possa contribuir para a reconstrução de entornos, comunidades e nações enormemente degradadas. Esta é uma das vantagens dos programas de ajuste estrutural infligidos ao continente: o enraizamento da corrupção”. Cito o poeta e ativista nigeriano Nnimmo Bassey, presidente da Amigos da Terra Internacional, em sua revelação dilacerante sobre o saque das riquezas africanas, To Cook a Continent [Cozinhando um Continente], última fase da tortura ocidental na África.

Tortura que se planejou, sempre no mais alto nível, deve-se admiti-lo. No final da Segunda Guerra Mundial, os EUA ostentavam uma posição de poder global sem precedentes. Não é de surpreender que tenham feito planos cuidadosos e sofisticados a respeito de como organizar o mundo. A cada região do planeta se atribuiu uma “função” por parte dos estrategistas do Departamento de Estado, encabeçados pelo distinto diplomata George Kennan. Ele determinou que os EUA não tinha interesse especial na África, de modo que devia entregar-se o continente a Europa para ser “explorada” – o termo é sujo – para a sua reconstrução. À luz da história, poderíamos ter imaginado uma relação diferente entre Europa e África, mas não há indicações de que tal coisa tenha sido em momento algum considerada.

Mais recentemente, os EUA reconheceu que também deveriam somar-se ao jogo de exploração da África, junto aos novos participantes, como a China, que se mostra muito diligente em seu trabalho de acumular uma das piores histórias de destruição do meio ambiente e de opressão das vítimas desventuradas.

Deveria ser desnecessário estender-se sobre as extremas ameaças que um perigo central das obsessões predadoras que estão ocasionando calamidades representa para todo o mundo: a dependência dos combustíveis fósseis, que nos expõe a um desastre global, talvez num futuro não muito distante. Pode-se discutir os detalhes, mas há poucas dúvidas sérias de que os problemas sejam graves, se não impotentes, e que, quanto mais tardemos em os determos, tanto mais terrível será a herança que deixaremos às próximas gerações. Há alguns esforços para encarar a realidade, mas são os menores. A recente Conferencia Rio+20 abriu-se com aspirações magras e concluiu com resultados irrisórios.

No entanto, a concentração de poder tem implicações nocivas para o país mais rico e poderoso da história mundial. Os republicanos do Congresso estão desmantelando as limitadas regulações ambientais iniciadas na gestão de Richard Nixon, pois essas seriam algo como um perigo radical na cena política hoje. Os principais grupos de lobby corporativo anunciam abertamente as suas campanhas de propaganda para convencer a opinião pública de que não é o caso preocupar-se indevidamente...com certo efeito, vide as pesquisas de opinião.

A mídia coopera quando não informa sequer as previsões cada vez mais graves das agências internacionais e até do Departamento de Energia dos EUA. O informe tradicional consiste num debate entre alarmistas e céticos: de um lado estão praticamente todos os cientistas qualificados e, de outra, alguns denegadores que resistem. Não formam parte do debate um grande número de experts, entre os que se encontram no programa de mudança climática do MIT, além de outros, que criticam o consenso científico por ser demasiado conservador e precavido, com o argumento de que a verdade sobre a mudança climática é muito mais aterrorizadora. Não é de se surpreender que opinião pública se mostre confusa.

Em seu discurso sobre o Estado da União em janeiro, Obama saudou as perspectivas brilhantes de um século de autossuficiência energética, graças às novas tecnologias que permitem a extração de hidrocarburetos de areias alcatroadas, xisto e outras fontes antes inacessíveis. Outros estão de acordo: o Financial Times prognostica um século de independência energética para os EUA. A informação menciona as repercussões locais destrutivas dos novos métodos. O que não se faz nesses prognósticos otimistas é a pergunta: que tipo de mundo sobreviverá a esse ataque predatório?

Na linha de frente quando se lida com esta crise em todo o mundo estão as comunidades indígenas, que sempre defenderam a Carta do Bosque. A posição mais sólida tem sido a adotada pelo único país em que os indígenas governam, a Bolívia, o país mais pobre da América do Sul, vítima, durante séculos, da destruição ocidental dos ricos recursos de uma das sociedades mais avançadas do hemisfério, antes de Colombo.

Após o ignominioso fracasso da cúpula sobre mudança climática de Copenhage, em 2009, a Bolívia organizou uma Cúpula dos Povos, com 35 mil participantes, de 140 países, não apenas representantes de governos, mas também da sociedade civil e ativistas. Elaborou um Acordo dos Povos, que clamava por uma fortíssima redução da emissões de gases, e por uma Declaração Universal da Mãe Terra. Trata-se de uma exigencia chave das comunidades indígenas do mundo inteiro. Os ocidentais sofisticados a ridicularizam, mas ao menos algo de sua sensibilidade poderíamos adquirir, pois é provável que eles sejam os últimos a rir, um riso lúgubre de desespero.

Tradução: Katarina Peixoto

Por que o cyberativismo importa - Por Marília Moschkovich

Espaço internet no Occupy Wall Street: contrapoder em toda parte

A realidade é plural. Num país cada vez mais conectado, perdeu todo sentido opor lutas “de rua” às “da rede”

Há algum tempo que me declaro cyberativista. Participo de coletivos, mantenho blogs, escrevo para sites e projetos coletivos como o Outras Palavras. Produzo conteúdo, espalho informação, opiniões e tento disponibilizar uma visão crítica sobre algumas coisas. Em meu blog, Mulher Alternativa, uso como estratégia falar de questões bem concretas na vida das pessoas (“Posso engravidar tomando anticoncepcional?” por exemplo). Mas sempre insiro criticidade e tento não reproduzir os discursos dominantes sobres estes temas. Como resultado, percebo um alcance razoável (ainda longe do ideal) destas ideias entre pessoas que jamais discutiriam comigo, caso meu blog tivesse “feminista” no nome, ou “gênero” (que raios é isso de gênero, aliás? – dirá a maioria dos leitores e leitoras na internet e no mundo). Recebo alguns e-mails e mensagens incríveis, encorajando-me a continuar escrevendo e produzindo conteúdo; outras contando que utilizaram meus textos como porta de entrada para um interesse maior em questões ligadas aos direitos das mulheres e desigualdades da nossa sociedade; algumas contando que essa incursão em pontos de vista renovados, da qual meu blog fez parte, transformou suas vidas de alguma forma.

Abro este post trazendo estas informações muito pequenas, quase insignificantes, numa blogosfera tão vasta quanto a brasileira, numa internet tão gigantesca, porque foi a partir dele que entendi que esse “pequeno” da internet não é tão pequeno assim. Esse “pequeno” importa. Muito.

Duas coisas aconteceram na última década que tornaram esta e outras experiências “pequenas” ainda mais relevantes. Primeiro, o acesso da população brasileira à internet aumentou muito, ainda que a maior parte das pessoas não acesse de casa. Em segundo lugar, o espaço para disputa de ideias e visões de mundo entre o restrito grupo de pessoas ligado a espaços de poder como a mídia de massa ou o Estado, cresceu quando a blogosfera passou a desempenhar um papel mais forte nestas disputas. O caso das últimas eleições presidenciais mostra o ápice deste processo que já começava antes. Ficou claro que a mídia de massa se pautava muitas vezes pelas discussões que aconteciam na rede e que a rede, por sua vez, conseguia desmascarar e desconstruir falsas informações ou distorções veiculadas (de propósito ou não) nestes veículos. Num país onde a ONG Intervozes conta apenas nove famílias que controlam as concessões de comunicação, uma blogosfera forte não parece pouca coisa.

Entre usuários da internet, que talvez nem percebam que atuam como cyberativistas, muitos me dizem que a “militância real” se faz “nas ruas”. Que a internet seria apenas um complemento. Faz-se uma hierarquização das estratégias de atuação política.

Ora, é preciso enxergar, sem preconceitos, que cada estratégia de luta funciona dentro de limites. Escrever na internet tem um alcance limitado: atinjo apenas quem domina o português escrito e tem o hábito de se informar pela rede. Isso exclui uma parte razoável da população brasileira e me deixa com um público muito específico, de uma classe social específica, que tem a pele de uma cor específica (geralmente), que ocupa profissões e posições sociais específicas. Esta limitação só é um problema, porém, se não a reconhecermos. Reconhecendo-a, é possível potencializar a estratégia para este grupo de pessoas.

Ao mesmo tempo, estratégias mais “tradicionais” de luta “na rua” (como dizem por aí) também são cheias de limitações. Uma greve de professores universitários não consegue mobilizar nem discutir educação pública com a classe trabalhadora. Não passa, em geral, nem perto disso. Um jornal vendido entre operários numa fábrica não atingirá desempregados, moradores de rua ou analfabetos na zona rural. Uma manifestação de dez mil pessoas parando a cidade de São Paulo num dia de semana, em horário de pico, sempre excluirá trabalhadores que voltam para suas casas e precisam buscar três filhos em três escolas diferentes em três bairros distintos da cidade, usando o capenga transporte público do município. Tampouco trará para o debate quem não vê, nem nunca viu, sentido em ocupar as ruas.

O ponto em que desejo chegar é este: nenhuma destas estratégias de luta – seja “nas ruas” ou seja “na internet” – é menos válida do que a outra por ter limitações. Todas sempre terão limitações. Elas precisam é ser vistas como uma forma de escolher estratégias de acordo com a fatia da sociedade ou grupo específico que se quer atingir, em determinada ação. Não é possível dizermos que certa estratégia é mais ou menos eficaz que a outra sem nos perguntarmos: eficaz para quê?

As decisões do Estado, dos movimentos sociais, da sociedade civil (organizada ou não), das instituições, são todas feitas por pessoas. A mudança é sempre feita por pessoas. Todo movimento de transformação precisa ter como objetivo atingir pessoas e isso pode ser feito entregando panfletos, marchando com os seios à mostra ou escrevendo blogs. Depende de quem buscamos atingir. Não adianta mobilizar apenas operários, ou apenas políticos, ou apenas a elite intelectual. Taí a beleza da diversidade de estratégias, que nos permite promover, em paralelo, mudanças com toda esta gente ao mesmo tempo.

Pessoalmente, só consigo achar incrível que haja gente inserida em grupos que minha luta é incapaz de alcançar, com estratégias diferentes das que eu utilizo. Ao mesmo tempo, tenho uma certeza muito concreta de que meu trabalho aqui, na rede, faz alguma diferença nos grupos que esta outra militância não consegue atingir. Assim seguimos juntas, juntos, juntes; caminhando e cantando e seguindo a canção.

* editora de Mulher Alternativa