quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A crise do jornalismo e seu possível resgate – por Ignacio Ramonet

A crise do jornalismo e seu possível resgate
Fala Ignacio Ramonet: publicações tradicionais desaparecerão como dinossauros; desafio é assegurar, nas novas mídias em rede, profundidade e sustentação
O jornalista e analista uruguaio conversa com o também jornalista e comunicólogo espanhol, que afirma que “estamos diante de uma revolução que transborda o campo da comunicação para ser uma revolução social”
Caminhamos pelas ruas de Bogotá, onde Ignacio Ramonet assistiu ao décimo aniverśario da edição local de Le Monde Diplomatique, convidado, por Desdeabajo, coletivo editor de livros e jornais. Teve tempo, e ânimo, para fugir do turbulento centro e dedicar umas horas a percorrer o sul pobre da capital colombiana: Cidade Bolívar, onde se desenvolvem experiências de base notáveis. Não para de perguntar. Seu conhecimento de detalhes da história e da vida dos latinoamericanos permite assegurar que o colonialismo não é uma barreira intransponível.
Em certo momento, a conversa tornou-se mais sistemática, um pingue-pongue de perguntas e respostas que não tiveram nem começo nem fim.
Em A explosão do jornalismo você analisa a crise da imprensa e foca no novo poder adquirido por quem antes era leitor ou audiência passiva. É o que nós, jornalistas críticos, sempre havíamos sonhado, mas você vê, nesse papel ativo uma das causas da crise da mídia atual.
A grande transformação produzida pela internet na circulação de informação é que, onde antes dominava o que chamo de “mídia solar” — astros que enviavam seus raios de sol sobre toda a sociedade, impregnando-a com sua supremacia — acabou. Não há emissores puros, que tenham o monopólio da informação e receptores puros, que tenham de resignar-se com tal função de receptores. A revolução que vivemos é que cada receptor pode ser também emissor.
Pode fazer uma página na internet com os amigos, seu blog, facebook ou twitter. E os grandes veículos têm uma vitrine digital, onde se pode intervir fazendo comentários que contrapõem e complementam os artigos; o leitor pode indicar elementos a serem corrigidos do artigo inicial, além de fotos e vídeos. O que eu quero dizer é que a informação já não é algo limitado e fixo. A concepção da informação vem da imprensa, que é o meio que influenciou a rádio e a televisão, e sua origem é o trabalho da era industrial.
O fordismo, onde havia uma clara divisão de trabalho.
Exato. No fordismo há um projeto, um plano, e na base disso se realiza um produto terminado, intocável. Isso já não funciona nem sequer na indústria, onde aconteceu a revolução do toyotismo, nos anos 80. Fabrica-se, por exemplo, o carro que o cliente quer. A decisão já não vem da empresa, mas de baixo. Agora sucede o mesmo na mídia. Pede-se ao jornalista um artigo com certas características, mas logo os leitores vão completando-o, reformando-o, transformando-o. Por consequência, é uma obra em processo. Isso é uma revolução muito importante.
Agora, como consequência das mudanças técnicas e culturais, o leitor, a audiência, têm um poder como nunca tiveram. Se a isto somamos a crise econômica, estamos diante de uma crise dos velhos monopólios da informação. Newsweek deixou sua edição em papel, The Guardian debate a possibilidade de dar este passo, El País despede um terço do seu pessoal.
Estamos diante de uma crise conjuntural ou diante de uma virada de larga duração?
O que estamos vivendo no campo da comunicação só é comparável à invenção da prensa de tipos móveis, por Gutemberg, em 1440. Ela não transformou apenas a produção do texto escrito, a difusão do livro. Também produziu o humanismo como escola de pensamento, o Renascimento e a explosão das universidades e do saber, com tudo o que isso significa. O latim deixou de ser a língua comum e começou a ser substituída pelas línguas nacionais, que foram se desenvolvendo. Agora, acontece algo similar. Estamos diante de uma revolução que transborda o campo da comunicação para ser uma revolução social. Envolve o setor financeiro, o comércio, as relações sociais e a difusão da cultura. Uma revolução tecnológica transforma tudo.
O jornalismo vive todos os efeitos deste processo. A estrutura da indústria da informação e a maneira de produzir informação estão sendo transformadas.  E é preciso lembrar que estamos apenas no engatinhar inicial, no primeiro segundo da história da internet. Algumas das realizações mais espetaculares das transformações tecnológicas, como os tablets, facebook, o Iphone, não existiam há apenas cinco anos e não podemos imaginar o que acontecerá nos próximos cinco.
E os monopólios?
Os monopólios vão sofrer. Foram a resposta da indústria empresarial da informação aos avanços tecnológicos dos anos 1960 e 70. As tecnologias anteriores eram específicas para o som, a escrita e a imagem, mas neste período convergiram para uma mesma tecnologia, que é a tecnologia digital. A partir desse momento, não há diferença em como se constroi um texto, um som ou uma imagem. Constroem-se da mesma maneira, com as mesmas máquinas, os computadores.
A internet traduz uma nova forma de expressão. Os seres humanos usaram, desde o começo da humanidade, três sistemas de signos para comunicar-se: a palavra, o desenho e a escrita — a mais recente. Com a internet, aparece um quarto, que é a mescla dos três, mais uma dimensão complementar: a velocidade e extensibilidade, que permite alcançar o planeta num segundo. Depois de tudo isso, a paisagem da comunicação não pode permanecer como era.
Ao que parece, a mídia mais afetada é a impressa, que, segundo você, está se extinguindo como os dinossauros.
Porque a imprensa continua sendo pesada. Além de ser o meio mais antigo, é o mais marcado pela era industrial, com operários, máquinas e toda a lógica da produção fabril. Por isso, é tão afetada pelas mudanças.
Estamos assistindo a uma ofensiva repressiva que busca controlar a internet e que se manifesta, entre outros fatos, no fechamento do Megaupload. Essa tentativa de controle pode triunfar, ou está destinada ao fracasso?
O problema é que essa transformação radical não tem sistema econômico. O sistema anterior, que hoje tornou-se arcaico, tem muitos defeitos — mas é muito rentável. Todos os jornalistas do mundo que seguem empregados podem viver porque trabalham em meios tradicionais, mas os meios surgidos na era da internet têm enormes problemas para sobreviver, não estão acoplados a um meio tradicional ou multimídia importante. Como a cultura dominante na internet é a gratuidade, o problema é: de que viverão os criadores, autores e jornalistas? Haverá um declínio da criatividade? Isso é um problema real.
Com o controle e o fechamento dos veículos, busca-se frear a “pirataria”. Por um lado, há um movimento da sociedade para que a internet siga sendo gratuita. Por outro, surge o Wikileaks, que estabelece a mesma problemática, mas em outro terreno impensável fora da internet. Estamos diante de uma situação similar ao escândalo de Watergate ou aos Documentos do Pentágono [Pentagon Papers], em que um informante passa dados reservados a um veículo — Washington Post e The New York Times, respectivamente. Nesse sentido, nada mudou. Mas o que, sim, muda é a quantidade de inforrmação que se pode difundir agora, e a massividade é a mesma.
Toda a sociedade está se digitalizando e todos os arquivos, desde os da saúde até os das forças armadas, estão sendo digitalizados. Enquanto há alguns anos eram necessários caminhões para carregar toda essa informação, hoje com um click em um computador movimentam-se milhares e milhares de documentos desmaterializados, que podem se propagar para todo o planeta. O que o Wikileaks fez foi difundir dados que prejudicam pessoas com poder, e isso que criou a situação que converteu Julian Assange no inimigo público número um dos Estados Unidos.
Na América Latina temos um forte debate sobre o comum, em que se afirma que os bens comuns não devem pertencer a nehum proprietário privado. Você crê que a internet deve ser considerada um bem comum da humanidade?
É um debate que afeta a cultura, e o que dizemos é que a cultura deve circular sem travas, porque isso beneficia o ser humano. Na medida em que a internet é hoje o maior difusor de cultura, creio que deve circular gratuitamente como um bem comum. Agora, aparece outro problema: o que fazer com os direitos dos criadores? Hollywood diz que a produção criativa tornou-se mais difícil porque a pirataria tira-lhe 15% a 20% dos lucros. Os principais produtores musicais do mundo desapareceram. Quase não se vendem mais discos e o CD tornou-se defasado em apenas 15 anos, como acontece com tudo o que é material. É evidente que a música pode circular como um fluxo, e isso acontece com todas as demais produções. Por isso, há um dilema. Ou o Estado assume este tema da mesma forma que assume a produção e circulação de eletricidade, o tratamento e distribuição de água, ou será preciso encontrar uma fórmula mista, para que o preço seja acessível aos usuários e garanta, ao mesmo tempo, uma remuneração para os criadores. O problema é que mesclar Estado com cultura é algo muito delicado. Porque pode haver a tentação de favorecer alguns e prejudicar outros.
Mas o debate existe e está muito presente, como no caso da Ley de Medios, na Argentina. Você acredita que na América Latina estamos a caminho de solucionar esse debate?
Em nenhum outro lugar do mundo este tema está sendo debatido como na América Latina, onde as discussões despertam, aliás, muita paixão. A informação era um monopólio do setor privado que fazia o que queria. Além disso abusava, como no caso da televisão, de um direito que não é do setor privado: as ondas radioelétricas são propriedade do Estado, que as concede e pode exigir do empresário que se comprometa com uma série de objetivos (como os culturais) e, quando o operador não os respeita, retira a licença. O que aconteceu na América Latina é que se manejou durante muito tempo a informação como um monopólio a mais do setor privado. Por isso falamos de “latifundios midiáticos”. A questão é como reduzir essa dominação, preservando a pluralidade — porque a sociedade se enriquece quando existem vários pontos de vista.
Em vários países, criou-se um serviço público da informação, como os existentes em toda a Europa. O melhor exemplo é a BBC inglesa, que tem uma estrutura de controle separada do Estado. O chamado “quarto poder” precisa ser organizado fora do governo, com suas próprias estruturas de controle, para que esteja ao serviço do público e não de um governo ou do setor privado. Creio que, na América Latina, o debate está tão acirrado porque estamos dando os primeiros passos, saindo de quase um século de imobilidade. Quando algo começa a se mover, os afetados colocam-se em uma situação de guerra, sobretudo porque também estão sendo afetados pelas mudanças tecnológicas e a revolução da internet. Essa confluência levou os donos dos veículos a uma postura muito intransigente.
Que tipo de jornalistas deveriam surgir nessa nova realidade? Qual é agora a função do jornalista? Já não somos os que iluminamos o leitor ou uma audiência passiva. Além disso, está surgindo uma multiplicidade de veículos independentes criados e dirigidos por jornalistas que em muitos países possuem um papel muito importante.
É o momento de nos repensarmos. Fazer bom jornalismo sempre foi e continua sendo difícil. Ter acesso a tecnologias que permitem fazer coisas impensáveis anos atrás, o fato de que da minha casa eu possa fazer uma televisão global, é muito importante. Mas essa revolução de ferramentas não soluciona a questão do conteúdo. O problema, portanto, é o mesmo de sempre. A principal mudança é a interatividade da qual estamos falando. É possível fazer um novo jornalismo do tipo Wikileaks, colocar na web as notícias e permitir que as pessoa interpretem e façam o que quiserem com essa informação. É possível fazer jornalismo cívico, como o que fazem algumas associações dos Estados Unidos, o chamado jornalismo sem fins lucrativos. Como a maioria das grande empresas estão em crise e já não têm recursos para financiar investigações sérias, o jornalismo está perdendo qualidade em escala mundial — e qualquer cidadão sabe que um jornalismo de qualidade é indispensável para ter uma democracia de qualidade.
Aquela prática dos editores, de poupar dois ou três jornalistas do trabalho cotidiano, durante algumas semanas, para que investigassem um tema importante, já não acontece…
Não há recursos para tanto, menos ainda para enviar uma equipe a outra parte do mundo para produzir notícias. Por isso, o jornalismo de investigação, que é um gênero nobre, está desaparecendo. Isso está ligado ao declínio da democracia atual. Porque a democracia só pode funcionar se surgem críticas e demandas da sociedade, que sempre foram transmitidas e refletidas pelo quarto poder. Quando este não cumpre sua função, a coisa pública começa a decair.
Por isso, algumas fundações criaram o jornalismo sem fins lucrativos. Uma fundação dos Estados Unidos propôs-se a funcionar como um comitê de redação. Pede aos jornalistas que lhe sugiram temas de investigação, isso seria inadmissíveis em seus jornais. Quando chegam as propostas, a fundação seleciona e financia investigações que considera mais adequadas e mais tarde as difunde, através dos meios. Existem somente há quatro anos e já ganharam dois premios Pulitzer. Quero dizer que a sociedade começa a produzir os elementos que compensam a decadência do jornalismo de mercado. Mas as velhas leis do jornalismo, como a checagem da informação e o rigor, continuam válidas.
De que forma a proliferação das publicações de base, ou comunitários, como acontece na Argentina, pode contribuir?
Estive em encontros de rádios comunitárias, de blogueiros, de contrainformação. Têm a grande riqueza do que vem do terreno, onde palpita a vida cotidiana. São muito mais interessantes quando narram a vida que os outros não veem, do que quando editorializam. Essa riqueza extraordinária pode ir do local a uma escala mais ampla, porque há experiências que, ainda sejam locais, interessam a qualquer ser humano, em qualquer lugar.
O bom jornalista não editorializa seus textos? Ou o faz através da voz dos outros?
Acho que só se deve editorializar a partir de fatos concretos. Essa é a qualidade de um bom editorialista: estabelecer conexões entre fatos que, em princípio, não estão relacionados. A primeira função do jornalista é dar informação. A partir daí, deve-se construir cidadania, difundir materiais que vão permitir aos cidadãos como sujeitos, ser mais dignos.
Apesar de um tom pessimista, em alguns de seus últimos trabalhos você assinala que o jornalismo do futuro é aquele que ajuda as pessoas a compreender o que acontece. A mente pensa com ideias, não com informação…
Há vários estilos jornalísticos. Acredito que a reportagem é insubstituível e há excelentes repórteres com a qualidade de texto que este gênero requer. Além disso, há a investigação, a análise econômica e geopolítica; mas no fundo trata-se de ajudar a compreender uma realidade em mudanças. Tecido e texto têm a mesma raiz epistemológica, um texto é um tecido. Os jornalistas têm que tecer textos para propor uma visão que permita a cada cidadão situar-se dentro de um contexto e saber qual é a sua função no relato coletivo.
Você tem assegurado que publicações que apostem nesta fórmula terão êxito.
É caso do jornal alemão Die Zeit: muito denso, com muita letra, textos difíceis, e ainda assim é o grande êxito da imprensa europeia dos últimos anos. Seguiu um pouco o caminho do Le Monde Diplomatique, porque é necessário recordar que vivemos nas sociedades mais educadas da história. Nunca houve tantos estudantes, tantos universitários, mas, ao mesmo tempo, a informação degradou-se e envelheceu, com uma enorme confusão entre informação e distração. Isso não pode satisfazer pessoas inquietas, que foram educadas e são exigentes, o que as leva a buscar informação de qualidade.
O diário mexicano La Jornada também creceu por esses mesmos motivos. Compreender o caos atual motiva e mobiliza muita gente.
Só encontraremos o fio de Ariadne para sair do caos atual refletindo em conjunto. Neste caminho, um jornalismo como o que mencionamos terá um papel relevante.
E é um contra-modelo, diante da mídia que coloca a informação nos espaços que a publicidade não ocupa…
É muito triste comprovar que muitas publicações tornaram-se dependentes da publicidade, o que falsifica a informação oferecida. O jornalismo de qualidade deve preocupar-se com a autonomia financeira e para isso deve-se associar os leitores ao veículo.
Estamos diante de um desafio geracional muito forte. No mundo da internet, surgem criadores de 12 e 13 anos que são capazes de fazer programas inovadores. O que te sugere a emergência dessas novas geracões?
É uma lição de humildade para os velhos jornalistas. Essas gerações são as que estão transformando as tecnologias e nos colocam diante de um desafio de escrever pensando em pessoas que não conheceram certas coisas. Devemos escrever pensando neles, recorrendo a referências que os atraiam. Não podemos fazer um jornalismo para entendidos, porque agora todos podem ser jornalistas e isso nos coloca em um lugar novo. Antes as observações só vinham de cima, agora qualquer leitor pode intervir e te questionar.
Entrevista a Raúl Zibechi, em La Vaca | Tradução: Bruna Bernacchio
*Ignacio Ramonet é jornalista, editor do Le Monde Diplomatique, edição espanhola, e presidente da rede Memória das Lutas – Medelu.

Enquanto isso, na Vila Liberdade, próximo a Arena do Grêmio…- por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Intelectuais advertem: idéia de Europa está morrendo – por Eduardo Febbro

Intelectuais advertem: idéia de Europa está morrendo
Manifesto de intelectuais europeus divulgado neste final de semana adverte: a Europa está afundando. “A Europa não está em crise, está morrendo. Não a Europa como território, naturalmente, mas sim a Europa como Ideia. A Europa como sonho e como projeto”. Documento é assinado por grupo de filósofos, escritores, psicanalistas e jornalistas, entre os quais se encontram personalidades como Umberto Eco, Salman Rushdie, Fernando Savater, Bernard-Henri Levy, Claudio Magris e Julia Kristeva.
Paris - “A unidade da Europa era o sonho de uns poucos. Tornou-se uma esperança para muitos. Hoje é uma necessidade para todos nós”. A frase do ex-chanceler alemão Konrad Adenauer tem um lugar na história. Foi pronunciada dez anos antes de a França e a Alemanha firmarem em 22 de janeiro de 1963 o tratado de cooperação franco-alemão conhecido como “Tratado do Eliseu”. Esse texto marca um passo definitivo para a reconciliação entre Paris e Berlim e reforçou a construção europeia.

Transcorreram exatamente 50 anos e esse “sonho” e essa “necessidade” estão hoje em pleno marasmo. A Europa está indo a pique. Isso é precisamente o que constata um grupo importante de intelectuais europeus que publicaram um manifesto cujos três primeiros parágrafos dão conta da orfandade que ameaça o Velho Continente: “A Europa não está em crise, está morrendo. Não a Europa como território, naturalmente, mas sim a Europa como Ideia. A Europa como sonho e como projeto”.

Este grupo de filósofos, escritores, psicanalistas e jornalistas, entre os quais se encontram personalidades como Umberto Eco, Salman Rushdie, Fernando Savater, Bernard-Henri Levy, Claudio Magris e Julia Kristeva apela à consciência dos dirigentes para que não se apague o sonho da unidade europeia surgido logo depois da Segunda Guerra Mundial. Neste sentido, os intelectuais assinalam que “esta Europa como vontade e representação, como quimera e como obra, essa Europa que nossos pais colocaram em pé, essa Europa que soube se tornar uma ideia nova, que foi capaz de aportar aos povos que acabavam de sair da Segunda Guerra Mundial uma paz, uma prosperidade e uma difusão da democracia inéditas, mas que, ante nossos próprios olhos, está se desfazendo uma vez mais”.

Em termos de Produto Interno Bruto (PIB), a Europa é, sem dúvida, a maior potência econômica que existe. Mas isso não basta porque, para os autores do manifesto, essa potência econômica tragou a ideia de Europa e o Velho Continente sonhado por seus pais fundadores está “se desfazendo em Atenas, uma de suas cunhas, em meio à indiferença e ao cinismo de suas nações irmãs”.

Modelo de integração e de paz para muitas democracias do mundo, a Europa vai morrendo por várias veias, começando por um de seus pilares, a Grécia: “dá a impressão de que os herdeiros daqueles grandes europeus, enquanto os gregos travam uma nova batalha contra outra forma de decadência e sujeição, não tem nada melhor a fazer que castigá-los, estigmatizá-los, pisoteá-los e, a partir dos planos de rigor e de austeridade, despojá-los do princípio de soberania que, há tanto tempo, eles próprios inventaram”.

Esse diagnóstico é válido também para a Itália, país onde se inventou a “distinção entre a lei e o direito, entre o homem e o cidadão”, país que está na “origem do modelo democrático que tanto contribuiu” e, hoje, “está enfermo de um berlusconismo que não tem fim”. Enfermidade crucial que envolve também o ideal europeu e que faz da Itália o “doente do continente. Que miséria! Que ridículo!”. O chamado destes intelectuais do Velho mundo é tão dramático como lúcido. Em sua breve e apaixonada demonstração, o texto mergulha na grande miséria europeia contemporânea: miséria moral, ética, miséria da solidariedade, miséria dos ideais que os europeus impulsionaram pelo mundo.

Daí que o manifesto insista em que a Europa faz água por todos os lados: “de leste a oeste, de norte a sul, com a ascensão dos populismos, dos chauvinismos, das ideologias de exclusão e ódio que a Europa tinha precisamente como missão marginalizar, esfriar, e que voltam vergonhosamente a levantar a cabeça. Quão longe está a época na qual, pelas ruas da França, em solidariedade com um estudante insultado pelo responsável de um partido de memória tão escassa como suas ideias, se cantava “todos somos judeus alemães!”. Que longe parecem hoje os movimentos solidários, em Londres, Berlim, Roma, Paris, com os dissidentes daquela outra Europa que Milan Kundera chamava a Europa cativa e que parecia o coração do continente! E quanto à pequena internacional de espíritos livres que lutavam, há 20 anos, por essa alma europeia que Sarajevo encarnava, sob as bombas e presa de uma impiedosa “limpeza étnica”, onde está, por que já não é mais ouvida?”.

Sonho e realidade dos quais, de pronto, milhões de indivíduos despertam sacudidos pela crise do euro, “essa moeda única abstrata, flutuante porque não está ancorada na economia, nos recursos, em um sistema fiscal convergente”. O horizonte desenhado pelos signatários do manifesto para voltar a dar corpo ao sonho europeu é a união política do Velho Continente, sem a qual não haverá vida possível: “O teorema é implacável. Sem federação, não há moeda que se sustente. Sem unidade política, a moeda dura algumas décadas e depois, aproveitando uma guerra ou uma crise, será dissolvida”.

O chamado divulgado neste fim de semana apresenta um paradigma curioso: “antes se dizia: socialismo ou barbárie; hoje é preciso dizer: união política ou barbárie. Melhor dizendo: federalismo ou explosão e, na loucura da explosão, regressão social, precariedade, desemprego galopante, miséria. Melhor dizendo: ou a Europa dá um passo decisivo a frente, na direção da integração política, ou sai da História e desaparece no caso. Já não resta outra opção: unidade política ou a morte”.

A corrida vertiginosa para esse fim da Europa já começou, dizem os autores, e se não forem tomadas as medidas adequadas e não simples maquiagens nada a deterá: “a Europa sairá da História. De uma forma ou de outra, se não for feito algo ela desaparecerá. Isso deixou de ser uma hipótese, um vago temor, um trapo vermelho que se agita ante os europeus recalcitrantes. É uma certeza. Um horizonte insuperável e fatal. Todo o resto – truques de mágica de alguns, pequenos acordos de outros, fundos de solidariedade por aqui, bancos de estabilização por ali – só serve para adiar o fim e distrair o moribundo com a ilusão de uma sobrevida”.

Serão escutados estes herdeiros do pensamento crítico que ainda parece conservar essa dimensão tão europeia que consiste em nunca perder a capacidade crítica frente ao comportamento dos Estados? Apostar nisso seria outro sonho: entre socialdemocratas que desenham políticas liberais, socialistas de joelhos diante de grandes corporações e capazes de voltar a servir o prato da “guerra contra o terrorismo islâmico” para justificar intervenções militares em outros países – Mali – enquanto as pessoas morrem como moscas na Síria, entre governos liberais sacudidos por níveis de corrupção e fatos dignos de comédias, não se vê por onde possa aparecer alguém capaz de encarnar o grande sonho europeu. Ao menos que aqueles que o fomentaram se levantem de suas tumbas.

Tradução: Katarina Peixoto

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Os verdadeiros rostos do terrorismo em África - por Komla Kpogli

Os verdadeiros rostos do terrorismo em África
Dizem-nos agora que o terrorismo ameaça a África e que em nome da luta contra o mesmo trava-se actualmente uma "guerra humanitária" no Mali. Examinemos o que é realmente o terrorismo sob os trópicos.

Após quatro séculos de razzias negreiras transatlânticas e árabo-muçulmanas e mais de um século de colonização, as populações africanas entraram em luta pela sua libertação. Mas estas lutas foram curto-circuitadas e os seus condutores logo assassinados e substituídos por fantoches sanguinários cuja única missão é confirmar a manutenção do continente na órbita daqueles que investiram para privá-lo de todos os seus recursos – a começar pelos recursos humanos que, depois terem servido nos campos de algodão, nas minas, nos estaleiros de obras longe da África, devem continuar a trabalhar para o seu bem-estar agora no próprio continente. Sob o controle de vigilantes vestidos com fato e gravata, tal como o mestre.

Infelizes os povos governados por escravos seleccionados e libertos para as necessidades da causa pelos mestres que os vestem à sua imagem, criando nestes "vigilantes" a ilusão de que se tornaram seus iguais. O poder do terror que o mestre atribuiu a estes contramestres revela-se tão destruidor que certos africanos não vacilam em lamentar abertamente a substituição do colono de olhos azuis por aqueles que, pela cor da pele, pareciam serem seus irmãos. Juventude remetida ao exílio pelo Mediterrâneo onde, se não for abatida pelos tiros dos guarda-fronteiras do Frontex , é devorada por tubarões, predação, avidez, desprezo para com as populações, violência incessante, destruição metódica de toda ideia voltada para o endógeno... eis alguns dos métodos de governo dos sátrapas.

Aqui está um breve resumo do terrorismo de alguns dentre eles. O leitor nos desculpará não termos mencionado todos. É por falta de espaço e nenhuma outra razão. Assim, o leitor é convidado a completar a lista, mesmo a enumerar os crimes que não puderam ser mencionados aqui.

1. Gnassingbé 1º + Gnassingbé 2º: 50 anos no poder no Togo, pelo menos 50 mil mortos directos por violências militar-policiais. Assassinato de Sylvanuys Olympio e a seguir o retorno do Togo ao regaço da França, pelo menos 100 mil togoleses mortos de diversas maneiras (crimes económicos, manutenção do Franco CFS, cooperação suicida, ausência de infraestruturas de base de saúde, ausência de água, decadência mental colectiva sabiamente mantida...). Torturas + Manutenção das fronteiras coloniais + Escola colonial + fraudes eleitorais incessantes + Oposição e populações submetidas a um terrorismo permanente + Sabotagem da cultura africana.

2. Bongo 1º + Bongo 2º: 46 anos no poder no Gabão, pelo menos 20 mil mortos directos, pelo menos um milhão de africanos no Gabão mortos de diversos modos (financiamento de partidos políticos em França, manutenção do Franco CFA, cooperação suicida, ausência de infraestruturas de base de saúde, ausência de água, decadência mental colectiva sabiamente mantida...). Torturas + Manutenção das fronteiras coloniais + Escola colonial + fraudes eleitorais incessantes + Oposição e populações submetidas a um terrorismo permanente + Sabotagem da cultura africana.

3. Paul Mvondo Biya : no poder nos Camarões desde há 31 anos, no mínimo 40 mil mortos directos, pelo menos um milhão de africanos do território dos Camarões mortos de diversas maneiras (crimes económicos, manutenção do Franco CFA, cooperação suicida, inexistência de infraestruturas de base de saúde, ausência de água, decadência mental colectiva sabiamente mantida...). Torturas + Manutenção das fronteiras coloniais + Escola colonial + fraudes eleitorais incessantes + Oposição e populações submetidas a um terrorismo permanente + Sabotagem da cultura africana.

4. Blaise Compaoré: Assassino de Thomas Sankara , de Norbert Zongo e seus companheiros, no poder desde há 26 anos, pelo menos 15 mil mortos directos, no mínimo um milhão de africanos do Burkina Faso mortos de diversas maneiras (crimes económicos, manutenção do Franco CFA, cooperação suicida, inexistência de infraestruturas de base de saúde, ausência de água, decadência mental colectiva sabiamente mantida...). Torturas + Manutenção das fronteiras coloniais + Escola colonial + fraudes eleitorais incessantes + Oposição e populações submetidas a um terrorismo permanente + Sabotagem da cultura africana.

5. Denis Sassou Nguesso (República do Congo): criminoso reincidente que totaliza 29 anos no poder, pelo menos 100 mil mortos directos por violências militares e policiais, saqueadores profissionais de fundos públicos com a sua família e clientes, pelo menos um milhão de africanos mortos de diversas maneiras (crimes económicos, manutenção do Franco CFA, cooperação suicida, inexistência de infraestruturas de base de saúde, ausência de água, decadência mental colectiva sabiamente mantida...). Torturas + Manutenção das fronteiras coloniais + Escola colonial + fraudes eleitorais incessantes + Oposição e populações submetidas a um terrorismo permanente + Sabotagem da cultura africana.

6. Omar Guelleh: no poder no Djibuti desde há 14 anos, mesmos crimes que os terroristas antecedentes.

7. Idriss Deby: no poder no Tchad desde há 23 anos, mesmos crimes que os antecedentes.

8. Alassane Dramane Ouattara (Costa do Marfim): no poder desde há um ano, criminoso com o FMI onde dirigiu directamente o Planos de Ajustamento Estruturais. Chegou à presidência transportado nos carros de combate e bombardeiros franceses, acompanhados de terroristas dirigidos por Guillaume Soro desde há 10 anos, pelo menos 30 mil mortos directos, no mínimo 50 milhões de africanos mortos via FMI e Banco Mundial a quem Ouattara serviu + crimes económicos, manutenção do Franco CFS, cooperação suicida, inexistência de infraestruturas de base de saúde, ausência de água, decadência mental colectiva sabiamente mantida...). Torturas + Manutenção das fronteiras coloniais + Escola colonial + fraudes eleitorais incessantes + Oposição e populações submetidas a um terrorismo permanente + Sabotagem da cultura africana.

Etc, etc. Todos estes terroristas beneficiam do apoio logístico, intelectual e mediático da França, bem como de outros "Amigos da África" que não hesitam em combater directamente nas suas costas contra os africanos que actualmente "salvam" no Mali do terrorismo que corta mãos e pés. Quem libertará os africanos dos terroristas?

Punk revisitado – por Ana Pinho

Punk revisitado
O fotógrafo Rui Mendes fala sobre suas memórias e a exposição Punk, no Espaço Revista CULT
Show da banda Camisa de Vênus, em 1985 (Foto: Rui Mendes)
Há cinco anos, Rui Mendes trabalha em um livro com seus retratos favoritos da cena musical. Ao telefone, ele respira fundo antes de responder se está pronto: “Esse ano eu acabo”. Fotógrafo há 33 anos, Mendes estima ter um acervo de um milhão de negativos, metade deles relacionados à música.
Um dos capítulos do futuro livro é o Punk, movimento de contracultura que surgiu no meio dos anos 1970 (o país de origem ainda é controverso). Foi de dentro da cena punk paulistana que vieram as 34 fotos da mostra “PUNK”, tiradas entre 1983 e 1986 e expostas no Espaço Revista CULT como parte da 4ª Mostra SP Samsung de Fotografia.
Nas fotos, bandas como Mercenárias, Inocentes e Ratos de Porão, além de punks anônimos que ilustram a diversidade da vida undergound da cidade. “Eu ia colocar o Ira!, mas eles eram proibidos pelos punks de se chamarem de punks”, conta Rui, rindo.
CULT – Você sabia que estava fotografando algo que se tornaria histórico?
Rui Mendes – Sempre tive a noção que a fotografia tem compromisso com a história. Mas que aquilo que eu estava fazendo [seria histórico] eu não tinha ideia nenhuma. Quando está vivendo aquilo, ninguém tem essa noção.
Como montou a exposição?Ela é calcada em cinco bandas: Inocentes, Mercenárias, Ratos de Porão, Olho Seco e Cólera. Também tem os baianos da Camisa de Vênus. As fotos são do período em que essas bandas tinham a identidade punk pura.
Membros da banda Inocentes, em 1986 (Foto: Rui Mendes)
O que seria a identidade punk pura?
Punk pura no sentido de barulho. Na verdade, é o seguinte: o movimento punk em São Paulo vem junto com a abertura política. Vivíamos num país muito fechado, que começa a abrir e todos começam a ter informação sobre tudo.
O que o punk fez: não precisava ser virtuoso com um instrumento pra montar uma banda. Ninguém tocava bem, era uma molecada pegando guitarra, bateria, baixo, que saía tocando sem muito compromisso com nota musical.
Qual fotografia é a mais significativa?
Todas com as Mercenárias. A Sandra Coutinho foi uma grande responsável por organizar essa galera toda que fez os festivais nos anos 1980. Ela foi casada com o Edgard Scandurra e muito importante para essa época. A gente tinha muito a ver na hora de combinar foto, figurino, locação.
Conte uma memória punk.
Bem no começo, fui fazer fotos para uma revista do José Augusto Lemos, que depois viria a ser editor da Bizz. Eram fotos do Ratos de Porão, o João Gordo nem fazia parte da banda ainda. As Mercenárias tinham o Edgard Escandurra na bateria, e o Ira! era a banda que, dessas três, era a mais conhecida. Tinha mais ou menos um ano de estrada.
Fiz os ensaios e a matéria não saiu. No meio tempo, eu estudava na ECA e criei uma chapa anarquista chamada Picaretas para ir contra a Libelu [Liberdade e Luta]. Éramos 22 pessoas e, segundo o estatuto da faculdade, cada chapa tinha direito de rodar 500 páginas de propostas. Uma semana antes, tive a ideia de racharmos as chapas.
Três dias antes, juntamos de novo e tínhamos rodado uma revista [risos]. Ganhamos a eleição por quatro votos. Foi um bafafá e o começo da derrocada da Libelu. Tive a ideia de fazer a festa do Gato Morto, já que o gato era o símbolo da Libelu. Convidei as três bandas para fazerem um show no centro acadêmico, e troquei o show pelas fotos. Uni o útil ao agradável.
Vieram os punks de Osasco, que tinham o nome de Cangaceiros, e vieram os punks da História. Meu carro virou ambulância, levei umas quatro pessoas que tinham sido agredidas com garrafada para o Hospital Universitário. Essa festa foi marcante na ECA porque foi uma loucura.
Mostra Punk, de Rui MendesDe 25/1 a 23/2
Horário de visitação:
De segunda a sexta, das 11h às 20h
Sábados, das 11h às 15h
Espaço Revista CULT
R. Inácio Pereira da Rocha, 400, São Paulo (SP)
(11) 3032-2800
GRÁTIS (11) 3032-2800 end_of_the_skype_highlighting
www.espacorevistacult.com.br

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Aldeia Maracanã RESISTE! - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

A maior ameaça à paz mundial – por Noam Chomsky - La Jornada

A maior ameaça à paz mundial
Os Estados Unidos realizaram em dezembro um teste nuclear em Nevada. O país não aceitou abrir a atividade aos inspetores internacionais, o que têm exigido do Irã – que, aliás, protestou, assim como fizeram o prefeito de Hiroshima e alguns grupos pacifistas japoneses. O acontecimento voltou a chamar atenção para a disputa entre Israel e Irã, mas sem pôr em pauta o que realmente é importante: a criação de uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio.
Ao informar sobre o debate final da campanha presidencial nos Estados Unidos, o The Wall Street Journal observou que “o único país mais mencionado (que Israel) foi o Irã, o qual a maioria das nações de Oriente Médio vê como a principal ameaça à segurança da região”.

Os dois candidatos estiveram de acordo em que um Irã nuclear é a maior ameaça à região, se não ao mundo, como Romney sustentou explicitamente, reiterando uma opinião convencional.

Sobre Israel, os candidatos rivalizaram em declarar sua devoção, mas nem assim os as autoridades israelenses se deram por satisfeitas. Esperavam “uma linguagem mais ‘agressiva’ de Romney”, segundo os repórteres. Não foi suficiente que Romney exigisse que não se permitisse que o Irã “alcance um ponto de capacidade nuclear”.

Também os árabes estavam insatisfeitos, porque os temores árabes sobre o Irã se “debateram sob a ótica da segurança israelense, não da região”, e as preocupações dos árabes não foram contempladas: uma vez mais, o tratamento convencional.

O artigo do Journal, como incontáveis outros sobre o Irã, deixa sem resposta perguntas essenciais, entre elas: Quem exatamente vê o Irã como a ameaça mais grave à segurança? O que os árabes (e a maior parte do mundo) acham que se pode fazer diante dessa ameaça, existindo ou não?

A primeira pergunta é fácil de responder. A ameaça iraniana é uma obsessão totalmente do Ocidente, compartilhada por ditadores árabes, embora não pelas populações árabes.

Como mostraram numerosas pesquisas, mesmo que os cidadãos dos países árabes em geral não simpatizem com o Irã, não o consideram uma ameaça muito grave. Na verdade percebem que a ameaça são Israel e Estados Unidos, e vários, muitas vezes maiorias consideráveis, veem nas armas nucleares iranianas um contrapeso para essas ameaças.

Em altas esferas dos Estados Unidos, alguns estão de acordo com a percepção das populações árabes, entre eles o general Lee Butler, ex-chefe do Comando Estratégico. Em 1998 ele disse: “É extremamente perigoso que, no caldeirão de animosidades que chamamos Oriente Médio”, uma nação, Israel, deva contar com um poderoso arsenal de armas nucleares, “que inspira outras nações a tê-lo também”.

Ainda mais perigosa é a estratégia de contenção nuclear da qual Butler foi o principal formulador por muitos anos. Tal estratégia, escreveu em 2002, é “uma fórmula para uma catástrofe sem remédio” e convidou os Estados Unidos e outras potências atômicas a aceitar os compromissos contraídos dentro do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e fazer esforços de “boa fé” para eliminar a praga das armas atômicas.

As nações têm a obrigação legal de levar a sério esses esforços, decretou a Corte Mundial em 1996: “Existe a obrigação de avançar de boa fé e levar a termo as negociações orientadas ao desarmamento nuclear em todos seus aspectos, conforme um controle internacional estrito e efetivo”. Em 2002, o governo de George W. Bush declarou que os Estados Unidos não estão comprometidos com essa obrigação.

Uma grande maioria do mundo parece compartilhar a opinião dos árabes sobre a ameaça iraniana. O Movimento de Países Não Alinhados (MNA) apoiou com vigor o direito do Irã de enriquecer urânio; sua declaração mais recente aconteceu na cúpula de Teerã, em agosto passado.

A Índia, membro mais populoso do MNA, encontrou formas de evadir às onerosas sanções financeiras dos Estados Unidos ao Irã. Executam planos para vincular o porto iraniano de Chabahar, recondicionado com assistência indiana, com a Ásia Central, através do Afeganistão. Também se informa que as relações comerciais se incrementam. Se não fosse pelas fortes pressões de Washington, é provável que estes vínculos naturais tivessem uma melhoria substancial.

A China, que tem estatuto de observadora no MNA, faz o mesmo, em boa medida. Expande seus projetos de desenvolvimento para o Ocidente, entre eles iniciativas para reconstituir a antiga Rota da Seda para a Europa. Uma linha ferroviária de alta velocidade conecta a China com o Cazaquistão e além. É provável que chegue ao Turcomenistão, com seus ricos recursos energéticos, e que se conecte com o Irã e se estenda até a Turquia e a Europa.

A China também tomou o controle do importante porto de Gwadar, no Paquistão, que lhe permite obter petróleo do Oriente Médio evitando os estreitos de Ormuz e Malaca, saturados de tráfico e controlados pelos Estados Unidos. A imprensa paquistanesa informa que “as importações de petróleo cru do Irã, dos estados árabes do Golfo e da África poderiam ser transportadas por terra até o noroeste da China através deste porto”.

Em sua reunião de agosto, em Teerã, o MNA reiterou sua velha proposta de mitigar ou pôr fim à ameaça das armas nucleares no Oriente Médio estabelecendo uma zona livre de armas de destruição em massa. Os passos nessa direção são, sem dúvida, a maneira mais direta e menos onerosa de superar essas ameaças, o que é apoiado por quase o mundo inteiro.
Uma excelente oportunidade de aplicar essas medidas se apresentou recentemente, quando se planejou uma conferência internacional sobre o tema em Helsinki.

Foi realizada uma conferência, mas não a que estava planejada. Só organizações não governamentais participaram da reunião alternativa, organizada pela União pela Paz, da Finlândia. A conferência internacional planejada foi cancelada por Washington em novembro, pouco depois que o Irã concordou em comparecer.

A razão oficial do governo Obama foi “a turbulência política na região e a desafiante postura do Irã sobre a não proliferação” segundo a agência Associated Press, junto a uma falta de consenso sobre como enfocar a conferência. Essa razão é a aprovada referência ao fato de que a única potência nuclear da região, Israel, se negou a comparecer, alegando que a solicitação para fazê-lo era “coerção”.

Aparentemente, o governo de Obama mantém sua postura anterior de que “as condições não são apropriadas, a menos que todos os membros da região participem”. Os Estados Unidos não permitirão medidas para submeter as instalações nucleares de Israel a inspeção internacional. Também não revelará informação sobre “a natureza e alcance das instalações e atividades nucleares israelenses”.

A agência de notícias do Kuwait informou imediatamente que “o grupo árabe de Estados e os estados membros do MNA concordaram em continuar negociando uma conferência para o estabelecimento de uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio, assim como de outras armas de destruição em massa”.

Recentemente, a Assembleia Geral da ONU aprovou, por 174 votos a seis, uma resolução na qual convida Israel a aderir ao TNP. Pelo não, votou o contingente acostumado: Israel, Estados Unidos, Canadá, as Ilhas Marshall, Micronésia e Palau.

Dias depois, em dezembro, os Estados Unidos realizaram um teste nuclear impedindo, uma vez mais, aos inspetores internacionais, o acesso ao local do teste, em Nevada. O Irã protestou, assim como o prefeito de Hiroshima e alguns grupos pacifistas japoneses.

Claro que, para estabelecer uma zona livre de armas atômicas, se requer a cooperação das potências nucleares: no Oriente Médio, isso incluiria os Estados Unidos e Israel, que se negam a cooperar. O mesmo acontece em outros lugares. As zonas da África e do Pacífico aguardam a aplicação do tratado porque os Estados Unidos insistem em manter e melhorar as bases de armas nucleares nas ilhas que controla.

Enquanto se levava a cabo a conferência de ONGs em Helsinki, em Nova York se realizava um jantar com o patrocínio do Instituto sobre Políticas sobre o Oriente Próximo, de Washington, ramificação do conselho israelense.
Segundo uma matéria entusiasta sobre essa “cerimônia” na imprensa israelense, Dennis Ross, Elliott Abrams e outros “ex-conselheiros de alto nível de Obama e Bush” asseguraram aos presentes que “o presidente atacará (o Irã) se a diplomacia não funcionar”: um presente de festas de fim de ano muito atrativo.

É difícil que os estadunidenses estejam cientes de como a diplomacia voltou a falhar, por uma simples razão: virtualmente não se informa nada nos Estados Unidos sobre o destino da forma mais óbvia de lidar com “a mais grave ameaça”: estabelecer uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio.


*Noam Chomsky é professor emérito de linguística e filosofia no Instituto Tecnológico de Massachusetts, em Cambridge. O novo livro de Noam Chomsky, Power systems: conversations om global democratic uprisings and the new challenges to US empire (Sistemas de poder: conversas sobre as rebeliões democráticas globais e os novos desafios ao império estadunidense) será publicado em janeiro.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

No Mali, a guerra da França pelo urânio - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

JERSEY vs. MALUF: Quanto valem R$ 58 milhões? - Por Mauro Malin

JERSEY vs. MALUF: Quanto valem R$ 58 milhões?
Não faz muito tempo, a necessidade de “traduzir” grandes quantias monetárias produzia quase sempre os mais asnáticos disparates. Com não sei quantos milhões se poderiam comprar não sei quantos milhares de automóveis. Quem vai comprar milhares de automóveis? Enfileiradas, as células fariam a volta ao mundo, ou chegariam à lua etc.
No sábado (19/1), os jornais todos deram, como na véspera emissoras de rádio e televisão e portais de notícias, informação sobre a decisão da Justiça de Jersey que condena o ex-prefeito Paulo Maluf a devolver à Prefeitura paulistana cerca de R$ 58 milhões (cabe recurso). O único jornal que deu chamada na capa foi a Folha de S. Paulo.
A reportagem, assinada por Mario Cesar Carvalho, também é a única que “traduz” o valor arbitrado pelos juízes. E o faz de modo inteligente: esse dinheiro daria para construir 13 escolas ou dois CEUs (sigla de Centro Educacional Unificado, atualização dos Cieps fluminenses de Brizola ou dos Ciaps nacionais de Collor). Ou seja, atividades precípuas de uma prefeitura.
Megassena e Itaquerão
No infográfico que ilustra a reportagem há menos precisão do que no texto, onde se lê quanto custa construir cada escola do tipo usado para a comparação (R$ 4,4 milhões) ou CEU (o mais recente custou R$ 29 milhões). O infográfico usa imagens para simbolizar 40 escolas (cabe ao leitor dividir 58 por 40), ou porcentagens da soma que Maluf, se o recurso de seus advogados não funcionar, terá que desembolsar (além dos gastos da Prefeitura com o processo, que podem chegar a R$ 9 milhões).
As porcentagens são: o ressarcimento vale 50% “do custo de um hospital, aproximadamente” (claro, porque há hospitais e hospitais); “24% do prêmio da Megassena da virada 2013” e “7% do Itaquerão, o novo estádio do Corinthians”. Também nesses dois casos cabe ao leitor fazer a conta, se estiver interessado em saber quanto pagou a loteria brasileira (que dá prêmios mixurucas, comparados aos padrões internacionais; questão de renda per capita) ou quanto vai custar o estádio.
Nesses dois últimos itens a pertinência das comparações vai para o espaço. Uma pequena recidiva da doença das comparações malucas. Melhor teria sido, quem sabe, reduzir a parte gráfica e colocar uma pitada de análise, algum comentário sobre como se repetem e se ampliam nas prefeituras brasileiras os esquemas de superfaturamento de obras. Ou até de ausência delas, como em Nova Friburgo, para citar um único e doloroso caso.
O PP e a habitação
A matéria está na página 4, ilustrada com foto bem aberta e atual de Maluf sorridente. Ao lado, no “Painel”, quatro tópicos, incluída a abertura da coluna, falam da pressão do PP, partido de Maluf, para conquistar o controle dos programas habitacionais paulistas, fechando assim um arco que começa na esfera federal (o ministro das Cidades é do PP) e termina na municipal (Fernando Haddad entregou à agremiação malufista o comandos dos programas habitacionais). Alckmin, dizem as notas, tende a contentar Maluf, de olho nas alianças para 2014.
É pura coincidência que as notas estejam ao lado da matéria (de fato, sem brincadeira). E não se lerá aqui nenhum comentário a esse respeito.
Qualidade é o desafio
O detalhe das comparações tem relevo porque faz parte do esforço diário para melhorar a qualidade dos jornais, também diariamente contra-arrestado pelos interesses negociais, ideológicos e políticos que abastardam o noticiário. E pelo mau jornalismo, que existe desde o primeiro jornal do mundo e é indispensável à civilização: se não houvesse mau jornalismo seria impossível identificar o bom jornalismo.
Qualidade é uma combinação de confiabilidade, presteza e contextualização. Em outras palavras: a novidade vinda de fonte segura, mas não “solta” no noticiário.
Qualidade do conteúdo e da forma é a grande arma dos jornais impressos na luta para sobreviver à aceleração do tempo social. A aceleração, levada a patamares quase desumanos pela internet e, mais ainda, pela telefonia móvel, e ainda pela combinação das duas, é muito anterior ao advento da rede mundial e do celular. É um fenômeno que começa com o telégrafo, passa pelo telefone fixo e ganha extraordinário impulso com a radiofonia comercial. A televisão entra nesse circuito acrescentando um elemento poderosíssimo, a imagem. É mais lenta do que o rádio para contar as novidades, embora impressione mais.
Renovação e rotina
O cinema estaria condenado pela massificação da televisão, mas comercialmente vai bem, obrigado, graças à sua capacidade de renovar conteúdos e técnicas. Quando ainda não havia televisão – e, portanto, filmes não eram nela exibidos –, fizeram na França uma experiência com homens que haviam passado a década de 1920 presos e que tinham ido ao cinema antes da prisão. Eles simplesmente não conseguiram entender os filmes novos, tamanhas as mudanças de técnica cinematográfica ocorridas enquanto estavam encarcerados.
 Os jornais não param de se renovar, embora sejam uma complexa operação diária que precisa se apoiar fortemente em rotinas. Nem sempre, porém, a renovação contribui para melhorar a qualidade. Vide a mais recente reforma gráfica do O Globo. Errare humanum est.

Isso explica muita coisa...

Fonte: Rede

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

BHObama: Pentágono, CIA e novos ventos – NovaE

BHObama: Pentágono, CIA e novos ventos
As indicações pelo presidente BHObama dos nomes de John Brennan para a CIA e de Chuck Hagel, primeiro veterano da guerra do Vietnã a ocupar o cargo, para o Departamento de Defesa (Pentágono) estão de acordo com os novos ventos da política do país para a guerra contra os inimigos clássicos e pela busca da reconquista da hegemonia perdida.
John Kerry, que assumirá o Departamento de Estado, em substituição a Hillary Clinton, terá em Hagel companhia acessível para levar à frente as alterações necessárias à diplomacia de paz e guerra do país.
John Brennan
John Brennan é um exemplar perfeito da aliança das forças que conduzem o poder nos EUA: funcionários especializados civis, forças armadas, executivos e proprietários de grandes corporações principalmente de armamentos, conselheiros aliados a influentes organizações não governamentais, financistas e banqueiros, titulares de universidades, e, por fim e menos importantes, políticos eleitos.
A expressão clássica que define a movimentação das pessoas entre essas forças componentes do poder é “porta giratória”: por exemplo, militares de alta patente que comandaram tropas ou ocuparam cargos governamentais e entram para a reserva tendem a deter altos cargos em empresas de armamentos; secretários do Tesouro quase sempre deixam corporações financeiras para exercer o poder.
John Brennan foi conselheiro de contraterrorismo do Departamento de Segurança Interna e vice de segurança nacional, executivo do Citicorp, chefe do centro nacional de contraterrorismo, membro de universidade em New York, e tem muitos anos de carreira na CIA, por exemplo como analista e ex-chefe da importante agência da Arábia Saudita. Chefiou empresas particulares de análise de segurança e ocupou cargos elevados de inteligência em vários governos, de Clinton a BHObama, . Foi também, por anos, o encarregado de levar ao presidente dos EUA um consolidado dos relatórios diários das 16 agências de inteligência do país, fato que em geral abre a primeira hora de cada manhã de trabalho na Casa Branca.
Defendeu técnicas de tortura, seqüestro e entrega de presos a países para serem torturados, agravadas nos dois governos Bush e continuadas pelo governo BHObama. Também defende os ataques com drones, aviões não tripulados operados a partir de bases no território dos EUA, contra alvos no Paquistão, Yemen, Somália, Afeganistão e outros países, que com frequência matam civis. Aconselha BHObama quanto à lista de ‘pessoas inimigas’ a serem assassinadas, tarefa a que se entrega o presidente. É considerado ‘linha dura’ ou ‘falcão’.
Sua posição como chefe da CIA reforça a progressiva mudança do perfil da agência, anteriormente centrada mais em análises de inteligência e aconselhamento aos governos. Os dois mandatos de Bush filho (Buh pai foi chefe da CIA antes de ser presidente) aos poucos retiraram da CIA parte desse papel, e enfatizaram cada vez mais a atuação direta nas técnicas ilegais e ações contra inimigos baseadas em táticas típicas terroristas: prisões secretas de tortura e morte de ‘inimigos’, bombardeios e atentados, assassinatos seletivos, derrubada de governos legítimos, etc. As deficiências das análises de inteligência colaboram para a claudicante diplomacia dos últimos governos com relação a países de maioria muçulmana, por exemplo.
Uma das suas funções principais será a reorientação das alianças da CIA com núcleos chamados terroristas, principalmente de muçulmanos e mercenários, ou ambos. A morte recente do embaixador dos EUA e de três agentes de inteligência no ‘compound’ da CIA (que a grande mídia desinformadora chama de ‘consulado’) em Benghazi, na Líbia, a cidade-sede em que se iniciou a ‘guerra dos EUA-Otan’ contra Gaddafi, acendeu a luz vermelha no governo BHObama. A cesta de grupos reunidos antiGaddafi incluía até mesmo grupos já classificados como terroristas ou da Al Qaida pelo governo dos EUA.
Aliados e inimigos
A CIA ou organiza, ou usa ou se desfaz, de grupos assim ao sabor das conveniências estratégicas e dos interesses da política externa do país. Três exemplos saltam à vista: a ficção da ‘organização Al Qaida’, que teve Osama bin Laden como figura exponencial nas décadas de 1980 e 1990; a rede Hezb-i Islami, do ‘senhor da guerra’ e traficante afegão Gulbuddin Hekmatiar; e o grupo fortemente armado do paquistanês Jalaluddin Haqqani, aliado do Taleban e ainda próximo do serviço de inteligência ISI do seu país, mas recentemente classificado como ‘organização terrorista’ pelo governo BHObama. O Paquistão vê o Taleban, da etnia pashtun, como apoio após a retirada prevista das forças armadas ocidentais e da presença crescente da influência da Índia, da Rússia, do Irã e outros países sobre o agora frágil governo afegão.
Os grupos de Haqqani e Hekmatiar existem e operaram ao lado da CIA em vários momentos do passado recente, como no combate aos invasores soviéticos no Afeganistão, na década de 1980. Hoje, com a reativação plena da produção de papoula e do tráfico de ópio, após a deposição do governo do Taleban que havia reduzido quase a zero a sua produção, o espaço das forças de Hekmatiar vem sendo exigido pela própria CIA. A agência fatura alto no mundo todo (México, Honduras, Afeganistão, país de fachada Kosovo, sul da Ásia, etc.) com o tráfico internacional de drogas para financiar suas operações secretas. Hekmatiar deve ceder espaço também para membros da família do presidente afegão Hamid Karzai, mergulhada até o pescoço no negócio bilionário do ópio. Mais de 90% da produção mundial atual vem do Afeganistão.
Al Qaida
Já a Al Qaida é ficção conveniente que individualiza num só nome dezenas de grupos, pagos de início em geral pela Arábia Saudita, formados por mercenários que combatem por dinheiro e jihadistas combatentes pela fé islâmica e que nem sempre se mantêm fiéis aos seus contratantes. Osama bin Laden, membro da família mais rica da Arábia Saudita depois da família real, liderou contra os soviéticos tropas treinadas no Paquistão, pagas pelo reino saudita e supervisionadas pela CIA.
O nome Al Qaida é apenas uma abreviação de nomes árabes para ‘database’, rede de internet e intranet usada para recrutamento e formação de milícias de combatentes e de troca de mensagens e informações cifradas, inicialmente a partir da Arábia Saudita. Mas é bastante conveniente para carimbar oposições variadas, como grupos contrários ainda atuantes na Líbia, no Yemen e, há pouco tempo, no Mali, o que obrigou o envolvimento de tropas do ‘governo socialista’ de François Hollande.
O presidente francês mostra assim as mesmas garras do seu antecessor de direita Nicolas Sarkozy, filhote originário da máfia de Marselha. Além do mais, Bush transformou-a em palavra mágica: classificar um grupo como parte da Al Qaida autoriza qualquer medida militar, assassinatos e destruição de cidades e países.
A partir do momento em que divergiu de seus associados poderosos, levado por sua conhecida fé muçulmana, Osama bin Laden em 2001 foi vitimado pela acusação falsa do governo Bush de ter sido responsável pelo ataque às torres do World Trade Center em New York .(O governo Bush declarou-se desinformado sobre o atentado, mas, apenas 1 hora após o ataque à segunda torre, acusou Osama bin Laden de ‘autor’. É para rir, ou refletir.) O ataque, sabe-se hoje, teve minucioso e longo preparo para antes, durante e após o evento, e foi levado à frente pelo serviço de inteligência israelense Mossad, em conluio com setores de proa da área de inteligência dos EUA e do governo.
Na Síria atual, por exemplo, combatem muitos grupos, até mesmo de condenados à morte ou prisão perpétua na Arábia Saudita, liberados e pagos para o combate à ditadura de Assad, e também grupos de voluntários islâmicos que pretendem instalar emirado sob a lei da sharia.
É o caso dos grupos salafistas, ramo dos sunitas que prega rigor na interpretação do Corão e se acredita o único intérprete das intenções do profeta. Esta é a razão que torna delicado o envolvimento pleno da Otan: são aliados de ocasião, apenas até a deposição do ditador. Não estão interessados nas balelas de ‘democracia’ e ‘liberdade’, palavras ocas na voz dos representantes do Ocidente. E sabem que, apesar de aliados no momento na Síria, países como EUA, França e Reino Unido bombardeiam muçulmanos em vários países.
Uma missão fundamental de Brennan é neutralizar ou exterminar boa parte desses grupos, dispersos por vários pontos do planeta, antes aliados da CIA ou do seu equivalente MI6 britânico em episódios de guerra, que se tornam empecilhos e podem levar a situações de confronto indesejáveis com as forças que os apoiaram (remember Benghazi. A Itália acaba de fechar seu consulado na cidade, após ataque armado ao cônsul italiano). Além, sim, de manter as práticas ilegais que tornaram os EUA condenáveis e bandidos perante as leis internacionais.
Chuck Hagel
Indicado por BHObama para o Departamento de Defesa, ao qual se subordina o Pentágono, o ex-senador republicano por Arkansas Chuck Hagel vem enfrentando acirrada campanha contrária da parte dos mais notórios grupos de neoconservadores do país. Quase todos esses neocons são remanescentes da era Bush, em que ocuparam cargos-chave no governo, congregados em torno do ‘projeto de um novo século americano’. A campanha é orquestrada pelos lobbies pró-Israel e pela Aipac, sigla que reúne as forças organizadas que operam em favor das teses sionistas, e que detêm imenso poder sobre a política e a imprensa estadunidenses. Seu mais notório agente na imprensa é Rupert Murdoch, que comanda meios relevantes como o Wall Street Journal e a rede Fox News de TV, e que, embora nascido na Austrália, é cidadão israelense e notório sionista.
Murdoch é o maior empresário de mídia do mundo, e seus métodos sujos de obter informação e de exercer influência sobre governos vêm tendo o véu levantado após o episódio de o seu jornal de maior tiragem do Reino Unido, News of the World, ter sido obrigado ao fechamento e alguns ex-dirigentes estarem sob processo na justiça.
O alcance das manobras de Murdoch pode ser visto na viagem que o diretor da sua Fox News fez ao Afeganistão para tentar convencer o então famoso general David Petraeus a candidatar-se a presidente contra BHObama. Para o mafioso Murdoch, a sua poderosa rede de mídia com certeza poderia elegê-lo. Petraeus, que não aceitou o convite, foi um tempo depois defenestrado da chefia da CIA e destinado a longa quarentena após revelação de escândalo, sob a alegação de que teria uma amante, sua biógrafa. O que a imprensa omitiu é que a amante é oficial da área de inteligência. O jogo é pesado.
A campanha contra a indicação de Hagel assenta sobre acusações de antissionismo, e até mesmo de antissemitismo. Embora republicano, Hagel opôs-se à guerra contra o Iraque, que chamou de novo Vietnã; defende o fim das sanções e conversações com o Irã; e adota posições críticas à política israelense para os países vizinhos e a questão palestina. E é aí que se funda em parte a razão da sua indicação por BHObama. O governo de extrema-direita de Biniamin Netanyahu alinhou-se abertamente com o candidato republicano Mitt Romney contra BHObama. Se tivesse recebido sinal verde do governo estadunidense, Israel já teria atacado o Irã há muito, o que seria bastante provável sob um governo do arcaico e obtuso Romney.
Novas tarefas
A diplomacia dos EUA e do Reino Unido, ao lado da submissa Otan, vem sofrendo sucessivos revezes na região, dadas as suas antigas alianças, o apoio aberto às ditaduras do mundo árabe e muçulmano e uma aliança quase incondicional com Israel. A chamada Primavera Árabe, cujos episódios mais importantes até aqui foram a deposição do ditador egípcio Hosni Mubarak, 29 anos no poder, e do fantoche que mandava na Tunísia, vem afetando as relações dos líderes do Ocidente com as lideranças emergentes de alguns países. Até mesmo velhas ditaduras, como as da Arábia Saudita e do Bahrein, vêm sendo sacudidas por sólidos movimentos de oposição, aos quais respondem invariavelmente com repressão e assassinatos.
Uma tarefa básica de Hagel, em conjunto com John Kerry, será conduzir os novos movimentos militares e diplomáticos (o que para os EUA sempre foram face e anverso da moeda) para evitar que o seu país seja afastado desses cenários em que a realidade muda com rapidez e novos atores militares e políticos, como o Irã dos aiatolás ou a China de forças armadas de 2 milhões de membros, dividem as cenas com velhas potências decadentes.
A missão central de Hagel na região será então administrar essas questões do ângulo militar e tentar reformular a posição dos EUA em moldes mais simpáticos aos novos ventos e às visões muçulmanas. Para tanto, uma questão central é redefinir o comportamento do governo dos EUA com relação ao Estado de Israel. Como BHObama comprovou durante a campanha da reeleição, Israel ocupa-se e se preocupa com Israel, e os EUA são considerados aliados obrigatórios e, de preferência, obedientes. Lobbies, a Aipac, mídia e finanças nas mãos de sionistas estão de plantão para garantir esse alinhamento automático. E para tentar bloquear nomes como Hagel, que enfrenta oposição crescente dessas forças.
Novos eixos
Além disso, a política de guerra dos EUA vem passando por recomposições estratégicas, e os eixos que a norteavam, antes voltados com prioridade para a URSS e depois Rússia, Ásia central e Oriente Médio, agora direcionam-se também para a Ásia do Pacífico e a África. Na impossibilidade física e financeira de abraçar o mundo, os EUA optam por se concentrar contra a China. Tal atitude exige também a reavaliação da questão iraniana, que iria arejar o panorama do Oriente Médio e da Ásia central, fato que seria favorecido sob o comando de Hagel.
A criação há poucos anos do AfriCom, comando africano das forças armadas dos EUA ainda com sede na Alemanha, junto com a reativação do SouthCom, que tem a seu cargo os cucarachas das Américas, destinou-se a incrementar essa nova estratégia. Para 2013, o Africom planeja enviar e/ou manter soldados em 35 países africanos. Os dois governos do desastrado Bush e de seus neocons de visão unilateral abriram amplas galerias para a presença cada vez maior da China na África.
Na Líbia de Gaddafi, por exemplo, chineses mantinham mais de 50 mil profissionais em algumas dezenas de grandes projetos conjuntos. As riquezas minerais e de energia da África estavam, assim, sendo drenadas prioritariamente pelos chineses, que importam, por exemplo, um terço de toda a sua energia de fornecedores africanos.
O zelo do governo BHObama quanto aos novos eixos da estratégia político-militar do país transparece, por exemplo, nas ações diplomáticas com relação a Mianmar. Veja-se a publicidade que se dá à pessoa política de Aung San Suun Kyi, oportunamente agraciada com o nobel da paz em 1991, filha de um dos fundadores da república, que se opunha aos ditadores militares e esteve presa em casa por 15 anos, e a visita amistosa recente de Hillary Clinton ao país antes inimigo. Mianmar sempre foi um aliado fundamental da China.
Outro ponto de atrito é constituído pelo Paquistão, aliado da China e que se mantém às turras e choques frequentes com os EUA. A China vem implantando um porto em Gwadar, cidade situada na província do Baluchistão, que, não por acaso, vai ficando cada vez mais conflagrada com movimentos pró-independência e bandos armados. É quase possível ver a assinatura de serviços de inteligência atrás desses bandos, que ao mesmo tempo desestabilizam o Paquistão e ameaçam os interesses chineses.

OS EUA vêm armando maciçamente alguns países vizinhos da China e incentivando sua oposição a pretensões chinesas a ilhas e mares territoriais também reivindicados por esses países. Além de se colocarem contra seu grande inimigo atual, os EUA valem-se da venda de armamento para injetar fundos essenciais na sua combalida economia. Assim, avultam clientes como Taiwan, Indonésia, Vietnã e outros, além da aliada incondicional Austrália. E também o Japão, em litígio eterno com a China, e, como muitos, em conflito pela posse de áreas situadas em regiões de riqueza e petróleo, e que se candidata a ampliar as suas forças armadas, impedidas por imposição dos EUA e aliados desde o fim da Segunda Guerra. A situação é outro campo de atuação para o novo secretário de Defesa, caso o Senado aprove seu nome, e para o queixudo John Kerry.
O novo filme
Por mais que pareça inovador, o governo BHObama segue o script do filme em que os eleitos pretendem ser os autores, mas representam apenas papéis de atores secundários, como os de Ronald Reagan em sua carreira de ator de segunda classe de filmes bangbang classe B. Reagan tornou-se figura de proa da direita estadunidense e exerceu a presidência do país, além de ter sido depois o conferencista mais valorizado da sua história. Para ele, o filme deu certo: finalmente, achou seu papel.
BHObama parece ainda um ator à procura do seu papel. Representa bem, expõe o essencial da vida familiar, posa de simpático, adota posições progressistas em políticas de direitos civis de gays, negros, imigrantes etc. Enquanto ficar nessa modesta posição, haverá estabilidade.
Na oposição feroz à nomeação do republicano Hagel, que exercerá inclusive o controle da redução do orçamento inchado da defesa, maior que o de todos os países do planeta somados, e que é político nem tão progressista assim, anuncia-se uma tormenta nova em sua administração. As forças que se opõem a mudanças no jogo são as forças que sempre ditaram as regras. Além disso, os novos eixos estratégicos da diplomacia de paz e guerra exigem mais recursos, não cortes.
A se ver o que virá. Kennedy não deu conta.


Fonte: http://www.novae.inf.br/