sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O Brasil, EUA e o “Hemisfério Ocidental” – por José Luis Fiori


O Brasil, EUA e o “Hemisfério Ocidental”.
Washington deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico geopolítico norte-americano mais influente dos no século XX. Em que medida proposição prevalece?

As terras situadas ao sul do Rio Grande constituem
um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos.
E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina
do continente tenham que ser chamadas igualmente de América,
evocando similitudes entre as duas que de fato não existem
N. Spykman, “America´s Strategy in World Politics”

Tudo indica que os Estados Unidos serão o principal contraponto da política externa brasileira, dentro do Hemisfério Ocidental, durante o século XXI. E quase ninguém tem dúvida, também, de que os EUA seguirão sendo, por muito tempo, a principal potência militar, e uma das principais economias do mundo. Por isto é fundamental compreender as configurações geopolíticas da região, e a estratégia que orienta a política hemisférica norte-americana, deste início de século.

Ao norte do continente, o poder americano foi, é, e seguirá sendo incontrastável, garantindo-lhe fronteiras continentais absolutamente seguras. Além disto, a assimetria de poder dentro da América do Norte é de tal ordem que o Canadá e o México tendem a convergir cada vez mais, atraídos pela força gravitacional do poder econômico e militar dos EUA. O que não significa, entretanto, que o Canadá e o México ocupem a mesma posição junto aos EUA e dentro do tabuleiro geopolítico e econômico regional, apesar dos três países participarem do “Tratado Norte-Americano de Livre Comercio” (NAFTA), desde 1993. O Canadá ocupa uma posição única, como ex-colônia e ex-domínio britânico, que depois da sua independência, e da II Guerra Mundial, transferiu-se para a órbita de influencia direta dos EUA, transformando-se em sócio comercial, aliado estratégico e membro do sistema de defesa e informação militar dos povos de “língua inglesa”, comandado pelos EUA, e composto pela Inglaterra, Austrália e a Nova Zelândia. Neste contexto, o México ocupa apenas a posição de enclave militar dos EUA, uma espécie de “primo pobre”, de “fala latina”, ao lado das potências anglo-saxônicas. Mais do que isto, o México é hoje um país dividido e conflagrado por uma verdadeira guerra civil que escapa cada vez mais ao controle do seu governo central, mesmo depois do acordo de colaboração militar assinado com os EUA, em 2010. E mesmo com relação ao NAFTA, a economia mexicana beneficiou-se em alguns poucos setores dominados pelo capital americano, como automobilístico e eletrônico, mas ao mesmo tempo, neste últimos vinte anos, o México foi o único dos grandes países latino-americanos em que a pobreza cresceu, atingindo agora 51,3% da sua população. Hoje a economia mexicana é inseparável da norte-americana, e a política externa do país tem escassíssimos graus de liberdade, atuando quase sempre como ponta de lança da política econômica internacional dos EUA, como no caso explícito da “Aliança do Pacífico”.

Do ponto de vista estritamente geográfico, a América do Norte inclui o istmo centro-americano, que Nicholas Spykman coloca ao lado dos países caribenhos, e da Colômbia e Venezuela, dentro de uma mesma zona de influência americana, “onde a supremacia dos EUA não pode ser questionada. Para todos os efeitos trata-se um mar fechado, cujas chaves pertencem aos EUA — o que significa que ficarão sempre numa posição de absoluta dependência dos EUA” (N.S, p: 60). O que explica as 15 bases militares dos EUA existentes na América Central e no Caribe. Foi uma região central na 2º Guerra Fria de Ronald Reagan, e será muito difícil que se altere a posição americana nas próximas décadas, muito além das “dissidências” cubana e venezuelana.

Por último, a política externa americana diferencia claramente os países situados ao sul da Colômbia e da Venezuela, onde seu principal objetivo estratégico foi sempre impedir que surgisse um polo alternativo de poder no Cone Sul do continente, capaz de questionar a sua hegemonia hemisférica. Com relação a estes países, os EUA sempre utilizaram a mesma linguagem, com duas tônicas complementares: a dos acordos militares bilaterais, e a das zonas de livre comércio. Os acordos militares começaram a ser assinados no fim do século XIX, e a primeira proposta de uma zona pan-americana de livre-comércio foi apresentada pelo presidente Grover Cleveland, em 1887, um século antes da ALCA — proposta em 1994 e rejeitada em 2005, pelos principais países sul-americanos. Não existe uma relação mecânica entre os fatos, mas chama atenção que pouco depois desta rejeição os EUA tenham reativado sua IV Frota Naval, com objetivo de proteger seus interesses no Atlântico Sul. A este propósito cabe lembrar o diagnóstico e a proposta de Nicholas Spykman (1893-1943), o teórico geopolítico que exerceu maior influência sobre a política externa dos EUA, no século XX: “fora da nossa zona imediata de supremacia norte-americana, os grandes estados da América do Sul (Argentina, Brasil e Chile) podem tentar contrabalançar nosso poder através de uma ação comum [...] e uma ameaça à hegemonia americana nesta região do hemisfério (a região do ABC) terá que ser respondida através da guerra”(N.S p: 62 e 64). Estes são os termos da equação, e a posição norte-americana foi sempre muito clara. O mesmo não se pode dizer da política externa brasileira.

Fonte: http://outraspalavras.net/

São Paulo: Sergio Greif comenta a importância da proibição do uso de animais em testes para a indústria cosmética – por ANDA


São Paulo: Sergio Greif comenta a importância da proibição do uso de animais em testes para a indústria cosmética 
(Foto: Divulgação)

O estado de São Paulo é o primeiro a ter uma lei que proíbe esse tipo de experimentação animal, e há outros projetos na Assembleia Legislativa que tratam do tema, buscando ampliar a proibição do uso de animais em todos os campos de pesquisa, como já acontece em países onde a prática não é mais permitida.

Os ativistas pelos direitos animais sabem da importância da promulgação dessa lei no estado de São Paulo, onde estão concentradas as principais indústrias do país, e esperam que ela possa vir a agilizar o andamento de projetos de lei com o mesmo objetivo que já tramitam no Congresso Nacional, e que tornariam a proibição nacional.

Em entrevista ao Amazônia Brasileira nesta quarta-feira (29), o especialista em métodos alternativos Sergio Greif, também profundo conhecedor da legislação internacional sobre uso de animais em experimentações e que atuou ativamente no caso do Instituto Royal, comenta a importância da lei paulista dentro do contexto nacional e analisa os últimos eventos ocorridos no país em relação ao reconhecimento dos direitos animais.

O programa Amazônia Brasileira vai ao ar de segunda a sexta-feira, a partir das 08h na Rádio Nacional da Amazônia, em rede com a Rádio Nacional do Alto Solimões, onde é transmitido ao vivo às 05h. A apresentação é de Beth Begonha.

Escute a entrevista na integra aqui.

Fonte: EBC 
Retirado: http://www.anda.jor.br/

Que pular catraca se torne o esporte nacional do povão!

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Indústria farmacêutica, mentiras e dinheiro - Por Martha Rosenberg


Indústria farmacêutica, mentiras e dinheiro
Seis casos revelam: efeitos graves de medicamentos são omitidos, para sustentar consumo e lucros. Verdade aparece quando patentes estão expirando…

Quando um medicamento causa efeitos colaterais, esta informação muitas vezes não é exposta durante anos, o que permite à indústria farmacêutica continuar ganhando muito dinheiro.
O Food and Drug Administration (FDA) [órgão governamental dos EUA para alimentos e medicamentos] e a indústria farmacêutica argumentam que os efeitos colaterais perigosos em uma droga só aparecem quando é usada por milhões de pessoas – e não no grupo relativamente pequeno de pessoas que fazem testes clínicos. Mas existe outra razão pela qual os consumidores acabam sendo cobaias. Os remédios são levados apressadamente ao mercado, após um período muito curto (de apenas seis meses) para que a indústria possa começar a ganhar dinheiro, enquanto a segurança ainda está sendo determinada.

Tanto a droga para os ossos Fosamax, repleta de riscos, quanto a analgésica Vioxx, ambas da indústria Merck, foram ao mercado após seis meses de revisão. No caso da Vioxx, isso ocorreu porque “o medicamento potencialmente provia uma vantagem terapêutica sinificativa sobre outras drogas já aprovadas”, disse a FDA.

Obrigado por isto. E cinco drogas (Trovan, Rezulin, Posicor, Duract e Meridia), que entraram no mercado em 1997 por pressões da indústria e do Congresso sobre a FDA, diz a PublicCitizen, foram em seguida retirados.

Abaixo, algumas drogas cujos riscos não impediram que seus fabricantes fossem autorizados a colocá-las a venda e exercer seu “valor de patente”.

1. Singulair
Você imaginaria que a Merck aprendesse, após os problemas com Vioxx e a Fosamax, que marketing agressivo pode esconder apenas por algum tempo os riscos emergentes das drogas. Mas não. Para vender o Singulair, sua droga contra asma e alergias para crianças, a indústria fez uma parceria com Peter Vanderkaay, o nadador medalha de ouro nas Olimpíadas, com acadêmicos e com a Academia Norte-americana de Pediatras – mesmo após a FDA advetir sobre os “eventos neuropsiquiátricos” do medicamento, incluindo agitação, agressão, pesadelos, depressão, insônia e pensamentos suicidas.
Enquanto a Merck fazia a propaganda do Singulair (que vem em fórmula mastigável e com gosto de cereja), com slogans como “Singulair é feito pensando nas crianças”, a Fox TV e mais de 200 pais relataram, no site askapatient [“pergunte a um paciente”] que suas crianças, ao tomar o remédio, exibiam humor alterado, depressão e déficit de atenção (ADHD), hiperquinesia e sintomas suicidas. Cody Miller, um garoto de 15 anos de Queensbury, Nova York, tirou sua própria vida dias após tomar o medicamento, em 2008. Ainda assim, o Singulair arrecadou 5 bilhões de dólares para a empresa, em 2010. Após sua patente expirar, em 2012, a Administração de Bens Terapêuticos da Austrália (equivalente à FDA ou à Anvisa) reportou 58 casos de eventos psiquiátricos adversos em crianças e adolescentes, primariamente pensamentos suicidas. Quem sabia?

2. Zyprexa
Como vender uma droga que provoca ganho de peso de cerca de 10kg, em 30% dos pacientes, chegando até 45kg, em alguns? Enterrando seus riscos. O antipsicótico Zyprexa era a nova aposta da Eli Lilly, depois de seu antidepressivo campeão de vendas Prozac – mesmo que o laboratório soubesse, já em 1995, de acordo com o New York Times, que a droga está ligada a um ganho de peso incontrolável e até diabetes. Os efeitos colaterais do Zyprexa de “ganho de peso e possível hiperglicemia fazem um grande mal ao sucesso de longo prazo desta molécula criticamente importante”, havia escrito Alan Breier, da Lilly, segundo documentos obetidos pelo jornal. Mais tarde Alan tornou-se médico-chefe da empresa.

Mesmo após a Lilly ter pagado multas, após acusada de ocultar informações sobre a relação entre a droga e altos níveis de açúcar no sangue ou diabetes (e de ter comercializado ilegalmente a droga para pacientes com demência), o Zyprexa rendeu 5 bilhões de dólares em 2010, acima até do Prozac. Quem disse que crime não compensa? O Zyprexa foi especialmente comercializado para os pobres e virou um dos medicamentos principais do Medicaid, o programa público de saúde norte-americano, extraindo pelo menos 1,3 bilhões de dólares do orçamento do país, só em 2005. Em 2008, a empresa estabeleceu um acordo para cobrir o custo dos pacientes do Medicaid que desenvolveram diabetes após usar a Zyprexa. Como raposa vigiando galinheiro, a Lilly ofereceu um “serviço gratuito” para “ajudar” os estados a comprar drogas como a Zyprexa para doenças mentais — e vinte deles aceitaram a oferta. A patente do remédio acabou em 2012.

3. Seroquel
O antipsicótico Seroquel, produzido pelo laboratório AstraZeneca, do Reino Unido, tornou-se um dos medicamentos mais vendidos nos EUA, arrecadando mais de 5 bilhões de dólares em 2010, apesar de seus riscos, frequentemente relatados. O remédio foi comercializado tão vastamente para crianças pobres que, em 2007, o Departamento de Justiça para a Juventude da Florida comprou duas vezes mais Seroquel que Advil. Sua elevada aquisição no serviço militar, para usos não aprovados — como para estumular o sono e para distúrbio de estresse pós-traumático (PTSD) — também foi espantosa. Relatos de mortes repentinas de veteranos que utilizavam a droga emergiram quando as compras do Seroquel pelo Departamento de Defesa dos EUA cresceram 700%.
Poucos meses após a aprovação da Seroquel, em 1997, um artigo no Jornal de Medicina de Dakota do Sul já levantava questões sobre a interação perigosa da droga com outros onze medicamentos. Passados três anos, pesquisadores da Cleveland Clinic questionavam o efeito da Seroquel na atividade elétrica do coração. Mas mesmo quando as famílias de veteranos falecidos prestaram testemunhos em audiências no FDA, em 2009, e exigiram respostas de dirigentes e legisladores, o órgão protegeu a empresa. Depois, em 2011, com pouco alarde, o FDA emitiu novos avisos que confirmavam as notícias devastadoras: tanto o Seroquel quanto sua versão estendida, que fora lançada, “deveriam ser evitados” na combinação com pelo menos outros 12 remédios. A droga também deveria ser evitada pelos idosos e pessoas com doenças cardíacas, por causa de seus claros riscos ao coração. Ops… A patente expirou no ano seguinte.

4. Levaquin
Os antibióticos à base de fluoroquinolona estão entre os mais vendidos. Muitas pessoas lembram-se do Trovan (na época dos ataques com antrax, logo após o 11 de setembro), mas a indústria farmacêutica espera que não nos lembremos de que foi retirado de circulação por causa de danos ao fígado, e do Raxar, removido por causar eventos cardíacos e morte súbita. O Levaquin, da Johnson & Johnson, igualmente baseado em fluoroquinolona, foi o antibiótico mais ventido nos EUA em 2010, com receitas acima de US$1 bilhão por ano — mas agora é tema de milhares de processos.
Em 2012, um ano após a patente do Levaquin expirar, uma enxurrada de efeitos colaterais começou a emergir, sobre este medicamento e toda a classe de fluoroquinolonas, lançando dúvidas sobre sua segurança. A revista da Associação Médica Norte-Americana relatou que, de 4.384 pacientes diagnosticados com descolamento de rotina, 445 (10%) foram expostos a fluoroquinolone no ano anterior ao diagnóstico. A Revista de Medicina da Nova Inglaterra relatou no mesmo ano que o Levaquin estava ligado a um risco crescente de morte cardiovascular, especialmente morte súbita por distúrbios no ritmo cardíaco.

Embora a FDA tenha alertado sobre as rupturas de tendão — especialmente os tendões de Aquiles — provocadas por fluoroquinolonas em 2008, e adicionado uma tarja preta de advertência na embalagem, novos avisos graves foram feitos dois anos após o fim da patente do Levaquin. Em 2013, a FDA advertiu sobre o “efeito colateral sério de neuropatia periférica” — um tipo de dano nos nervos no qual as vias sensoriais são prejudicadas — nas fluoroquinolonas. Neuropatias periféricas causadas por esta classe de antibióticos podem “ocorrer logo após a administração destas drogas, e podem ser permanentes”, alertou a ageência. Fluoroquinolonas também estão ligadas ao Clostridiumdifficile, também chamado de C. Diff, um micróbio intestinal sério e potencialmente mortífero.

5. Topamax
Antes de sua patente expirar, em 2009, a droga Topamax deu à Johnson & Johnson um bilhão de dólares por ano, e foram mais US$ 538 milhões depois disso. O remédio foi tão preferido, para condições de dor no serviço militar, que recebeu o apelido de “Stupamax” – uma referência à maneira com que diminuia os tempos de reação e prejudicava a coordenação motora, a atenção e a memória, de acordo com o ArmyTimes. Não era muito bom para o combate…

Um ano antes de cair a patente do Topamax, a FDA alertou que ela e outras drogas estão correlacionadas com suicídios, e pediu a seus fabricantes para adicionar avisos na caixa. Quatro pacientes usuários da droga mataram-se, contra nenhum sob placebo, declarou a FDA após rever os testes clínicos. Já em 2011, o órgão anunciou que o Topamax pode causar defeitos de nascimento nos lábios, nos bebês de mães que ingerem a droga. “Antes de começar com o topiramato, grávidas e mulheres em idade fértil devem discutir outras opções de tratamento com seu profissional de saúde”, alertou o FDA, mas isso não impediu o órgão de aprovar uma nova dieta de medicamentos contendo o genérico do Topamax, em 2012.

6. Oxycontin
O Oxycontin, do laboratório Purdue Pharma, é a avó de drogas que geram muito dinheiro, apesar de seus efeitos colaterais letais. Junto de outros opióides, ele causou o número assutador de 17 mil mortes no ano passado — quatro vezes mais que em 2003. “O aumento [no uso] foi alimentado em parte por médicos e organizações de defesa de analgésicos, que recebiam dinheiro de empresas e faziam alegações enganosas sobre a segurança e a efetividade de opióides — inclusive afirmando que o vício é raro”, relatou o Journal Sentinel. A Sociedade de Geriatras Norte-Americanos usou pesquisadores ligados à indústria farmacêutica para reescrever guias clínicos em 2009, diz a publicação. Após reescritos, eles especificavam opióides para todos os pacientes com dor moderada a severa

Devido a sua fórmula, que lhe permite agir por um longo período, pensou-se que o Oxycontin teria toxidade e potencial de provocar dependência reduzidos – ao menos até seus efeitos tornarem-no mais popular que a cocaína nas ruas (todos os 80mg de pílulas podíam ser tomados de uma vez). Em 2010, respondendo aos vícios, overdoses e mortes associadas à droga, a Purdue Pharma desenvolvou um Oxycontin inviolável, e, dois anos depois, passou a pressionar por leis que exigissem inviolabilidade de todos os opiácios. A empresa garantiu que sua maior preocupação era a saúde pública, mas muitos se perguntaram sobre o porquê desta preocupação só se revelar às vésperas do fim da patente da droga, em 2013…


Tradução: Gabriela Leite
Fonte: http://outraspalavras.net/

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Porque a Síria pode incendiar o Oriente Médio – por Immanuel Wallerstein


Porque a Síria pode incendiar o Oriente Médio

Immanuel Wallerstein descreve o caos geopolítico da região e alerta: “não há mais controle; será preciso sorte, para evitar uma explosão”

Houve um tempo em que todos, ou quase todos os atores no Oriente Médio, tinham posições claras. Era possível antecipar, com alto grau de êxito, como este ou aquele ator reagiria a qualquer fato novo. Este tempo passou. Se examinarmos a guerra civil na Síria, perceberemos rapidamente não apenas que cada ator estabelece para si mesmo um largo leque de objetivos, mas também que cada um está envolvido em debates internos ferozes, sobre que posição deveria adotar.

No próprio interior da Síria, a situação oferece três opções básicas. Há quem apoie, por diversas razões, a manutenção do regime hoje no poder. Há os que desejem a chamada “solução salafista, na qual alguma forma de regime da sharia islâmica se estabelece. E existem os que não querem nenhum destes desfechos, preferindo uma solução em que o regime de Assad é derrubado mas não se instala, em seu lugar, um regime salafista.

Esta é, claro, uma imagem muito simples, mesmo como descrição das posições dos atores internos. Cada uma desta três posições básicas é apoiada por diferentes atores (poderíamos chamá-los de sub-atores?), que debatem consigo mesmos sobre as táticas que seus partidários deveriam adotar. Claro, o o debate sobre táticas na luta é também um debate sobre o desfecho preciso desejado por cada sub-ator. No entanto, este triângulo de atores, cada um com múltiplos sub-atores, cria uma situação em que há uma constante revisão de alianças locais, que é difícil de explicar e cujas resultantes são difíceis de prever.

Os dilemas não são menores entre os atores não-sírios. Vejamos os Estados Unidos, que já foram o gigante da arena, e hoje são vistos amplamente como um país em grave declínio e, portanto, sem muitas opções positivas. Até o fato de admitir isso é polêmico, nos Estados Unidos. O presidente Obama é severamente pressionado por alguns sub-atores, para fazer “mais”; e, por outros, para fazer “menos”. Este debate está presente até mesmo em seu círculo de assessores mais íntimos, para não falar do Congresso e da mídia.

O Irã enfrenta o dilema de como melhorar suas relações com os Estados Unidos (e também com a Turquia e mesmo a Arábia Saudita) sem reduzir seu apoio ao regime sírio e o Hezbollah. O debate interno sobre as táticas a adotar parece tão intenso e em tom elevado quanto nos Estados Unidos.
A Arábia Saudita deseja apoiar os grupos muçulmanos amigos, na Síria, sem fortalecer os que são ligados à Al Qaeda, e querem a queda do regime saudita. O governo de Riad teme cometer um erro capaz de fortalecer a causa dos que desejam que o impasse se espalhe em suas fronteiras. Por isso, procura pressionar o governo dos EUA para que execute seus objetivos. Ao mesmo tempo (e tão secretamente quanto possível) conversa com os iranianos. Não é uma jogada muito fácil…

O regime turco, que agora tem seus próprios problemas internos, foi primeiro um apoiador do regime sírio; mais tarde, um opositor feroz; e hoje parece não ser nem uma coisa, nem outra. Procura retornar à antiga posição de uma Turquia pós-otomana que era um amigo poderoso de todo mundo.
Os curdos, ao buscarem a máxima autonomia (se possível, Estado independente de fato) travam negociações difíceis com todos os quatro Estados em que há populações curdas expressivas – Turquia, Síria, Iraque e Irã.

Israel não pode decidir de que lado realmente está. É contra o Irã e o Hezbollah, mas até há dois anos tinha relações muito estáveis com o regime do partido Baath, na Síria. Se apoiar os oponentes do regime sírio, arrisca-se a construir um regime pior, de seu ponto de vista. Mas para enfraquecer o Irã e o Hezbollah, não pode ser indiferente ao papel que o regime de Damasco joga, ao facilitar relações de proximidade entre o Irã e o Hezbollah. Por isso, Israel ora é verborrágico, sem consistência real, ora mantém-se calado.

Debates internos perturbam todos os Estados não-árabes que têm algum interesse na região: Rússia, China, Paquistão, Afganistão, França, Grã-Bretanha, Alemanha e Itália, para começar.
É um caos geopolítico, algo que exige, de cada um dos atores, manobras muito astutas, para não cometer erros desastrosos para seus próprios interesses. Nesse turbilhão de alianças – das globais às muito locais – em constante movimento, muitos grupos e sub-grupos consideram útil, taticamente, ampliar a escalada da violência.

A guerra civil síria é, no momento, o locus, do maior volume de violência no Oriente Médio e há poucas razões para esperar que ela cesse. Começou, ao contrário, a se espalhar pelo Líbano e Iraque, em particular. A maior parte dos atores teme que a difusão da violência, além de chocante, possa ao final ferir seus interesses, ao invés de promovê-los. Por isso, muitos atores procuram, de diversas maneiras, restringi-la. Mas poderão fazê-lo?

Quando o Exército de Libertação Popular marchou sobre Xangai em 1949 e estabeleceu um governo comunista, teve início nos Estados Unidos um debate enorme – e fútil. Foi focado no tema “Quem perdeu a China?”. Era como se a China fosse algo que outros pudessem perder. É provável que, muito em breve, haja debates em muitos países, sobre “Quem perdeu a Síria”. Na verdade, todos estes atores têm capacidade muito limitada de influir sobre os desfechos. O Oriente Médio está ficando fora de controle e precisaremos de sorte para evitar uma explosão.

Tradução: Antonio Martins | Imagem: Henri Rousseau, Guerra (1894)
Fonte: http://outraspalavras.net/

Jamal Juma: Primavera Árabe não ajudou Palestina. Situação é insustentável – por Marco Aurélio Weissheimer


Jamal Juma: Primavera Árabe não ajudou Palestina. Situação é insustentável
Em entrevista à Carta Maior, o ativista palestino Jamal Juma fala sobre a situação de seu povo e sobre a realidade política na região pós-Primavera Árabe. 

Porto Alegre - A situação na Palestina está chegando a um ponto insustentável. O processo de negociação capitaneado pelo secretário de Estado dos EUA, John Kerry, não visa a oferecer uma solução de justiça e paz para os palestinos, mas sim dar a Israel a possibilidade de continuar a construir mais assentamentos. Desde a retomada das negociações, 42 palestinos foram mortos pelo exército israelense, quatro comunidades palestinas foram despejadas no Vale do Jordão e aumentou o processo de judaização de Jerusalém. A chamada Primavera Árabe, para o povo palestino, teve apenas o efeito de desviar a atenção de sua luta e diminuir a possibilidade de apoio de outros países árabes. A avaliação é de Jamal Juma, coordenador da Campanha Popular Palestina contra o Muro do Apartheid, Stop the Wall.

Jamal esteve em Porto Alegre na última semana participando do Fórum Social Temático 2014. Em entrevista à Carta Maior, ele fala sobre a situação de seu povo e sobre a mensagem que trouxe nesta visita ao Brasil: “Nós estamos aqui para trazer uma mensagem para nossos amigos da América Latina e, em particular, do Brasil, que é um grande país e tem uma longa história de luta contra o colonialismo e a opressão. Estamos pedindo ao Brasil e aos demais países da América Latina que cortem as relações econômicas e militares com Israel”.

Qual é a situação vivida pela Palestina neste momento? Qual a sua avaliação sobre a retomada do processo de negociações com Israel, capitaneado pelos Estados Unidos?
Jamal Juma: 2014 é um ano muito importante para a Palestina. Foi retomado um processo de negociação, mas essa negociação não visa chegar a uma solução com justiça, mas sim dar a Israel a possibilidade de continuar a construir mais assentamentos. Essas negociações não vão levar a nenhum lugar bom para os palestinos. Elas começaram em agosto (de 2013) e, de lá para cá, 9.500 novas unidades habitacionais começaram a ser construídas em assentamentos em diferentes áreas da Palestina. Isso significa que Israel prossegue sua política de colonização e de construção de fatos consumados para inviabilizar na prática a existência de um Estado palestino.

Desde a retomada das negociações, 42 palestinos foram mortos pelo exército israelense, quatro comunidades palestinas foram despejadas no Vale do Jordão. Neste período, também ocorreram ataques praticamente diários na zona da mesquita de Al Aqsa contra a comunidade muçulmana, criando uma situação muito explosiva em Jerusalém. Os colonos israelenses continuam atacando os palestinos em suas aldeias, fazendo incursões noturnas para queimar mesquitas e casas e para atacar pessoas nas ruas. A judaização de Jerusalém também prossegue, visando aniquilar qualquer sinal das culturas muçulmana e cristã e construir uma identidade unicamente judaica na cidade. Essa política se traduz, por exemplo, na mudança de nomes de rua ou na criação de colônias no centro de Jerusalém.

Ao mesmo tempo, como parte dessas negociações, os palestinos são proibidos de pedir reconhecimento como Estado membro junto à Organização das Nações Unidas e a outras organizações internacionais. Então, podemos esperar que essa retomada das negociações pode trazer paz para a Palestina? É claro que não. O que ocorre é uma forte pressão internacional para convencer os palestinos a se render e a aceitar a atual situação. É isso que Israel, os Estados Unidos e seus aliados querem.

Qual é a posição das forças políticas palestinas em relação a essas negociações?
Jamal Juma: Há um consenso entre todas as forças políticas e entre o povo palestino contra essas negociações. Nas ruas, percebe-se também uma raiva muito forte contra esse processo. Estamos aguentando esse processo para evitar que digam ao mundo que os palestinos são os responsáveis pelo fracasso das negociações. John Kerry tentou obter algumas concessões de Israel como o reconhecimento do Vale do Jordão como território palestino, a definição de um status compartilhado em Jerusalém ou algum outro reconhecimento dos direitos dos palestinos. Obviamente, não conseguiu nada disso. Neste momento, Kerry trabalha somente para conseguir um marco geral para continuar as negociações pela eternidade afora.

O secretário de Estado dos EUA está fazendo isso somente para não ter que admitir um fracasso completo, mas ninguém vai dar ele o mandato para prosseguir essas negociações indefinidamente. Então, em abril, quando terminar o período de nove meses de negociação, a situação tende a se deteriorar. Ou a Autoridade Palestina aceita as condições impostas, o que seria um suicídio político, ou parte para criar um consenso entre as forças políticas palestinas e abrir uma batalha legal contra Israel usando as leis e o direito internacional em todos os organismos internacionais, inclusive o Tribunal Penal Internacional, buscando conseguir o isolamento de Israel como um poder colonial e de apartheid.

Como está o movimento internacional de boicote a Israel? Parece que ele conseguiu ampliar sua força, principalmente em alguns países europeus.
Jamal Juma: Sim. Na Europa, diversos governos começaram a fazer pressão sobre suas empresas para que não invistam nos assentamentos israelenses localizados em territórios ocupados. É muito importante que no Brasil e na América Latina também se adotem essas diretrizes para cortar relações com empresas e instituições israelenses em vários níveis. Para citar um exemplo de relações comerciais, temos o caso da Mekorot, empresa de águas israelense que rouba água dos palestinos e a revende aos próprios palestinos pelo dobro do preço, e que está expandindo muito fortemente seus negócios na América Latina, em cidades como Buenos Aires e São Paulo, entre outras.

Nós estamos aqui para trazer uma mensagem para nossos amigos da América Latina e, em particular, do Brasil, que é um grande país e tem uma longa história de luta contra o colonialismo e a opressão. Estamos pedindo ao Brasil e aos demais países da América Latina que cortem as relações econômicas e militares com Israel. Até porque, historicamente, Israel apoiou as ditaduras nesta região e foi cúmplice das violações de direitos humanos. Queremos discutir esse tema. Não é possível que o Brasil seja o segundo maior importador de armas israelenses. É preciso revisar os acordos militares e econômicos firmados com Israel.

Como os recentes acontecimentos políticos em países como Egito e Síria estão afetando a luta dos palestinos? A chamada Primavera Árabe trouxe efeitos positivos ou negativos para a causa palestina?
Jamal Juma: O impacto que houve foi ter retirado atenção da luta palestina e desviar a atenção dos países da região para o que está acontecendo na Síria e no Egito. Como consequência disso também a possibilidade de ter mais apoio no mundo árabe ficou menor neste momento. Neste sentido o impacto foi negativo. A situação nestes países é muito incerta. Mas creio que temos todas as condições para a chegada de uma primavera palestina. A situação atual é insustentável. É uma situação de contínua humilhação e ocupação. Aceitar a negociação nos termos em que estão sendo colocados significa render-se a uma situação de apartheid e de escravidão.

Qual é a situação econômica do povo palestino hoje? Como são as condições de trabalho? Qual o cotidiano econômico?
Jamal Juma: Em realidade, não se pode sequer falar de uma economia palestina, pois ela se resume hoje praticamente às doações que chegam de fora. Uma vez que se corte essas doações não há mais economia palestina. Há algumas fábricas, mas a maior parte de quem está empregado depende diretamente dessas doações internacionais. Nossos recursos naturais, nossa terra e nossa água estão sob controle israelense. Nossas fronteiras estão sob controle israelense. Para exportarmos algo precisamos passar pelo controle israelense. Não há como construir uma economia sob tais condições de ocupação e controle.


Créditos da foto: Marco Aurélio Weissheimer 
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Donos de shoppings querem que Alckmin contenha “rolezinhos”. - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Lênin vive, em bronze e telas - Por Vladimir Kozlov


Lênin vive, em bronze e telas. 
Noventa anos depois de morto, ele está presente em monumentos e filmes. “Socialismo real”, ao que parece, ainda precisa ser debatido mais profundamente

Quando a cortina de ferro entrou em colapso, muitos países tentaram enterrar seu passado comunista o mais rápido possível. Mesmo que diversas esculturas do líder proletário tenham sido destruídas ou arrancadas de suas bases, estima-se que 6 mil monumentos de Lênin ainda estejam de pé em todo o mundo.

Imagens de Lênin continuam visíveis através das cidades no sul do estado indiano de Kerala, onde a cada eleição, um governo do partido comunista é eleito ao poder. O mesmo pode ser dito de Cacutá e outras partes de Bengala Ocidental, que testemunhou um ininterrupto governo comunista ao longe de três décadas.
Estatua de Lenin sendo lavada no estado indiano de Kerala

Cuba, que continua abraçando com a ideologia comunista, tem um parque inteiro em homenagem a Lênin. Criado em Havana, destinado à atividades recreativas ao ar livre do proletariado cubano, o parque possui uma estátua de mármore do líder soviético, com 30 metros de altura.

Na Rússia, um dos monumentos de Lênin menos convencionais está localizado na cidade de Chelyabinsk, nos Urais. A construção do mausoléu, estruturado em colunas, uma varanda e um busto de bronze do líder bolchevique, foi financiada por doações de trabalhadores locais. Foi inaugurada em 1925, logo após a morte de Lênin.

Um dos lugares mais improváveis da Terra para contar com um monumento do líder comunista é Port Louis, capital das Ilhas Maurício, no sul da África. Resiste uma estátua instalada em 1983.

Os Estados Unidos também possuem alguns monumentos do líder comunista. Um foi instalado no final de 1980, no telhado do 13º andar do edifício Praça Vermelha em East Village, Manhattan. Criada pelo escultor russo Yuri Gerasimov, a estátua nunca foi exibida publicamente na Rússia devido ao colapso da União Soviética. Estava no quintal de um sítio nos arredores de Moscou, antes de ser descoberta por Michael Shaoul, um dos criadores do edifício em Nova York, em meados da década de 90.
A estátua de Lênin na Praça Vermelha em East Village, no USA

A maior estátua de Lênin nos EUA tem 16 metros de altura, foi erguida, no subúrbio de Fremont de Seattle. Criada pelo escultor eslavo/búlgaro Emil Venkov, a estátua foi originalmente descoberta na cidade eslovaca Poprad em 1988. Ela permaneceu em exibição pública pouco mais de um ano, antes de ser silenciosamente removida de sua base, após a Revolução de Veludo da Tchecoslováquia. 

Alguns anos depois, um professor americano reconheceu a estatua deitada num depósito de sucata em Poprad, e instalou-a em Fremont, em 1995.

Todavia, um busto de Lênin pode ser até mesmo encontrado na Antártida, instalado por pesquisadores soviéticos em 1958. O busto de plástico sobrevive até hoje, apesar da temperatura de cerca de -24°C.
Busto de Lenin no meio da Antártida

Em fita e em plástico: filmes e souvenir
Durante a era comunista, dezenas de filmes e documentários centrados em Lênin foram produzidos na União Soviética, indo desde peças de propaganda de pouco valor artístico até Sergei Einsenstein, com o seu Outubo: Dez dias que abalaram o mundo, e Três Canções Sobre Lenine de Dziga Vertov
Cineastas de todo o mundo também têm usado Lenin como personagem. Em Nicholas e Alexandra, de Franklin J. Schaffner, sobre o último czar russo, Nicholas II, destronado em 1917, Lenin é interpretado pelo ator britânico Michael Brynt.

Após o colapso do comunismo, o tom adotado em relação ao líder bolchevique mudou. Ele passou a ser retratado de forma menos reverente. O filme Minu Leinid (All My Lenins), dirigido por Hardi Volmer em 1997, é uma comédia focada numa escola fictícia de treinamento para dublês de Lênin.
Capa do filme “Adeus Lenin”, do diretor alemão Wolfgang Becker

Mas talvez o filme mais conhecido dos últimos anos, quem tem o nome de Lênin no título, seja Adeus Lenin, de 2003, do diretor alemão Wolfgang Becker, estrelado por uma atriz russa Chulpan Khamatova. Ambientado nos meses após a reunificação da Alemanha em 1990, o filme realmente apresenta Lênin, mas apenas como uma estátua que está sendo levado como relíquia do passado comunista.

Numa tentativa semelhante de repensar o passado comunista, o artista Oleg Osmuk baseado em Norilsk (Rússia), fez pinturas baseadas em histórias em quadrinhos, caracterizando Lênin e outros líderes bolcheviques. Numa das imagens, o líder comunista é visto esbofeteando Batman. Voltando ao final dos anos 1980, as reformas da perestroika, na União Soviética, colocaram na moda, no Ocidente, produtos com símbolos comunistas. Os colecionadores estavam ansiosos para comprar bustos e esculturas de Lênin, que foram contrabandeadas ao invés de serem oficialmente exportadas da Rússia.

Hoje, o interesse relacionado a artigos colecionáveis de Lênin esta em baixa. Ainda assim, alguns itens relacionado com o líder bolchevique aparecem em lojas de antiguidade de tempos em tempos. Uma empresa americana focada em “antiguidades ímpares e únicas” esta oferecendo uma estátua de 5 metros de altura de Lênin, que se encontrava instalada perto do agora extinto restaurante Praça Vermelha, no Cassino Tropicana, em Atlantic City.

Interessados em algo mais barato podem comprar um busto de porcelana de Lenin, oferecido por outra loja de antiguidades on-line por apenas  129 dólares.

Tradução Cauê Seignemartin Ameni
Fonte: http://outraspalavras.net/

Roseana Sarney: Nossa Senhora das Cabeças (Cortadas) #Charge @viasdefatojor - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

seres sencientes: Manifesto pede que animais deixem de ser objetos perante a lei de Quebec – por ANDA


seres sencientes: Manifesto pede que animais deixem de ser objetos perante a lei de Quebec 
 (Foto: La Presse)

Segundo informações do CJAD News, personalidades de Quebec, Canadá, assinaram um manifesto chamado Animals are not Objects (Animais não são Objetos), que exige que o Código Civil local mude o estatuto jurídico dos animais – atualmente considerados objetos inanimados perante a lei. O grupo é numeroso e inclui defensores dos direitos animais, personalidades da mídia, assim como músicos, atores, bloggers e acadêmicos.

Os manifestantes demandam que os animais sejam reconhecidos como seres sencientes, capazes de sentir prazer e dor.

Um dos trechos da declaração, diz: “acreditamos que os animais não são torradeiras. Essa visão, no entanto, não é compartilhada por nosso Código Civil. A lei de Quebec considera o ato de ferir ou abusar de um animal o mesmo que destruir uma propriedade. Este não é apenas um conceito moralmente questionável, mas também se choca com a forma como a maioria dos cidadãos pensam.”

O Código Civil em questão divide o mundo em duas categorias: pessoas e propriedades. Somente as pessoas têm direitos, e nesse grupo estão, claro, os seres humanos, mas também algumas corporações. Na categoria propriedade se classificam todo o resto: casas, cadeiras, torradeiras e … animais.

Leia Animals are not Objects (disponível em inglês e francês)

Fonte: http://www.anda.jor.br/

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Pobreza urbana: o apartheid cotidiano - Por Amanda Prado e Kena Chaves


Pobreza urbana: o apartheid cotidiano

E por que os rolezinhos assustam tanto? Disputa pelo espaço? Disputa pela possibilidade do consumo? Afronta às exclusões? Sim, e também por revelar a pobreza combativa e ousada dos jovens das periferias da metrópole.  Por Amanda Prado e Kena Chaves

Então a proibição do Rolezinho foi a mais nova expressão de exclusão, entre tantas outras com as quais convivemos na cidade. Imigrantes pobres, mães solteiras pobres, jovens negros pobres, desempregados pobres, trabalhadores informais pobres, entre tantos outros pobres têm algo em comum além da pobreza: somos invisíveis. E enquanto invisíveis necessários, subverter esta invisibilidade e questionar a segregação nos é terminantemente proibido, passível de multa e de mais constrangimento.
Dos cavalos do apocalipse apontados por Zizek em Vivendo no fim dos tempos, o crescimento explosivo das divisões e exclusões sociais é aquele que mais sentimos cotidianamente na vida na metrópole. São Paulo, uma cidade segregada, logrou ao longo do histórico de sua urbanização empurrar os negros e pobres para longe das áreas centrais. Ainda hoje, bairros desalojados, favelas incendiadas e posteriormente desaparecidas nos trazem exemplos além de somar às políticas históricas higienistas, elitistas, de apartamento da população pobre e preta, que fizeram com que as periferias crescessem tanto e que as áreas centrais, e aqui pensando a centralidade na cidade para além de pontos cartesianos, se valorizassem.

Aos que insistem em dizer que a divisão entre centro e periferia não existe, é fácil verificar o contrário. Fica clara a concentração de renda, lazer, cultura, áreas verdes, transportes, intervenções urbanas, valorização do capital imobiliário — eis o centro. Os números da violência policial, pobreza, moradias precárias se combinam com a concentração da população afrodescendente — eis a periferia. Sim, é uma sociedade intrinsecamente racista. Sim, é uma cidade apartada. E sim, existe o centro e a periferia.

Parece que sim, a pobreza e a negritude, relegados às periferias, desvalorizam o urbano. O urbano – que na lógica do capital realiza-se como mercadoria na comercialização de suas localizações dentro do emaranhado de serviços, aglomerações populacionais, centros de consumo, disponibilidade e fluxo de transportes, vias de circulação, precisa esconder a pobreza. Ela, que é tão presente neste espaço, das contradições mais funcionais do capitalismo – parece não existir em determinadas zonas da cidade. Não por acaso.

Diferentemente de algumas cidades do Brasil, São Paulo consegue colocar sua pobreza debaixo do tapete. Para lá da ponte dos rios. Detrás dos muros. Sem estação de metrô. Sem corredor de ônibus. Com passagem cara no transporte. Encaixotados em conjuntos habitacionais nas bordas da urbe. Sobrepostos na última favela central que sobrevive às investidas do imobiliarismo. Ameaçando a redoma privada em sinais fechados. Apartados por fios elétricos fatais. Escondidos em cozinhas sob aventais. Confundidos entre eletrônicos e objetos de plástico. Encarcerados em calabuços. Esgotados no vai e vem rotineiro do transporte lotado… Onde estão os pobres? Onde estão os negros?
A pobreza na cidade existe, como perversidade, como fatalidade e mais que nada de forma fantasmagórica. Travestida nas bordas arredondadas e sedutoras das mercadorias, nos encaixes perfeitos de tijolos e revestimentos, na violência cotidiana que assombra ricos e mata pobres, sempre.
Não que seja coisa simples classificar cada “personagem” dessa trama na dualidade de vítima e vilão. Mas, já diziam os Racionais, “Por ouro e prata, Olha quem morre, Então veja você quem mata, Recebe o mérito…” é fácil de ver também quem tem direito a circular livremente e para quem a cidade permite apenas trajetos pré-determinados, que excluem desta trajetória o convívio, o lazer, os espaços compartilhados e a identidade.

Ao falar em apartheid, estamos falando no uso (e na impossibilidade de uso) da cidade. Em como os espaços são apropriados pelas classes sociais. Estamos falando em como, dentro desta lógica, é preciso confinar classes, reprimir os desejos subversivos, em função da ordem da reprodução do capital. Impedir mulheres, negros, imigrantes, pobres, invisíveis de circular, significar, transformar a cidade é privá-los do direito à cidade, que, segundo Harvey, é muito mais do que o direito ao acesso àquilo que já existe, traduz o direito a transformar a cidade, sua lógica, seus espaços de convívio, de acordo com os desejos das populações. Longe da conciliação de classes, o direito à cidade é o direito à transformação desta sociedade.

Os passeios em massa aos shoppings centers, organizados por jovens pobres e negros nos dizem, mais uma vez, de mais uma forma, que esta cidade está escandalosamente dividida, apartada, e que o povo pobre, preto, periférico não tem o mesmo direito sobre ela.

Se “quem apanha não esquece”, como podemos acreditar que a reivindicação pelos espaços de convívio não seja resultado da plena consciência desta exclusão?
E por que os rolezinhos assustam tanto? Disputa pelo espaço? Disputa pela possibilidade do consumo? Afronta às exclusões? Sim, e também por revelar a pobreza combativa e ousada dos jovens das periferias da metrópole, que extrapola os limites impostos, revelando o racismo, classismo, intolerância dos ricos e as opções do nosso Estado.

Se para a classe média consumir é lazer, para os pobres tem de ser subsistência. Ao pobre o consumo é o supermercado; o lazer, o entorpecente; e a cultura, a televisão. Só que não!

“Subversivos aqueles que organizam e participam dos rolezinhos”, dizem, com outras e todas as palavras. Se é isto que tanto estrutura a vida cotidiana na cidade: também queremos. Se é o shopping, dentro dessa lógica, a mistura do espaço do encontro, do lazer, da realização da vida na metrópole: também queremos. Se consumir faz-nos sujeitos: queremos sê-lo. Se as mercadorias cotidianas fazem com que sejamos aceitos: aceitem-nos!

Mas parece mesmo que não é só isso. Para além da provocação ao desejo estruturante de nossa sociedade pelo consumo, o rolezinho é denúncia. E não denuncia apenas o mal-estar dos ricos frente aos pobres. O cerne da discussão não está no shopping ou se ele é espaço público ou não. A denúncia é pela segregação, pelo apartheid.

Antes de falar dos espaços públicos, poucos e sempre apropriados, é preciso denunciar os espaços privados. E são eles que vão revelar o apartheid. O shopping é um espaço privado. E é isso que o rolezinho denuncia. Sim, estamos privados do consumo, outra denúncia dos rolezeiros. E a ostentação do funk também pode ser lida como denúncia: sim, as vidas são vitrines.
A cidade se vende segregada. Vende-se livre de pobreza, ou pelo menos algumas áreas da cidade. E ostenta tal “qualidade”. A ostentação está na cidade mesma, em sua materialidade, aquela que conecta os homens no tempo e no espaço, e que se mostra como um convite ao consumo cotidianamente. Não apenas pela quantidade de propaganda que cruzamos, vitrines de negócios diversos, restaurantes, lojas, supermercados, mas também pelas localizações. A possibilidade de lucros com as localizações no urbano. A cidade toda é vitrine de consumo. Bairros elegantes, condomínios, ruas especializadas. “Vem ser feliz”, “lugar de gente feliz”, “qualidade de vida para a família”, “de cliente a fã”, “amar tudo isso”, são slogans e apelos consumistas muito comuns no urbano. O estilo de vida na cidade moderna, na cidade global, é aquele ditado pelo consumo: cores de roupas, de paredes, das unhas, cortes de cabelo, dobras em mangas de camisas, botões abertos ou fechados, forma das cortinas, disposição dos objetos nas casas, organização dos jardins, relações intermediadas por eletrônicos e mídias que nos transformam em audiências, nos vendem aos anunciantes e eles a nós seus produtos, se multiplicam no espaço urbano.

E nesta mesma cidade, do culto ao consumo, de espaços de afirmação da lógica estruturante dos objetos em mercadorias, das relações em mercadorias, dos reis dos camarotes, tem gente que se assusta com o funk ostentação. Assusta os pobres e negros desejando ou ridicularizando o consumo das elites.

Se, para Harvey (2013), vivemos em cidades divididas, fragmentadas, tendentes ao conflito, podemos acrescentar e dizer que vivemos em cidades fictícias, virtuais. Uma cidade fragmentada, onde as realidades são muitas e raras vezes se cruzam. A segregação, o apartheid, funciona como o elemento que garante a virtualização da realidade que surge como sombra, aquela que não pode ser, que precisa ser evitada. E concordando com Zizek (2003), a “ficção” se mostra como o elemento fundamental à aceitação do cotidiano. Iasi (2013) nos atina também para a reflexão sobre o real, já desde um outro ponto, este como imposição de uma lógica capitalista do funcionamento do cotidiano, da cidade, de circulação, venda da força de trabalho. O real como aquilo que está dado, naturalizado e imutável. E o desejo como subversão, a tentativa de reposicionamento da ordem na cidade, por exemplo, a coragem dos meninos que enfrentam a lógica da segregação, ainda que seja para denunciá-la.
O Estado partidário de uma classe precisa mostrar-se efetivo e sua efetividade é traduzida, no caso da violência policial, no extermínio dos pobres e dos negros. Escolhe-se maltratar, matar, desaparecer com aqueles que já não importam, que não fazem falta ao funcionamento da cidade do capital, os invisíveis.

E mais uma vez, este Estado agiu prontamente e o “Rolezaum no JK” não aconteceu. Impressiona o desaparecimento da morosidade do judiciário, que ganha asas quando é para defender o uso privado dos espaços, ao lançar quase que imediatamente a liminar proibindo os rolezinhos nos shoppings. A ação policial, sempre violenta contra os pobres e pretos, que não só reprimiu a entrada dos participantes do rolezinho no JK como impediu a circulação de jovens em bairros da cidade, como no caso dos meninos enquadrados na entrada da estação de trem em Itaquera.
E claro, os desejos, sempre duramente reprimidos. Mais ainda quando tomados por subversivos da ordem do capital. Aquele que reprime as ações de movimentos sociais, organizações de trabalhadores, bailes funk nas ruas, rolezinhos é um Estado Capitalista. E é também um Estado classista e racista, que deixa escapar seu partidarismo nas esquinas das periferias todos os dias, e como pode, contra os pobres e negros em todos os lugares.

Nota sobre as autoras
Amanda Prado é mulher, negra, produtora e ativista cultural: amandaprado@gmail.com
Kena Chaves é geógrafa, curiosa, mestranda pela Universidade Estadual de Campinas: kenachaves@gmail.com

Referências
HARVEY, D. A liberdade da cidade. IN: Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo Editorial, 2013.
IASI, M. L. A rebelião, a cidade e a consciência. IN: Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo Editorial, 2013.
RACIONAIS Mc’s – Negro Drama, do disco “ Nada como um dia após o outro”. 2002.
ZIZEK, S. Vivendo no fim dos tempos. São Paulo:Boitempo Editorial, 2012.
______  Bem vindo ao deserto do real!: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.

Fonte: http://passapalavra.info/