Para melhor
entender os amuos de FHC com Joaquim Barbosa
Para
entender esse sentimento de FHC em relação a Joaquim Barbosa, é necessário
retroagir um pouco. Como se recorda, FHC apressou-se a vir a público não
recomendando qualquer aposta política em Barbosa.
Na sua
origem, o PSDB era visto como o partido dos intelectuais, dos técnicos, o
candidato à social democracia brasileira, imune ao conservadorismo obtuso do
PFL-DEM e ao radicalismo da primeira infância do seu irmão univitelino, o PT.
A
legitimação do partido dava-se através do republicanismo de um Franco Montoro,
do sentido público de Mário Covas, de um punhado de intelectuais de
centro-esquerda.
FHC nunca
foi liderança orgânica do partido. Era um troféu enfeitado por um belo currículo
acadêmico. Sua ascensão ao posto de guru máximo do partido foi fruto de uma
sucessão de acidentes: a indicação para Ministro da Fazenda de Itamar, a
articulação dos financistas do partido em torno do plano Real, e a morte das
lideranças referenciais, que o transformou na única referência intelectual do
partido.
O líder da
oposição
Com a
democracia assegurada, a estabilidade monetária, as políticas de inclusão, o
grande desafio do PSDB seria a estruturação de uma oposição viável, que
permitisse uma competição sadia e uma alternância no campo das ideias, das
propostas e do poder.
O golpismo
nasce fundamentalmente da incapacidade de uma oposição em apresentar-se como
uma alternativa politicamente viável.
A inação, a
falta de propostas, o vazio intelectual de FHC, sua posição de mais impopular
ex presidente da história, tornavam quase inexplicável sua ascendência sobre o
partido.
Foi
entronizado no posto porque sua falta de ideias e de propostas, sua inércia,
encaixavam-se à perfeição aos objetivos de um partido de caciques que se
recusavam a abrir espaço para a renovação.
Anos atrás,
em um Congresso de deputados estaduais em Foz do Iguaçu, assisti a uma palestra
do governador mineiro Antônio Anastasia na qual, com ideias claras e palavras
acessíveis, delineava um programa político objetivo, com posições didáticas
sobre cada tema relevante, saúde, educação, segurança. Onde está Anastasia?
Debatendo-se entre ser candidato a senador, a contragosto, ou abandonar a vida
política. E foi o melhor nome de segunda geração do PSDB mineiro.
Em São
Paulo, Gabriel Chalita tornou-se o primeiro Secretário de Educação tucano
popular junto à categoria mais crítica ao tucanato: a dos professores. Era o
único nome com potencial da segunda geração de políticos do partido. Foi limado
por José Serra.
No Rio,
Eduardo Paes só alçou voo depois de deixar o PSDB carioca. No Paraná, Gustavo
Fruet cresceu depois de sair das amarras partidárias.
A culpa
pessoal e intransferível de FHC foi ter endossado e estimulado o mais
anacrônico recurso do jogo político brasileiro do século: a exploração do
anticomunismo, um fantasma ainda presente no imaginário nacional.
Sob sua
liderança, o PSDB endossou essa loucura midiática e tornou-se mais retrógrado
que o DEM, mais radical que o PT infante, sendo conduzido pelas manchetes e
escândalos, ao invés de conduzir a mídia pelas ideias.
A indústria
do anticomunismo e a experiência dos cinco macaquinhos
Eram cinco
macaquinhos, uma escada e, no alto, um cacho de bananas. Cada vez que um
macaquinho tentava subir a escada, todos eles recebiam um banho de água fria.
Com o tempo, sempre que um macaquinho ameaçava subir a escada, era contido
pelos demais.
Aí tiraram
as bananas do alto da escada. Um a um foram trocados os macaquinhos originais.
O novo na turma tentava subir a escada e imediatamente era contido pelos
demais. Passava um tempo, entrava na nova rotina.
Quando o
quinto macaquinho original foi substituído, na memória coletiva não existiam
mais bananas. Mas permaneciam os controles internos para impedir qualquer
macaquinho de subir a escada.
Esse caso,
contado nos manuais de psicologia, é similar ao que ocorreu com a indústria do
anticomunismo brasileiro.
Nos anos 20
e 30 houve um conjunto de episódios consolidando o anticomunismo no imaginário
de muitos setores.
Devido às
perseguições religiosas em países comunistas, para a Igreja o comunismo passou
a significar o ateísmo anticlerical.
Para o
Exército, havia as lembranças do que foi chamado de Intentona Comunista, dos
oficiais mortos de madrugada, e da doutrina internacionalista que abominava o
conceito de nação, além dos ecos da guerra fria.
Para os
empresários, tratava-se do regime que acabou com a propriedade privada e
instituiu o planejamento estatal férreo.
De lá para
cá, tudo mudou.
A Guerra
Fria terminou no encontro de Kennedy com Kruschev em 1963.
O comunismo
acabou no início dos anos 90. Por aqui, o comunismo já havia perdido a
liderança dos movimentos populares para o recém-criado Partido dos
Trabalhadores, conduzido por um líder, Lula, que era filho direto da
industrialização das multinacionais no ABC. E se havia alguma dúvida sobre suas
intenções social-democratas, a Carta aos Brasileiros eliminou-as.
Uma a uma
foram retiradas as bananas do alto da escada. Mas permaneceu a exploração do
anticomunismo no imaginário nacional. Tornou-se a maneira mais simples de
conduzir qualquer discussão política pública.
Na sua
versão século 21, esse anticomunismo tosco assumiu a face do chavismo,
bolivarismo, farquismo, castrismo e outros ismos que passam a léguas de
distância da realidade política e econômica do país.
Será
possível que Arnaldo Jabor acredite que nós acreditemos que ele acredita que o
chavismo seja uma ameaça ao país? Pouco importa: basta o Hommer Simpson
acreditar.
O
anticomunismo - seja lá o que for hoje em dia - unifica tudo, como creme de
leite jogado em cima de doces de má feitura. Soma a indignação moral da
religiosidade obtusa, com o desejo de legitimação dos militares, com a
indignação do empresariado com a burocracia e o aparelhamento do Estado, com a
indignação da opinião pública com a corrupção política. Vira tudo um discurso
único.
Não são
mais vícios históricos que precisam ser combatidos. Com o anticomunismo ganham
forma, corpo, identidade, seja lá o que o Hommer Simpson entenda por chavismo,
bolivarismo e castrismo. E cria a figura do inimigo comum a ser eliminado.
Dia desses
comentaram aqui no Blog sobre um programa da Globonews no qual quatro
direitistas jactaram-se da inteligência superior da direita.
Deveriam
envergonhar-se de ter reduzido a direita a essa montanha de chavões de segunda
linha.
Para quê a
sutileza cortante de Roberto Campos, a navalha afiada de Nelson Rodrigues, a
consistência sóbria de Gustavo Corção, a profundidade dos verdadeiramente
conservadores, como José Murilo de Carvalho, Paulo Mercadante?
Tudo virou
um MMA do pior nível, um caldeirão de impropérios tão fácil de ser reproduzido
que gerou uma multidão de seguidores.
Em todo o
espectro do mercado de mídia abriram-se vagas para anticomunistas radicais, de
colunistas de opinião a humoristas, de roqueiros a acadêmicos de pouco brilho.
Basta se dispor a brandir uma retórica primária, tão velha quanto os discursos
do Almirante Penna Botto, para ganhar visibilidade.
Virou um
autêntico coral dos Bigodudos: o discurso brandido pelo comentarista de rádio
pretensamente intelectual é o mesmo do humorista de "stand up" é o
mesmo dos historiadores de terceira linha.
Foi para
esses primatas que FHC entregou a bandeira da oposição embrulhada no
sensacionalismo e dramaturgias baratas dos grupos de mídia. Logo ele, filho de
uma família historicamente vítima desse anticomunismo primário e generalizador.
A
manipulação do anticomunismo poderia ser uma jogada de esperteza se o resultado
final fosse a viabilização da oposição. A unica esperteza foi ter aberto
mercado de mídia para essa multidão vociferante que passou a compor a cadeia
improdutiva do anticomunismo.
A dura mudança de imagem
Dia desses,
uma das mais agressivas militantes tucanas na blogosfera fez uma sincera
autocrítica. Mostrou a ineficácia desses métodos de agressão, de substituir a
disputa de ideias pelos ataques descabelados.
Coincidiu
com a avaliação dos partidos de oposição - do novo PSDB, com Aécio Neves, ao
PSB de Eduardo Campos - de que o estilo esgoto adotado por José Serra mais
afastava do que atraia eleitores.
Agora,
tenta-se a todo custo mudar a imagem.
Aécio Neves
esforça-se por parecer um bom moço. Ele e Eduardo Campos evitam as baixarias
consagradas por Serra. Mas o partido não logrou desenvolver propostas; Aécio
não conseguiu desenvolver um discurso.
Pior,
tornaram-se prisioneiros de uma opinião pública restrita e doente que só sabe
exercitar a retórica do anti, permanentemente atrás da catarse, da vindita, da
vingança.
Quando o
partido tenta se desvencilhar da imagem radical, essa opinião pública sente-se
órfã e sai atrás de outros salvadores.
E aí
entramos no ponto central: porque a preocupação de FHC com o fenômeno Joaquim
Barbosa?
Serra nunca
foi esse profeta louco que passou a encarnar. A melhor definição para ele é que
se trata de um estelionatário de ideias, criando personagens fictícios para
iludir os seguidores. Enganou a mídia (incluindo-me aí) posando de
desenvolvimentista, de anti-privatização selvagem. Depois, tentou enganar a direita
com seu discurso à Malafaia. Não convence mais ninguém.
Já Joaquim
Barbosa é autêntico, autenticamente desequilibrado, autenticamente provinciano,
autenticamente jacobino, autenticamente cruel, disposto a qualquer gesto para
conquistar o espaço junto às celebridades que o estimulam para a grande
vindita.
É esse o
receio de FHC. Como promover o ajustamento do partido, procurar uma nova
legitimação, sem se esvaziar em favor de um alucinado?
Não
reclamaria se o alucinado estivesse sob seu controle.
Fonte: http://jornalggn.com.br
* charge retirada da rede!
Nenhum comentário:
Postar um comentário