O Brasil, EUA e o “Hemisfério Ocidental”.
Washington
deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico
geopolítico norte-americano mais influente dos no século XX. Em que medida
proposição prevalece?
As terras
situadas ao sul do Rio Grande constituem
um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos.
E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina
do continente tenham que ser chamadas igualmente de América,
evocando similitudes entre as duas que de fato não existem
um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos.
E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina
do continente tenham que ser chamadas igualmente de América,
evocando similitudes entre as duas que de fato não existem
N. Spykman,
“America´s Strategy in World Politics”
Tudo indica
que os Estados Unidos serão o principal contraponto da política externa
brasileira, dentro do Hemisfério Ocidental, durante o século XXI. E quase
ninguém tem dúvida, também, de que os EUA seguirão sendo, por muito tempo, a
principal potência militar, e uma das principais economias do mundo. Por isto é
fundamental compreender as configurações geopolíticas da região, e a estratégia
que orienta a política hemisférica norte-americana, deste início de século.
Ao norte do
continente, o poder americano foi, é, e seguirá sendo incontrastável,
garantindo-lhe fronteiras continentais absolutamente seguras. Além disto, a
assimetria de poder dentro da América do Norte é de tal ordem que o Canadá e o
México tendem a convergir cada vez mais, atraídos pela força gravitacional do
poder econômico e militar dos EUA. O que não significa, entretanto, que o
Canadá e o México ocupem a mesma posição junto aos EUA e dentro do tabuleiro
geopolítico e econômico regional, apesar dos três países participarem do
“Tratado Norte-Americano de Livre Comercio” (NAFTA), desde 1993. O Canadá ocupa
uma posição única, como ex-colônia e ex-domínio britânico, que depois da sua
independência, e da II Guerra Mundial, transferiu-se para a órbita de
influencia direta dos EUA, transformando-se em sócio comercial, aliado
estratégico e membro do sistema de defesa e informação militar dos povos de “língua
inglesa”, comandado pelos EUA, e composto pela Inglaterra, Austrália e a Nova
Zelândia. Neste contexto, o México ocupa apenas a posição de enclave militar
dos EUA, uma espécie de “primo pobre”, de “fala latina”, ao lado das potências
anglo-saxônicas. Mais do que isto, o México é hoje um país dividido e
conflagrado por uma verdadeira guerra civil que escapa cada vez mais ao
controle do seu governo central, mesmo depois do acordo de colaboração militar
assinado com os EUA, em 2010. E mesmo com relação ao NAFTA, a economia mexicana
beneficiou-se em alguns poucos setores dominados pelo capital americano, como
automobilístico e eletrônico, mas ao mesmo tempo, neste últimos vinte anos, o
México foi o único dos grandes países latino-americanos em que a pobreza
cresceu, atingindo agora 51,3% da sua população. Hoje a economia mexicana é
inseparável da norte-americana, e a política externa do país tem escassíssimos
graus de liberdade, atuando quase sempre como ponta de lança da política
econômica internacional dos EUA, como no caso explícito da “Aliança do
Pacífico”.
Do ponto de
vista estritamente geográfico, a América do Norte inclui o istmo
centro-americano, que Nicholas Spykman coloca ao lado dos países caribenhos, e
da Colômbia e Venezuela, dentro de uma mesma zona de influência americana,
“onde a supremacia dos EUA não pode ser questionada. Para todos os efeitos
trata-se um mar fechado, cujas chaves pertencem aos EUA — o que significa que
ficarão sempre numa posição de absoluta dependência dos EUA” (N.S, p: 60). O
que explica as 15 bases militares dos EUA existentes na América Central e no
Caribe. Foi uma região central na 2º Guerra Fria de Ronald Reagan, e será muito
difícil que se altere a posição americana nas próximas décadas, muito além das
“dissidências” cubana e venezuelana.
Por último,
a política externa americana diferencia claramente os países situados ao sul da
Colômbia e da Venezuela, onde seu principal objetivo estratégico foi sempre
impedir que surgisse um polo alternativo de poder no Cone Sul do continente,
capaz de questionar a sua hegemonia hemisférica. Com relação a estes países, os
EUA sempre utilizaram a mesma linguagem, com duas tônicas complementares: a dos
acordos militares bilaterais, e a das zonas de livre comércio. Os acordos
militares começaram a ser assinados no fim do século XIX, e a primeira proposta
de uma zona pan-americana de livre-comércio foi apresentada pelo presidente
Grover Cleveland, em 1887, um século antes da ALCA — proposta em 1994 e
rejeitada em 2005, pelos principais países sul-americanos. Não existe uma
relação mecânica entre os fatos, mas chama atenção que pouco depois desta
rejeição os EUA tenham reativado sua IV Frota Naval, com objetivo de proteger
seus interesses no Atlântico Sul. A este propósito cabe lembrar o diagnóstico e
a proposta de Nicholas Spykman (1893-1943), o teórico geopolítico que exerceu
maior influência sobre a política externa dos EUA, no século XX: “fora da nossa
zona imediata de supremacia norte-americana, os grandes estados da América do
Sul (Argentina, Brasil e Chile) podem tentar contrabalançar nosso poder através
de uma ação comum [...] e uma ameaça à hegemonia americana nesta região do
hemisfério (a região do ABC) terá que ser respondida através da guerra”(N.S p:
62 e 64). Estes são os termos da equação, e a posição norte-americana foi
sempre muito clara. O mesmo não se pode dizer da política externa brasileira.
Fonte: http://outraspalavras.net/
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