terça-feira, 30 de setembro de 2014

Novo livro de Naomi Klein: O capitalismo e a mudança climática – por Joan Martínez Alier


Novo livro de Naomi Klein: O capitalismo e a mudança climática

Livro de Naomi Klein traça as conexões locais e globais dos movimentos que, por toda parte, atuam contra o petróleo, o carbono e a extração de gás. 

O novo livro de Naomi Klein, “Isso muda tudo: capitalismo vs clima” (Allen Lane, London, 2014), coloca a mudança climática no centro da política. Ela traça as conexões locais e globais dos movimentos que, por toda parte, atuam contra o petróleo, o carbono e a extração de gás. Podem-se acrescentar movimentos no Brasil e em outros lugares contra a devastação de florestas. “Seja ou não a mudança climática seu motivo principal, (tais movimentos locais) merecem ser reconhecidos como “guardiões do carbono” anônimos, que mediante a proteção de seus amados bosques, montanhas, rios e costas, estão ajudando a proteger a todos nós” (p. 352).

Naomi Klein louva a “Organização” e a “Yasunização” (citando relatórios do projeto EJOLT), e está de acordo com a ecologia dos pobres e dos indígenas. Naomi Klein ficou impressionada pela força da demanda da Dívida Ecológica ao falar, em abril de 2009, com Angélica Navarro, a jovem embaixadora boliviana na ONU. O livro denuncia a falta de ação das Nações Unidas durante e depois de Copenhague 2009, e o fracasso dos principais políticos mundiais para fazer frente a questão.

Narra com bom humor a participação da autora como convidada (ou penetra?) das reuniões do Heartland Institute, nas quais se organiza a negação, por motivos políticos, da mudança climática, e também em uma reunião dos principais especialistas sobre métodos de geoengenharia, incluindo Ken Caldeira e David Keith. O evento foi patrocinado pela Royal Society no Chicheley Hall, uma esplêndida casa de campo na Grã-Bretanha que, nos mesmos dias, foi compartilhada com a empresa de automóveis Audi. Ela brinca amargamente com a organização conservacionista The Nature Conservancy, que extrai petróleo de uma reserva natural no Texas, à qual tem acesso sob a desculpa de preservar a espécie “galo Attwater da campina” (Tympanuchus cupido attwateri). Naomi Klein acredita na ecologia dos pobres e dos indígenas muito mais do que na ecologia das grandes organizações verdes.

O livro explica suas correrias com as barricadas e bloqueios contra a mineração de ouro a céu aberto na Grécia por parte da empresa canadense Eldorado; contra a fratura hidráulica de gás de esquisto na Romênia pela Chevron; contra oleodutos no Canadá; nos terrenos úmidos da Luisiana para inspecionar os danos do vazamento da British Petroleum. Baseando-se nos relatórios do EJOLT e outras fontes, reconstrói a história real da proposta de deixar o petróleo no solo na região dos Ogni no delta do Níger e na Amazônia do Equador, bem como a fundação da Oilwatch em 1995, que já combinava a resistência local contra a indústria dos combustíveis fósseis com ênfase em “combustíveis que não devem ser queimados” – combustíveis fósseis que devemos deixar na terra, pois o aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera deve ser evitado.

O livro inclui viagens à devastação das areias betuminosas de Alberta, no Canadá, e a participação na resistência de “vaqueiros e índios” contra o oleoduto Keystone XL e outros meios de transporte. Neste caso, os vaqueiros e os índios estavam do mesmo lado. Narra também os êxitos dos movimentos de resistência contra o fracking na França e em outros lugares (eles se opõem por conta das emissões de metano e dos danos locais à água e a paisagens), e também da resistência à mineração de carbono sobre as montanhas.

Naomi Klein, sem dúvida, poderia ter viajado ainda mais, poderia ter visitado outras terríveis minas de carbono na Índia e na China para reforçar seu argumento da convergência potencial da resistência local e da resistência global à indústria dos combustíveis fósseis. Mas viajou o suficiente – e, enquanto escrevia este livro, tratou de ter um bebê, agora um menininho que se chama Toma. Sofreu um par de abortos involuntários; ela dedica algumas páginas a estes acontecimentos tão normais na vida de mulheres, mas que são muito duros.

É incomum que apareçam em um livro sobre a justiça climática, mas ela pensa que nós (suas centenas de milhares de leitores) queremos conhecê-la melhor como pessoa, ela quer que entendamos que a reprodução social e o cuidado é mais importante do que a produção econômica, e quer mostrar o poder da regeneração da vida, como em sua própria experiência íntima. Poderia ter citado Georges Bataille sobre as potencialidades antientrópicas da vida. Naomi Klein não é pessimista. Suas dores e trabalhos, sua obra escrita e seus documentários não são apenas para movimentos sociais atuais, mas também para nossos filhos e netos, e para o benefício da vida no planeta. Cita também o artigo 71 da Constituição do Equador sobre os Direitos da Natureza, incluída a obrigação de respeitar e restaurar os poderes regenerativos da Natureza.

O “direito a regenerar” é uma expressão-chave desse livro. Namo Klein quer contribuir com esse livro ao movimento pela justiça climática global. Não dá instruções detalhadas sobre a forma de colocar isso em prática e sobre como devemos proceder. É necessário ir a Paris em 2015? não há necessidade disso, pois já existem muitos outros movimentos ambientais de resistência em qualquer lugar que estejamos vivendo. No entanto, talvez alguns de nós também não devêssemos ir às ruas de Paris, um milhão de pessoas pacíficas, e pressionar a COP?

O movimento contra a mudança climática deve estar aberto a outros movimentos – por exemplo, o movimentos nos diferentes países que defende uma renda universal de cidadania e que questiona todo o sistema socioeconômico. O movimento deve ser tão vigoroso e exitoso como foi o movimento contra a escravidão de africanos ou o feminismo, ou ainda mais. O movimento deve ser consciente de si mesmo, colocando a mudança climática no centro, “a coisa que muda tudo”, como ela mesmo se deu conta depois de ter publicado seus dois famosos livros “Sem logo” e “A doutrina do choque”.

Se devemos ainda acompanhar as reuniões insuportáveis das COP, se a tese da dívida climática e a dívida ecológica (e agora, talvez, em um novo vocabulário, os enormes “danos e prejuízos”, loss and damage) não são aceitas pelo países ricos nas reuniões oficiais internacionais, isso é devido ao fato de o movimento ter se debilitado ou ter sido comprado.

Naomi Klein defende que o ecologismo das décadas de 1960 e 1970 foi mais forte do que nas décadas posteriores. Na América do Norte, depois de Rachel Carson, em 1962, conseguiram-se alguns êxitos legislativos e práticos, enumerados neste livro, que foram reforçados no início da década de 1980 nos EUA pelo movimento da Justiça Ambiental contra o “racismo ambiental”. Sua força se perde na era neoliberal de Ronald Reagan e, posteriormente, com Stephen Harper no Canadá, que é o país de Naomi Klein. O mercado autorregulado se transformou em um slogan político triunfante, ainda que muito debilitado depois da crise financeira e econômica de 2008. Na Europa, os mercados de crédito de carbono falharam. É hora de ter políticas mais radicais. Mas elas não virão de políticos ineficazes, como Obama, nem da ONU.

A tarefa histórica e muito urgente de diminuir as emissões de gases de efeito estufa recai sobretudo nos numerosos movimentos de base que formam redes, na força de suas batalhas frente às empresas privadas ou estatais de combustíveis fósseis, contra poços de petróleo e minas de carbono, seus polidutos e seus transportes marítimos, suas refinarias e centrais térmicas. Parem de uma vez, pelo bem da humanidade e outras espécies!

O livro tem 570 página. Contém explicações cuidadosas da química e da economia política da mudança climática, e tem 70 páginas de notas de rodapé e referências em letra pequena. É um livro muito sério e também inspirador, que deve ser lido de uma vez só (em uma noite tranquila ou em um fim de semana) para absorver toda a sua força no próprio sangue, a fim de estar pronto para a ação local. Nas últimas páginas, existe mais uma anedota, aqui resumida.

Em dezembro de 2012, “Brad Werner... abriu caminho entre a multidão de 24 mil cientistas da reunião de outono da União Geofísica Americana em São Francisco... a própria sessão de Werner...foi intitulada “A terra está f*d*da?”.. De pé, em frente a sala de conferências, o professor da Universidade da Califórnia, San Diego, continuou sua conferência por meio do modelo de computador avançado que estava usando... falou dos limites do sistema, as perturbações, a dissipação, os atrativos, as bifurcações... na teoria de sistemas complexos. Mas o resultado final foi bastante clado... Quando um jornalista pressionou Werner para uma resposta clara à pergunta “a terra está f*d*da?”, ele deixou o jargão de lado e respondeu:

“Mais ou menos”. Contudo, havia um fator dinâmico no modelo, o que oferecia alguma esperança. Werner o descreveu como a “resistência”, esclarecendo que isso inclui “a ação direta dos ambientalistas, a resistência de fora da cultura dominante, como nos protestos, bloqueios e sabotagens dos povos indígenas, trabalhadores, anarquistas e outros grupos de ativistas”. É necessária essa “fricção” para deter a máquina econômica que se precipita fora de controle”.

No fim de semana de 20 de setembro, produziu-se a maior mobilização contra a mudança climática na história da humanidade – com centenas de milhares de pessoas marchando em 2.700 eventos em 156 países. Um dos manifestantes foi um promotor do distrito do condado de Bristol, Massachusetts (EE.UU.), que há poucas semanas se negou a processar ativistas que ancoraram de maneira pacífica seu pequeno barco exatamente onde um grande navio estava chegando para descarregar carbono para uma central térmica. Esse é o tipo de ação que dá esperança: ativistas do clima que tomam os assuntos em suas próprias mãos e funcionários que se arriscam. Os ativistas que bloqueiam portos de carbono fazem parte do que Naomi Klein chama “Blocagem” e é í que podemos depositar nossa esperança.

Como talvez Walter Benjamin diria, tais movimentos de resistência devem ir além do fato de exercer um pouco de “fricção”; devem pisar com força nos freios de emergência do trem que está produzindo mais e mais gases de efeito estufa. O Antropoceno é a era em que a humanidade se transformou em uma força geológica que danifica a face da terra, mas também poderia ser a época em que a humanidade, por meio de seus movimentos de resistência locais e globais, retém a mudança climática e ajuda a regenerar a diversidade e a riqueza da vida na terra.

(*) Joan Martínez Alier é catedrático de teoria econômica da UAB. Amigo e colaborador do SinPermiso, é um pesquisador pioneiro na área da economia ecológica. 

Fonte: http://www.cartamaior.com.br

domingo, 28 de setembro de 2014

Protestos pró-democracia em Hong Kong - por Latuff

“Occupy Central” reuniu 80 mil pessoas em Hong Kong; mobilização deverá continuar ao longo desta semana

Fonte: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/38025/protestos+pro-democracia+em+hong+kong.shtml

Sampa, força da grana e barbárie – por Guilherme Boulos


Sampa, força da grana e barbárie
Em defesa do proprietário de imóvel abandonado, “Justiça” desaloja famílias no antigo Hotel Cineasta, em 2011. Só no centro de SP, já há mais vinte “reintegrações de posse” autorizadas

Judiciário e polícia postam-se para garantir o direito à especulação, quando perturbado por seres humanos buscando (que ousadia!) o direito de morar em alguma parte

A esquina da Ipiranga com a avenida São João, imortalizada em versos, testemunhou fatos bem pouco poéticos há menos de duas semanas.

Bebês sufocados com bombas de gás, pessoas desmaiando e outras sendo forçadas por policiais a deitar no chão molhado. Cadeirantes sem suas cadeiras de roda. Filhos perdidos das mães. Cenário de horror.
Ali, no cruzamento mais famoso de São Paulo, ficava até poucos dias a ocupação de duzentas famílias de sem-teto, no prédio do antigo hotel Aquarius, fechado e abandonado há mais de dez anos.

Não só este. Estima-se em 400 mil o número de imóveis desocupados na cidade de São Paulo. No Brasil, segundo o IBGE, são 6.052.000 imóveis nestas condições. Praticamente a mesma proporção do número de famílias sem moradia. Estão ali servindo à especulação imobiliária, esperando por alguma operação urbana ou PPP (Parceria Público-Privada) que lhes agregue valor com investimento público.

O Judiciário e a polícia postam-se para garantir o direito à especulação, caso este seja perturbado por grupos de sem-teto buscando – que ousadia! – o direito de morar em alguma parte. Só no centro de São Paulo há mais de vinte ocupações com ordem de despejo. A prefeitura também conseguiu, na semana passada, ordem judicial para despejar a ocupação Chico Mendes, na região do Morumbi. Preparemos os olhos e o estômago para as cenas dos próximos capítulos.

Tratar problemas sociais como casos de polícia é sinal inequívoco da barbárie. Assim foi no Carandiru, em Eldorado dos Carajás ou no Pinheirinho. É a aposta na violência de Estado para sufocar as contradições da sociedade.

Foi assim na esquina famosa, no dia 16. E foi assim também, dois dias depois, em uma esquina nem tão famosa do bairro da Lapa. O PM Henrique Dias de Araújo atirou à queima-roupa em um camelô que tentava defender seu colega, agredido por outros dois policiais.

Carlos Augusto Braga, o camelô assassinado, já havia terminado o expediente e estava indo buscar o filho na escola. Segundo a família, planejava voltar ao Piauí, onde havia sido aprovado num concurso público. Não verá mais nem o filho, nem o Piauí.

O PM que o matou já respondia por outro assassinato, em março deste ano, quando atirou num morador de rua, supostamente em legítima defesa. Legítima defesa foi também a alegação do comando para o novo assassinato, até ter sido desmentido por um vídeo que flagrou o crime.

É impressionante como a reação de indignação a esses vídeos tem prazo tão curto de validade. E como o Judiciário contribui para a banalização da barbárie. Alguns dias depois do assassinato, o soldado já foi solto e pouco se falou do assunto.

O rito é padrão mesmo quando as provas estão aos olhos de, todos. Lembram-se vocês daquele pedreiro que foi assassinado por quatro PMs em frente de casa no Jardim Rosana, zona sul de São Paulo, em 2012? O vídeo saiu no “Jornal Nacional”, da TV Globo.

Algumas semanas depois, o bar de onde saiu a gravação foi palco de uma chacina, também cometida por policiais, onde sete pessoas morreram.

Sabem o que aconteceu? Os policiais da chacina, depois de reconhecidos e presos, já estão soltos. E os quatro que exterminaram o pedreiro foram absolvidos pelo Judiciário no mês passado.

Mas e as imagens? Ora, pedreiro, camelô, sem-teto, quem se importa?

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) segue o mantra malufista de que polícia violenta dá voto. E por isso não perde uma oportunidade de por o Choque em ação, a Rota na rua. Pode funcionar no curto prazo, numa sociedade dominada pelo medo e pela violência.

Mas frequentemente quem aposta na barbárie vê, cedo ou tarde, o feitiço voltar-se contra o feiticeiro. Junho de 2013 deu sinais disso, mas a memória é curta.

O prefeito Fernando Haddad (PT), que poderia ter se contraposto, preferiu atribuir a violência do despejo da avenida São João a “oportunistas” e tratar o assassinato do camelô como “fato isolado”. Com medo das acusações levianas do Ministério Público de que favorece ocupações e em nome da Operação Delegada, que herdou de Kassab, perdeu uma excelente oportunidade de, no mínimo, ficar calado.

Assim terminou uma semana de barbárie. Com as autoridades políticas e o Judiciário convidando a todos que façam mais vezes. Afinal, com camelô e sem-teto pode.

Na Sampa real e sem poesia, a feia fumaça que sobe apagando as estrelas tem cheiro de pólvora e gás lacrimogêneo.

Fonte: http://outraspalavras.net

Obrigado Nobel da Paz Barack Obama! por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Jogo bruto – por José Luís Fiori


Jogo bruto
Gravura em bronze de De Bry, supostamente inspirada no relato de Bartolomé de Las Casas, sobre as atrocidades cometidas pelos espanhóis contra os indígenas da América

Caso do avião malaio revela: Ocidente segue, no século 21, “ética internacional” baseada nos mesmos princípios que abençoaram extermínio de mouros e indígenas

Devemos confessar certa nostalgia pelo que ainda se pode chamar
“idade de ouro da segurança”, ou seja, por uma época em que mesmo os horrores
eram ainda caracterizados por certa moderação e controlados por certa respeitabilidade
e podiam, portanto, conservar alguma relação com a aparência geral de sanidade social

Hanna Arendt, Origens do Totalitarismo

Menos de dois meses depois da queda do voo MH-17 da Malaysia Airlines, no leste da Ucrânia, o relatório preliminar da Junta Holandesa de Segurança chegou a conclusão de que o Boeing 777, da Malásia, “explodiu no ar como resultado de danos estruturais provocados por um grande numero de objetos de alta energia (“high energy objects”), que penetraram no aparelho desde o exterior”. Segundo especialistas, ao contrário do que se pensou inicialmente, o avião da Malysian Airlines teria sido atingido, portanto, por um míssel ar-ar de fragmentação, que ao explodir disseminou milhares de objetos semelhantes a balas. Um tipo de armamento altamente sofisticado e de fácil identificação, que os separatistas ucranianos não têm nem nunca tiveram. O relatório final da junta holandesa só será publicado em meados de 2015, segundo sua porta-voz Sara Vermooiji, mas seja qual for o seu veredicto, parece que nenhuma das potências envolvidas no conflito está mais interessada nas verdadeiras causas e nos verdadeiros responsáveis por este homicídio coletivo de 298 pessoas estranhas à guerra. Em grande medida, porque seus efeitos políticos internacionais já foram logrados, com o afastamento entre a Alemanha e a Rússia e com o endurecimento da posição da UE, defendido pelos EUA e pela Grã Bretanha.

Em 1128, São Bernard de Clairvaux – admirado até hoje pelas igrejas católica, anglicana e luterana – cunhou a expressão “malecídio”, para referir-se a um certo tipo de homicídio abençoado por Deus, e para defender moralmente o assassinato dos hereges e islâmicos, feito em nome de Deus. São Bernardo estava pensando e justificando o extermínio dos mouros, pelas Cruzadas dos séculos XI e XII, mas, de uma forma ou outra, esta mesma tese reaparece mais tarde na teoria da “guerra justa”, defendida pelos teólogos espanhóis dos séculos XVI e XVII, que também consideravam ético o extermínio dos indígenas americanos que resistissem à fé e à civilização cristã. Esta teoria mudou sua fundamentação – depois de Hugo Grotius (1583-1645) e de Samuel Pufendorf (1632-1694) – mas manteve o mesmo princípio e a mesma distinção que segue presente nos tratados e convenções dos séculos XIX e XX, que definem o “direito internacional da guerra” segundo a visão ética das potências ocidentais. Em todas as épocas, esta chamada “ética internacional” foi definida e aplicada pelas grandes potências de cada momento, começando pela Igreja Católica, e sempre distinguiu e opôs o assassinato dos “amigos”, ou “homens de bem”, ao “malecídio” dos inimigos, ou “homens do mal”, através de matrizes binárias e muito simples. E foi sempre em nome destas matrizes éticas que as grandes potências de cada época arbitraram e executaram todo tipo de “malecídios”, com ampla liberdade e total convencimento moral.

Durante a Guerra Fria, por exemplo, em nome da “contenção comunista”, os Estados Unidos utilizaram-se do “incidente do Golfo de Tonkin” para declarar guerra ao Vietnã do Norte, em 1964. Em 2005, a Agencia de Segurança Nacional norte-americana reconheceu que o incidente com as “torpedeiras norte-vietnamitas nunca foi realmente confirmado”ii. Ou seja, 40 anos depois do incidente, o mundo foi informado de que ele talvez tenha sido provado adrede, ou pior, talvez nunca tenha existido. Da mesma forma que os EUA e a Bélgica participaram da conspiração e do assassinato do líder nacionalista africano, Patríce Lumumba, ocorrida em 1961, mas só reconheceram sua co-responsabilidade, mais de 40 anos depoisiii. Da mesma forma que agora, no ano de 2014, uma comissão de alto nível, formada por juristas e diplomatas de renome internacional, convocados pelas Nações Unidas, reconheceu que a morte do Secretário Geral da ONU, Dag Hammarskjöld, em 1961, num acidente aéreo sobre a Rodésia do Norte, pode ter sido causada por um atentadoiv. Como foi também o caso de outro líder africano, Samora Machel, morto em 1986, num outro acidente aéreo – sobre a África do Sul – que teria sido organizado pelo serviço secreto soviéticov.

Esta lista de conspirações e “malecídios” poderia seguir, e seria quase infinita. Mas neste caso, qual seria a grande novidade deste novo “incidente da Ucrânia”? Antes que nada, a Guerra Fria parece que deixou o mundo ocidental sem uma baliza ética binária e simples, de utilização automática, e a nova tábua dos “diretos humanos” tem sido aplicada de forma absolutamente arbitrária e seletiva, pelos europeus e norte-americanos, sobretudo na sua lambança do Oriente Médio. E o que é mais importante e novo, é que esta arbitrariedade tem ficado mais visível e de imediato – ao contrário dos tempos de Tonkin – graças a instantaneidade da informação, e ao vazamento cada vez mais frequente dos “segredos de estado” das grandes potencias, que revelam a existência de infinitos pesos e medidas na aplicação das regras criadas pelos próprios europeus e seus descendentes. Por último, como consequência destas incoerências e arbitrariedades explícitas das grandes potências, pode-se ver que está em pleno curso um processo de “terceirização” do arbítrio e da execução de “malecídios” banalizados como instrumento de luta política local, dentro dos países considerados relevantes para a geopolítica das grandes potências.
__

Imagem: Theodor de Bry
Fonte: http://outraspalavras.net

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O melhor bode expiatório de Barack Obama! - por Latuff

Fonte: http://latuffcartoons.wordpress.com/

Não tem meu voto, mas tem meu apoio irrestrito!


Não tem meu voto, mas tem meu apoio irrestrito!

“a cada intervenção militar, não caminhamos para a paz”...

"A cada intervenção militar não caminhamos para a paz mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos. Verifica-se uma trágica multiplicação do número de vítimas civis e de dramas humanitários. Não podemos aceitar que essas manifestações de barbárie recrudesçam, ferindo nossos valores éticos, morais e civilizatórios."...

A presidente reiterou a posição de seu governo no que se refere à ofensiva de Israel à Faixa de Gaza, condenando o “uso desproporcional da força”. “Não podemos ser indiferentes com Israel e Palestina”, afirmou Dilma, que defendeu a solução de dois Estados para Israel e Palestina. Em julho, o Itamaraty condenou os ataques israelenses, o que gerou uma polêmica diplomática entre os países. 

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/37969/onu+dilma+critica+intervencoes+militares+e+repudia+ofensiva+israelense+em+gaza.shtml