Existe fascismo em São Paulo
Numa cidade de muros, arame farpado e rampas antimendigo,
novo incêndio em favela demonstra: para afastar pobres, mercado imobiliário
paulistano brinca com fogo…
Se existe amor em São Paulo eu não sei. Mas fascismo, esse
existe. E a elite paulistana não faz nenhuma questão de escondê-lo.
Sabemos que não é de hoje. A história da segregação
territorial em São Paulo vem dos anos 1940, quando se inicia de forma mais
sistemática a demolição dos cortiços e das residências operárias nas regiões centrais.
Pobre tem que vir ao centro para trabalhar e servir, mas morar ali? Não, aí já
é vandalismo!
Foi assim que surgiram e se expandiram as periferias da
cidade. Numa jogada de mestre e sempre com o apoio do Estado, os agentes
imobiliários conseguiram, ao mesmo tempo, tirar os pobres do convívio nos
bairros centrais, ganhar um bom dinheiro com loteamentos clandestinos na
periferia e reservar áreas intermediárias para a especulação. Nessas áreas
estabeleceram-se depois os verdadeiros nichos da elite paulistana.
O que estava em jogo era materializar no território a
segregação social entre ricos e pobres.
Até hoje a dinâmica do mercado imobiliário reproduz esse
fenômeno. Quando um bairro recebe investimentos ou passa a hospedar grandes
empreendimentos privados – condomínios de alto padrão, shoppings, etc – sofre
um processo intenso de valorização. Expulsa assim os moradores mais pobres, por
vezes através de despejos coletivos e mais frequentemente pela hipervalorização
dos aluguéis.
Esta dinâmica econômica sedimentou uma mentalidade
higienista na elite e nas camadas médias. Veio junto com uma fobia, um nojo,
uma recusa da convivência. Seu ideal seria que os pobres trabalhassem para
servi-los, mas ao fim do expediente evaporassem, para retornar apenas no dia
seguinte. Pobres podem até existir, desde que longe de seus olhos.
Há casos emblemáticos e recentes. Em 2010, os seletos
moradores de Higienópolis iniciaram um movimento contra uma estação de metrô
nas redondezas. Motivo: traria ao bairro “gente diferenciada”. Em 2011 foi a
vez de uma turma de comerciantes e moradores de Pinheiros, que se organizaram
contra um albergue para moradores de rua no bairro. “Ficaremos acuados em
casa”, alegaram na ocasião. As rampas antimendigo, iniciadas na gestão de José
Serra para impedir moradores de rua em certas partes da cidade, deram a
chancela do poder público.
Mas o pior ainda estava por vir. A face mais perversa deste
fenômeno foram os incêndios em favelas. O mercado imobiliário é mesmo muito
criativo. Quando, por alguma eventualidade, o judiciário barra o despejo de uma
favela localizada em zona de expansão imobiliária eles fazem a seu modo.
Incendiar favelas tornou-se um recurso habitual para afastar pobres dos
condomínios de alto padrão.
Em muitos casos é difícil provar, o que permitiu aos
interessados atribuir os incêndios à baixa umidade do ar. Mas os indícios são
avassaladores. O site Fogo no
Barraco reuniu o mapa de todos os incêndios em favelas paulistanas de 2005
a 2014 e comparou as regiões incendiadas com o índice de valorização
imobiliária. O mapa mostra como a enorme maioria dos incêndios ocorreu nas
zonas de valorização. Mais inflamável que o clima seco é a especulação.
Os dados dizem ainda que metade dos incêndios dos últimos 20
anos ocorreram entre 2008 e 2012, isto é, durante a gestão de Gilberto Kassab
(PSD) como prefeito, que foi marcada pela promiscuidade com o mercado
imobiliário. A conivência do poder público também é inflamável.
No último domingo (7), o tema voltou com o incêndio em uma
favela na região do Campo Belo. O bairro valorizou-se 130% nos últimos 5 anos,
de acordo com o Índice Fipe/Zap. Tinha uma pedra no sapato do mercado imobiliário
e da mentalidade fascista que foi novamente varrida com fogo. Os bombeiros que
foram até o local afirmaram em reportagem que o incêndio foi mais uma vez
criminoso.
Também nos últimos dias, a Folha noticiou que
condomínios do Morumbi estão se mobilizando contra a ocupação Chico Mendes,
organizada pelo MTST num terreno municipal com destinação prevista para
habitação popular. Uma das ilustres moradoras disse tudo: “Atrapalhando eles
estão, é desconfortável”. Atrapalhando a vista de sua sacada, pobres, ali, ao
lado.
A realidade é mesmo desconfortável. A mentalidade fascista
atua para negar, queimar, expulsar este desconforto para bem longe. Que os
pobres existam, mas em algum lugar de Ferraz de Vasconcelos, bem longe da minha
sacada.
São Paulo é uma das cidades mais desiguais do mundo. A
cidade dos muros. Dos muros, incêndios criminosos, despejos, rampas antimendigo
e dos condomínios exclusivos. O fascismo da elite só coloca mais combustível
neste barril de pólvora.
Fonte: http://outraspalavras.net/
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