Os barões da mídia e as saudades da ditadura
Castello Branco, primeiro ditador do período pós-64, é
cumprimentado por Octávio Frias de Oliveira, proprietário da Folha da Manhã
Censura aos jornalistas que divergem e superficialidade na
cobertura do caso Petrobras demonstram: velha imprensa flerta com autoritarismo
É muito triste que, hoje, no Brasil, não se faça mais um
jornalismo político comprometido, senão com a profundidade, ao menos com a
investigação dos múltiplos aspectos do mesmo fato. Tenho certeza que há vários
jornalistas, inclusive nos grandes veículos de comunicação, comendo pelas beiras
para que isso aconteça. Mas a realidade é que não dá mais (nunca deu, aliás)
para termos três ou quatro empresas ditando quais deveriam ser os rumos do
imaginário político nesse país.
Particularmente, sou totalmente favorável à exposição,
apuração com rigor e, consequente, penalização dos sujeitos envolvidos com a
corrupção da Petrobrás. Mas é preciso sempre voltar ao óbvio. Nós estamos
discutindo esse caso livremente porque vivemos numa democracia. E quem tornou
esse país uma democracia não foram os donos das grandes corporações midiáticas,
como sabemos.
Vivemos em um país que se tornou uma democracia, apesar de,
durante décadas, essas corporações estarem ao lado da ditadura. Se hoje é
possível lermos, nos grandes jornais, reportagens com riquezas de dados,
entrevistas (inclusive com torturadores) que contribuíram para o trabalho da
Comissão Nacional da Verdade (CNV), também, é possível encontrar editoriais
como o recente “Página Virada”, publicado, no dia 12 de dezembro, na Folha de
São Paulo.
Estivéssemos nos anos 70 ou no Clube Militar, tais palavras,
a respeito do relatório final da CNV, por certo, fariam sentido para uma grande
parte da sociedade: “O relatório silencia, assim, sobre os crimes das
organizações armadas que combateram para substituir a ditadura militar por
outra, de cunho comunista.” Parece ser essa a tal “linha editorial” que vigora
na grande mídia. É bom não nos esquecermos que foi desse mesmo jornal que o
jornalista Xico Sá pediu demissão, depois de ter uma crônica sua não publicada
– justamente, aquela em que declarava seu voto em Dilma Roussef. E estamos,
aqui, falando de um jornal que tem colunistas como Reinaldo Azevedo.
A mesma “linha editorial” atingiu um dos maiores nomes do
jornalismo mineiro recentemente. João Paulo Cunha, há 18 anos trabalhando no
jornal Estado de Minas pediu demissão após ser “advertido” que não poderia
escrever mais sobre política, em sua coluna semanal. Nas palavras de Cunha, é
“inadmissível que o jornal censure seus profissionais. Ao censurar a imprensa
ou o jornalista, você está tirando dele o mais importante, que é a liberdade de
expressão e a possibilidade de trazer várias visões de mundo”.
De que lado, então, estaria a “censura”, esta “falta de
democracia”, tão gritada a cada vez que se pede por provas consistentes dos
fatos? É preciso ter estômago para ver jornalistas que, até mesmo pelo longo
tempo dentro das redações, sabem de muito mais podres dos governos – não só do
PT –, mas também das empreiteiras, dos envolvimentos com outros partidos, dos
cartéis estabelecidos etc, mas que escolhem (ou a “linha editorial” os obriga)
a olhar só para um lado. Pessoas que, como os historiadores e jornalistas já
provaram, sabem que corrupção, no Brasil moderno, foi plantada e só fez crescer
raízes a partir da ditadura militar. Isso justifica que o PT possa participar
ativamente ou facilitar a corrupção na Petrobrás? Não, não justifica. A
corrupção, envolvendo executivo, legislativo, grandes empresas públicas e
privadas, vai desaparecer se o PT sair do poder? Não, não vai. Vai apenas
trocar de mãos. E o ponto não seria exatamente esse, acabar com a corrupção? Ou
o ponto seria, simplesmente, tirar a poder das mãos do PT ?
Pelo que vi da entrevista patética da ex-gerente de
Petrobrás, Venina Velosa, o jornalismo já decidiu há tempos de que lado está. E
não é do lado do povo, como deveria, como seria sua obrigação moral e ética.
(Só de mandar a Glória Maria pra fazer aquela entrevista, que nem da área de
política é, já se notam as intenções). A grande brasileira, que “muito nos
orgulha”, como declarou Leilane Neubarth, em seu twitter, disse rigorosamente
nada. Não provou nada. Não mostrou uma cópia dos “milhares” de documentos e
emails que tem em seu poder. De novo, a corrupção aconteceu no governo do PT, e
os responsáveis têm mais que pagar perante a lei. Em especial, termos o
dinheiro desviado ressarcido.
O jornalismo brasileiro das grandes empresas está
interessado em investigar com afinco os outros grandes desvios de verbas que
acontecem em outras áreas? Recentemente, o próprio sistema Globo noticiou assim
uma matéria sobre corrupção nas forças armadas. “Empresa americana admite que
pagou propina a dois militares da FAB”. Como qualquer leitor mais arguto
percebe, o ônus da corrupção recai sobre a Dallas Airmotive e não sobre os oficiais
que, por estarem “sob investigação”, não têm sequer seus nomes revelados. As
grandes empresas de jornalismo brasileiro estão interessadas em investigar a
corrupção nas licitações em São Paulo? Um dos casos mais notórios refere-se à
Alstom. Envolveu, entre outras irregularidades, a compra sem licitação de doze
trens durante o governo Alckimin em 2005. Não é sobre “irregularidades nas
licitações” que recaem as acusações de Venina Velosa?
Notícias como essas aparecem na primeira página, e, no dia
seguinte, a matéria vai para dentro do caderno. Em seguida se fragmenta em
notas ocasionais, até desaparecer. Então, ninguém pode reclamar que eles não
falaram sobre isso, certo? Em compensação, somos obrigados a saber todas as
vezes que um dos presos do mensalão vai ao banheiro, vai passar o Natal em
casa, escova os dentes etc. Mesmos direitos que qualquer outro preso tem.
Pesos, espaços e ênfases diferentes dependendo do acusado, parece-me.
O meu problema, aqui, não é defender o PT, porque o PT é bem
grandinho, ele que arque com as consequências de seus atos. O meu problema é
com essas mega corporações jornalísticas que só fazem crescer, espraiar seus
tentáculos até na área de educação. Pelo jeito, aqui no Rio, não há problema
nenhum em termos a Fundação Roberto Marinho fazendo acordos com o governador
Pezão, para conferir diplomas de Ensino Fundamental e Médio – os mesmos que
deveriam ser oferecidos pela rede pública de ensino – se esta não estivesse
sucateada. Nesse caso, parece não haver importância que o governador do Rio
seja um dos principais aliados do PT.
E meu problema, como brasileira que viveu a ditadura,
problema que deveria ser o nosso, é com a manutenção de uma democracia
conquistada com mortes, desaparecidos e torturados. Uma democracia que, pela primeira
vez desde a redemocratização, permite ao STF e à Polícia Federal trabalharem
livremente, investigando o próprio executivo. O que não acontecia nos governos
do PSDB. O meu problema é com um jornalismo que, grita “censura”, quando se
fala em Regulação da Mídia, mas confere todo espaço ao rapaz mimado, desculpe,
senador Aécio Neves, quando este se dispõe a processar twitteiros que o
chamaram de cheirador.
Só para lembrar: a professora do Instituto de História,
Mônica Grin, quase sofreu em julho desse ano o confisco de seus computadores de
trabalho, a mando da Justiça de São Paulo. O motivo foi a denúncia, movida pelo
comitê eleitoral do PSDB, de supostas calúnias que teriam partido do computador
localizado na sala da professora. A falta de qualquer notificação prévia à
instituição ou à professora é apenas uma das marcas de todo tom intimidador do
caso.
Sem dúvida, essa foi a pior eleição que já enfrentamos desde
a redemocratização, em especial, no que se refere aos ataques pessoais partindo
de ambos lados. Mas, acabou. Como declarou Dias Tofolli, ministro do Supremo
Tribunal Federal, não haverá terceiro turno. Vamos tratar de arrumar os
problemas reais desse país, como esse passado “anistiado”, e a corrupção
endêmica que envolve todas as esferas de poder, inclusive as beatificadas pelo
PSDB.
Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/os-baroes-da-midia-e-as-saudades-da-ditadura/
Nenhum comentário:
Postar um comentário