A coleção Baderna incomoda muita gente. Sobretudo os fascistas
Congresso da Ação Integralista no Rio de Janeiro, nos anos
30. [Acervo Iconographia]. Todas as fotos são cortesia da Editora Veneta.
Depois de descobrir que vários livros da coleção Baderna foram
apreendidos pela polícia entre pertences de ativistas após as Jornadas de
Junho, o editor Rogério de Campos não teve dúvidas e está prestes a enaltecer o
mundo da literatura subversiva de novo, republicando parte da série. Quem
inspirou essa retomada? “A polícia. Se está desagradando os caras, tem uma
razão.”
Originalmente lançada pela editora Conrad no início dos anos
2000, a coleção traz publicações afiadas que falam sobre resistência. Agora, parte
delas sairá pela Veneta, a nova editora capitaneada por Rogério. “Qualquer
imbecil direitista arruma uma editora pra publicar suas bobagens. O mercado da
direita já é muito saturado. Então, publicamos livros de esquerda”, explica.
Se é baderna, tem que chegar com o pé na porta. E é isso que
a Veneta vai fazer: começar pela galinha dos ovos de ouro que não fez parte da
coleção original. O livro A Revoada dos Galinhas-Verdes (1984), de
Fulvio Abramo, não tarda a sair do forno. O texto, publicado originalmente em
uma edição mimeografada do Centro de Estudos do Movimento Operário Mario
Pedrosa, em 1984, deve ter sua versão em livro nas ruas ainda no mês de
outubro, quando a histórica batalha que tomou a Praça da Sé completa 80 anos.
Na Revoada,
anarquistas, socialistas, comunistas, trotskistas e sindicalistas se reuniam em
São Paulo para se opor à Ação Integralista Brasileira, partido de
extrema-direita que se inspirava no movimento fascista italiano e trazia como
mentor Plínio Salgado.
Para Rogério, a união que formou a Frente Única Antifascista
foi um marco para a esquerda tupiniquim, que costumeiramente brigava graças a
ideologias distintas em detrimento de um consenso. “Quando eles viram que os
integralistas estavam repetindo o mesmo caminho do que acontecia na Alemanha e
na Itália por aqui – ou seja, reacionarismo, ultranacionalismo e militarismo –,
perceberam que tinham um inimigo em comum”, frisa.
Armados com revólveres e até metralhadoras, homens e
mulheres antifascistas entraram em confronto com os integralistas, que,
vestindo uniformes verdes (daí o porquê de “revoada dos galinhas-verdes”),
prontamente fugiram. Seis pessoas morreram. Entre as vítimas, cinco eram
guardas civis e a sexta foi Décio Pinto de Oliveira, militante comunista
atingido por uma bala na cabeça enquanto discursava.
Integralistas em frente à sede da AIB após a Batalha da
Praça da Sé, em 7 de outubro de1934 [Acervo Iconographia]. Todas as fotos são
cortesia da Editora Veneta.
Rogério fala dos “velhinhos de esquerda que criticam os
jovens de hoje” e lembra da cena que viu em junho do ano passado na Avenida
Paulista: direitistas enrolados em bandeiras do Brasil cuspindo em uma garota
do PSOL. “E foi naquele momento que moleques mascarados anarquistas, os black
blocs, entraram em defesa de petista, de PSTU, de PSOL, de várias pessoas. Vi
muita gente de esquerda se juntando. Porque era necessário mesmo”, relata o
editor.
Integralista ferido na Praça da Sé [Acervo Iconographia].
O objetivo da editora Veneta é dar espaço aos autores de
esquerda, mas a coleção Baderna alça voos ainda mais distantes. “A
ideia é ir além do pensamento dominante da esquerda, sabe? Mostrar outras
ideias, outros autores, pensamentos. E, principalmente, mostrar novas maneiras
de se organizar, novas maneiras de atacar o capitalismo.”
Porém, nem todos os livros que integram a coletânea serão
relançados. A editora está retrabalhando algumas publicações e estudando até
novas traduções. Algumas ficaram datadas e não serão disponibilizadas. O editor
justifica: “Jovem tem saudade, mas saudade também tem limites. Nostalgia, não.
Estamos publicando na medida em que seja útil, e não por nostalgia”. Entre os
livros que serão relançados, estão Provos, de Matteo Guarnaccia, Grouxo-marxismo,
de Bob Black, e Situacionismo, da Internacional Situacionista.
Não resisto e, antes que a entrevista acabe, pergunto a
opinião de Rogério sobre o resultado parcial das eleições. Ele relata certa
angústia ao pensar no assunto e diz que, nessas horas, só consegue lembrar de
uma musiquinha de comercial: “Eu prefiro lanches Mirabel…”.
Fonte: http://www.outraspalavras.net/outroslivros/a-colecao-baderna-incomoda-muita-gente-sobretudo-os-fascistas/
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