sexta-feira, 1 de março de 2013

Amazon x Amazônia: nada supera um pirata – por Camila Moraes

Amazon x Amazônia: nada supera um pirata
Pirataria é lei na América Latina, e aumenta acesso à leitura; e-books e e-readerspodem ser alternativas
Wikimedia Commons
Protesto em Estocolmo reivindica legalidade do compartilhamento de arquivos e da pirataria virtual

Lembro-me de ser criança e pensar no Paraguai. O país estava no auge de sua fama de destino preferido para comprar importados baratos. Ir para Foz do Iguaçu, dar uma olhadinha rápida nas cataratas e cruzar a fronteira para voltar com malas cheias de eletrodomésticos e eletrônicos era coisa de classe média e média alta – como uma viagem a Miami nos dias de hoje. Claro que havia o risco de engolir uns produtos falsificados, mas em geral a empreitada era garantida. Amigos e família ficavam com uma que outra coisa, e o objetivo era modernizar. Era o tal do contrabando fácil, acessível, e estava em voga.

Seguindo a lógica das modas, a coisa hoje mudou. Viajar é algo possível para mais e mais pessoas, mas ninguém precisa realmente sair de casa para ter acesso a muitas das coisas que deseja consumir. Continuamos ansiosos por dar um passo à frente, e nosso “obrigado” vai para a pirataria, fenômeno que substitui o contrabando e tomou conta dos nossos tempos.

Wikimedia Commons
Feira dos Importados em Brasília, com discos e livros piratas à disposição

Na América Latina, pirataria – com o perdão do paradoxo – é lei.

Qualquer pessoa que já tenha passeado pela região, visitado duas ou três capitais, é capaz de perceber que uma grande cidade latino-americana não se faz sem ruas ocupadas por vendedores de comida e de reproduções baratas de tudo o que se imaginar, de filmes a perfumes, de bebidas alcóolicas a livros. Enquanto os de comida representam o que há de mais original em cada lugar, os piratas se esmeram na arte de copiar.

No Brasil, não é tão comum topar com livros piratas. Cópias xerocadas estão em qualquer universidade, e não deixam de ser ilegítimas, mas não se vê por aqui um comércio tão avançado de literatura falsificada como na Colômbia ou então, ocupando o topo do pódio, no Peru. Não foi à toa que em Lima, em meio às banquinhas meio mofadas do abarrotado mercado Amazônia, Paulo Coelho fez o lançamento em espanhol de "O vencedor está só" alguns anos atrás. Ele não planejou o evento, mas foi avisado e o considerou um sucesso. 
Nesse mercado informal, as cópias costumam ter qualidade inferior de papel, impressão, costura ou colagem do livro. Mas não raro, especialmente em uma indústria pirata tão avançada como a peruana, um livro falso não se deixa flagrar assim tão facilmente. São como notas de dinheiro: tem que colocar contra a luz, riscar com caneta especial, procurar incongruências com lupa. Só que custam muitíssimo menos do que os originais.

Estima-se que muitos milhões de dólares escapam do mercado editorial formal, América Latina afora, graças às letras ilegais. Empregos são perdidos, investimentos vão por água abaixo, e não importa a campanha ou o mandato de busca e apreensão: os piratas continuam vivos, renascem, reinventam seus negócios, surpreendem com a última tecnologia. No Peru, eles respondiam, já em 2010, por 40% da produção editorial do país, gerando um impacto econômico de quase 52 milhões de dólares (mais de 100 milhões de reais).

É difícil, mesmo tendo os números na ponta da língua, ignorar o lado romântico, vulgo aspecto positivo, dessa equação. Em países subdesenvolvidos, onde um livro original pode custar facilmente a metade de uma renda familiar mensal, como ignorar o “esforço” de piratas, fiéis a Robin Wood, para levar livros baratos aos ávidos por leitura?

Agência Efe

Feira Internacional do Livro é realizada este ano na Cidade do México

Ao contrário do que se possa pensar, não são só representantes de uma literatura que pode ser vista como “menor”, como os best sellers e os títulos de ajuda, que terminam pirateados. Indústria pirata que se preze trabalha com catálogos completos, livros que nunca se esgotam, reedições relâmpago e, como é bom ressaltar, sem preconceitos. Na Colômbia, fala-se de três mil livros impressos diariamente em cidades como Cáli e Medellín, onde a produção ilegal do país está concentrada. Quem bate essa potência?

Os livros digitais teriam chance. Aí, sim, impera a lógica das cópias fáceis, baratas, que viajam sem precisar sair do lugar. Com o advento do e-book e dos e-readers, que nos próximos anos devem se popularizar como os celulares, seria possível sonhar com uma América Latina em que leitura não é luxo nem muamba.

Mas aí visito a Amazon e descubro que “O vencedor está só” custa mais de sete dólares para ler no Kindle. Por no máximo dois, o Amazônia lá de Lima exporta uma edição igualmente efêmera ainda que mais barata para leitores peruanos e de países vizinhos, como o Equador, o Chile e a Colômbia. E quase na velocidade de um download.

Ainda bem que Paulo Coelho é a favor da pirataria. 

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