Dario Fo: por que Beppe Grillo é tão importante
Beppe Grillo fala aos italianos. Nas eleições deste ano, Movimento Cinco Estrelas foi único grupo político a fazer comícios – e reuniu milhões
Para Nobel da Literatura, comediante italiano retoma picardia e irreverência dos menestréis, ao expressar repúdio coletivo à velha política e poderosos
O que faz de Beppe Grillo marcante? Depois de um quarto dos italianos votarem em sua proposta de insurgência política nas eleições gerais do final de fevereiro, esta é uma questão que atormenta a classe política no país e em grande parte da zona do euro. De acordo com Dario Fo, o dramaturgo mais conhecido da Itália e grande apoiador de Grillo, a resposta é simples.
“Grillo é como um personagem em uma de minhas peças”, diz Fo, cujas sátiras sobre a vida medieval e moderna valeram-lhe o Nobel de Literatura e sucesso duradourno nos palcos italianos, em uma carreira que já ultrapassa meio século anos. “Ele é daquela escola de menestréis medievais que brincavam com o paradoxo e o absurdo”, acrescenta Fo.
Fo, hoje com 86 anos, é mais conhecido por sua peça Morte Acidental de um Anarquista, inspirada pela morte de um homem sob custódia da polícia, em 1969, e tem sido há muito um herói da esquerda na Itália. Apoiou Grillo publicamente, este ano, co-escrevendo um livro sobre o movimento político do jovem comediante e dando-lhe um endosso eloquente durante um comício para centenas de milhares de pessoas na Praça Duomo, em Milão, dias antes da eleição. Em resposta, Grillo, de 64, sugeriu que Fo fosse escolhido novo presidente da Itália, uma proposta que o dramaturgo recusou.
O apoio de alto nível contribuiu para uma campanha que cresceu de modo surpreendente. Como resultado dos 8,7 milhões de votos que Grillo recebeu, seu movimento é, isoladamente (sem considerar coligações) o maior partido na câmara de deputados, o que dá a seu líder enorme influência na escolha do novo primeiro-ministro
Grillo construiu uma vasta rede de seguidores por meio do seu blog, onde denunciou as políticas de corte de direitos sociais e serviços públicos adotadas pelo último primeiro-ministro, Mario Monti, e apelidou o ex-presidente Silvio Berlusconi de “vendedor de saliva” e de “anão psicótico”. Mas seu avanço decisivo antes das eleições aconteceu quando os profissionais de classe média começaram a vê-lo como a melhor forma de expressar seu afastamento em relação a uma classe política que auto-perpetua.
Os analistas políticos têm multiplicado pontos de vista sobre os novos paradigmas políticos na Itália desde então. Os jornalistas assediam Grillo sobre o que ele fará após as eleições. Sua única resposta até agora foi recusar uma oferta do Partido Democrata (de centro-esquerda) para trabalharem juntos no parlamento, usando a expressividade do idioma italiano para o líder do partido Pier Luigi Bersani como um “cara de bunda” [facce da culo].
Fo diz que a chave para entender Grillo não está na Itália do século XXI, mas na do XIII, quando os menestréis – giullari, em italiano – percorriam a Itália, entretendo multidões nas piazzas, com histórias antigas e libidinosas combinadas com ataques satíricos a poderosos locais. “Em inglês, a palavra equivalente é juggler (malabarista), mas na Itália, eles fazem malabares com palavras, ironia e sarcasmo,” diz Fo, que assistiu aos shows de Grillo por anos.
O sucesso de Grillo mistura comédias do cotidiano com referências a escândalos políticos nas cidades onde ele se apresenta, em uma relação direta de seus antecessores medievais. “Ele é de uma tradição de contadores de história sábios, que sabem como usar a fantasia surreal, conseguem reverter situações, têm a palavra certa para o momento certo, são capazes de comover as pessoas quando falam, mesmo na chuva e na neve” explica Fo.
Num comíncio pré-eleição em Viterbo (Lazio, centro da Itália), em meio a uma tempestade, Grillo gritou: “Abaixem seus guardachuvas, eu quero olhá-los no rosto”. A multidão atendeu. Até os fóruns de internet onde os seguidores de Grillo debatem políticas têm raízes na Idade Média, argumenta Fo. “Nós tínhamos conselhos municipais extremamente democráticos na Itália medieval, que sabia o valor do trabalho compartilhado. De vez em quando, ao longo dos séculos, este espírito retorna”, diz ele.
Grillo concentrou seu foco na web depois de expulso da TV estatal italiana nos anos 80, após fazer piada de políticos corruptos do Partido Socialista Italiano, alguns anos antes de muitos deles serem enquadrados pela Operação Mãos Limpas [que investigou e levou à prisão dezenas de políticos e juízes].
Seu banimento da TV é parte, também, de uma tradição persistente, diz Fo. “Nada mudou desde que o Imperador Frederico II emitiu, no século XIII, um decreto contra guillari que criticavam o poder.”
O próprio Fo foi expulso da TV estatal em 1951, depois de adaptar contos bíblicos como sátira política. O episódio abriu uma série de desavenças de seu grupo de teatro radical com a direita, os comunistas italianos, e o Vaticano. Em 2004, foi processado por um aliado de Berlusconi, depois de estrelar uma sátira que zombava da baixa estatura do Cavaliere. “Toda vez que você toca nos que têm poder sobre a mídia, tentam te calar”, diz ele.
Quando jovem, em Milão, durante a II Guerra, Fo ajudou seu pai – um participante da resistência ao fascismo – a conduzir prisioneiros de guerra britânicos que tinham escapado, para a Suíca. Estas memórias reemergiram quando foi convidado ao palco por Grillo, no comício de Milão. “O fim da guerra foi a última vez em que vi essa praça cheia de tanta alegria, com as pessoas mudando sua forma de pensar política”, diz.
Fo traça um paralelo entre o Movimento Cinco Estrelas de Grillo, que atacou a classe política italiana, e os ativistas com quem trabalhou no final dos anos 1960. “Nessa época, as pessoas também estavam dando-se conta da importância da cultura e das escolas. Uma geração de músicos italianos deu voz a isso.” A diferença é que esses artistas nunca influíram nas correlação de forças políticas na Itália – ao contrário de Grillo, com os 162 deputados e senadores ligados a seu movimento que agora estão no parlamento.
Após o triunfo na eleição, Grillo enfrenta desafios da política real. O primeiro surgiu na última semana, quando milhares de apoiadores incitaram-no a formar um governo funcional com o líder da centro-esquerda, Bersani, que precisava de seu apoio no Senado para alcançar a maioria.
“Não é fácil, o partido Democrático tratou Grillo com desrespeito, chamou-o de fascista e de palhaço, mas agora estão oferecendo-lhe a mão”, diz Fo, que encorajou ativamente Grillo a negociar. Como resultado, deu-se algo incomum: um dramaturgo e um comediante ocuparam as manchetes políticas da Itália, no início do mês.
Na Sicilia, onde o Partido Democrático dirige o legislativo regional, mas o movimento de Grillo é o maior partido, os dois formaram uma aliança cautelosa. “Este é o modelo, está funcionando,” pensa Fo. A real armadilha para Grillo, alerta o dramaturgo, é ser seduzido por elogios. Voltando-se novamente à história, ele cita Cola Di Rienzo. Filho carismático de um dono de taverna no século XIV, ele seduziu os romanos com sua oratória e se tornou o líder da cidade. Ampliou seus horizontes e expulsou as famílias nobres corruptas, para ver, logo em seguida, se esvaziar-se e ser assassinado por uma multidão, quando tentava fugir da cidade disfarçado. “Tenho visto a imprensa bajulando Grillo, e ele deve ser muito cuidadoso para não cair na adulação, que é uma arapuca de mel.”
Após o início de uma nova legislatura parlamentar na Itália, em 15 de março, é provável que o presidente Giorgio Napolinano convide o líder de centro-esquerda, Pier Luigi Bersani – que tem maioria apenas na câmara de deputados – para formar um governo capaz de obter um voto de confiança. Tudo tem que estar acertado até 15 de abril, quando o parlamento deve eleger um novo presidente.
Os cenários mais prováveis são:
> Que Bersani consiga de Grillo apoio a um governo de centro-esquerda com um programa estritamente limitado, incluindo uma lei anti-corrupão. No momento, Grillo está recusando dar este voto de confiança.
> Que o Partido Democrático forme uma aliança com Berlusconi – algo improvável, pois a centro-esquerda já descartou esta possibilidade.
> Que se forme um novo governo “técnico”, encarregado de reformar a imensa confusão eleitoral da Itália, responder aos problemas mais urgentes e preparar novas eleições em junho.
Tradução: Gabriela Leite
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