“Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”.
Foi a frase que ficou na minha cabeça ao
longo do dia.
Fiquei pensando sobre como é estar do lado
detrás da câmera registrando um desastre desse.
Como registrar e comunicar o acontecimento e
a situação sem chover no molhado e sem explorar a condição delicada dessas
pessoas? Muitas vezes tive vergonha de mim por estar ali numa situação de
privilégio, preocupado em pegar bons takes e entrevistas,
enquanto as pessoas acabaram de perder sua moradia, seus pertences e seus entes
queridos.
Por um momento tive a impressão de ser o
único ali incomodado com esse comportamento carniceiro da mídia. Quer dizer,
único não, havia um grupo de crianças revoltadas gritando para não serem
filmadas ou fotografadas. Ainda assim, a mídia fez (e está fazendo) seu papel:
espreme a ferida para o sangue jorrar.
Isso sem contar com as especulações e boatos
sobre a causa do incêndio. Histórias confusas e até com requintes de crueldade.
Cheguei a ouvir que um casal brigando ateou fogo num bebê de 5 meses e o
incêndio começou (!!!).
Claro, para o senso comum, as pessoas que
moram em ocupações são maníacos selvagens capazes dos atos mais terríveis.
E a história do aluguel… Realmente, aquelas
pessoas pagavam para uma galera, que se dizia do movimento e que na hora do
desastre evaporou, ninguém sabe onde está. E mais uma vez, depois de tudo,
quem leva a culpa é o pobre. Já que essa história do aluguel vai ser mais um
argumento para criminalizar os movimentos sociais e combater as ocupações.
Conversei com uma repórter que pediu para não
aparecer no vídeo. Quando perguntei para ela “Será que a corda não vai estourar
novamente para o lado mais fraco”, ela me respondeu com a pergunta “Você
trabalha para quem?”
Quando questionei um jornalista que filmava,
sem autorização e de forma bastante invasiva algumas crianças dormindo, ele se
escondeu atrás da câmera e focou em mim, como se o equipamento de filmagem fosse
ao mesmo tempo um escudo e uma arma que o tornasse invencível contra qualquer
lei ou ética.
O cenário é bastante desolador e triste. Na
volta para casa, passei pelo show da CUT (Central Única dos Trabalhadores), e
não entendi como era possível haver aquilo ali, enquanto a poucos metros
trabalhadores e trabalhadoras estavam sem ter onde dormir ou queimavam debaixo
dos escombros.
Em entrevista, uma das sobreviventes disse
chorando: “…Mas a vida continua“.
Voltei pensando: “Continua, mas nunca será
como antes”.
> Assista o vídeo (06:42) aqui:
agência de notícias anarquistas-ana
que flor é esta,
que perfuma assim
toda a floresta?
que perfuma assim
toda a floresta?
Carlos Seabra
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