Desde a criação do Estado hebreu, palestinos são expulsos de suas casas,
presos, torturados, mortos e submetidos a violência econômica grosseira. É a
“nakba”. Poderia ser a “solução final” de Hitler
Em
14 de maio de 1948, setenta anos atrás, Israel lançou sua “declaração de
independência”. Desde então, todo dia 15 de maio tem sido o Dia Nakba
quando os palestinos marcam a limpeza étnica sofria por seu povo depois da
criação de Israel. [Nakba é uma palavra árabe que significa “desastre”
ou “catástrofe”, termo similar a shoá em hebraico, que os judeus
utilizam para designar o massacre nazista – nota OP]. Este Dia Nakba foi
marcado pela Grande Marcha de Retorno, uma grande mobilização em massa até a
cerca que Israel ergueu para separar Gaza e Israel, para manifestar seu desejo
de passar pela barreira. Até o momento, Israel já matou pelo menos 52
manifestantes palestinos, no que a Anistia Internacional chamou de “uma
violação repugnante da lei internacional”, envolvendo “o que parecem ser
assassinatos intencionais, que constituem crimes de guerra”.
Como
outros estados coloniais, Israel pretende asfixiar a vida social das populações
dos territórios ocupados que procura dominar. Esse imperativo é particularmente
urgente no caso de Israel, onde as populações judias e não-judias são de
tamanho equivalente e a terra em questão é relativamente pequena. A negação
discriminatória de direitos estende-se aos palestinos em outros países -são
cidadãos de segunda classe em Israel, sob ocupação, na diáspora ou em campos de
refugiados. Todos são impedidos de retornar às suas casas através do uso da
violência e com a ajuda decisiva dos EUA.
A
mensagem inconfundível para os palestinos de todas as gerações, desde antes da Nakba
até a Grande Marcha de Retorno, é que a menor resistência ao etnoestado
erigido em sua terra natal será combatido com prisões e mortes.
Anatomia
da repressão
A
violência israelense permeia todos os aspectos da vida dos palestinos, com
estratégias de controle que assumiram uma variedade de formas ao longo do
tempo. Para criar o Estado em 1948, as forças sionistas expulsaram 750.000
palestinos de suas casas. No processo, realizaram cerca de dez massacres em
grande escala, cada um com pelo menos cinquenta vítimas, juntamente com cerca
de cem massacres menores. As forças dos paramilitares israelenses mataram
palestinos em quase todas as suas aldeias, despejando repetidamente os corpos
das vítimas em covas, antes da oficialização do Estado de Israel. Em várias
ocasiões, milícias sionistas mataram crianças e estupraram mulheres palestinas.
Atrocidades
semelhantes continuaram nos primeiros anos do Estado de Israel. Em 1953, as
forças israelenses massacraram 69 aldeões palestinos em Qibya, depois de
alegarem “infiltração” do território israelense por refugiados palestinos.
Durante o conflito de Suez, três anos depois, eles mataram 48 trabalhadores
palestinos em Kafr Kassim; 275 civis palestinos em Khan Yunis e num campo de
refugiados próximo; em seguida, mais 111 palestinos no campo de refugiados de
Rafah.
Depois
de 1967, com o estado de Israel consolidado, o governo começou a perseguir o
que Tariq Dana e Ali Jarbawi chamam de “sonho de uma ‘Grande Israel’ com o
máximo de terra e o mínimo de árabes”. Mais de 350.000 palestinos foram
expulsos de suas casas, enquanto Israel ocupava a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém
Oriental (assim como as Colinas de Golan da Síria e o Sinai do Egito). Quase
600.000 colonos adentraram ilegalmente nos territórios ocupados com o apoio do
Estado. E os massacres de palestinos em Israel continuaram desde então: no
verão de 2014, Israel matou 2.251 palestinos – incluindo 1.462 civis e 556
crianças – durante a fúria assassina chamada Operação Margem Protetora.
Como observou o estudioso canadense Nahla Abdo, a violência dos palestinos deve
ser vista no contexto dessa “relação assimétrica” entre os dois lados.
Enquanto
isso, aos palestinos nos territórios ocupados é sistematicamente negado o
devido a processo legal: mantidos sem julgamento em detenções administrativas
ou submetidos a processos militares e rotineiramente torturados. Tal tratamento
estende-se às crianças palestinas, sujeitas a práticas que, nas palavras da
UNICEF, “resultam em tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante, de
acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção contra a
Tortura”, incluindo ameaças de “morte, violência física, confinamento solitário
e agressão sexual, contra si mesmos ou um membro da família”. Atualmente,
existem mais de 6.000 presos políticos palestinos em prisões israelenses.
Quando
os palestinos não estão sendo algemados, torturados, bombardeados ou abatidos,
eles vivem sob a ameaça contínua de tais ações. Depois da guerra de 1967,
Israel estabeleceu um regime para examinar tudo, desde oficinas palestinas que
fabricam móveis, sabão, tecidos, produtos de azeitonas e doces, até listar
quantos televisores, refrigeradores, fogões a gás, pomares, animais e tratores
os palestinos possuem, muitas vezes censurando livros, romances, filmes,
jornais e panfletos políticos.
Expropriação
econômica
A
violência econômica – a expropriação da riqueza palestina e a destruição da
capacidade dos palestinos de se sustentarem – marcou o tratamento de Israel aos
palestinos desde o início do Estado israelense. Nos anos imediatamente
posteriores a 1948, Israel adotou políticas destinadas a confiscar e controlar
a terra palestina, destacadamente com a Lei da Propriedade Desocupada de 1950,
pela qual Israel garantiu para si 90% da terra, designando como “desocupada”
toda terra que os palestinos tivessem sido obrigados a abandoar devido
repartição conduzida pelas Nações Unidas em 1947.
Os
assentamentos israelenses são construídos em áreas ricas em recursos,
projetados para explorar a água palestina e a terra arável – uma política que
aumenta os recursos de Israel e priva os palestinos de desenvolvimento
econômico. Após a ocupação de 1967, Israel construiu um regime econômico
destinado a incorporar a economia palestina à economia de Israel, tornando seu
governo colonial um empreendimento barato e, ao mesmo tempo, frustrando o
desenvolvimento econômico palestino. Entre as medidas adotadas estavam o
fechamento de instituições financeiras e monetárias árabes, a imposição da
moeda israelense, a proibição de exportações e importações, exceto através de
fronteiras controladas por Israel, a imposição de altos impostos (alfândega,
imposto de renda, IVA), quase nenhum investimento em infraestrutura nas áreas
palestinas, licenciamento restrito para atividades industriais e controle sobre
comunicações, recursos de eletricidade, água e recursos naturais. As políticas
israelenses transformaram o mercado palestino num mercado cativo, que se tornou
um conveniente lixão para produtos industriais israelenses de má
qualidade que não podiam competir com os fabricantes dos países
industrializados da Europa e EUA. Isso não só trouxe grande lucro para a
economia israelense, mas igualmente formou uma nova classe de capitalistas
israelenses, cujas principais atividades industriais foram projetadas para os territórios
ocupados.
Assim,
as políticas israelenses provocaram uma deterioração da base econômica
palestina e criaram uma dependência estrutural à economia de Israel, na medida
em que o Estado ocupante controla os principais pontos nodais da atividade econômica,
como fronteiras, terras, recursos naturais, comércio, movimentação de
mão-de-obra, gestão fiscal e zoneamento industrial. Por mais de uma década,
além disso, um brutal cerco militar combinado entre EUA e Israel e o Egito
dizimou Gaza, a ponto de em breve a região ser inabitável. Militares e colonos
de Israel arrancaram centenas de milhares de oliveiras palestinas na
Cisjordânia e na Faixa de Gaza e nos primeiros anos do milênio o exército
israelense arrasou quatro milhões de metros quadrados de terra cultivada.
A
Grande Marcha do Retorno
Desde
o início da Grande Marcha do Retorno, em 30 de março, Israel matou dezenas de
palestinos e feriu quase 4.000. Nenhum israelenses foi morto ou ferido. O poder
da Marcha é que ela chama a atenção para a ilegitimidade de manter
artificialmente uma maioria demográfica judaica na Palestina histórica.
Enquanto massas de palestinos aproximam-se da cerca entre Gaza e Israel, os
manifestantes personificam a “ameaça” de palestinos retornando a seus lares e
vivendo em uma Palestina-Israel que não pode ter como premissa manter os
palestinos fora e perpetuamente apátridas -como refugiados ou como uma minoria
oprimida dentro de Israel.
Os
manifestantes estão, em suma, tentando afirmar, pelo menos temporária e
simbolicamente, seu direito à sua terra, identidade, nacionalidade, liberdade
-o que as negociações com Israel e seu patrono norte-americano não produziram
até hoje.
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