O Brasil no pêndulo das elites: entre liberalismo submisso e desenvolvimentismo autoritário.
Várias leituras da história brasileira no último século,
algumas delas já canônicas entre nós, adequadamente contextualizadas em termos
da inseparabilidade dos grandes embates políticos de seus respectivos contextos
culturais e intelectuais, apontam para um antagonismo clássico, que vive a nos
assombrar de tempos em tempos: de um lado um suposto liberalismo cosmopolita,
democrático e sustentado na pregação das liberdades individuais e de mercado;
de outro certo estatismo nacionalista de tons positivistas, desenvolvimentista
e voltado para os problemas da “organização nacional”. Em sua busca conjunta
pela superação do “atraso” na luta prometeica por um “Brasil moderno”, ambos
denunciam-se mutuamente como inimigos mortais: de um lado o anti-nacionalismo
submisso, dependente, elitista e inautêntico; de outro o dirigismo populista,
burocrático, corrupto e autoritário.
Ainda que seja absolutamente questionável a pureza desses
“tipos-ideias” quando se fala de gestão do capitalismo aqui ou alhures, ler a
disputa entre tais “projetos” a partir de seus supostos antagonismos pode até
ser útil do ponto de vista taxonômico. Compreender a história política do país
no último século a partir desta chave interpretativa, no entanto, é o mesmo que
tornar-se refém de uma meia verdade, simplória e simplificadora em sua
incompletude. É que, dessa forma enquadrada, tal contraposição esconde as
flagrantes homologias entre tais (o)posições por meio das quais um acordo
tácito fica nebulosamente encoberto: a manutenção das graves e intocadas
estruturas de poder, controle e propriedade social no Brasil. Talvez seja mais
adequado, alternativamente, caracterizar nossa história política como um
pêndulo: um movimento previsível que varia entre centralização e
descentralização, liberalismo e estatismo, nacionalismo e cosmopolitismo,
sustentado por um mesmo eixo de tensão: nossa condição dependente em termos da
divisão internacional do trabalho e escandalosamente desigual em termos de
configuração interna.
Os pontos de encontro a sustentar o eixo desse pêndulo das
elites são muitos: estadocentrismo político, elitismo e ideologia anti-popular
(seja pelo porrete, seja pela “assistência”, as massas são vistas como
submissas, perigosas ou incapazes), o racismo (implícito e/ou explícito), a
crença na força do “império da lei” como via para o controle social e
manutenção da estrutura de desigualdades, de onde emana o compartilhamento de
certo autoritarismo judicial e, por fim, a crença na tecnocracia meritocrática
como saída para o “atraso” por ambos diagnosticado: a leitura, em suma, do país
primitivo, do Estado sem sociedade, do capitalismo sem iniciativa, da revolução
sem proletariado.
Contemporaneamente, em especial a partir da Nova República,
mas com raízes mais profundas, o apego a um conceito vazio de democracia,
bonito no papel e pavorosamente violento na prática, reificado na estabilidade
institucional e macroeconômica (rentista e patrimonial) como remédio para todos
os males de que padecemos, consubstancia-se num pacto nada silencioso dessas
mesmas elites, que a cada quatro anos, no entanto, voltam a encenar para o
grande público o grande espetáculo de seus viscerais desafetos.
É evidente, e sobretudo quando o gotejar desse copo cheio
ameaça transbordar, que o povo em movimento e resistência joga papel
fundamental nas tensões, arranjos e rearranjos de poder antes como hoje. Mais
do que desconhecimento desse fator, o que há de parte de nossas elites
dirigentes é um medo inconfesso da raiva justa, encaminhado de forma cínica e
brutal. Tudo somado, há entre Geisel e Dilma, Getúlio e Lula, JK e FHC, Beto
Richa e Paulo Garcia menos diferenças do que se supõe: ruidosas na superfície,
talvez, mas quase imperceptíveis em suas profundezas. Eis algumas das origens
do mal-estar atual: já é passada a hora de desestabilizarmos de vez a “máquina”
pendular do poder no Brasil.
***
Edemilson Paraná é jornalista, mestre e doutorando em
Sociologia pela Universidade de Brasília.
Fonte: http://blogdaboitempo.com.br/2015/05/20/o-brasil-no-pendulo-das-elites-entre-liberalismo-submisso-e-desenvolvimentismo-autoritario/
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