"Assim se prova que os índios e negros são inferiores"
Emir Sader seleciona mais uma coletânea de textos de Eduardo Galeano para os leitores da Carta Maior. Nesta seleção, Galeano escreve sobre como os conquistadores europeus e seus pensadores, dos séculos XVI e XVII, pretendiam "provar a inferioridade" de negros e índios nas terras "descobertas". Montesquieu, por exemplo, escreveu sobre os negros: "É impensável que Deus, que é sábio, tenha posto uma alma, sobretudo uma alma boa, num corpo negro".
Eduardo Galeano
Data: 25/05/2009
Assim se prova que os índios são inferiores (segundo os conquistadores dos séculos XVI e XVII)
Suicidam-se os índios das ilhas do Mar Caribe?
Por que são vadios e não querem trabalhar.
Andam desnudos, como se o corpo todo fosse cara?
Porque os selvagens não tem pudor
Ignoram o direito de propriedade, tudo compartiham e não tem ambição de riqueza?
Porque são mais parentes do maçado do que do homem.
Banham-se com suspeitosa freqüência?
Porque se parecem aos hereges da seita de Maomé, que com justiça ardem nas fogueiras da Inquisição.
Acreditam nos sonhos e lhes obedecem as vozes?
Por influencia de Satã ou por crassa ignorância.
É livre o homossexualismo? A virgindade não tem importância alguma?
Porque são promíscuos e vivem na ante-sala do inferno.
Jamais batem nas crianças e as deixam viver livremente?
Porque são incapazes de castigar e de ensinar.
Comem quando têm fome e não quando é hora de comer?
Porque são incapazes de dominar seus instintos.
Adoram a natureza, considerando-a mãe e acreditam que ela é sagrada?
Porque são incapazes de ter religião e só podem professar a idolatria.
ASSIM SE PROVA QUE OS NEGROS SÃO INFERIORES
(Segundo os pensadores dos séculos XVIII e XIX)
Barão de Montesquieu, pai da democracia moderna:
É impensável que Deus, que é sábio, tenha posto uma alma, sobretudo uma alma boa, num corpo negro.
Karl Von Linneo, classificador de plantas e animais:
O negro é vagabundo, preguiçoso e inteligente, indolente e de costumes dissolutos.
David Hume, entendido em entendimento humano:
O negro pode desenvolver certas habilidades próprias das pessoas, assim como o papagaio consegue articular certas palavras.
Etienne Serres, sábio em anatomia:
Os negros estão condenados ao primitivismo porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis.
Francis Galton, pai da eugenia, método cientifico para impedir a propagação dos ineptos:
Assim como um crocodilo jamais poderá chegar a ser uma gazela, um negro jamais poderá chegar a ser um membro da classe média.
Louis Agassiz, eminente zoólogo:
O cérebro de um negro adulto equivale ao de um feto branco de sete meses: o desenvolvimento do cérebro é bloqueado porque o crânio do negro se fecha muito antes do que o crânio do branco.
terça-feira, 26 de maio de 2009
sexta-feira, 22 de maio de 2009
“Uma verdadeira consciência ecológica enfrenta radicalmente o discurso da propriedade privada” - ANA
“Uma verdadeira consciência ecológica enfrenta radicalmente o discurso da propriedade privada”
[Luis Sabini é jornalista, editor da Revista Futuros e coordenador de Ecologia na disciplina de Direitos Humanos da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina. Confira a seguir a entrevista que ele concedeu à ANA.]
Agência de Notícias Anarquistas > Como surgiu seu interesse por questões ambientais, natureza...
Luis Sabini < Tenho a impressão que desde muito pequeno, ligado com certo respeito e espanto pela natureza. De pequeno “trabalhei” em casa empacotando talheres de plástico. Causava-me má impressão terminar minhas curtas jornadas com as mãos “coloridas” dos talheres. Parecia-me insensato colocar na boca semelhantes utensílios. Logo, nos anos 60, uma série de artigos sobre doenças “industriais”, o aquecimento global e o derretimento das calotas polares, publicados no semanário Marcha, de Montevidéu (1939-1974), me pus definitivamente no campo ecológico.
ANA > Você também fez parte da Comunidad del Sur no Uruguai, foi preso político, viveu no exílio...
Luis < Falar desses “pequenos capítulos” de minha vida... daria um livro... A Comunidade Del Sur foi um “invento” que abracei em minha juventude, com nenhuma experiência e muita garra. Pouco a pouco fui aprendendo que era praticamente o oposto do que se devia praticar. Como já havia visto que se passava em relação ao catolicismo e ao comunismo, que as ideologias declaravam uma coisa e que na realidade faziam exatamente o contrário.
A Comunidade Del Sur era uma experiência política verticalista que declarava ser horizontalista, foi se convertendo em uma empresa com êxito, que afirmava ser anticapitalista, defendia publicamente a liberdade e vivíamos uma vida cotidiana absolutamente regida por “deveres”. Por isso, a quantidade de pessoas que se interessaram por essa experiência foram centenas, mas a permanência no grupo sempre se reduziu a poucas dezenas, e no momento mais “intenso” apenas dez, ou cinco, fazendo algumas distinções.
Foi um patético engano. Não no sentido vulgar ou jurídico, mas no seu sentido filosófico. Por isso, se chegou a delírios como “a construção do novo homem”, que em geral não se conhece porque o alcance da Comunidade Del Sur tem sido pequeno. Salvo dentro da “família anarquista” onde se há feito muito pouco, mas existe um culto a ela.
ANA > E a revista “Futuros”, como nasce?
Luis < “Futuros” nasceu como uma necessidade minha. Nos anos 90 tive a alegria de ter uma coluna em uma pequena revista, mas com importante valor histórico “Cadernos de Marcha” (“filha” de Marcha, mais precisamente). Ainda que a coluna não fosse assim tão “livre” como eu esperava, era a forma que eu tinha de “ajustar as contas” com muitas questões políticas e ecológicas tão mal argumentadas, segundo o meu modo de ver, claro.
Mas o Cadernos fechou abruptamente depois de um trágico acidente automobilístico, que terminou com a vida da diretora de produção e do diretor editorial (filha e neto do fundador de “Marcha”, Carlos Quijano).
Voltei a estar “bloqueado”, ou melhor dizendo, o tempo de jornalista free-lance, de ter artigos quando são aceitos... Isso fez com que eu me decidisse a “fazer” uma revista.
ANA > A revista aborda temas e lutas ambientais, certo?
Luis < Em “Futuros” tratamos de questões que consideramos importantes e que não figuram nas agendas midiáticas, ou, quando sim, estão com idéias enviesadas, graças aos capitalistas de plantão. Falamos de questões como o problema alimentar do mundo, das comidas “sujas”, da invasão de aditivos químicos no cotidiano, ou de outra invasão que sofremos na última década, de alimentos transgênicos, que nos obrigam consumir sem nem ao menos sabermos se são ou não organismos geneticamente modificados.
Claro que não nos atemos somente a esta questão; também ao aquecimento global, as assimétricas relações entre o centro e a periferia, e a fé incondicional no Tecnocientífico...
Mas também abordamos questões diretamente ecológicas, ainda que ligadas a outras questões como o destino das populações aborígenes, tanto na América como na África, a questão Palestina etc.
Relacionando todos esses assuntos: agrotóxicos, transgênicos, o avanço do capitalismo, da monocultura na atividade rural, temos textos muito interessantes com a contribuição de Rui Namorado Rosa, Mohamed Habib e Expresso Zica.
ANA > É possível ser ecologista sem ser anticapitalista?
Luis < Não. Definitivamente, não. Uma verdadeira consciência ecológica enfrenta radicalmente o discurso da propriedade privada e, sobretudo, o do lucro.
ANA > Uma vez o pensador Cornelius Castoriadis disse que a ecologia é subversiva, pois ela é intrinsecamente contra o capitalismo. Concorda?
Luis < Sim, estou de acordo, com a afirmação de Castoriadis. Com essa e com muitas outras de suas reflexões sobre o poder burocrático. Ainda que eu discorde muitíssimo de algumas lamentáveis visões de Castoriadis sobre a ex-União Soviética e os EUA, nos anos 80, quando eram “as duas grandes superpotências” do planeta.
ANA > Qual a sua principal crítica às ONGs ambientalistas?
Luis < A maioria, não todas, são financiadas por grupos que atuam geralmente com fundos dos ditos “primeiro mundo”, para trabalhos nos “subúrbios” do planeta. Isso cria um desequilíbrio, uma desigualdade difícil de superar. Ainda que se fale da igualdade entre todos os seres humanos, esse tipo de suporte só acentua as diferenças.
Por outro lado, o trabalho é de grupos fomentados pela iniciativa privada. Temos aí uma questão importante: combate-se sem querer o estatal e o público, que são coisas diferentes, mas que são “varridas” conjuntamente.
E a imensa maioria das ONGs ambientalistas se dedicam a encarar um único ponto, o tema que “quita” a problemática de seu verdadeiro caráter, inter-relacionado com outras questões ou temas. Fazer um trabalho ambientalista mediante métodos que desconhece o abc ecológico, as interpelações que existem não são muito boas.
ANA > No Brasil há centenas, milhares de ONGs ambientalistas, mas pouca luta ambiental efetiva, agitação de mentes e corpos. A maioria delas está voltada para a “educação ambiental”, com uma perspectiva de consumo, capitalista e financiadas com dinheiro público ou privado. Isso também se passa na Argentina, Uruguai...
Luis < Exatamente. É necessário lembrar-se de onde provém a febre de ONGs... Vem do “primeiro mundo”, quando o mundo enriquecendo se distancia mais do mundo empobrecido e o Banco Mundial e outras organizações filantrópicas decidem “ajudar” aos pobres que têm seus estados destruídos pela dívida e pelo roubo, com organizações não governamentais, é afirmar que organizações privadas que vem “finalizar” a tarefa do neoliberalismo: a destruição do público e o enaltecimento do privado.
ANA > Hoje, as grandes empresas gastam milhões de dólares por ano com publicidade nas TVs, jornais, rádios e Internet para divulgar suas “Políticas de Responsabilidade Social e Ambiental”. E normalmente adornadas com imagens de paisagens exuberantes, crianças sorrindo... Tudo uma hipocrisia?
Luis < Talvez não sejam em todos os casos, ou, ao menos, seja uma minúscula parcela de “bens intencionados”. Em alguns casos quem leva a cabo as tais “políticas de responsabilidade social” acreditam no que querem, na “ajuda” deles. Acredito que a maioria das vezes se trata de gente “boa” que não quer se corromper tanto e que aposta em “medidas corretivas”, menores, para obter a consciência limpa sem mudar radicalmente, sem perder privilégios, sem modificar a imagem do mundo que têm e onde eles são os privilegiados.
“Crises de consciência” e hipocrisia andam muito perto, a linha é tênue. Talvez a hipocrisia seja quando a consciência é a da mentira, e seja franca e forte.
ANA > E o que falar do tal “desenvolvimento sustentável”? Atualmente também não há muita farsa por trás destas palavras?
Luis < Certamente. Por trás das “ataduras” que tratava de explicar na resposta anterior. O empresário quer um desenvolvimento sustentável, mas não quer perder todas as vantagens que lhe é outorgado em sua empresa, seu “capital de giro”, sua ganância. Com isso, o “desenvolvimento sustentável” se faz mais propagandístico, mais espetacular do que qualquer outra coisa.
ANA > O curioso, e irônico, é que quem mais fala em “desenvolvimento sustentável” no Brasil, como a petroleira Petrobras e a mineradora Vale, são exatamente as empresas que mais agridem a natureza. É a mesma coisa na Argentina, não?
Luis < Claro! Isso é quase uma lei! Quem mais tem a ocultar a contaminação, por exemplo, só pode mostrar-se “preocupado” com ela. A literatura nos mostra que na História temos muitos exemplos semelhantes de comportamento. Mercantis que posam de generosos, soberbos que fingem ser humildes...
ANA > Qual é a questão ambiental mais urgente na Argentina?
Luis < A perda da biodiversidade.
ANA > E qual sua avaliação da luta ambiental na Argentina?
Luis < A luta ambiental na Argentina é pobre, pobríssima. Mas está avançando. Há que se pensar na seguinte questão: quando tivemos a “invasão” dos organismos geneticamente modificados em todo o mundo, apenas dois países tiveram sua implementação sem problemas, sem discussões, dentro dos vinte ou mais países que questionam essa questão. Os dois únicos países que nada questionaram foram a Argentina e os EUA. Com proporções pequeníssimas de resistência de pessoas, grupos, jornalistas, que estiveram contra essa abominação.
A Argentina viveu com Menem uma miragem coletiva, que fez pensar que aceitando a tudo, estariam entrando no grupo do “Primeiro Mundo”. Mas, já faz algum tempo, a luta e a consciência ecológica vem aumentando.
O povo de Esquel (Patagônia argentina) enfrentou sozinho ao governo e a uma transnacional mineradora e evitou mediante um referendo que se instalasse nas montanhas vizinhas. Isso foi histórico!
Existem muitas populações enfrentando as mineradoras, que só querem resultados máximos para suas extrações, independente do resultado negativo para os habitantes das regiões que são exploradas.
Há uma incipiente tomada de consciência contra o acúmulo do lixo. E agora, finalmente, em 2009, começamos a ver a consciências do perigo da soja “transgênica”.
ANA > O Mar Aral, que alimentava aos países da URSS agora é um deserto improdutivo, por obra da "revolução verde" do Estado soviético. África vai caminhando pelo mesmo caminho, se transformando em outro deserto, os monocultivos e os transgênicos têm devastado este continente e sua ação se aprofunda cada vez mais. Em sua opinião, por que há grande dificuldade para avançar com o tema, preservação e luta ambiental ante às contundentes evidências para, pelo menos, deter essa destruição?
Luis < Porque os interesses econômicos são muito fortes! E porque os paradigmas dominantes no plano tecnocientífico seguem o mesmo “otimismo” tecnológico e à idéia de progresso. Isso ocorre quando tanto a direita quanto a esquerda utilizam o mesmo “espectro ideológico”. Por isso é tão difícil enfrentar essa situação...
ANA > Acredita que somos testemunhas de um genocídio, suicídio ambiental por obra do capitalismo de Estado ou de mercado?
Luis < Sim. Os grandes laboratórios planetários estão espalhando muito sua influência e a guerra contra as “pragas”, os vírus, as bactérias etc., estão procurando deixar um planeta sem microflora nem microfauna. E essa situação, só tende a piorar e transformar a biodiversidade para finalmente, empobrecer toda a vida planetária. Como já foi explicado em 1974, com a invocação do Cacique Seattle, em 1855, ante os “avanços da civilização”.
ANA > Crê que este planeta pode nos sustentar com nossa atual população, cada vez mais crescente?
Luis < Creio que a humanidade tem perdido em ritmo biológico de crescimento vegetativo. O problema é que alguns querem limitar a população de pobres, outros afirmam que a culpa é do “crescimento demográfico”, quando da verdade o problema maior é a exploração dos países periféricos, o que da natureza, o esgotamento dos recursos naturais pela condição capitalista e a comodidade dos consumidores ricos, a contaminação generalizada...
ANA > Você se identifica com o “decrescimento”?
Luis < Parece-me sensato adotar alguma forma de "decrescimento" ao menos de "crescimento zero", estratégia estacionária contra o impulso tecnológico que nos leva, me parece, a um abismo planetário.
ANA > Efetivamente o tema ambiental conseguiu certo grau de penetração no anarquismo?
Luis < Sim. O anarquismo tem boas condições ideológicas para incorporar o tema ambiental, pela questão de defesa do “natural”, que por certo não existe entre todos os seres humanos, mas mesmo assim, acredito eu, que todos, pelo menos, deveriam tentar aprender a respeitar.
ANA > Uma mensagem final, esperançadora para os leitores? Obrigado!
Luis < Acreditar na vida, aprender que todo o planeta é nosso único barco, e que temos por isso que sermos próximos uns aos outros. Temos que ajudar em todas as vertentes de luta: acabar com o racismo, o chauvinismo e os sentimentos de superioridade que o europocentrismo configurou por mais de meio milênio, como também tantas outras “civilizações” também igualmente racistas como os romanos, os astecas e tantos outros.
O futuro não existe, nada sabemos, mas podemos ter certeza de que o resultado dele depende cada vez mais de nós aqui, agora.
www.revistafuturos.org
Tradução > Palomilla Negra
agência de notícias anarquistas-ana
probleminhas terrenos:
quem vive mais
morre menos?
Millôr Fernandes
[Luis Sabini é jornalista, editor da Revista Futuros e coordenador de Ecologia na disciplina de Direitos Humanos da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina. Confira a seguir a entrevista que ele concedeu à ANA.]
Agência de Notícias Anarquistas > Como surgiu seu interesse por questões ambientais, natureza...
Luis Sabini < Tenho a impressão que desde muito pequeno, ligado com certo respeito e espanto pela natureza. De pequeno “trabalhei” em casa empacotando talheres de plástico. Causava-me má impressão terminar minhas curtas jornadas com as mãos “coloridas” dos talheres. Parecia-me insensato colocar na boca semelhantes utensílios. Logo, nos anos 60, uma série de artigos sobre doenças “industriais”, o aquecimento global e o derretimento das calotas polares, publicados no semanário Marcha, de Montevidéu (1939-1974), me pus definitivamente no campo ecológico.
ANA > Você também fez parte da Comunidad del Sur no Uruguai, foi preso político, viveu no exílio...
Luis < Falar desses “pequenos capítulos” de minha vida... daria um livro... A Comunidade Del Sur foi um “invento” que abracei em minha juventude, com nenhuma experiência e muita garra. Pouco a pouco fui aprendendo que era praticamente o oposto do que se devia praticar. Como já havia visto que se passava em relação ao catolicismo e ao comunismo, que as ideologias declaravam uma coisa e que na realidade faziam exatamente o contrário.
A Comunidade Del Sur era uma experiência política verticalista que declarava ser horizontalista, foi se convertendo em uma empresa com êxito, que afirmava ser anticapitalista, defendia publicamente a liberdade e vivíamos uma vida cotidiana absolutamente regida por “deveres”. Por isso, a quantidade de pessoas que se interessaram por essa experiência foram centenas, mas a permanência no grupo sempre se reduziu a poucas dezenas, e no momento mais “intenso” apenas dez, ou cinco, fazendo algumas distinções.
Foi um patético engano. Não no sentido vulgar ou jurídico, mas no seu sentido filosófico. Por isso, se chegou a delírios como “a construção do novo homem”, que em geral não se conhece porque o alcance da Comunidade Del Sur tem sido pequeno. Salvo dentro da “família anarquista” onde se há feito muito pouco, mas existe um culto a ela.
ANA > E a revista “Futuros”, como nasce?
Luis < “Futuros” nasceu como uma necessidade minha. Nos anos 90 tive a alegria de ter uma coluna em uma pequena revista, mas com importante valor histórico “Cadernos de Marcha” (“filha” de Marcha, mais precisamente). Ainda que a coluna não fosse assim tão “livre” como eu esperava, era a forma que eu tinha de “ajustar as contas” com muitas questões políticas e ecológicas tão mal argumentadas, segundo o meu modo de ver, claro.
Mas o Cadernos fechou abruptamente depois de um trágico acidente automobilístico, que terminou com a vida da diretora de produção e do diretor editorial (filha e neto do fundador de “Marcha”, Carlos Quijano).
Voltei a estar “bloqueado”, ou melhor dizendo, o tempo de jornalista free-lance, de ter artigos quando são aceitos... Isso fez com que eu me decidisse a “fazer” uma revista.
ANA > A revista aborda temas e lutas ambientais, certo?
Luis < Em “Futuros” tratamos de questões que consideramos importantes e que não figuram nas agendas midiáticas, ou, quando sim, estão com idéias enviesadas, graças aos capitalistas de plantão. Falamos de questões como o problema alimentar do mundo, das comidas “sujas”, da invasão de aditivos químicos no cotidiano, ou de outra invasão que sofremos na última década, de alimentos transgênicos, que nos obrigam consumir sem nem ao menos sabermos se são ou não organismos geneticamente modificados.
Claro que não nos atemos somente a esta questão; também ao aquecimento global, as assimétricas relações entre o centro e a periferia, e a fé incondicional no Tecnocientífico...
Mas também abordamos questões diretamente ecológicas, ainda que ligadas a outras questões como o destino das populações aborígenes, tanto na América como na África, a questão Palestina etc.
Relacionando todos esses assuntos: agrotóxicos, transgênicos, o avanço do capitalismo, da monocultura na atividade rural, temos textos muito interessantes com a contribuição de Rui Namorado Rosa, Mohamed Habib e Expresso Zica.
ANA > É possível ser ecologista sem ser anticapitalista?
Luis < Não. Definitivamente, não. Uma verdadeira consciência ecológica enfrenta radicalmente o discurso da propriedade privada e, sobretudo, o do lucro.
ANA > Uma vez o pensador Cornelius Castoriadis disse que a ecologia é subversiva, pois ela é intrinsecamente contra o capitalismo. Concorda?
Luis < Sim, estou de acordo, com a afirmação de Castoriadis. Com essa e com muitas outras de suas reflexões sobre o poder burocrático. Ainda que eu discorde muitíssimo de algumas lamentáveis visões de Castoriadis sobre a ex-União Soviética e os EUA, nos anos 80, quando eram “as duas grandes superpotências” do planeta.
ANA > Qual a sua principal crítica às ONGs ambientalistas?
Luis < A maioria, não todas, são financiadas por grupos que atuam geralmente com fundos dos ditos “primeiro mundo”, para trabalhos nos “subúrbios” do planeta. Isso cria um desequilíbrio, uma desigualdade difícil de superar. Ainda que se fale da igualdade entre todos os seres humanos, esse tipo de suporte só acentua as diferenças.
Por outro lado, o trabalho é de grupos fomentados pela iniciativa privada. Temos aí uma questão importante: combate-se sem querer o estatal e o público, que são coisas diferentes, mas que são “varridas” conjuntamente.
E a imensa maioria das ONGs ambientalistas se dedicam a encarar um único ponto, o tema que “quita” a problemática de seu verdadeiro caráter, inter-relacionado com outras questões ou temas. Fazer um trabalho ambientalista mediante métodos que desconhece o abc ecológico, as interpelações que existem não são muito boas.
ANA > No Brasil há centenas, milhares de ONGs ambientalistas, mas pouca luta ambiental efetiva, agitação de mentes e corpos. A maioria delas está voltada para a “educação ambiental”, com uma perspectiva de consumo, capitalista e financiadas com dinheiro público ou privado. Isso também se passa na Argentina, Uruguai...
Luis < Exatamente. É necessário lembrar-se de onde provém a febre de ONGs... Vem do “primeiro mundo”, quando o mundo enriquecendo se distancia mais do mundo empobrecido e o Banco Mundial e outras organizações filantrópicas decidem “ajudar” aos pobres que têm seus estados destruídos pela dívida e pelo roubo, com organizações não governamentais, é afirmar que organizações privadas que vem “finalizar” a tarefa do neoliberalismo: a destruição do público e o enaltecimento do privado.
ANA > Hoje, as grandes empresas gastam milhões de dólares por ano com publicidade nas TVs, jornais, rádios e Internet para divulgar suas “Políticas de Responsabilidade Social e Ambiental”. E normalmente adornadas com imagens de paisagens exuberantes, crianças sorrindo... Tudo uma hipocrisia?
Luis < Talvez não sejam em todos os casos, ou, ao menos, seja uma minúscula parcela de “bens intencionados”. Em alguns casos quem leva a cabo as tais “políticas de responsabilidade social” acreditam no que querem, na “ajuda” deles. Acredito que a maioria das vezes se trata de gente “boa” que não quer se corromper tanto e que aposta em “medidas corretivas”, menores, para obter a consciência limpa sem mudar radicalmente, sem perder privilégios, sem modificar a imagem do mundo que têm e onde eles são os privilegiados.
“Crises de consciência” e hipocrisia andam muito perto, a linha é tênue. Talvez a hipocrisia seja quando a consciência é a da mentira, e seja franca e forte.
ANA > E o que falar do tal “desenvolvimento sustentável”? Atualmente também não há muita farsa por trás destas palavras?
Luis < Certamente. Por trás das “ataduras” que tratava de explicar na resposta anterior. O empresário quer um desenvolvimento sustentável, mas não quer perder todas as vantagens que lhe é outorgado em sua empresa, seu “capital de giro”, sua ganância. Com isso, o “desenvolvimento sustentável” se faz mais propagandístico, mais espetacular do que qualquer outra coisa.
ANA > O curioso, e irônico, é que quem mais fala em “desenvolvimento sustentável” no Brasil, como a petroleira Petrobras e a mineradora Vale, são exatamente as empresas que mais agridem a natureza. É a mesma coisa na Argentina, não?
Luis < Claro! Isso é quase uma lei! Quem mais tem a ocultar a contaminação, por exemplo, só pode mostrar-se “preocupado” com ela. A literatura nos mostra que na História temos muitos exemplos semelhantes de comportamento. Mercantis que posam de generosos, soberbos que fingem ser humildes...
ANA > Qual é a questão ambiental mais urgente na Argentina?
Luis < A perda da biodiversidade.
ANA > E qual sua avaliação da luta ambiental na Argentina?
Luis < A luta ambiental na Argentina é pobre, pobríssima. Mas está avançando. Há que se pensar na seguinte questão: quando tivemos a “invasão” dos organismos geneticamente modificados em todo o mundo, apenas dois países tiveram sua implementação sem problemas, sem discussões, dentro dos vinte ou mais países que questionam essa questão. Os dois únicos países que nada questionaram foram a Argentina e os EUA. Com proporções pequeníssimas de resistência de pessoas, grupos, jornalistas, que estiveram contra essa abominação.
A Argentina viveu com Menem uma miragem coletiva, que fez pensar que aceitando a tudo, estariam entrando no grupo do “Primeiro Mundo”. Mas, já faz algum tempo, a luta e a consciência ecológica vem aumentando.
O povo de Esquel (Patagônia argentina) enfrentou sozinho ao governo e a uma transnacional mineradora e evitou mediante um referendo que se instalasse nas montanhas vizinhas. Isso foi histórico!
Existem muitas populações enfrentando as mineradoras, que só querem resultados máximos para suas extrações, independente do resultado negativo para os habitantes das regiões que são exploradas.
Há uma incipiente tomada de consciência contra o acúmulo do lixo. E agora, finalmente, em 2009, começamos a ver a consciências do perigo da soja “transgênica”.
ANA > O Mar Aral, que alimentava aos países da URSS agora é um deserto improdutivo, por obra da "revolução verde" do Estado soviético. África vai caminhando pelo mesmo caminho, se transformando em outro deserto, os monocultivos e os transgênicos têm devastado este continente e sua ação se aprofunda cada vez mais. Em sua opinião, por que há grande dificuldade para avançar com o tema, preservação e luta ambiental ante às contundentes evidências para, pelo menos, deter essa destruição?
Luis < Porque os interesses econômicos são muito fortes! E porque os paradigmas dominantes no plano tecnocientífico seguem o mesmo “otimismo” tecnológico e à idéia de progresso. Isso ocorre quando tanto a direita quanto a esquerda utilizam o mesmo “espectro ideológico”. Por isso é tão difícil enfrentar essa situação...
ANA > Acredita que somos testemunhas de um genocídio, suicídio ambiental por obra do capitalismo de Estado ou de mercado?
Luis < Sim. Os grandes laboratórios planetários estão espalhando muito sua influência e a guerra contra as “pragas”, os vírus, as bactérias etc., estão procurando deixar um planeta sem microflora nem microfauna. E essa situação, só tende a piorar e transformar a biodiversidade para finalmente, empobrecer toda a vida planetária. Como já foi explicado em 1974, com a invocação do Cacique Seattle, em 1855, ante os “avanços da civilização”.
ANA > Crê que este planeta pode nos sustentar com nossa atual população, cada vez mais crescente?
Luis < Creio que a humanidade tem perdido em ritmo biológico de crescimento vegetativo. O problema é que alguns querem limitar a população de pobres, outros afirmam que a culpa é do “crescimento demográfico”, quando da verdade o problema maior é a exploração dos países periféricos, o que da natureza, o esgotamento dos recursos naturais pela condição capitalista e a comodidade dos consumidores ricos, a contaminação generalizada...
ANA > Você se identifica com o “decrescimento”?
Luis < Parece-me sensato adotar alguma forma de "decrescimento" ao menos de "crescimento zero", estratégia estacionária contra o impulso tecnológico que nos leva, me parece, a um abismo planetário.
ANA > Efetivamente o tema ambiental conseguiu certo grau de penetração no anarquismo?
Luis < Sim. O anarquismo tem boas condições ideológicas para incorporar o tema ambiental, pela questão de defesa do “natural”, que por certo não existe entre todos os seres humanos, mas mesmo assim, acredito eu, que todos, pelo menos, deveriam tentar aprender a respeitar.
ANA > Uma mensagem final, esperançadora para os leitores? Obrigado!
Luis < Acreditar na vida, aprender que todo o planeta é nosso único barco, e que temos por isso que sermos próximos uns aos outros. Temos que ajudar em todas as vertentes de luta: acabar com o racismo, o chauvinismo e os sentimentos de superioridade que o europocentrismo configurou por mais de meio milênio, como também tantas outras “civilizações” também igualmente racistas como os romanos, os astecas e tantos outros.
O futuro não existe, nada sabemos, mas podemos ter certeza de que o resultado dele depende cada vez mais de nós aqui, agora.
www.revistafuturos.org
Tradução > Palomilla Negra
agência de notícias anarquistas-ana
probleminhas terrenos:
quem vive mais
morre menos?
Millôr Fernandes
quinta-feira, 21 de maio de 2009
Uma pletora de capital: a gênese da crise econômica - por Natalia Aruguete - Página 12
Uma pletora de capital: a gênese da crise econômica
Em entrevista ao jornal argentino Pagina 12, o pesquisador marxista Rolando Astarita defende que a crise não se deu só por causa de um mau funcionamento do mercado financeiro, mas da economia em seu conjunto. "Produziu-se o que Marx chamava “uma pletora de capital”: capital líquido abundante, taxas de juros muito baixas (dirigidos pelo Federal Reserve e pela entrada de capitais que buscavam refúgio nos EUA) e uma super-oferta do crédito. Esses capitais líquidos terminaram no setor da construção, onde encontraram um campo de expansão relativamente rápido. E terminou explodindo".
Natalia Aruguete - Página 12
Data: 20/05/2009
Diversas posturas econômicas, desde progressistas a heterodoxas, afirmam que estamos numa época de hegemonia do setor financeiro sobre o produtivo e numa hipertrofia do capital especulativo, que deixou a descoberto o estancamento da economia mundial nos últimos 30 anos. Num diálogo com o caderno Cash, suplemente econômico do Página 12, o pesquisador marxista Rolando Astarita assinalou que, na realidade, no último quarto de século houve uma expansão mundial do capitalismo, que a distância entre ricos e pobres não impediu o crescimento dos mercados e que a crise não se deu só por um mal funcionamento do mercado financeiro, mas da economia em seu conjunto. “Há que se pensar o tal do capital fictício com parâmetros; ele não pode nos fazer perder a análise estrutural”, explicou.
Pagina12: Acreditas que a crise financeira marca a queda da ditadura das finanças?
Roland Astarita: Não vejo que haja uma ditadura das finanças, mas um domínio do capital em geral, acentuado de maneira muito profunda a partir dos anos 80. No último quarto de século, o disciplinamento do capital sobre as classes trabalhadoras operou através de mecanismos diretos, mas também do mercado, com políticas monetárias duras, aberturas comerciais, flexibilização laboral. Mas não vejo distinção de setores dentro do capital.
P12: No entanto, o crédito e as dívidas cresceram em todo o mundo. Isso pode ter afetado o desenvolvimento da economia real?
RA: Nunca houve desenvolvimento do capitalismo sem desenvolvimento do crédito e de uma monetarização da economia. Na perspectiva de Marx, o crédito é uma alavanca da acumulação de capital. Isto também se vê na fase que vai de 1890 a 1929. Na China, junto à expansão capitalista cresceram seus índices monetários e a participação dos mercados financeiros. Mas o crédito também potencializa as possibilidades de especulação, de sobre-acumulação e de quebradeira. Marx trabalhava com tendências e contra-tendências. Hoje, ao contrário, toma-se só um aspecto da realidade.
P12: Alguns sustentam que o crescimento do crédito prova o estancamento do sistema capitalista.
RA: A idéia de que o sistema capitalista está estancado há 25 anos não resiste à análise da realidade. Nos últimos 30 anos a economia capitalista teve taxas de expansão superiores a 3% em nível mundial, ainda que tenham sido desiguais: o Japão está estancado desde 1992 e a Europa teve um crescimento débil. Houve uma expansão geográfica do sistema capitalista, que entrou na China, no Leste Europe e na Rússia, e um aprofundamento das relações capitalistas. O aumento da produtiviade na economia dos EUA desde 1995 foi maior do que 3% ao ano. O crédito atua como uma potencialização de tendências do sistema e muitas vezes permite que um ciclo econômico se expanda para além de suas possibilidades. Em 2001 os EUA sofreram uma recessão suave. A economia cresceu 0,8% e o crédito lubrificou os mecanismos econômicos. Mas a recuperação de 2002 foi débil, com pouca geração de postos de trabalho e débil recuperação do investimento.
P12: Nesse contexto o crédito migrou para que setores?
RA: Para a construção residencial e para o consumo em geral, não para as empresas. Desde 2000 as empresas dos EUA e do G7 diminuíram sua dependência do sistema financeiro. Houve um excesso de poupança e as empresas diminuíram suas dívidas com os bancos. Inclusive, usaram parte dessa liquidez para recomprar suas ações. Não houve uma grande expansão do investimento produtivo, mas tampouco uma dependência do capital produtivo em relação ao financeiro. As relações de dependência voltaram em meados dos anos 70. Não se pode dizer que fosse uma crise como a diagnosticada a la Hyman Minsky, um autor keynesiano que sustentava que as crises se produzem porque as empresas caem num sobre-endividamento e pagam dívida com dívida até que a situação exploda.
P12: No entanto, houve uma “financeirização dos consumidores”, com a qual se amorteceu a crise de 2001.
RA: E ademais ajudou a recuperação de 2002. Isso é certo. O equivocado é pensar que isso atuou isoladamente. Em 2001, a superabundância de capital líquido e o investimento débil ocorreram porque a taxa de rentabilidade do capital vinha se debilitando desde 1996/7. Esse é o fundo do problema. Produziu-se o que Marx chamava “uma pletora de capital”: capital líquido abundante, taxas de juros muito baixas (dirigidos pelo Federal Reserve e pela entrada de capitais que buscavam refúgio nos EUA) e uma super-oferta do crédito. Esses capitais líquidos terminaram no setor da construção, onde encontraram um campo de expansão relativamente rápido. E terminou explodindo.
P12: Também se diz que, desde os anos setenta, o mundo assiste a uma crise de superprodução combinada com uma crise de subprodução.
RA: Há dois tipos de explicações da crise. Uma diz que o problema da crise deu-se com as finanças. Outra, que a Argentina repete bastante, que se deve a uma importante desigualdade de renda, o que produziu uma crise de consumo por falta de demanda. Creio que isto tampouco explica o que aconteceu. No último quarto de século houve um processo de “proletarização”, enormes massas da população se incorporaram no exército de assalariados. Os casos mais ressonantes são China e Índia. Isso supõe uma ampliação de mercados, enquanto houver crescimento nos lucros. Segundo a The Economist, nos Estados Unidos 0,1% da população ganha 77% vezes mais do que 90% da população restante. Nos anos 70 essa diferença era de 1 para 20. Também na China a desigualdade cresce. Mas não é certo que se a desigualdade cresce, crescem os mercados.
P12: Neste crescimento da economia capitalista, como se compõe o produto bruto no mundo?
RA: No caso dos Estados Unidos, desde a recuperação de 2001 se geraram fenômenos de sobre-acumulação de capital e de queda da taxa de rentabilidade. Esse é o pano de fundo da crise. Sobre isso o fator financeiro atuou, mas também o crescimento desproporcional na construção residencial, entre 2001-2007. Sua participação no PIB passou de 4,2% a mais de 6%. Isso gera tensões, porque um setor está crescendo em taxas muito superiores ao resto, e num contexto em que os investimentos se mantêm débeis. Isso potencializou o sistema de crédito e deu-se uma sobre-expansão do setor em relação às necessidades da economia.
P12: Pegando apenas o setor financeiro, o crescimento da sua participação no PIB dos EUA implicou uma mudança ou uma continuidade em relação a etapas anteriores?
RA: Não me parece que a taxa de crescimento tenha se acelerado desde 1979-80. Entre 1895 e 1929, a taxa de crescimento desse setor nos EUA foi superior a dos últimos vinte anos. Com a crise dos anos 30, o setor financeiro diminuiu sua participação na economia e recuperou terreno desde a década de 50, com um crescimento relativamente constante desde 1960. Não houve uma queda importante nos anos 80, ainda que as taxas de juros tenham aumentando muito: entre 1979 e 1985, o peso dos juros nos balanços empresariais subiu consideravelmente. Isso expressa parte da tese da financeirização, mas não se converteu em algo permanente.
P12: Por que?
RA: Prognosticou-se que iria se produzir uma punção permanente do setor financeiro sobre o lucro empresarial, mediante a taxa de juros. E que isso debilitaria o setor produtivo e levaria ao estancamento. Mas insisto que o peso dos juros sobre o setor produtivo tendeu a baixar. Segundo dados do Official Bureau of Economic Analysis dos Estados Unidos, entre 2006 e princípios de 2007, esse peso estava nos níveis de 1970, que era uma época keynesiana. Penso que esta é uma crise muito grave, muito profunda, mas estamos longe de uma crise como a dos anos 30.
P12: Então acreditas que não há um predomínio do capital fictírico sobre o produtivo, em detrimento da economia real?
RA: Há que se perguntar até que ponto isso é novidade. Quando houve expansão de capital no sistema capitalista, na Bolsa de Valores houve sobrevalorizações. Tradicionalmente, metade disso estaria em 10 anos de price earning (1). No momento de euforia das bolsas, alcançou 20 ou 30 anos. Isso ajuda à instabilidade do sistema capitalista, já que provoca inflação dos lucros que desaparecem da noite para o dia, mas esses lucros não crescem à margem do trabalho produtivo.
P12: Acreditas que a crise atual reflita esse mecanismo?
RA: Aqui estouraram ativos financeiros ligados ao crédito, que se havia sobrevalorizado. O estouro reflete que a economia estava funcionando mal. Há que se pensar o tal do capital ficítcio com parâmetros; ele não deve nos fazer perder a análise estrutural. Ao extrair a mais valia e a realizá-la nos mercados, pode haver inflações que terminam arrebentando. Mas, à medida que a instabilidade se agrava, as crises não se explicam por si mesmas.
P12: Pode estabelecer-se alguma relação entre o excesso de liquidez e a tendência à financeirização da economia?
RA: Esse excesso de liquidez deveu-se à debilidade do investimento produtivo. Em determinado momento, houve setores que super-acumularam. Os neoclássicos interpretaram esse fenômeno como uma decisão das instâncias domésticas, das famílias, quando, na realidade, foi uma debilidade no investimento. Um exemplo é a queda de investimento na Ásia – com exceção da China – depois da crise de 1997-98. Essa massa de capital líquido pressiona sobre o setor financeiro em busca de sua valorização. Mas há que se destacar a relação de causalidade. O crescimento deste setor é consequência da acumulação de capital, ele não opera por fora do conjunto dos problemas dessa acumulação. A interpretação dos neokeynesianos – que hoje são mainstream – é a do acelerador financeiro. Quer dizer, o uso dos ativos financeiros como garantias em empréstimos, até que, em determinado momento, produza-se um choque que se potencializa através do mecanismo financeiro.
P12: E qual a tua opinião sobre esse diagnóstico?
RA: Há aspectos de realidade importantes, mas não analisa a quê se deve o choque, de onde vem. É o próprio sistema de competição capitalista que obriga a um banco a competir com outros para oferecer mais rentabilidades. Se não os ligamos aos problemas de fundo, não entendemos por que essas especulações podem explodir numa brutal crise financeira, que nem sempre afeta a economia. Por exemplo: o crash de Wall Street de 1987 não se tornou uma crise global e foi a segunda grande queda da bolsa dos Estados Unidos.
P12: No encontro do G20 propô-se uma maior regulação dos mercados como forma de sustentar a situação econômica. Crês que essa seria uma solução?
RA: No G20 a regulação dos mercados foi defendida como uma grande questão para depois da crise. Hoje a discussão é até que grau há de se ter intervenção estatal e se medidas protecionistas serão ou não aplicadas. Todo mundo pede que não haja medidas protecionistas mas, no fundo, muitos as aplicam. Sobre isso gostaria de fazer duas reflexões. Os mercados financeiros e capitalistas pressionam para afastar as regulações. As regulações da Basiléia estabeleceram que os bancos deviam ter certa ratio de capital em relação a sua carteira de ativos. Mas os bancos criaram “Sociedades de Propósitos Especiais” (espécie de fideicomisso) para armar suas operações por fora do balanço e, assim, comprar papéis que essas entidades emitiam.
P12: E a segunda reflexão?
RA: Lênin dizia que estavam bem as consignas, mas há que se pensar em quem as aplica. No G20, defendeu-se que o FMI deve retomar o poder de regular. Esse organismo está governado pelas grandes potências, os grandes banqueiros e o capital internacionalizado. Vai responder a esses interesses. É um controle dos altos comandos do capital para evitar desequilíbrios. Não há controles em abstrato.
Publicado no suplemento CASH, do jornal argentino Pagina 12, em 17 de maio de 2009. Para conhecer o trabalho, os interesses e parte das publicações do professor Rolando Astarita, ver a sua página: www.rolandoastarita.com
Tradução: Katarina Peixoto
(1) Ratio Price Earning é um indicador (normalmente designado por P/E ou PER) de análise do valor de uma ação. É a medida estabelecida entre o preço da ação e os lucros das empresas. Quanto mais elevado for o seu valor, mais cara deverá estar a ação e vice-versa. Exemplo: se a Empresa X estiver cotada a € 60 por ação e os seus lucros forem de € 3 por ação, o seu PER é de 20 (60/3). Isto significa que os investidores estão pagando € 20 por cada € 1 de lucros da Empresa X. Esta relação é também conhecida por stock multiple, significando que a Empresa X está a negociar num múltiplo de 20 vezes os seus lucros. Este é um indicador muito utilizado pelos analistas e um dos mais conhecidos dos investidores. Na verdade, é muito frequente ver na imprensa a referência a uma ação como cara ou barata apenas por referência ao PER. Veja-se a estratégia de investimento boas & baratas divulgada pela Revista Carteira, em que um dos critérios para selecção das acções é um PER inferior a 14, dado que este representa aproximadamente a média a nível mundial. Porém, a realidade não é assim tão clara e de simples análise. O PER tem limitações e devem ser conhecidas do investidor, de modo a que não se tomem decisões apenas com base nele. N.deT. Com http://www.analistafinanceiro.com/fiscal-financeiro/o-price-earnings-ratio-pe-ou-per/
Fonte: Agência Carta Maior
quarta-feira, 20 de maio de 2009
O recuo de Obama e as torturas - Por Argemiro Ferreira
O recuo de Obama e as torturas
O colunista Frank Rich, do New York Times, foi enfático ao escrever domingo: “Ainda que o presidente Obama queira muito virar a página do governo passado, não pode fazê-lo. Enquanto não houver transparência real e os culpados não forem responsabilizados, as revelações sobre o pesadelo dos últimos oito anos podem continuar vindo, gota a gota, para perturbar os planos maiores do novo governo”. A análise é de Argemiro Ferreira.
Argemiro Ferreira
Data: 19/05/2009
Não é difícil entender porque o presidente Barack Obama colocou-se contra a divulgação de mais fotos das torturas na infame prisão de Abu Ghraib. Julgando-se ainda na lua-de-mel dos primeiros meses de governo, apesar da hostilidade aberta da oposição, tem tentado atrair mais republicanos depois de indicar Robert Gates para o Pentágono. Parece nunca desistir da aparência “bipartidária”.
Consciente de que as fotos seriam publicadas de qualquer jeito (e já estão de novo nas primeiras páginas pelo mundo), preferia não ser o alvo da oposição no caso de serem elas responsabilizadas por ações contra soldados dos EUA. Antes suportara críticas duras por não ter recorrido contra a decisão judicial que mandara o governo divulgar os infames memorandos justificando juridicamente as torturas.
Também é fácil compreender as razões dos setores mais à esquerda do Partido Democrata - o que inclui, dada a elasticidade dos critérios da direita republicana, até o megainvestidor George Soros, já retratado na mídia neoconservadora como “extremista de esquerda” - contra o que encara como recuo, marcha-a-ré, ou flip flop, por contrariar as solenes promessas feitas durante a campanha eleitoral.
Não é hora de virar a página
Ironicamente, a expressão que dá nome a uma das organizações liberais rotuladas de “ultraesquerdistas” pelos talk shows da mídia republicana (e que tem Soros como um dos financiadores) é Move On - com o significado de “vire a página”, “vamos em frente”. Isso porque ao nascer, em defesa do presidente Clinton em meio à histeria republicana do impeachment em 1998, queria “virar a página”.
Seu website (moveon.org) não admite hoje ser agora o momento de virar a página e deixar na impunidade os criminosos do governo Bush. Afinal eles fabricaram uma guerra sob falso pretexto (o das inexistentes armas de destruição em massa) e oficializaram a política ilegal da tortura e sua terceirização (com os vôos secretos da CIA, que também violaram leis dos EUA e tratados internacionais).
O colunista Frank Rich, do New York Times, foi enfático ao escrever domingo: “Ainda que o presidente Obama queira muito virar a página do governo passado, não pode fazê-lo. Enquanto não houver transparência real e os culpados não forem responsabilizados, as revelações sobre o pesadelo dos últimos oito anos podem continuar vindo, gota a gota, para perturbar os planos maiores do novo governo”.
Para Rich, as novas imagens de torturas sequer serão as provas mais chocantes dos pecados da era Bush ainda a serem devassados. Já há muitos indícios - pontos que, conectados um a um, tomarão a forma de novos desenhos, não necessariamente sobre a tortura. O colunista citou artigo publicado no domingo anterior pelo website da revista GQ, assinado por personagem insuspeito, um biógrafo de Bush.
A manipulação de Rumsfeld
Quando fazia, em 2007, seu livro Dead Certain: The Presidency of George W. Bush, o autor - jornalista texano Robert Draper - conversou uma dezena de vezes com o então presidente. Mas no artigo de agora acrescentou detalhes novos para um dossiê futuro “sobre como a fase corrupta e incompetente de Donald Rumsfeld no Pentágono custou vidas de americanos e comprometeu a segurança nacional”.
Como falou com Bush e mais de uma dúzia de seus auxiliares mais leais de nível elevado, ele retratou na GQ como a obsessão meio maníaca de Rumsfeld levou o então secretário da Defesa a antagonizar no Iraque aliados voluntários dos EUA na guerra, como a Grã Bretanha e a Austrália, e até a sabotar os próprios soldados americanos. A receita para ter o apoio de Bush, acha ele, foi no mínimo insólita.
Rumsfeld produzia informes diários altamente secretos do Pentágono (os WIU, Worldwide Intelligence Update), de cuja coleção Draper obteve recentemente um total de 11. A cada dia as páginas do WIU eram entregues em mãos a grupo muito restrito de autoridades (entre elas, Bush), às vezes pelo próprio Rumsfeld. Na folha da capa, sempre fotos triunfais e coloridas da guerra, sob citações literais da Bíblia.
No de 3 de abril de 2003, duas semanas depois do início da invasão (com “choque e horror”), as tropas esbarravam nos tropeços iniciais. Em pânico, o Pentágono lançara dois dias antes a ficção mentirosa sobre a soldadinha Jessica Lynch, a fim de desviar a atenção dos problemas. E no dia 2 o general Joseph Hoar, ex-chefe do Comando Central dos EUA, afirmara que o número de soldados não era suficiente.
CIA tortura, culpa de Pelosi
A citação bíblica da foto na capa do dia 3, com a clara intenção de apertar o botão vermelho da emoção religiosa de Bush, era de Josué (1:9). Esta: “Eu já não o ordenei antes? Seja forte e corajoso. Não se deixe intimidar. Não se deixe desencorajar, pois o Senhor seu Deus estará em sua companhia onde quer que vás”. (Inclusive, para atolar no pântano - ironizou o relato de Rich).
Indiferente à segurança nacional, segundo Draper e Rich, o então secretário da Defesa, que nunca se notabilizara pela fé ou religiosidade, buscava cinicamente manipular Bush, dado a frequentes citações da Bíblia. Rumsfeld incluia ao mesmo tempo, nos WIU, colagens diárias, com mensagens na linha das Cruzadas e imagens de guerra - um reforço ao temor apocalíptico islâmico à guerra religiosa.
Rich estendeu-se mais sobre o horror que revelações ainda tendem a documentar do pesadelo. Mais corrupção, negociatas e relações promíscuas com fornecedores, entre elas. E outro detalhe já aflorado: a cúpula civil do Pentágono, em conluio com o vice Dick Cheney, forçava o uso da tortura na obsessão de provar a tese, desmentida depois pelos fatos, da ligação fantasiosa de Saddam Hussein com Bin Laden.
A oposição que antes bloqueava o debate parlamentar da tortura agora aceita falar mas apenas sobre Nancy Pelosi, presidente da Câmara, criticada por acusar a CIA de enganar o Congresso. A mágica republicana consiste em culpar Pelosi, que integrou (sem poderes) a comissão de Inteligência - e foi enganada. Já os vilões - a CIA e os que autorizaram, executaram e ocultaram a tortura - permaneceriam impunes.
(*) A foto que ilustra o artigo é uma das tantas divulgadas nas últimas horas em outros países, embora nos EUA Obama não tenha levantado o sigilo sobre o lote. Esta e mais 15 estão na edição de 17/05/09 do "Daily Telegraph" de Londres.
Blog do Argemiro Ferreira
O colunista Frank Rich, do New York Times, foi enfático ao escrever domingo: “Ainda que o presidente Obama queira muito virar a página do governo passado, não pode fazê-lo. Enquanto não houver transparência real e os culpados não forem responsabilizados, as revelações sobre o pesadelo dos últimos oito anos podem continuar vindo, gota a gota, para perturbar os planos maiores do novo governo”. A análise é de Argemiro Ferreira.
Argemiro Ferreira
Data: 19/05/2009
Não é difícil entender porque o presidente Barack Obama colocou-se contra a divulgação de mais fotos das torturas na infame prisão de Abu Ghraib. Julgando-se ainda na lua-de-mel dos primeiros meses de governo, apesar da hostilidade aberta da oposição, tem tentado atrair mais republicanos depois de indicar Robert Gates para o Pentágono. Parece nunca desistir da aparência “bipartidária”.
Consciente de que as fotos seriam publicadas de qualquer jeito (e já estão de novo nas primeiras páginas pelo mundo), preferia não ser o alvo da oposição no caso de serem elas responsabilizadas por ações contra soldados dos EUA. Antes suportara críticas duras por não ter recorrido contra a decisão judicial que mandara o governo divulgar os infames memorandos justificando juridicamente as torturas.
Também é fácil compreender as razões dos setores mais à esquerda do Partido Democrata - o que inclui, dada a elasticidade dos critérios da direita republicana, até o megainvestidor George Soros, já retratado na mídia neoconservadora como “extremista de esquerda” - contra o que encara como recuo, marcha-a-ré, ou flip flop, por contrariar as solenes promessas feitas durante a campanha eleitoral.
Não é hora de virar a página
Ironicamente, a expressão que dá nome a uma das organizações liberais rotuladas de “ultraesquerdistas” pelos talk shows da mídia republicana (e que tem Soros como um dos financiadores) é Move On - com o significado de “vire a página”, “vamos em frente”. Isso porque ao nascer, em defesa do presidente Clinton em meio à histeria republicana do impeachment em 1998, queria “virar a página”.
Seu website (moveon.org) não admite hoje ser agora o momento de virar a página e deixar na impunidade os criminosos do governo Bush. Afinal eles fabricaram uma guerra sob falso pretexto (o das inexistentes armas de destruição em massa) e oficializaram a política ilegal da tortura e sua terceirização (com os vôos secretos da CIA, que também violaram leis dos EUA e tratados internacionais).
O colunista Frank Rich, do New York Times, foi enfático ao escrever domingo: “Ainda que o presidente Obama queira muito virar a página do governo passado, não pode fazê-lo. Enquanto não houver transparência real e os culpados não forem responsabilizados, as revelações sobre o pesadelo dos últimos oito anos podem continuar vindo, gota a gota, para perturbar os planos maiores do novo governo”.
Para Rich, as novas imagens de torturas sequer serão as provas mais chocantes dos pecados da era Bush ainda a serem devassados. Já há muitos indícios - pontos que, conectados um a um, tomarão a forma de novos desenhos, não necessariamente sobre a tortura. O colunista citou artigo publicado no domingo anterior pelo website da revista GQ, assinado por personagem insuspeito, um biógrafo de Bush.
A manipulação de Rumsfeld
Quando fazia, em 2007, seu livro Dead Certain: The Presidency of George W. Bush, o autor - jornalista texano Robert Draper - conversou uma dezena de vezes com o então presidente. Mas no artigo de agora acrescentou detalhes novos para um dossiê futuro “sobre como a fase corrupta e incompetente de Donald Rumsfeld no Pentágono custou vidas de americanos e comprometeu a segurança nacional”.
Como falou com Bush e mais de uma dúzia de seus auxiliares mais leais de nível elevado, ele retratou na GQ como a obsessão meio maníaca de Rumsfeld levou o então secretário da Defesa a antagonizar no Iraque aliados voluntários dos EUA na guerra, como a Grã Bretanha e a Austrália, e até a sabotar os próprios soldados americanos. A receita para ter o apoio de Bush, acha ele, foi no mínimo insólita.
Rumsfeld produzia informes diários altamente secretos do Pentágono (os WIU, Worldwide Intelligence Update), de cuja coleção Draper obteve recentemente um total de 11. A cada dia as páginas do WIU eram entregues em mãos a grupo muito restrito de autoridades (entre elas, Bush), às vezes pelo próprio Rumsfeld. Na folha da capa, sempre fotos triunfais e coloridas da guerra, sob citações literais da Bíblia.
No de 3 de abril de 2003, duas semanas depois do início da invasão (com “choque e horror”), as tropas esbarravam nos tropeços iniciais. Em pânico, o Pentágono lançara dois dias antes a ficção mentirosa sobre a soldadinha Jessica Lynch, a fim de desviar a atenção dos problemas. E no dia 2 o general Joseph Hoar, ex-chefe do Comando Central dos EUA, afirmara que o número de soldados não era suficiente.
CIA tortura, culpa de Pelosi
A citação bíblica da foto na capa do dia 3, com a clara intenção de apertar o botão vermelho da emoção religiosa de Bush, era de Josué (1:9). Esta: “Eu já não o ordenei antes? Seja forte e corajoso. Não se deixe intimidar. Não se deixe desencorajar, pois o Senhor seu Deus estará em sua companhia onde quer que vás”. (Inclusive, para atolar no pântano - ironizou o relato de Rich).
Indiferente à segurança nacional, segundo Draper e Rich, o então secretário da Defesa, que nunca se notabilizara pela fé ou religiosidade, buscava cinicamente manipular Bush, dado a frequentes citações da Bíblia. Rumsfeld incluia ao mesmo tempo, nos WIU, colagens diárias, com mensagens na linha das Cruzadas e imagens de guerra - um reforço ao temor apocalíptico islâmico à guerra religiosa.
Rich estendeu-se mais sobre o horror que revelações ainda tendem a documentar do pesadelo. Mais corrupção, negociatas e relações promíscuas com fornecedores, entre elas. E outro detalhe já aflorado: a cúpula civil do Pentágono, em conluio com o vice Dick Cheney, forçava o uso da tortura na obsessão de provar a tese, desmentida depois pelos fatos, da ligação fantasiosa de Saddam Hussein com Bin Laden.
A oposição que antes bloqueava o debate parlamentar da tortura agora aceita falar mas apenas sobre Nancy Pelosi, presidente da Câmara, criticada por acusar a CIA de enganar o Congresso. A mágica republicana consiste em culpar Pelosi, que integrou (sem poderes) a comissão de Inteligência - e foi enganada. Já os vilões - a CIA e os que autorizaram, executaram e ocultaram a tortura - permaneceriam impunes.
(*) A foto que ilustra o artigo é uma das tantas divulgadas nas últimas horas em outros países, embora nos EUA Obama não tenha levantado o sigilo sobre o lote. Esta e mais 15 estão na edição de 17/05/09 do "Daily Telegraph" de Londres.
Blog do Argemiro Ferreira
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Campanha para remover o LIXO
Uma campanha contra a reeleição de deputados e senadores, sem dono, começa a circular na internet e tende a ganhar dimensão com a multiplicação da imagem em que parlamentares são defenestrados do Congresso Nacional. Ao pedir a saída de todos indiscriminadamente abre-se mão de cumprir um dos mais complicados papéis do eleitor: avaliar o trabalho do legislador.
Dizer que todos não prestam pode até ser uma opinião construída a partir dos exemplos lamentáveis que temos assistidos nos últimos meses (seriam anos ?). Justificável. Pouco resultado terá, porém, esta ação se apenas substituirmos os maus pelos piores, se continuarmos usando a mesma falta de critério na seleção do nosso representante entre as centenas de nomes que se candidatam.
Depurar o parlamento assim como os demais poderes é nosso dever e para tal é preciso analisar o deputado que elegemos há três anos, verificar o comportamento dele nos temas que consideramos prioritários no país, e saber se este cumpriu fielmente com suas duas funções: legislar e fiscalizar o Executivo. Ideia que reforça a campanha Adote um Vereador que desenvolvemos em São Paulo e, hoje, já está em outras cidades brasileiras.
A manutenção dos esquemas de corrupção no Congresso Nacional não está relacionada a falta de renovação do legislativo, mostra estudo do cientista político Lúcio Rennó, do Centro de Pesquisas e Pós-Graduação sobre as Américas, da Universidade de Brasília (UnB).
O trabalho dele foi destacado na reportagem “De Olho em Lilliput”, do jornalista Leandro Fortes, na revista CartaCapital desta semana:
“De acordo com o levantamento feito pelo pesquisador, nas eleições de 2006, dos 115 deputados envolvidos diretamente em escândalos de corrupção, 71 concorreram à reeleição. Desses, somente 30 se reelegram. Segundo ele, isso é uma regra: os parlamentares metidos em roubalheira têm, historicamente, um baixo índice de reeleição”, diz a revista.
Na mesma publicação, enquete feita pela internet mostra que a maioria dos votantes (42%) entende que a mudança no comportamento parlamentar e o fortalecimento do Legislativo passam pela aprovação urgente de uma reforma política ampla e que diminua o fisiologism0 que, segundo Cláudio W. Abramo, da Transparência Brasil, é dos piores males a assolar o País. A Justiça mais veloz na punição aos políticos corruptos também ganha adesão com o apoio de 23% dos participantes até a última olhada que dei no site da revista. Concorrem pau a pau as opções “fechar o parlamento”, 17%, e “promover por meio do voto nas próximas eleições uma profunda renovação dos deputados e senadores”.
terça-feira, 12 de maio de 2009
segunda-feira, 11 de maio de 2009
A Palestina está à venda em Jerusalém: "Excelente localização"
A Palestina está à venda em Jerusalém: "Excelente localização"
por Michelle Amaral da Silva
Área à venda é a mesma na qual Israel prometeu que não haveria novas construções, para que, os palestinos pudessem ir do norte ao sul da Cisjordânia
11/05/2009
Daphna Golan
Esperemos que a Casa Branca seja assinante dos jornais de Jerusalém, e leia-os antes da chegada de Benjamin Netanyahu a Washington. Basta passar os olhos pelos anúncios gigantes de 'novos empreendimentos imobiliários', para que se economizem quantidades consideráveis de dinheiro, tempo e lamentações dos contribuintes norte-americanos e israelenses.
Há anos Israel promete que não haverá novas construções nas colônias na Cisjordânia. O presidente Shimon Peres reiterou essa promessa recentemente ao primeiro-ministro tcheco, Mirek Topolanek, que atualmente ocupa a presidência da União Europeia. Topolanek, por sua vez, prometeu trabalhar para melhorar as relações entre Israel e a Europa. Netanyahu, em sua visita aos EUA, certamente repetirá as mesmas mentiras já mentidas por Peres.
Essa semana, um jornal de Jerusalém noticiou que qualquer fábrica de propriedade de cidadão israelense que deseje transferir-se para a colônia de Ma'aleh Adumim terá vantagens de três tipos.
Primeiro, a "excelente localização", a dez minutos de Jerusalém. O mapa mostrado no anúncio só indica colônias israelenses como locais recomendados para instalações de fábricas – nenhuma comunidade palestina, sequer as localizadas ao lado, porta com porta, das colônias israelenses.
A segunda vantagem anunciada é a acessibilidade. Caso os norte-americanos não entendam, aí está dito que Israel construiu estradas para uso exclusivo de israelenses, de modo que possam viver e trabalhar nos territórios ocupados sem jamais cruzarem com palestinos.
A estrada 443 foi pavimentada, para dar mais 'acessibilidade' até Ma'aleh Adumim. O Estado afirmou, ante a Alta Corte de Justiça, que a estrada – construída em terra expropriada de palestinos – visava a beneficiar a "população local". Estranhamente, comprovando exatamente o contrário disso, a estrada é vedada aos palestinos e só israelenses transitam ali.
Terceiro, o anúncio promete as mesmas deduções de impostos que se oferecem para construções na chamada "Área A, de Prioridade Nacional", e acrescenta: "a área industrial na colônia de Ma'aleh Adumim é a maior reserva de terra em toda a área de Jerusalém. Os lotes estão à venda por preços módicos."
É exatamente a mesma área na qual Israel prometeu que não haveria novas construções, para que, algum dia, os palestinos pudessem movimentar-se livremente entre o norte e o sul da Cisjordânia.
Se alguém na Casa Branca ou nos EUA ainda pensa que as novas construções em Ma'aleh Adumim seriam exceção à regra, os enormes anúncios publicitários publicados nos jornais de Jerusalém comprovam que, sim, há projeto já em andamento para novas construções em todos os territórios ocupados à volta de Jerusalém.
Há, por exemplo, anúncio de "oportunidade de ouro" em Har Homa, mas nenhuma informação sobre os palestinos em cujas terras as novas casas estão sendo construídas.
O anúncio tampouco fala da vila de Nuaman que ali existia e cujas terras foram anexadas a Israel, mas cujos moradores têm documentos de identidade palestinos e, portanto, são classificados como residentes ilegais... dentro de suas próprias casas e em terrenos de sua propriedade.
O muro da separação aprisiona os moradores de Nuaman e os separa, simultaneamente, tanto de Jerusalém – cidade à qual absolutamente não podem chegar – como, também, da Cisjordânia. Só podem entrar na Cisjordânia quando os pontos de fronteira estão abertos.
Outro anúncio, de construção "nascida numa colher de prata", exibe um prédio e apartamento modelos, mas sem dizer que estão localizados na área das cidades de Sur Baher, Umm Tuba, Abu Dis e Beit Sahour. São cidades e vilas palestinas, algumas delas incluídas na jurisdição municipal de Jerusalém, que foram varridas, não apenas do mapa exibido nos anúncios publicitários desses novos 'empreendimentos imobiliários', mas também da consciência do governo de Israel, o qual tampouco jamais ofereceu aos palestinos qualquer plano de zoneamento que lhes permitisse pensar em construir moradias, pavimentar estradas e construir escolas.
Hoje, quando os contribuintes norte-americanos estão obrigados a sobreviver às dificuldades da crise econômica, Israel bem poderia poupar-lhes o dinheiro que investem na construção e na manutenção das colônias ilegais.
Em vez de torrar tempo e recursos tentando entender por que Israel insiste em construir estradas, 'projetos imobiliários' e colônias exclusivas para israelenses, a Casa Branca bem poderia providenciar uma assinatura dos jornais de Jerusalém.
Ali os norte-americanos seriam facilmente informados – e poderiam informar o primeiro-ministro de Israel e sua trupe – de que só seriam bem-vindos, para discutir o apoio dos EUA, se, e se somente se, os israelenses realmente pararem de construir 'empreendimentos imobiliários' ilegais nos territórios palestinos ocupados.
Daphna Golan é professor de Direito, na Universidade Hebraica de Jerusalém.
O artigo original pode ser lido em:http://www.haaretz.com/hasen/spages/1083089.html
Fonte: http://www.brasildefato.com.br
por Michelle Amaral da Silva
Área à venda é a mesma na qual Israel prometeu que não haveria novas construções, para que, os palestinos pudessem ir do norte ao sul da Cisjordânia
11/05/2009
Daphna Golan
Esperemos que a Casa Branca seja assinante dos jornais de Jerusalém, e leia-os antes da chegada de Benjamin Netanyahu a Washington. Basta passar os olhos pelos anúncios gigantes de 'novos empreendimentos imobiliários', para que se economizem quantidades consideráveis de dinheiro, tempo e lamentações dos contribuintes norte-americanos e israelenses.
Há anos Israel promete que não haverá novas construções nas colônias na Cisjordânia. O presidente Shimon Peres reiterou essa promessa recentemente ao primeiro-ministro tcheco, Mirek Topolanek, que atualmente ocupa a presidência da União Europeia. Topolanek, por sua vez, prometeu trabalhar para melhorar as relações entre Israel e a Europa. Netanyahu, em sua visita aos EUA, certamente repetirá as mesmas mentiras já mentidas por Peres.
Essa semana, um jornal de Jerusalém noticiou que qualquer fábrica de propriedade de cidadão israelense que deseje transferir-se para a colônia de Ma'aleh Adumim terá vantagens de três tipos.
Primeiro, a "excelente localização", a dez minutos de Jerusalém. O mapa mostrado no anúncio só indica colônias israelenses como locais recomendados para instalações de fábricas – nenhuma comunidade palestina, sequer as localizadas ao lado, porta com porta, das colônias israelenses.
A segunda vantagem anunciada é a acessibilidade. Caso os norte-americanos não entendam, aí está dito que Israel construiu estradas para uso exclusivo de israelenses, de modo que possam viver e trabalhar nos territórios ocupados sem jamais cruzarem com palestinos.
A estrada 443 foi pavimentada, para dar mais 'acessibilidade' até Ma'aleh Adumim. O Estado afirmou, ante a Alta Corte de Justiça, que a estrada – construída em terra expropriada de palestinos – visava a beneficiar a "população local". Estranhamente, comprovando exatamente o contrário disso, a estrada é vedada aos palestinos e só israelenses transitam ali.
Terceiro, o anúncio promete as mesmas deduções de impostos que se oferecem para construções na chamada "Área A, de Prioridade Nacional", e acrescenta: "a área industrial na colônia de Ma'aleh Adumim é a maior reserva de terra em toda a área de Jerusalém. Os lotes estão à venda por preços módicos."
É exatamente a mesma área na qual Israel prometeu que não haveria novas construções, para que, algum dia, os palestinos pudessem movimentar-se livremente entre o norte e o sul da Cisjordânia.
Se alguém na Casa Branca ou nos EUA ainda pensa que as novas construções em Ma'aleh Adumim seriam exceção à regra, os enormes anúncios publicitários publicados nos jornais de Jerusalém comprovam que, sim, há projeto já em andamento para novas construções em todos os territórios ocupados à volta de Jerusalém.
Há, por exemplo, anúncio de "oportunidade de ouro" em Har Homa, mas nenhuma informação sobre os palestinos em cujas terras as novas casas estão sendo construídas.
O anúncio tampouco fala da vila de Nuaman que ali existia e cujas terras foram anexadas a Israel, mas cujos moradores têm documentos de identidade palestinos e, portanto, são classificados como residentes ilegais... dentro de suas próprias casas e em terrenos de sua propriedade.
O muro da separação aprisiona os moradores de Nuaman e os separa, simultaneamente, tanto de Jerusalém – cidade à qual absolutamente não podem chegar – como, também, da Cisjordânia. Só podem entrar na Cisjordânia quando os pontos de fronteira estão abertos.
Outro anúncio, de construção "nascida numa colher de prata", exibe um prédio e apartamento modelos, mas sem dizer que estão localizados na área das cidades de Sur Baher, Umm Tuba, Abu Dis e Beit Sahour. São cidades e vilas palestinas, algumas delas incluídas na jurisdição municipal de Jerusalém, que foram varridas, não apenas do mapa exibido nos anúncios publicitários desses novos 'empreendimentos imobiliários', mas também da consciência do governo de Israel, o qual tampouco jamais ofereceu aos palestinos qualquer plano de zoneamento que lhes permitisse pensar em construir moradias, pavimentar estradas e construir escolas.
Hoje, quando os contribuintes norte-americanos estão obrigados a sobreviver às dificuldades da crise econômica, Israel bem poderia poupar-lhes o dinheiro que investem na construção e na manutenção das colônias ilegais.
Em vez de torrar tempo e recursos tentando entender por que Israel insiste em construir estradas, 'projetos imobiliários' e colônias exclusivas para israelenses, a Casa Branca bem poderia providenciar uma assinatura dos jornais de Jerusalém.
Ali os norte-americanos seriam facilmente informados – e poderiam informar o primeiro-ministro de Israel e sua trupe – de que só seriam bem-vindos, para discutir o apoio dos EUA, se, e se somente se, os israelenses realmente pararem de construir 'empreendimentos imobiliários' ilegais nos territórios palestinos ocupados.
Daphna Golan é professor de Direito, na Universidade Hebraica de Jerusalém.
O artigo original pode ser lido em:http://www.haaretz.com/hasen/spages/1083089.html
Fonte: http://www.brasildefato.com.br
Desculpem a moléstia - Por Eduardo Galeano
Desculpem a moléstia
Segundo a revista [i]Foreign Policy[/i], a Somalia é o lugar mais perigoso do mundo. Mas quem são os piratas? Os mortos de fome que assaltam navios ou os especuladores de Wall Street, que há anos assaltam o mundo e agora recebem multimilionárias recompensas por suas atividades? Por que o mundo premia os que o saqueiam? Por que a justiça é cega de um único olho? Wal Mart, a empresa mais poderosa de todas, proíbe os sindicatos. McDonald’s, também. Por que estas empresa violam, com delinqüente impunidade, a lei internacional? O artigo é de Eduardo Galeano
Eduardo Galeano
Data: 10/05/2009
Quero compartilhar com vocês algumas perguntas, moscas que zumbem na minha cabeça:
O zapatista do Iraque, o que jogou os sapatos contra Bush, foi condenado a três anos de prisão. Não merecia, na verdade, uma condecoração?
Quem é o terrorista? O zapatista ou o zapateado? Não é culpado de terrorismo o serial killer que, mentindo, inventou a guerra do Iraque, assassinou a um montão de gente, legalizou a tortura e mandou aplicá-la?
São culpados os habitantes de Atenco, no México, ou os indígenas mapuches do Chile, ou os kekchies da Guatemala, ou os camponeses sem terra do Brasil, todos acusados de terrorismo por defender seu direito à terra? Se sagrada é a terra, mesmo se a lei não o diga, não são sagrados também os que a defendem?
Segundo a revista Foreign Policy, a Somalia é o lugar mais perigoso do mundo. Mas quem são os piratas? Os mortos de fome que assaltam navios ou os especuladores de Wall Street, que há anos assaltam o mundo e agora recebem multimilionárias recompensas por suas atividades?
Porque o mundo premia os que o saqueiam?
Por que a justiça é cega de um único olho? Wal Mart, a empresa mais poderosa de todas, proíbe os sindicatos. McDonald’s, também. Por que estas empresa violam, com delinqüente impunidade, a lei internacional? Será que é por que no mundo do nosso tempo o trabalho vale menos do que o lixo e valem menos ainda os direitos dos trabalhadores?
Quem são os justos e quem são os injustos? Se a justiça internacional realmente existe, por que não julga nunca aos poderosos? Não são presos os autores dos mais ferozes massacres? Será que é porque são eles que têm as chaves das prisões?
Por que são intocáveis as cinco potências que tem direito de veto nas Nações Unidas? Esse direito tem origem divina? Velam pela paz os que fazem o negócio da guerra? É justo que a paz mundial esteja a cargo das cinco potências que são as cinco principais produtoras de armas? Sem desprezar aos narcotraficantes, este também não é um caso de “crime organizado”?
Mas não demandam castigo contra os senhores do mundo os clamores dos que exigem, em todos os lugares, a pena de morte. Só faltava isso. Os clamores clamam contra os assassinos que usam navalhas, não contra os que usam mísseis.
E a gente se pergunta: já que esses justiceiros estão tão loucos de vontade de matar, por que não exigem a pena de morte contra a injustiça social? É justo um mundo em que a cada minuto destina três milhões de dólares aos gastos militares, enquanto a cada minuto morrem quinze crianças por fome ou doença curável? Contra quem se arma, até os dentes, a chamada comunidade internacional? Contra a pobreza ou contra os pobres?
Porque os adeptos fervorosos da pena de morte não exigem a pena de morte contra os valores da sociedade de consumo, que cotidianamente atentam contra a segurança pública? Ou por acaso não convida ao crime o bombardeio de publicidade que aturde a milhões e milhões de jovens desempregados ou mal pagos, repetindo para eles dia e noite que ser é ter, ter um automóvel, ter sapatos de marca, ter, ter, e que não tem, não é?
E por que não se implanta a pena de morte contra a pena de morte? O mundo está organizado a serviço da morte. Ou não fabrica a morte a industria militar, que devora a maior parte dos nossos recursos e boa parte das nossas energias? Os senhores do mundo só condenam a violência quando são outros os que a exercem. E este monopólio da violência se traduz em um fato inexplicável para os extraterrestres e também insuportável para os terrestres que ainda queremos, contra toda evidência, sobreviver: os humanos somos os únicos especializados no extermínio mútuo e desenvolvemos uma tecnologia da destruição que está aniquilando, de passagem, ao planeta e a todos os seus habitantes.
Esta tecnologia se alimenta do medo. É o medo que fabrica os inimigos que justificam o desperdício militar e policial. E em vias de implantar a pena de morte, que tal se condenamos à morte o medo? Não seria saudável acabar com essa ditadura universal dos assustadores profissionais? Os semeadores de pânico nos condenam à solidão, nos proíbem a solidariedade: salve-se quem puder, destruam-se uns aos outros, o próximo é sempre um perigo que se aproxima, olho, cuidado, esse cara vai te roubar, aquele vai te violar, este carrinho de nenê esconde bomba muçulmana e se essa mulher te olha, essa vizinha de aspecto inocente, certamente vai te contagiar com a gripe Porcina.
No mundo de cabeça para baixo, dão medo até os mais elementares atos de justiça e de bom senso. Quando o presidente Evo Morales começou a refundação da Bolívia, para que esse país de maioria indígena, deixasse de ter vergonha de olhar no espelho, provocou pânico. Este desafio era catastrófico do ponto de vista da ordem racista tradicional, que dizia que era a unida ordem possível. Evo era, trazia o caos e a violência e por sua culpa a unidade nacional ia explodir em pedaços. E quando o presidente equatoriano Rafael Correa anunciou que se negava a pagar as dívidas não legítimas, a noticia produziu terror no mundo financeiro e o Equador foi ameaçado com terríveis castigos, por estar dando um tão mau exemplo. Se as ditaduras militares e os políticos ladrões foram sempre mimado pelos bancos internacionais, não nos acostumamos já a aceitar como fatalidade do destino que o povo pague o garrote que o golpeia e a cobiça que o saqueia?
Mas será que se divorciaram para sempre o bom senso e a justiça? Não nasceram para andar juntos, bem pegadinhos, o bom senso e a justiça?
Não é de bom senso, e também de justiça, esse lema das feministas que dizem que se nós, os machos, ficássemos grávidos, o aborto seria livre? Por que não se legaliza o direito ao aborto? Será porque então deixaria de ser o privilegio das mulheres que podem paga-lo e dos médicos que podem cobrá-lo?
O mesmo acontece com outro escandaloso caso de negação da justiça e do bom senso: por que não se legalizam as drogas? Por acaso não se trata, como no caso do aborto, uma questão de saúde publica? E o país que tem mais drogados, que autoridade moral tem, que autoridade moral tem para condenar aos que abastecem sua demanda? E por que os grandes meios de comunicação, tão consagrados à guerra contra o flagelo da droga, não dizem nunca que ela provêm do Afeganistão quase toda a heroína que se consome no mundo? Quem manda no Afeganistão? Não é esse um país ocupado militarmente pelo pais messiânico que se atribui a missão de salvar a todos nós?
Por que não se legalizam as drogas pura e simplesmente? Não será porque elas dão o melhor pretexto para as invasões militares, além de brindar os mais suculentos lucros aos bancos que de noite trabalham como lavanderias?
Agora o mundo está triste porque se vendem menos carros. Uma das conseqüências da crise mundial é a queda da próspera indústria automobilística. Se tivéssemos algum resto de bom senso e um pouquinho de sentido de justiça, não teríamos que celebrar essa boa noticia? Ou por acaso a diminuição de automóveis não é uma boa noticia, do ponto de vista da natureza, que estará um pouquinho menos envenenada e dos pedestres, que morrerão um pouco menos?
Segundo Lewis Carroll, a Rainha explicou a Alice como funciona a justiça no país das maravilhas:
- Ai você tem – disse a Rainha. Está preso cumprindo sua condenação; mas o processo só vai começar na segunda-feira. E, claro, o crime será cometido no final.
Em El Salvador, o arcebispo Oscar Arnulfo Romero comprovou que a justiça, como a serpente, só morde aos descalços. Ele morreu baleado, por denunciar que no seu país os descalços nasciam condenados de atenção pelo delito de nascimento.
O resultado das recentes eleições em El Salvador não é de alguma forma uma homenagem. Uma homenagem ao arcebispo Romero e aos milhares que como ele morreram lutando por uma justiça justa no reino da injustiça?
Às vezes acabam mal as historias da História, mas ela, a História, não acaba. Quando diz adeus, está dizendo até logo.
Tradução: Emir Sader
Fonte: Agência Carta Maior
Segundo a revista [i]Foreign Policy[/i], a Somalia é o lugar mais perigoso do mundo. Mas quem são os piratas? Os mortos de fome que assaltam navios ou os especuladores de Wall Street, que há anos assaltam o mundo e agora recebem multimilionárias recompensas por suas atividades? Por que o mundo premia os que o saqueiam? Por que a justiça é cega de um único olho? Wal Mart, a empresa mais poderosa de todas, proíbe os sindicatos. McDonald’s, também. Por que estas empresa violam, com delinqüente impunidade, a lei internacional? O artigo é de Eduardo Galeano
Eduardo Galeano
Data: 10/05/2009
Quero compartilhar com vocês algumas perguntas, moscas que zumbem na minha cabeça:
O zapatista do Iraque, o que jogou os sapatos contra Bush, foi condenado a três anos de prisão. Não merecia, na verdade, uma condecoração?
Quem é o terrorista? O zapatista ou o zapateado? Não é culpado de terrorismo o serial killer que, mentindo, inventou a guerra do Iraque, assassinou a um montão de gente, legalizou a tortura e mandou aplicá-la?
São culpados os habitantes de Atenco, no México, ou os indígenas mapuches do Chile, ou os kekchies da Guatemala, ou os camponeses sem terra do Brasil, todos acusados de terrorismo por defender seu direito à terra? Se sagrada é a terra, mesmo se a lei não o diga, não são sagrados também os que a defendem?
Segundo a revista Foreign Policy, a Somalia é o lugar mais perigoso do mundo. Mas quem são os piratas? Os mortos de fome que assaltam navios ou os especuladores de Wall Street, que há anos assaltam o mundo e agora recebem multimilionárias recompensas por suas atividades?
Porque o mundo premia os que o saqueiam?
Por que a justiça é cega de um único olho? Wal Mart, a empresa mais poderosa de todas, proíbe os sindicatos. McDonald’s, também. Por que estas empresa violam, com delinqüente impunidade, a lei internacional? Será que é por que no mundo do nosso tempo o trabalho vale menos do que o lixo e valem menos ainda os direitos dos trabalhadores?
Quem são os justos e quem são os injustos? Se a justiça internacional realmente existe, por que não julga nunca aos poderosos? Não são presos os autores dos mais ferozes massacres? Será que é porque são eles que têm as chaves das prisões?
Por que são intocáveis as cinco potências que tem direito de veto nas Nações Unidas? Esse direito tem origem divina? Velam pela paz os que fazem o negócio da guerra? É justo que a paz mundial esteja a cargo das cinco potências que são as cinco principais produtoras de armas? Sem desprezar aos narcotraficantes, este também não é um caso de “crime organizado”?
Mas não demandam castigo contra os senhores do mundo os clamores dos que exigem, em todos os lugares, a pena de morte. Só faltava isso. Os clamores clamam contra os assassinos que usam navalhas, não contra os que usam mísseis.
E a gente se pergunta: já que esses justiceiros estão tão loucos de vontade de matar, por que não exigem a pena de morte contra a injustiça social? É justo um mundo em que a cada minuto destina três milhões de dólares aos gastos militares, enquanto a cada minuto morrem quinze crianças por fome ou doença curável? Contra quem se arma, até os dentes, a chamada comunidade internacional? Contra a pobreza ou contra os pobres?
Porque os adeptos fervorosos da pena de morte não exigem a pena de morte contra os valores da sociedade de consumo, que cotidianamente atentam contra a segurança pública? Ou por acaso não convida ao crime o bombardeio de publicidade que aturde a milhões e milhões de jovens desempregados ou mal pagos, repetindo para eles dia e noite que ser é ter, ter um automóvel, ter sapatos de marca, ter, ter, e que não tem, não é?
E por que não se implanta a pena de morte contra a pena de morte? O mundo está organizado a serviço da morte. Ou não fabrica a morte a industria militar, que devora a maior parte dos nossos recursos e boa parte das nossas energias? Os senhores do mundo só condenam a violência quando são outros os que a exercem. E este monopólio da violência se traduz em um fato inexplicável para os extraterrestres e também insuportável para os terrestres que ainda queremos, contra toda evidência, sobreviver: os humanos somos os únicos especializados no extermínio mútuo e desenvolvemos uma tecnologia da destruição que está aniquilando, de passagem, ao planeta e a todos os seus habitantes.
Esta tecnologia se alimenta do medo. É o medo que fabrica os inimigos que justificam o desperdício militar e policial. E em vias de implantar a pena de morte, que tal se condenamos à morte o medo? Não seria saudável acabar com essa ditadura universal dos assustadores profissionais? Os semeadores de pânico nos condenam à solidão, nos proíbem a solidariedade: salve-se quem puder, destruam-se uns aos outros, o próximo é sempre um perigo que se aproxima, olho, cuidado, esse cara vai te roubar, aquele vai te violar, este carrinho de nenê esconde bomba muçulmana e se essa mulher te olha, essa vizinha de aspecto inocente, certamente vai te contagiar com a gripe Porcina.
No mundo de cabeça para baixo, dão medo até os mais elementares atos de justiça e de bom senso. Quando o presidente Evo Morales começou a refundação da Bolívia, para que esse país de maioria indígena, deixasse de ter vergonha de olhar no espelho, provocou pânico. Este desafio era catastrófico do ponto de vista da ordem racista tradicional, que dizia que era a unida ordem possível. Evo era, trazia o caos e a violência e por sua culpa a unidade nacional ia explodir em pedaços. E quando o presidente equatoriano Rafael Correa anunciou que se negava a pagar as dívidas não legítimas, a noticia produziu terror no mundo financeiro e o Equador foi ameaçado com terríveis castigos, por estar dando um tão mau exemplo. Se as ditaduras militares e os políticos ladrões foram sempre mimado pelos bancos internacionais, não nos acostumamos já a aceitar como fatalidade do destino que o povo pague o garrote que o golpeia e a cobiça que o saqueia?
Mas será que se divorciaram para sempre o bom senso e a justiça? Não nasceram para andar juntos, bem pegadinhos, o bom senso e a justiça?
Não é de bom senso, e também de justiça, esse lema das feministas que dizem que se nós, os machos, ficássemos grávidos, o aborto seria livre? Por que não se legaliza o direito ao aborto? Será porque então deixaria de ser o privilegio das mulheres que podem paga-lo e dos médicos que podem cobrá-lo?
O mesmo acontece com outro escandaloso caso de negação da justiça e do bom senso: por que não se legalizam as drogas? Por acaso não se trata, como no caso do aborto, uma questão de saúde publica? E o país que tem mais drogados, que autoridade moral tem, que autoridade moral tem para condenar aos que abastecem sua demanda? E por que os grandes meios de comunicação, tão consagrados à guerra contra o flagelo da droga, não dizem nunca que ela provêm do Afeganistão quase toda a heroína que se consome no mundo? Quem manda no Afeganistão? Não é esse um país ocupado militarmente pelo pais messiânico que se atribui a missão de salvar a todos nós?
Por que não se legalizam as drogas pura e simplesmente? Não será porque elas dão o melhor pretexto para as invasões militares, além de brindar os mais suculentos lucros aos bancos que de noite trabalham como lavanderias?
Agora o mundo está triste porque se vendem menos carros. Uma das conseqüências da crise mundial é a queda da próspera indústria automobilística. Se tivéssemos algum resto de bom senso e um pouquinho de sentido de justiça, não teríamos que celebrar essa boa noticia? Ou por acaso a diminuição de automóveis não é uma boa noticia, do ponto de vista da natureza, que estará um pouquinho menos envenenada e dos pedestres, que morrerão um pouco menos?
Segundo Lewis Carroll, a Rainha explicou a Alice como funciona a justiça no país das maravilhas:
- Ai você tem – disse a Rainha. Está preso cumprindo sua condenação; mas o processo só vai começar na segunda-feira. E, claro, o crime será cometido no final.
Em El Salvador, o arcebispo Oscar Arnulfo Romero comprovou que a justiça, como a serpente, só morde aos descalços. Ele morreu baleado, por denunciar que no seu país os descalços nasciam condenados de atenção pelo delito de nascimento.
O resultado das recentes eleições em El Salvador não é de alguma forma uma homenagem. Uma homenagem ao arcebispo Romero e aos milhares que como ele morreram lutando por uma justiça justa no reino da injustiça?
Às vezes acabam mal as historias da História, mas ela, a História, não acaba. Quando diz adeus, está dizendo até logo.
Tradução: Emir Sader
Fonte: Agência Carta Maior
sexta-feira, 8 de maio de 2009
A esquerda e a crise - Por José Luís Fiori
A esquerda e a crise
Neste período haverá resistência e haverá conflitos sociais agudos, e se a crise se prolongar, deverão se multiplicar as rebeliões sociais e as guerras civis nas zonas de fratura do sistema mundial, e é provável que algumas destas rebeliões voltem a se colocar objetivos socialistas. Mas do nosso ponto de vista, não haverá uma mudança de modo de produção em escala mundial, nem tampouco ocorrerá uma superação hegeliana do sistema inter-estatal capitalista. A análise é de José Luís Fiori.
José Luís Fiori
Data: 07/05/2009
A esquerda keynesiana interpreta de forma mais ou menos consensual, a nova crise econômica mundial que começou no mercado imobiliário americano, e se alastrou pelas veias abertas da globalização financeira. Seguindo o argumento clássico de Hyman Minsky [1], sobre a tendência endógena das economias monetárias à instabilidade financeira, às bolhas especulativas e à períodos de desorganização e caos provocados pela expansão desregulada do crédito e do endividamento, quando se faz inevitável a intervenção publica e o redesenho das instituições financeiras [2], sem que isto ameace a sobrevivência do próprio capitalismo.
Por isto, apesar de suas divergências a respeito de valores, procedimentos e velocidades, todos os keynesianos acreditam na eficácia, e propõem, neste momento, uma intervenção massiva do estado, para salvar o sistema financeiro e reativar o crédito, a produção e a demanda efetiva das principais economias capitalistas do mundo [3]. No caso da esquerda marxista, entretanto, não existe uma interpretação consensual da crise, nem existe acordo sobre os caminhos do futuro. Alguns seguem uma linha próxima da escola keynesiana, e privilegiam a financeirização capitalista como causa da crise atual, enquanto outros seguem a linha clássica da teoria da sobre-produção, do sub-consumo [4], e da tendência ao declínio da taxa de lucros [5]. E ainda existe uma esquerda pós-moderna que interpreta a crise atual, como resultado combinado de tudo isto e mais uma série de determinações ecológicas, demográficas, alimentares e energéticas.
Do ponto de vista propositivo, alguns marxistas acreditam na eficácia de uma solução keynesiana radicalizada [6], outros acham que chegou a hora do socialismo [7], e muitos consideram que acabou o capitalismo e a modernidade e só cabe lutar por uma nova forma de globalização solidária, onde as relações sociais sejam desmercantilizadas, e o produto social seja devolvido aos seus produtores diretos [8]. Numa linha diferente, se colocam os autores neo-marxistas que associam as crises econômicas capitalistas, com o que chamam de ciclos e crises hegemônicas mundiais, que envolvem - além da economia - as relações globais de poder [9]. Estas teorias lêem a história do sistema mundial como uma sucessão de ciclos hegemônicos, uma espécie de ciclos biológicos dos estados e das economias nacionais que nascem, crescem, dominam o mundo e depois decaem e são substituídos por um novo estado e uma nova economia nacional que percorreria o mesmo ciclo anterior até chegar à sua própria hora da decadência. Neste momento, a maioria destes autores consideram que a crise econômica atual é uma parte decisiva da crise da hegemonia dos EUA, que deverão ser substituídos por uma novo centro de poder e acumulação mundial de capital, que provavelmente está situado na China.
Do nosso ponto de vista, entretanto, a melhor maneira de pensar o “ sistema inter-estatal capitalista, que se formou a partir da expansão européia do século XVI, não é através de uma metáfora biológica, e sim cosmológica, olhando para o sistema como se ele fosse um universo em expansão contínua. Com um núcleo central formado pelos estados e economias nacionais que lutam pelo "poder global", que são inseparáveis, complementares e competitivos e que estão em permanente preparação para a guerra, uma guerra futura e eventual, que talvez nunca ocorra, e que não é necessário que venha a ocorrer [10]. Por isto, os estados e economias que compõem o sistema inter-estatal capitalista estão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise, paz e guerra. E as potências que uma vez ocupam a posição de liderança, não desaparecem, nem são derrotadas por seu sucessor. Elas permanecem e tendem a se fundir com as forças ascendentes, criando blocos político-econômicos cada vez mais poderosos como aconteceu, por exemplo, no caso da sucessão da Holanda pela Grã Bretanha, e desta, pelos Estados Unidos, que significou de fato um alargamento sucessivo das fronteiras do poder anglo-saxônico.
Não existe ainda nenhuma teoria que dê conta das relações entre as crises econômicas e as transformações geopolíticas do sistema mundial. Mas o que já está claro faz muito tempo é que dentro do sistema inter-estatal capitalista, as crises econômicas e as guerras não são, necessariamente, um anuncio do "fim" ou do "colapso" dos estados e das economias envolvidas. Pelo contrário, na maioria das vezes fazem parte de um mecanismo essencial da acumulação do poder e da riqueza dos estados mais fortes envolvidos na origem e na dinâmica destas grandes turbulências. Agora bem, do nosso ponto de vista, as crises e guerras que estão em curso neste inicio do século XXI ainda fazem parte de uma transformação estrutural, de longo prazo, que começou na década de 1970 e provocou uma "explosão expansiva" e um grande aumento da "pressão competitiva" interna, dentro do sistema mundial. Esta transformação estrutural em curso começou na década de 70, exatamente no momento em que se começou a falar de crise da hegemonia americana, e de início da crise terminal do poder americano. E no entanto, foi a resposta que os EUA deram à sua própria crise que acabou provocando esta transformação de longo prazo da economia e da política mundial que está em pleno curso.
Basta dizer que foram estas mudanças lideradas pelos EUA que trouxeram de volta ao sistema mundial, depois de 1991, as duas velhas potências do século XIX, a Alemanha e a Rússia, além de incluir dentro do sistema, a China, a Índia, e quase todos os principais concorrentes dos Estados Unidos, deste início de século. Neste sentido, aliás, a“crise de liderança” dos Estados Unidos, depois de 2003, serviu apenas para dar uma maior visibilidade a este processo que se acelerou depois do fim da Guerra Fria, já agora com novas e velhas potencias regionais atuando de forma cada vez mais desembaraçada, na defesa dos seus interesses nacionais e na reivindicação de suas zonas de influência.
Do ponto de vista do sistema inter-estatal capitalista, esta dinâmica contraditória significa que os EUA ainda estão liderando as transformações estruturais do próprio sistema. A política expansiva dos EUA, desde 1970 ativou e aprofundou as contradições do sistema, derrubou instituições e regras, fez guerras e acabou fortalecendo os estados e as economias que hoje estão disputando com eles, as supremacias regionais, ao redor do mundo. Mas ao mesmo tempo, estas mesmas competições e guerras, cumpriram e seguem cumprindo um papel decisivo, na reprodução e na acumulação do poder e do capital norte-americano, que também necessita manter-se em estado de tensão permanente, para reproduzir sua posição, no topo da hierarquia mundial. O fundamental, no fim de cada uma destas grandes tormentas é saber quem ficou com o controle da moeda internacional, dos mercados financeiros, e da inovação tecnológico-militar de ponta.
Neste momento, não há perspectiva de superação do poder militar dos EUA, do ponto de vista de suas dimensões atuais, da sua velocidade de expansão, e da sua capacidade de inovação, apesar dos seu insucesso no Oriente Médio. E tampouco existe no horizonte a possibilidade de substituição dos EUA como mercado financeiro do mundo, devido a profundidade e extensão dos seus próprios mercados e do seu capital financeiro, e devido a centralidade internacional da moeda americana.
Basta olhar para a reação dos governos e dos investidores de todo mundo que estão se defendendo da crise do dólar fugindo para o próprio dólar, e para os títulos do Tesouro americano, apesar de sua baixíssima rentabilidade, e apesar de que o epicentro da crise esteja nos EUA. E o que mais chama a atenção, é que são exatamente os governos dos estados que estariam ameaçando a supremacia americana, os primeiros a se refugiarem na moeda e nos títulos do seu Tesouro. Para explicar este comportamento aparentemente paradoxal, é preciso deixar de lado as teorias econômicas convencionais e também, as teorias das crises e sucessões hegemônicas, e olhar para a especificidade deste novo sistema monetário internacional que nasceu à sombra da expansão do poder americano, depois da crise da década de 70.
Desde então, os EUA se transformaram no mercado financeiro do mundo, e o seu Banco Central (FED), passou a emitir uma moeda nacional de circulação internacional, sem base metálica, administrada através das taxas de juros do próprio FED, e dos títulos emitidos pelo Tesouro americano, que atuam em todo mundo, como lastro do sistema dólar-flexível. Por isso, a quase totalidade dos passivos externos americanos é denominada em dólares e praticamente todas as importações de bens e serviços dos EUA são pagas exclusivamente em dólar. Uma situação única que gera enorme assimetria entre o ajuste externo dos EUA e dos demais países [...]. Por isso, também, a remuneração em dólares dos passivos externos financeiros americanos que são todos denominados em dólar, seguem de perto a trajetória das taxas de juros determinadas pela própria política monetária americana, configurando um caso único em que um país devedor determina a taxa de juros de sua própria dívida externa. [11] Uma mágica poderosa e uma circularidade imbatível, porque se sustenta de forma exclusiva, no poder político e econômico norte-americano.
Agora mesmo, por exemplo, para enfrentar a crise, o Tesouro americano emitirá novos títulos que serão comprados, pelos governos e investidores de todo mundo, como justifica o influente economista chinês, Yuan Gangming, ao garantir que é bom para a China investir muito nos EUA; porque não há muitas outras opções para suas reservas internacionais de quase US$ 2 trilhões, e as economias da China e dos EUA são interdependentes. (FSP, 24/11). Por isto, do meu ponto de vista, apesar da violência desta crise financeira, e dos seus efeitos em cadeia sobre a economia mundial, tampouco haverá uma sucessão chinesa na liderança política e militar do sistema mundial. Pelo contrário, do ponto de vista estritamente econômico, o mais provável é que ocorra um aprofundamento da fusão financeira em curso desde a década de 90, entre a China e os Estados Unidos, e esta integração será decisiva para a superação futura da crise econômica. A crise atual começou na forma de um tufão, mas deverá se prolongar na forma de uma epidemia darwinista, que irá liquidando os mais fracos, por níveis sucessivos, nacionais e internacionais, e aprofundará a corrida imperialista que começou nos anos 90. Na hora da volta do sol poucos estarão na praia, mas com certeza os EUA ainda estarão na frente deste grupo seleto. E quase todos os países que estavam ascendendo nas duas últimas décadas e desafiando a ordem internacional estabelecida, serão recolocados no seu lugar. Neste período haverá resistência e haverá conflitos sociais agudos, e se a crise se prolongar, deverão se multiplicar as rebeliões sociais e as guerras civis nas zonas de fratura do sistema mundial, e é provável que algumas destas rebeliões voltem a se colocar objetivos socialistas. Mas do nosso ponto de vista, não haverá uma mudança de modo de produção em escala mundial, nem tampouco ocorrerá uma superação hegeliana do sistema inter-estatal capitalista.
[1] Minsky, P.H.(1975) The Modeling of Financial Instability: An introduction", 1974, Modelling and Simulation. John Maynard Keynes, 1975, e "The Financial Instability Hypothesis: A restatement", 1978, Thames Papers on Political Economy.
[2] Wade, R. (2008), A new global financial architeture”, in New Left, n53, set/out
[3] Ferrari, F. e Paula, L.F. (2008), Dossiê da Crise, Associação Keynesiana Brasileira, UFRGS
[4] Oliveira, F. (2009), “Vargas redefiniu o país na crise de 30”, in www. cartamaior.com.br, 6/01/2009
[5] Brenner, R. (2008)”O princípio de uma crise devastadora”, in , in Against the Current, fev 2008
[6] Tavares, M.C. (2008), “Entupiu o sistema circulatório do sistema do capitalismo”, in www.cartamaior.com.br13/11/2008 e Belluzzo,L.G. (2008) Cortar gasto publico?”, www.cartamaior.com.br. 13/11/2008
[7] Amin, S. (2008). There is no alternative to socialism, in Indian’s National Magazine, vol 25, issue 26, de 20/12/2008 e Meszaros, I.(2009) A maior crise na história humana”, in www.cartamaior.com.br, 07/02/2009
[8] Wallerstein, I. (2008) “Depressão, uma visão de longa duração”, in www.cartamaior.com.br, 13/11/2008
[9] Arrighi, G. (2008) “A hegemonia em cheque”, in www.cartamaior.com.br, 19/06/2008
[10] Este argumento está desenvolvido em J.L.Fiori “O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações” , Editora Boitempo, São Paulo, 2007, e no artigo “O sistema inter-estatal capitalista, no início do Século XXI”, in J.L.Fiori, C.Medeiros e F.Serrano, “O Mito do Colapso do Poder Americano”, Editora Record, Rio de Janeiro 2008.
[11] Serrano, F. (2008) “A economia Americana, o padrão “dólar-flexível” e a expansão mundial nos anos 2000”, in J.L Fiori, F. Serrano e C. Medeiros, O MITO DO COLAPSO DO PODER AMERICANO,Editora Record, Rio de Janeiro.
Fonte: Agência Carta Maior
Neste período haverá resistência e haverá conflitos sociais agudos, e se a crise se prolongar, deverão se multiplicar as rebeliões sociais e as guerras civis nas zonas de fratura do sistema mundial, e é provável que algumas destas rebeliões voltem a se colocar objetivos socialistas. Mas do nosso ponto de vista, não haverá uma mudança de modo de produção em escala mundial, nem tampouco ocorrerá uma superação hegeliana do sistema inter-estatal capitalista. A análise é de José Luís Fiori.
José Luís Fiori
Data: 07/05/2009
A esquerda keynesiana interpreta de forma mais ou menos consensual, a nova crise econômica mundial que começou no mercado imobiliário americano, e se alastrou pelas veias abertas da globalização financeira. Seguindo o argumento clássico de Hyman Minsky [1], sobre a tendência endógena das economias monetárias à instabilidade financeira, às bolhas especulativas e à períodos de desorganização e caos provocados pela expansão desregulada do crédito e do endividamento, quando se faz inevitável a intervenção publica e o redesenho das instituições financeiras [2], sem que isto ameace a sobrevivência do próprio capitalismo.
Por isto, apesar de suas divergências a respeito de valores, procedimentos e velocidades, todos os keynesianos acreditam na eficácia, e propõem, neste momento, uma intervenção massiva do estado, para salvar o sistema financeiro e reativar o crédito, a produção e a demanda efetiva das principais economias capitalistas do mundo [3]. No caso da esquerda marxista, entretanto, não existe uma interpretação consensual da crise, nem existe acordo sobre os caminhos do futuro. Alguns seguem uma linha próxima da escola keynesiana, e privilegiam a financeirização capitalista como causa da crise atual, enquanto outros seguem a linha clássica da teoria da sobre-produção, do sub-consumo [4], e da tendência ao declínio da taxa de lucros [5]. E ainda existe uma esquerda pós-moderna que interpreta a crise atual, como resultado combinado de tudo isto e mais uma série de determinações ecológicas, demográficas, alimentares e energéticas.
Do ponto de vista propositivo, alguns marxistas acreditam na eficácia de uma solução keynesiana radicalizada [6], outros acham que chegou a hora do socialismo [7], e muitos consideram que acabou o capitalismo e a modernidade e só cabe lutar por uma nova forma de globalização solidária, onde as relações sociais sejam desmercantilizadas, e o produto social seja devolvido aos seus produtores diretos [8]. Numa linha diferente, se colocam os autores neo-marxistas que associam as crises econômicas capitalistas, com o que chamam de ciclos e crises hegemônicas mundiais, que envolvem - além da economia - as relações globais de poder [9]. Estas teorias lêem a história do sistema mundial como uma sucessão de ciclos hegemônicos, uma espécie de ciclos biológicos dos estados e das economias nacionais que nascem, crescem, dominam o mundo e depois decaem e são substituídos por um novo estado e uma nova economia nacional que percorreria o mesmo ciclo anterior até chegar à sua própria hora da decadência. Neste momento, a maioria destes autores consideram que a crise econômica atual é uma parte decisiva da crise da hegemonia dos EUA, que deverão ser substituídos por uma novo centro de poder e acumulação mundial de capital, que provavelmente está situado na China.
Do nosso ponto de vista, entretanto, a melhor maneira de pensar o “ sistema inter-estatal capitalista, que se formou a partir da expansão européia do século XVI, não é através de uma metáfora biológica, e sim cosmológica, olhando para o sistema como se ele fosse um universo em expansão contínua. Com um núcleo central formado pelos estados e economias nacionais que lutam pelo "poder global", que são inseparáveis, complementares e competitivos e que estão em permanente preparação para a guerra, uma guerra futura e eventual, que talvez nunca ocorra, e que não é necessário que venha a ocorrer [10]. Por isto, os estados e economias que compõem o sistema inter-estatal capitalista estão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise, paz e guerra. E as potências que uma vez ocupam a posição de liderança, não desaparecem, nem são derrotadas por seu sucessor. Elas permanecem e tendem a se fundir com as forças ascendentes, criando blocos político-econômicos cada vez mais poderosos como aconteceu, por exemplo, no caso da sucessão da Holanda pela Grã Bretanha, e desta, pelos Estados Unidos, que significou de fato um alargamento sucessivo das fronteiras do poder anglo-saxônico.
Não existe ainda nenhuma teoria que dê conta das relações entre as crises econômicas e as transformações geopolíticas do sistema mundial. Mas o que já está claro faz muito tempo é que dentro do sistema inter-estatal capitalista, as crises econômicas e as guerras não são, necessariamente, um anuncio do "fim" ou do "colapso" dos estados e das economias envolvidas. Pelo contrário, na maioria das vezes fazem parte de um mecanismo essencial da acumulação do poder e da riqueza dos estados mais fortes envolvidos na origem e na dinâmica destas grandes turbulências. Agora bem, do nosso ponto de vista, as crises e guerras que estão em curso neste inicio do século XXI ainda fazem parte de uma transformação estrutural, de longo prazo, que começou na década de 1970 e provocou uma "explosão expansiva" e um grande aumento da "pressão competitiva" interna, dentro do sistema mundial. Esta transformação estrutural em curso começou na década de 70, exatamente no momento em que se começou a falar de crise da hegemonia americana, e de início da crise terminal do poder americano. E no entanto, foi a resposta que os EUA deram à sua própria crise que acabou provocando esta transformação de longo prazo da economia e da política mundial que está em pleno curso.
Basta dizer que foram estas mudanças lideradas pelos EUA que trouxeram de volta ao sistema mundial, depois de 1991, as duas velhas potências do século XIX, a Alemanha e a Rússia, além de incluir dentro do sistema, a China, a Índia, e quase todos os principais concorrentes dos Estados Unidos, deste início de século. Neste sentido, aliás, a“crise de liderança” dos Estados Unidos, depois de 2003, serviu apenas para dar uma maior visibilidade a este processo que se acelerou depois do fim da Guerra Fria, já agora com novas e velhas potencias regionais atuando de forma cada vez mais desembaraçada, na defesa dos seus interesses nacionais e na reivindicação de suas zonas de influência.
Do ponto de vista do sistema inter-estatal capitalista, esta dinâmica contraditória significa que os EUA ainda estão liderando as transformações estruturais do próprio sistema. A política expansiva dos EUA, desde 1970 ativou e aprofundou as contradições do sistema, derrubou instituições e regras, fez guerras e acabou fortalecendo os estados e as economias que hoje estão disputando com eles, as supremacias regionais, ao redor do mundo. Mas ao mesmo tempo, estas mesmas competições e guerras, cumpriram e seguem cumprindo um papel decisivo, na reprodução e na acumulação do poder e do capital norte-americano, que também necessita manter-se em estado de tensão permanente, para reproduzir sua posição, no topo da hierarquia mundial. O fundamental, no fim de cada uma destas grandes tormentas é saber quem ficou com o controle da moeda internacional, dos mercados financeiros, e da inovação tecnológico-militar de ponta.
Neste momento, não há perspectiva de superação do poder militar dos EUA, do ponto de vista de suas dimensões atuais, da sua velocidade de expansão, e da sua capacidade de inovação, apesar dos seu insucesso no Oriente Médio. E tampouco existe no horizonte a possibilidade de substituição dos EUA como mercado financeiro do mundo, devido a profundidade e extensão dos seus próprios mercados e do seu capital financeiro, e devido a centralidade internacional da moeda americana.
Basta olhar para a reação dos governos e dos investidores de todo mundo que estão se defendendo da crise do dólar fugindo para o próprio dólar, e para os títulos do Tesouro americano, apesar de sua baixíssima rentabilidade, e apesar de que o epicentro da crise esteja nos EUA. E o que mais chama a atenção, é que são exatamente os governos dos estados que estariam ameaçando a supremacia americana, os primeiros a se refugiarem na moeda e nos títulos do seu Tesouro. Para explicar este comportamento aparentemente paradoxal, é preciso deixar de lado as teorias econômicas convencionais e também, as teorias das crises e sucessões hegemônicas, e olhar para a especificidade deste novo sistema monetário internacional que nasceu à sombra da expansão do poder americano, depois da crise da década de 70.
Desde então, os EUA se transformaram no mercado financeiro do mundo, e o seu Banco Central (FED), passou a emitir uma moeda nacional de circulação internacional, sem base metálica, administrada através das taxas de juros do próprio FED, e dos títulos emitidos pelo Tesouro americano, que atuam em todo mundo, como lastro do sistema dólar-flexível. Por isso, a quase totalidade dos passivos externos americanos é denominada em dólares e praticamente todas as importações de bens e serviços dos EUA são pagas exclusivamente em dólar. Uma situação única que gera enorme assimetria entre o ajuste externo dos EUA e dos demais países [...]. Por isso, também, a remuneração em dólares dos passivos externos financeiros americanos que são todos denominados em dólar, seguem de perto a trajetória das taxas de juros determinadas pela própria política monetária americana, configurando um caso único em que um país devedor determina a taxa de juros de sua própria dívida externa. [11] Uma mágica poderosa e uma circularidade imbatível, porque se sustenta de forma exclusiva, no poder político e econômico norte-americano.
Agora mesmo, por exemplo, para enfrentar a crise, o Tesouro americano emitirá novos títulos que serão comprados, pelos governos e investidores de todo mundo, como justifica o influente economista chinês, Yuan Gangming, ao garantir que é bom para a China investir muito nos EUA; porque não há muitas outras opções para suas reservas internacionais de quase US$ 2 trilhões, e as economias da China e dos EUA são interdependentes. (FSP, 24/11). Por isto, do meu ponto de vista, apesar da violência desta crise financeira, e dos seus efeitos em cadeia sobre a economia mundial, tampouco haverá uma sucessão chinesa na liderança política e militar do sistema mundial. Pelo contrário, do ponto de vista estritamente econômico, o mais provável é que ocorra um aprofundamento da fusão financeira em curso desde a década de 90, entre a China e os Estados Unidos, e esta integração será decisiva para a superação futura da crise econômica. A crise atual começou na forma de um tufão, mas deverá se prolongar na forma de uma epidemia darwinista, que irá liquidando os mais fracos, por níveis sucessivos, nacionais e internacionais, e aprofundará a corrida imperialista que começou nos anos 90. Na hora da volta do sol poucos estarão na praia, mas com certeza os EUA ainda estarão na frente deste grupo seleto. E quase todos os países que estavam ascendendo nas duas últimas décadas e desafiando a ordem internacional estabelecida, serão recolocados no seu lugar. Neste período haverá resistência e haverá conflitos sociais agudos, e se a crise se prolongar, deverão se multiplicar as rebeliões sociais e as guerras civis nas zonas de fratura do sistema mundial, e é provável que algumas destas rebeliões voltem a se colocar objetivos socialistas. Mas do nosso ponto de vista, não haverá uma mudança de modo de produção em escala mundial, nem tampouco ocorrerá uma superação hegeliana do sistema inter-estatal capitalista.
[1] Minsky, P.H.(1975) The Modeling of Financial Instability: An introduction", 1974, Modelling and Simulation. John Maynard Keynes, 1975, e "The Financial Instability Hypothesis: A restatement", 1978, Thames Papers on Political Economy.
[2] Wade, R. (2008), A new global financial architeture”, in New Left, n53, set/out
[3] Ferrari, F. e Paula, L.F. (2008), Dossiê da Crise, Associação Keynesiana Brasileira, UFRGS
[4] Oliveira, F. (2009), “Vargas redefiniu o país na crise de 30”, in www. cartamaior.com.br, 6/01/2009
[5] Brenner, R. (2008)”O princípio de uma crise devastadora”, in , in Against the Current, fev 2008
[6] Tavares, M.C. (2008), “Entupiu o sistema circulatório do sistema do capitalismo”, in www.cartamaior.com.br13/11/2008 e Belluzzo,L.G. (2008) Cortar gasto publico?”, www.cartamaior.com.br. 13/11/2008
[7] Amin, S. (2008). There is no alternative to socialism, in Indian’s National Magazine, vol 25, issue 26, de 20/12/2008 e Meszaros, I.(2009) A maior crise na história humana”, in www.cartamaior.com.br, 07/02/2009
[8] Wallerstein, I. (2008) “Depressão, uma visão de longa duração”, in www.cartamaior.com.br, 13/11/2008
[9] Arrighi, G. (2008) “A hegemonia em cheque”, in www.cartamaior.com.br, 19/06/2008
[10] Este argumento está desenvolvido em J.L.Fiori “O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações” , Editora Boitempo, São Paulo, 2007, e no artigo “O sistema inter-estatal capitalista, no início do Século XXI”, in J.L.Fiori, C.Medeiros e F.Serrano, “O Mito do Colapso do Poder Americano”, Editora Record, Rio de Janeiro 2008.
[11] Serrano, F. (2008) “A economia Americana, o padrão “dólar-flexível” e a expansão mundial nos anos 2000”, in J.L Fiori, F. Serrano e C. Medeiros, O MITO DO COLAPSO DO PODER AMERICANO,Editora Record, Rio de Janeiro.
Fonte: Agência Carta Maior
quarta-feira, 6 de maio de 2009
Mídia - O Câncer da Sociedade - Por Carlos Lopes
Mídia - O Câncer da Sociedade
A “Veja”, o leitor já sabe, é a coisa mais vigarista, sem escrúpulos e – permita-nos as senhoras – mais porca que existe na mídia. Portanto, não é uma surpresa, nem para nós nem para ninguém, que os poodles do Bob Civita tenham resolvido explorar politicamente o transitório mal que acometeu a ministra Dilma Rousseff. Entretanto, além de bater seus próprios recordes de sordidez, agora “Veja” acrescentou mais um: o de idiotice.
Imaginem que todas as páginas que ela dedica à doença da ministra, a começar da capa, são para dizer que o governo está explorando politicamente esse problema clínico. Enquanto diz isso, há descrições, inventadas e transudando entomológico sadismo (sim, o sadismo próprio dos insetos), sobre a primeira quimioterapia da ministra, sobre quando será a segunda, sobre quando começarão (?) a cair os cabelos da nossa fada, etc., etc., e mais não falaremos dessa abjeção porque o estômago não permite tal violência. Naturalmente, “Veja” não sabe nada sobre o assunto e muito menos sobre o caso concreto da ministra. Mas quem disse que seu interesse, ainda que por mínimo, esteja em fatos, ainda que sejam no terreno da falta de respeito e de limites contra um ser humano?
Certamente, não é novidade o ladrão que grita “pega ladrão”, ou o homicida que chama o vizinho de “assassino”, ou o escroque que culpa as autoridades por suas fraudes, ou o pedófilo que denuncia o primeiro passante como “pervertido”.
O original, no caso, é o criminoso acusar outros do crime enquanto o está cometendo, mais precisamente, no mesmo momento em que todos estão vendo que é ele, e não outros, que está cometendo o crime. Somente o Bob Civita poderia chegar a esse grau de imbecilidade – e, talvez, esteja explicado porque ele só consegue contratar imbecis.
Evidentemente, se eles dependem do câncer para eleger o Serra, é sinal de que as coisas estão muito ruins para o lado deles. Se a nossa candidata for Dilma, então, em breve estarão ferrados – e mal pagos. Nem o DOI-CODI conseguiu vencê-la. Quanto mais o Serra, que no momento está muito preocupado com os espirros da Miriam Leitão – ou será que nós confundimos os suínos?
No entanto, é disso mesmo que a “Veja” tem medo – e daí o recorde de idiotice obtido em sua última edição. Mas, em tudo, há algo de verdadeiro, como dizia algum teólogo. A identificação que o Civita e seus empregados têm pelo câncer é perfeitamente justa. Não é outra coisa o que eles são na sociedade brasileira. O tratamento, por sinal, é o mesmo.
CARLOS LOPES/Jornal Hora do Povo.
A “Veja”, o leitor já sabe, é a coisa mais vigarista, sem escrúpulos e – permita-nos as senhoras – mais porca que existe na mídia. Portanto, não é uma surpresa, nem para nós nem para ninguém, que os poodles do Bob Civita tenham resolvido explorar politicamente o transitório mal que acometeu a ministra Dilma Rousseff. Entretanto, além de bater seus próprios recordes de sordidez, agora “Veja” acrescentou mais um: o de idiotice.
Imaginem que todas as páginas que ela dedica à doença da ministra, a começar da capa, são para dizer que o governo está explorando politicamente esse problema clínico. Enquanto diz isso, há descrições, inventadas e transudando entomológico sadismo (sim, o sadismo próprio dos insetos), sobre a primeira quimioterapia da ministra, sobre quando será a segunda, sobre quando começarão (?) a cair os cabelos da nossa fada, etc., etc., e mais não falaremos dessa abjeção porque o estômago não permite tal violência. Naturalmente, “Veja” não sabe nada sobre o assunto e muito menos sobre o caso concreto da ministra. Mas quem disse que seu interesse, ainda que por mínimo, esteja em fatos, ainda que sejam no terreno da falta de respeito e de limites contra um ser humano?
Certamente, não é novidade o ladrão que grita “pega ladrão”, ou o homicida que chama o vizinho de “assassino”, ou o escroque que culpa as autoridades por suas fraudes, ou o pedófilo que denuncia o primeiro passante como “pervertido”.
O original, no caso, é o criminoso acusar outros do crime enquanto o está cometendo, mais precisamente, no mesmo momento em que todos estão vendo que é ele, e não outros, que está cometendo o crime. Somente o Bob Civita poderia chegar a esse grau de imbecilidade – e, talvez, esteja explicado porque ele só consegue contratar imbecis.
Evidentemente, se eles dependem do câncer para eleger o Serra, é sinal de que as coisas estão muito ruins para o lado deles. Se a nossa candidata for Dilma, então, em breve estarão ferrados – e mal pagos. Nem o DOI-CODI conseguiu vencê-la. Quanto mais o Serra, que no momento está muito preocupado com os espirros da Miriam Leitão – ou será que nós confundimos os suínos?
No entanto, é disso mesmo que a “Veja” tem medo – e daí o recorde de idiotice obtido em sua última edição. Mas, em tudo, há algo de verdadeiro, como dizia algum teólogo. A identificação que o Civita e seus empregados têm pelo câncer é perfeitamente justa. Não é outra coisa o que eles são na sociedade brasileira. O tratamento, por sinal, é o mesmo.
CARLOS LOPES/Jornal Hora do Povo.
Caiu a farsa da Globo sobre o conflito com o MST - Por Max Costa
CAIU A FARSA DA GLOBO SOBRE O CONFLITO COM O MST
Por Max Costa (*)
Desde o início, a história estava mal contada. Um novo conflito agrário no interior do Pará, em que profissionais do jornalismo teriam sido usados como escudo humano pelo MST e mantidos em cárcere privado pelo movimento, em uma propriedade rural, cujo dono dificilmente tinha seu nome revelado. Quem conhecia e acompanhava um pouco da história desse conflito sabia que isso se tratava de uma farsa. A população, por sua vez, apesar de aceitar a criminalização do MST pela mídia e criticar a ação do movimento, via que a história estava mal contada.
As perguntas principais eram: Como o cinegrafista, utilizado como escudo humano - considero aqui a expressão em seu real sentido e significados -, teria conseguido filmar todas as imagens? Como aconteceu essa troca de tiros, se as imagens mostravam apenas os "capangas" de Daniel Dantas atirando? Como as equipes de reportagem tiveram acesso à fazenda se a via principal estava bloqueada pelo MST? Por que o nome de Daniel Dantas dificilmente era citado como dono da fazenda e por que as matérias não faziam uma associação entre o proprietário da fazenda e suas rapinagens?
Para completar, o que não explicavam e escondiam da população: as equipes de reportagem foram para a fazenda a convite dos proprietários e com alguns custos bancados - inclusive tendo sido transportados em uma aeronave de Daniel Dantas - como se fossem fazer aquelas típicas matérias recomendadas, tão comum em revistas de turismo, decoração, moda e Cia (isso sem falar na Veja e congêneres).
Além disso, por que a mídia considerava cárcere privado o bloqueio de uma via? E por que o bloqueio dessa via não foi impedimento para a entrada dos jornalistas e agora teria passado a ser para a saída dos mesmos? Quer dizer então que, quando bloqueamos uma via em protesto, estamos colocando em cárcere privado, os milhares de transeuntes que teriam que passar pela mesma e que ficam horas nos engarrafamentos que causamos com nossos legítimos protestos?
Pois bem, as dúvidas eram muitas. Não apenas para quem tem contato com a militância social, mas para a população em geral, que embora alguns concordassem nas críticas da mídia ao MST, viam que a história estava mal contada. Agora, porém, essa história mal contada começa a ruir e a farsa começa a aparecer.
Na tarde de ontem, o repórter da TV Liberal, afiliada da TV Globo, Victor Haor, depôs ao delegado de Polícia de Interior do Estado do Pará. Em seu depoimento, negou que os profissionais do jornalismo tenham sido usados como escudo humano pelos sem-terra, bem como desmentiu a versão - propagada pela Liberal, Globo e Cia. - de que teriam ficado em cárcere privado.
Está de parabéns o repórter - um trabalhador que foi obrigado a cumprir uma pauta recomendada, mas que não aceitou mais compactuar com essa farsa. Talvez tenha lhe voltado à mente o horror presenciado pela repórter Marisa Romão, que em 1996 foi testemunha ocular do Massacre de Eldorado dos Carajás e não aceitou participar da farsa montada pelos latifundiários e por Almir Gabriel, vivendo desde então sob ameaças de morte.
A consciência deve ter pesado, ou o peso de um falso testemunho deva ter influenciado. O certo é que Haor não aceitou participar até o fim de uma pauta encomendada, tal quais os milhares de crimes que são encomendados no interior do Pará. Uma pauta que mostra a pistolagem eletrônica praticada por alguns veículos de comunicação e que temos o dever de denunciar.
(*) Max Costa é jornalista em Belém, PA.
Fonte: www.fazendomedia.com
Por Max Costa (*)
Desde o início, a história estava mal contada. Um novo conflito agrário no interior do Pará, em que profissionais do jornalismo teriam sido usados como escudo humano pelo MST e mantidos em cárcere privado pelo movimento, em uma propriedade rural, cujo dono dificilmente tinha seu nome revelado. Quem conhecia e acompanhava um pouco da história desse conflito sabia que isso se tratava de uma farsa. A população, por sua vez, apesar de aceitar a criminalização do MST pela mídia e criticar a ação do movimento, via que a história estava mal contada.
As perguntas principais eram: Como o cinegrafista, utilizado como escudo humano - considero aqui a expressão em seu real sentido e significados -, teria conseguido filmar todas as imagens? Como aconteceu essa troca de tiros, se as imagens mostravam apenas os "capangas" de Daniel Dantas atirando? Como as equipes de reportagem tiveram acesso à fazenda se a via principal estava bloqueada pelo MST? Por que o nome de Daniel Dantas dificilmente era citado como dono da fazenda e por que as matérias não faziam uma associação entre o proprietário da fazenda e suas rapinagens?
Para completar, o que não explicavam e escondiam da população: as equipes de reportagem foram para a fazenda a convite dos proprietários e com alguns custos bancados - inclusive tendo sido transportados em uma aeronave de Daniel Dantas - como se fossem fazer aquelas típicas matérias recomendadas, tão comum em revistas de turismo, decoração, moda e Cia (isso sem falar na Veja e congêneres).
Além disso, por que a mídia considerava cárcere privado o bloqueio de uma via? E por que o bloqueio dessa via não foi impedimento para a entrada dos jornalistas e agora teria passado a ser para a saída dos mesmos? Quer dizer então que, quando bloqueamos uma via em protesto, estamos colocando em cárcere privado, os milhares de transeuntes que teriam que passar pela mesma e que ficam horas nos engarrafamentos que causamos com nossos legítimos protestos?
Pois bem, as dúvidas eram muitas. Não apenas para quem tem contato com a militância social, mas para a população em geral, que embora alguns concordassem nas críticas da mídia ao MST, viam que a história estava mal contada. Agora, porém, essa história mal contada começa a ruir e a farsa começa a aparecer.
Na tarde de ontem, o repórter da TV Liberal, afiliada da TV Globo, Victor Haor, depôs ao delegado de Polícia de Interior do Estado do Pará. Em seu depoimento, negou que os profissionais do jornalismo tenham sido usados como escudo humano pelos sem-terra, bem como desmentiu a versão - propagada pela Liberal, Globo e Cia. - de que teriam ficado em cárcere privado.
Está de parabéns o repórter - um trabalhador que foi obrigado a cumprir uma pauta recomendada, mas que não aceitou mais compactuar com essa farsa. Talvez tenha lhe voltado à mente o horror presenciado pela repórter Marisa Romão, que em 1996 foi testemunha ocular do Massacre de Eldorado dos Carajás e não aceitou participar da farsa montada pelos latifundiários e por Almir Gabriel, vivendo desde então sob ameaças de morte.
A consciência deve ter pesado, ou o peso de um falso testemunho deva ter influenciado. O certo é que Haor não aceitou participar até o fim de uma pauta encomendada, tal quais os milhares de crimes que são encomendados no interior do Pará. Uma pauta que mostra a pistolagem eletrônica praticada por alguns veículos de comunicação e que temos o dever de denunciar.
(*) Max Costa é jornalista em Belém, PA.
Fonte: www.fazendomedia.com
O poder do AIPAC e os espiões de Israel - Por Argemiro Ferreira
O poder do AIPAC e os espiões de Israel
A espionagem de Israel nos Estados Unidos é insólita se for levada em conta a dependência israelense da ajuda norte-americana e o fato de ser a amizade entre os dois países proclamada com tanta frequência pelos respectivos governos. Na foto, Jane Harman, a deputada que foi grampeada pela NSA (Agência de Segurança Nacional), com a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, que foi contra a escolha dela para presidir a comissão de Inteligência. A análise é de Argemiro Ferreira.
Argemiro Ferreira
Apesar dos indícios de que ocorreria, o abandono pelos promotores federais dos EUA - na sexta-feira, dia 1° - do caso de espionagem contra o AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), o mais poderoso lobby em Washington a favor de interesses de outro país (no caso, Israel) não deixou de ser insólito. Israel é o país mais beneficiado pela ajuda externa dos EUA, que se eleva a US$ 3 bilhões por ano.
Decisões recentes do tribunal tornando mais difícil a vitória judicial da promotoria - como alegou o Departamento de Justiça - podem estar entre as razões. Mas é revelador a desistência ocorrer alguns dias depois da notícia sobre uma gravação da secretíssima NSA (Agência de Segurança Nacional) devassando conversa comprometedora da deputada democrata Jane Harman com um agente de Israel que agia no AIPAC.
O grampo, segundo a notícia, tinha pilhado Harman, ativa e influente na comissão de Inteligência até 2007, a reivindicar junto ao AIPAC a presidência da comissão - do que Nancy Pelosi, hoje presidente da Câmara, discordava. O diálogo envolveu mais dois personagens do lobby. Eram eles Steven J. Rosen e Keith Weissman, os mesmos que oficialmente deixaram o AIPAC ao serem indiciados como suspeitos de espionar para Israel.
As relações promíscuas - e perigosas
Esse conjunto de dados escancara mais uma vez a promiscuidade nas relações entre o lobby israelense e altas autoridades dos EUA - democratas e republicanos, no Executivo e no Legislativo. Ao ser feita a gravação, meses antes, Weissman e Rosen já estavam formalmente desligados do AIPAC e eram alvos da investigação, sob a acusação de passar segredos dos EUA a agentes israelenses.
Outro detalhe: no último sábado, 2 de maio, começou no AIPAC uma conferência (sobre políticas e programas) à qual comparecem, entre outros, a própria Harman, o senador (e ex-candidato presidencial democrata) John Kerry, o ex-deputado republicano (ex-presidente da Câmara) Newt Gingrich (ex-marido de uma lobista do AIPAC) e um ex-diretor da CIA, James Woolsey, notório pregoeiro da invasão do Iraque.
Kerry e Gingrich são oradores nas sessões plenárias. Shimon Peres, presidente de Israel, é atração hoje, segunda-feira (talvez pela TV, via satélite). E o banquete de gala à noite promete Dick Durbin (democrata) e Jon Kyl (republicano), senadores em cargos de liderança em suas bancadas; Steny Hoyer (democrata) e Eric Cantor (republicano), deputados também das respectivas lideranças na Câmara.
Essa capacidade do AIPAC de exibir figuras chaves, tanto do Congresso como do Executivo, não é surpresa em Washington. Da mesma forma, nas campanhas presidenciais dificilmente um candidato deixa de comparecer ao AIPAC, de olho no apoio do eleitorado simpático a Israel. Em 2008 quem tinha chance de chegar à Casa Branca, inclusive Barack Obama, Hillary Clinton e John McCain, lá esteve.
As intrigas e o veto a Charles Freeman
Também candidatos dos dois partidos ao Congresso às vezes recebem dinheiro do AIPAC para suas campanhas. Quando o milionário lobby israelense teme posições de um candidato, às vezes paga comerciais para atacá-lo e, ao mesmo tempo, faz doações a seu adversário. Houve dois casos notórios em 2002: os negros Cynthia McKinney (da Georgia) e Earl Hilliard (Alabama) perderam suas cadeiras depois de cinco mandatos.
Os dois denunciaram o papel do lobby de Israel. Em relação a McKinney, primeira africana-americana a ser deputada federal pela Georgia, pode ter influído ainda a veemente acusação dela ao presidente George W. Bush de ter sabido com antecedência sobre o terrorismo de 11/9 em Nova York e Washington. (Em 2008 ela se candidatou à Casa Branca pelo Partido Verde: só recebeu 161.603 votos).
A revelação mais recente dos detalhes sobre o grampo da deputada Jane Harman serviu para expor mais dados sobre a audácia do AIPAC. Steven Rosen foi citado na mídia como fonte das intrigas subterrâneas veiculadas na Internet contra a nomeação de Charles Freeman (pelo Diretor Nacional de Inteligência do governo Obama, Dennis C. Blair) para presidir o Conselho Nacional de Inteligência (NIC).
Após semanas de bombardeio, o próprio Freeman jogou a toalha - pediu para seu nome ser retirado. O NIC, grupo interministerial, reúne em avaliações conhecidas pelas iniciais NIE (National Intelligence Estimates) informações das 16 agências de espionagem. Israel temia Freeman, ex-embaixador na Arábia Saudita, por sua vasta experiência no Oriente Médio. Atacou-o ainda como próximo à China - e usou aquela palavra mágica, “anti-semitismo”.
Espião nos EUA, herói em Israel
Se necessário, o lobby israelense joga bruto. Quando está em jogo o sistema de inteligência dos EUA não brinca em serviço. Usa os políticos que apóia com sua força e doações de campanha - de certa forma, um retorno de parte dos bilhões enviados em ajuda externa graças a votos dos mesmos legisladores. Mas na área de inteligência, incomodada pela ousadia dos espiões israelenses, isso sempre gerou ressentimento.
A espionagem de Israel nos EUA é insólita se for levado em conta a dependência israelense da ajuda americana e o fato de ser a amizade entre os dois países proclamada com tanta frequência pelos dois governos. Antes da controvérsia mais recente em torno do AIPAC, acompanhada publicamente desde 2005, a mais notória tinha sido sobre a prisão do espião Jonathan Pollard, funcionário civil da Marinha americana.
Nascido nos EUA, Pollard tornou-se herói em Israel após ser condenado à prisão perpétua em 1987 por espionar para Israel. Feito cidadão israelense em 1995, só em 1998 admitiu ter sido espião. Desde Yithzak Rabin todos os governos de Israel tentaram libertá-lo. Tentados a atender, Bill Clinton e George W. Bush tiveram de desistir ante a indignação da CIA, Marinha e comunidade de informações. Sete ex-secretários da Defesa, até Dick Cheney, repudiaram a idéia.
Blog de Argemiro Ferreira
A espionagem de Israel nos Estados Unidos é insólita se for levada em conta a dependência israelense da ajuda norte-americana e o fato de ser a amizade entre os dois países proclamada com tanta frequência pelos respectivos governos. Na foto, Jane Harman, a deputada que foi grampeada pela NSA (Agência de Segurança Nacional), com a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, que foi contra a escolha dela para presidir a comissão de Inteligência. A análise é de Argemiro Ferreira.
Argemiro Ferreira
Apesar dos indícios de que ocorreria, o abandono pelos promotores federais dos EUA - na sexta-feira, dia 1° - do caso de espionagem contra o AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), o mais poderoso lobby em Washington a favor de interesses de outro país (no caso, Israel) não deixou de ser insólito. Israel é o país mais beneficiado pela ajuda externa dos EUA, que se eleva a US$ 3 bilhões por ano.
Decisões recentes do tribunal tornando mais difícil a vitória judicial da promotoria - como alegou o Departamento de Justiça - podem estar entre as razões. Mas é revelador a desistência ocorrer alguns dias depois da notícia sobre uma gravação da secretíssima NSA (Agência de Segurança Nacional) devassando conversa comprometedora da deputada democrata Jane Harman com um agente de Israel que agia no AIPAC.
O grampo, segundo a notícia, tinha pilhado Harman, ativa e influente na comissão de Inteligência até 2007, a reivindicar junto ao AIPAC a presidência da comissão - do que Nancy Pelosi, hoje presidente da Câmara, discordava. O diálogo envolveu mais dois personagens do lobby. Eram eles Steven J. Rosen e Keith Weissman, os mesmos que oficialmente deixaram o AIPAC ao serem indiciados como suspeitos de espionar para Israel.
As relações promíscuas - e perigosas
Esse conjunto de dados escancara mais uma vez a promiscuidade nas relações entre o lobby israelense e altas autoridades dos EUA - democratas e republicanos, no Executivo e no Legislativo. Ao ser feita a gravação, meses antes, Weissman e Rosen já estavam formalmente desligados do AIPAC e eram alvos da investigação, sob a acusação de passar segredos dos EUA a agentes israelenses.
Outro detalhe: no último sábado, 2 de maio, começou no AIPAC uma conferência (sobre políticas e programas) à qual comparecem, entre outros, a própria Harman, o senador (e ex-candidato presidencial democrata) John Kerry, o ex-deputado republicano (ex-presidente da Câmara) Newt Gingrich (ex-marido de uma lobista do AIPAC) e um ex-diretor da CIA, James Woolsey, notório pregoeiro da invasão do Iraque.
Kerry e Gingrich são oradores nas sessões plenárias. Shimon Peres, presidente de Israel, é atração hoje, segunda-feira (talvez pela TV, via satélite). E o banquete de gala à noite promete Dick Durbin (democrata) e Jon Kyl (republicano), senadores em cargos de liderança em suas bancadas; Steny Hoyer (democrata) e Eric Cantor (republicano), deputados também das respectivas lideranças na Câmara.
Essa capacidade do AIPAC de exibir figuras chaves, tanto do Congresso como do Executivo, não é surpresa em Washington. Da mesma forma, nas campanhas presidenciais dificilmente um candidato deixa de comparecer ao AIPAC, de olho no apoio do eleitorado simpático a Israel. Em 2008 quem tinha chance de chegar à Casa Branca, inclusive Barack Obama, Hillary Clinton e John McCain, lá esteve.
As intrigas e o veto a Charles Freeman
Também candidatos dos dois partidos ao Congresso às vezes recebem dinheiro do AIPAC para suas campanhas. Quando o milionário lobby israelense teme posições de um candidato, às vezes paga comerciais para atacá-lo e, ao mesmo tempo, faz doações a seu adversário. Houve dois casos notórios em 2002: os negros Cynthia McKinney (da Georgia) e Earl Hilliard (Alabama) perderam suas cadeiras depois de cinco mandatos.
Os dois denunciaram o papel do lobby de Israel. Em relação a McKinney, primeira africana-americana a ser deputada federal pela Georgia, pode ter influído ainda a veemente acusação dela ao presidente George W. Bush de ter sabido com antecedência sobre o terrorismo de 11/9 em Nova York e Washington. (Em 2008 ela se candidatou à Casa Branca pelo Partido Verde: só recebeu 161.603 votos).
A revelação mais recente dos detalhes sobre o grampo da deputada Jane Harman serviu para expor mais dados sobre a audácia do AIPAC. Steven Rosen foi citado na mídia como fonte das intrigas subterrâneas veiculadas na Internet contra a nomeação de Charles Freeman (pelo Diretor Nacional de Inteligência do governo Obama, Dennis C. Blair) para presidir o Conselho Nacional de Inteligência (NIC).
Após semanas de bombardeio, o próprio Freeman jogou a toalha - pediu para seu nome ser retirado. O NIC, grupo interministerial, reúne em avaliações conhecidas pelas iniciais NIE (National Intelligence Estimates) informações das 16 agências de espionagem. Israel temia Freeman, ex-embaixador na Arábia Saudita, por sua vasta experiência no Oriente Médio. Atacou-o ainda como próximo à China - e usou aquela palavra mágica, “anti-semitismo”.
Espião nos EUA, herói em Israel
Se necessário, o lobby israelense joga bruto. Quando está em jogo o sistema de inteligência dos EUA não brinca em serviço. Usa os políticos que apóia com sua força e doações de campanha - de certa forma, um retorno de parte dos bilhões enviados em ajuda externa graças a votos dos mesmos legisladores. Mas na área de inteligência, incomodada pela ousadia dos espiões israelenses, isso sempre gerou ressentimento.
A espionagem de Israel nos EUA é insólita se for levado em conta a dependência israelense da ajuda americana e o fato de ser a amizade entre os dois países proclamada com tanta frequência pelos dois governos. Antes da controvérsia mais recente em torno do AIPAC, acompanhada publicamente desde 2005, a mais notória tinha sido sobre a prisão do espião Jonathan Pollard, funcionário civil da Marinha americana.
Nascido nos EUA, Pollard tornou-se herói em Israel após ser condenado à prisão perpétua em 1987 por espionar para Israel. Feito cidadão israelense em 1995, só em 1998 admitiu ter sido espião. Desde Yithzak Rabin todos os governos de Israel tentaram libertá-lo. Tentados a atender, Bill Clinton e George W. Bush tiveram de desistir ante a indignação da CIA, Marinha e comunidade de informações. Sete ex-secretários da Defesa, até Dick Cheney, repudiaram a idéia.
Blog de Argemiro Ferreira
A histeria da direita com a visita de Ahmadinejad - Por Idelber Avelar
A histeria da direita com a visita de Ahmadinejad
A tarefa da esquerda é dupla. Desmascarar a mentirada e a hipocrisia da República Morumbi-Leblon e do lobby pró-Israel ao mesmo tempo em que oferece solidariedade aos setores da sociedade civil que estão lutando no Irã – e também na Arábia Saudita! – contra regimes que são, sim, bastante opressivos. Há que se fazer um coisa sem perder de vista a outra. Mas a iniciativa de querer expulsar Ahmadinejad do Brasil, vinda de gente que recebeu Bush sem dar um pio, tem um só nome: hipocrisia. A análise é de Idelber Avelar.
Idelber Avelar
A julgar pelos gritinhos da República Morumbi-Leblon, pareceria que o Brasil nunca recebeu a visita do chefe de um estado autoritário. A julgar pelos videozinhos, você imaginaria que somente líderes de democracias tolerantes e liberais têm permissão de visitar o Brasil. É curioso que pessoas que não deram um pio acerca do inominável massacre israelense em Gaza venham agora posar de defensores dos direitos das mulheres iranianas. Não me consta, aliás, que alguém nessa turma tenha dito nada quando o Brasil recebeu a visita de Bush, responsável por uma guerra baseada em mentiras, pela adoção da tortura como política de estado, pelo campo de concentração de Guantánamo, pela morte de centenas de milhares de iraquianos.
Quando você vir alguém dessa turminha dizendo que Ahmadinejad propõe a exterminação dos judeus, faça algo muito simples: peça o link. Pergunte qual é a fonte. Pergunte quem traduziu o texto do persa. Porque o líder iraniano jamais disse isso. O que ele disse foi: "o regime que ocupa Jerusalém (een rezhim-e ishghalgar-e qods) deve ser apagado da página do tempo (bayad az safheh-ye ruzgar mahv shavad)." A tradução é de um dos maiores especialistas em Oriente Médio da contemporaneidade, Juan Cole, confirmada por dois outros tradutores do persa. Leia a entrevista de Ahmadinejad e confira você mesmo. Sobrando um tempinho, assista ao vídeo da palestra de Ahmadinejad em Columbia University, cujo presidente o recebeu com uma grosseria que até hoje envergonha a nós, acadêmicos americanos.
Suponho não ser necessário esclarecer que eu acho muita coisa no discurso de Ahmadinejad absolutamente repugnante, especialmente as declarações sobre o homossexualismo. Não defendo o que ele diz. Mas há que se corrigir as mentiras. A calúnia de que Ahmadinejad ameaçou “varrer Israel do mapa” -- e, a partir daí, a afirmativa mais delirante ainda de que ele propõe a exterminação de judeus – tem uma longa história, que se remonta a uma tradução manipulada do New York Times. É, meu chapa, quando se trata de Oriente Médio e do lobby pró-ocupação israelense, até as traduções devem ser minuciosamente revisadas.
Não custa lembrar, claro, que o Irã não invadiu país nenhum. O Irã não tem uma história de agressão contra seus vizinhos. Na guerra Irã-Iraque, o agredido foi ele, na época em que o depois demonizado Saddam Hussein era amiguinho de Donald Rumsfeld. Sim, é evidente que a situação dos direitos humanos no Irã é grave. Ela é quase tão grave como a situação na Arábia Saudita, país onde sequer existem eleições nacionais, mas cuja monarquia visita e faz polpudos negócios no Ocidente sem que se ouça um pio dos nossos preocupadíssimos democratas da República Morumbi-Leblon.
Qual é o país do Oriente Médio que ocupa ilegalmente terras de outrem há mais de quarenta anos, com uma história de sistemática agressão contra seus vizinhos e de desrespeito às resoluções das Nações Unidas? Qual é o país do Oriente Médio que infiltra espiões até mesmo no território de seu maior aliado? Não é o Irã.
Aceito debater o Irã com qualquer membro da República Morumbi-Leblon que me ofereça um ou dois parágrafos articulados acerca de como era mesmo maravilhosa a situação no país persa entre 1954 e 1979. Afinal de contas, a julgar pelos horrorizados chiliques, você imaginaria que antes da Revolução Islâmica as coisas andavam muito bem por lá. Na verdade, a única vez em que o Irã esteve perto de chegar a um regime aberto e tolerante foi um pouco antes de 1954, quando a Frente Nacional de Mohammed Mossadeq nacionalizou a indústria do petróleo. Mossadeq logo depois removido por um golpe de estado preparado pela CIA, naquilo que Robert Fisk, em sua obra monumental, chamou de primeira operação americana desse tipo durante a Guerra Fria (pag. 99). Com sua implacável verve britânica, Fisk acrescenta: pelo menos nós nunca afirmamos que Mossadeq tinha armas de destruição em massa.
O golpe de 1954 inaugura um período caracterizado por Fisk como de “monarquia absoluta” do Xá, controlada pela sua temida polícia política que, ao custo de assassinatos, tortura e supressão da oposição, garantiu a estabilidade necessária para que se exportassem 24 bilhões de barris de petróleo nos 25 anos que se seguiriam. A Revolução Islâmica canalizou a revolta da população iraniana, num momento em que muita gente ainda sonhava com a possibilidade de uma esquerda nacionalista e secular no mundo árabe. Essa foi uma opção que existiu durante algum tempo, com Nasser e cia., mas que sucumbiu ante os golpes de estado e as invasões americanas, assim como as sistemáticas agressões israelenses – com o apoio dos mesmos direitecas que agora acusam os críticos do sionismo e do imperialismo de serem cúmplices do bicho-papão islâmico.
Eu me pergunto se esses direitecas que histericamente gritam que Ahmadinejad quer “aniquilar” Israel sabem que o presidente do Irã sequer é o comandante-em-chefe das Forças Armadas do país. Quem tiver curiosidade arqueológica, que consulte a grande imprensa americana entre, digamos, 1998 e 2002. Naquele período, em que o reformista moderado Mohammad Khatami dava declarações de aproximação aos EUA e ao Ocidente, esses gestos eram descartados com o argumento de que o presidente do Irã não tem poder real – o mesmo fato do qual agora eles convenientemente se esquecem, para que possam apresentar Ahmadinejad como comedor de criancinhas.
Etiquetar Ahmadinejad como “ditador do Irã” é ridículo. Ele foi eleito. É verdade que sua vitória foi conquistada com os mesmos métodos de George Bush. Mas se quiserem entender o clima que possibilitou sua eleição, há que se estudar um pouco a enorme frustração dos setores jovens iranianos com Khatami, que tentou e tentou se aproximar do Ocidente, sendo sistematicamente rechaçado.
A tarefa da esquerda é dupla. Desmascarar a mentirada e a hipocrisia da República Morumbi-Leblon e do lobby pró-Israel ao mesmo tempo em que oferece solidariedade aos setores da sociedade civil que estão lutando no Irã – e também na Arábia Saudita! – contra regimes que são, sim, bastante opressivos. Há que se fazer um coisa sem perder de vista a outra. Mas a iniciativa de querer expulsar Ahmadinejad do Brasil, vinda de gente que recebeu Bush sem dar um pio, tem um só nome: hipocrisia.
Portanto, sem prejuízo nenhum ao meu apoio aos que, no Irã, lutam por uma democracia real, não posso deixar de retrucar: Bem vindo, Ahmadinejad. Tome sua cachacinha com Lula (sim, sim, sei que é proibido...), visite algumas das maravilhas desse que é um dos mais belos países do globo e não ligue para a meia dúzia que protesta. Estão em vergonhosa minoria. Já não sabem em que se agarrar. Na última eleição, o candidato deles não conseguiu sequer repetir no segundo turno a votação que havia tido no primeiro. É compreensível que estejam tão histéricos.
(*) Artigo publicado originalmente no blog O Biscoito Fino e a Massa.
Fonte: Agência Carta Maior
A tarefa da esquerda é dupla. Desmascarar a mentirada e a hipocrisia da República Morumbi-Leblon e do lobby pró-Israel ao mesmo tempo em que oferece solidariedade aos setores da sociedade civil que estão lutando no Irã – e também na Arábia Saudita! – contra regimes que são, sim, bastante opressivos. Há que se fazer um coisa sem perder de vista a outra. Mas a iniciativa de querer expulsar Ahmadinejad do Brasil, vinda de gente que recebeu Bush sem dar um pio, tem um só nome: hipocrisia. A análise é de Idelber Avelar.
Idelber Avelar
A julgar pelos gritinhos da República Morumbi-Leblon, pareceria que o Brasil nunca recebeu a visita do chefe de um estado autoritário. A julgar pelos videozinhos, você imaginaria que somente líderes de democracias tolerantes e liberais têm permissão de visitar o Brasil. É curioso que pessoas que não deram um pio acerca do inominável massacre israelense em Gaza venham agora posar de defensores dos direitos das mulheres iranianas. Não me consta, aliás, que alguém nessa turma tenha dito nada quando o Brasil recebeu a visita de Bush, responsável por uma guerra baseada em mentiras, pela adoção da tortura como política de estado, pelo campo de concentração de Guantánamo, pela morte de centenas de milhares de iraquianos.
Quando você vir alguém dessa turminha dizendo que Ahmadinejad propõe a exterminação dos judeus, faça algo muito simples: peça o link. Pergunte qual é a fonte. Pergunte quem traduziu o texto do persa. Porque o líder iraniano jamais disse isso. O que ele disse foi: "o regime que ocupa Jerusalém (een rezhim-e ishghalgar-e qods) deve ser apagado da página do tempo (bayad az safheh-ye ruzgar mahv shavad)." A tradução é de um dos maiores especialistas em Oriente Médio da contemporaneidade, Juan Cole, confirmada por dois outros tradutores do persa. Leia a entrevista de Ahmadinejad e confira você mesmo. Sobrando um tempinho, assista ao vídeo da palestra de Ahmadinejad em Columbia University, cujo presidente o recebeu com uma grosseria que até hoje envergonha a nós, acadêmicos americanos.
Suponho não ser necessário esclarecer que eu acho muita coisa no discurso de Ahmadinejad absolutamente repugnante, especialmente as declarações sobre o homossexualismo. Não defendo o que ele diz. Mas há que se corrigir as mentiras. A calúnia de que Ahmadinejad ameaçou “varrer Israel do mapa” -- e, a partir daí, a afirmativa mais delirante ainda de que ele propõe a exterminação de judeus – tem uma longa história, que se remonta a uma tradução manipulada do New York Times. É, meu chapa, quando se trata de Oriente Médio e do lobby pró-ocupação israelense, até as traduções devem ser minuciosamente revisadas.
Não custa lembrar, claro, que o Irã não invadiu país nenhum. O Irã não tem uma história de agressão contra seus vizinhos. Na guerra Irã-Iraque, o agredido foi ele, na época em que o depois demonizado Saddam Hussein era amiguinho de Donald Rumsfeld. Sim, é evidente que a situação dos direitos humanos no Irã é grave. Ela é quase tão grave como a situação na Arábia Saudita, país onde sequer existem eleições nacionais, mas cuja monarquia visita e faz polpudos negócios no Ocidente sem que se ouça um pio dos nossos preocupadíssimos democratas da República Morumbi-Leblon.
Qual é o país do Oriente Médio que ocupa ilegalmente terras de outrem há mais de quarenta anos, com uma história de sistemática agressão contra seus vizinhos e de desrespeito às resoluções das Nações Unidas? Qual é o país do Oriente Médio que infiltra espiões até mesmo no território de seu maior aliado? Não é o Irã.
Aceito debater o Irã com qualquer membro da República Morumbi-Leblon que me ofereça um ou dois parágrafos articulados acerca de como era mesmo maravilhosa a situação no país persa entre 1954 e 1979. Afinal de contas, a julgar pelos horrorizados chiliques, você imaginaria que antes da Revolução Islâmica as coisas andavam muito bem por lá. Na verdade, a única vez em que o Irã esteve perto de chegar a um regime aberto e tolerante foi um pouco antes de 1954, quando a Frente Nacional de Mohammed Mossadeq nacionalizou a indústria do petróleo. Mossadeq logo depois removido por um golpe de estado preparado pela CIA, naquilo que Robert Fisk, em sua obra monumental, chamou de primeira operação americana desse tipo durante a Guerra Fria (pag. 99). Com sua implacável verve britânica, Fisk acrescenta: pelo menos nós nunca afirmamos que Mossadeq tinha armas de destruição em massa.
O golpe de 1954 inaugura um período caracterizado por Fisk como de “monarquia absoluta” do Xá, controlada pela sua temida polícia política que, ao custo de assassinatos, tortura e supressão da oposição, garantiu a estabilidade necessária para que se exportassem 24 bilhões de barris de petróleo nos 25 anos que se seguiriam. A Revolução Islâmica canalizou a revolta da população iraniana, num momento em que muita gente ainda sonhava com a possibilidade de uma esquerda nacionalista e secular no mundo árabe. Essa foi uma opção que existiu durante algum tempo, com Nasser e cia., mas que sucumbiu ante os golpes de estado e as invasões americanas, assim como as sistemáticas agressões israelenses – com o apoio dos mesmos direitecas que agora acusam os críticos do sionismo e do imperialismo de serem cúmplices do bicho-papão islâmico.
Eu me pergunto se esses direitecas que histericamente gritam que Ahmadinejad quer “aniquilar” Israel sabem que o presidente do Irã sequer é o comandante-em-chefe das Forças Armadas do país. Quem tiver curiosidade arqueológica, que consulte a grande imprensa americana entre, digamos, 1998 e 2002. Naquele período, em que o reformista moderado Mohammad Khatami dava declarações de aproximação aos EUA e ao Ocidente, esses gestos eram descartados com o argumento de que o presidente do Irã não tem poder real – o mesmo fato do qual agora eles convenientemente se esquecem, para que possam apresentar Ahmadinejad como comedor de criancinhas.
Etiquetar Ahmadinejad como “ditador do Irã” é ridículo. Ele foi eleito. É verdade que sua vitória foi conquistada com os mesmos métodos de George Bush. Mas se quiserem entender o clima que possibilitou sua eleição, há que se estudar um pouco a enorme frustração dos setores jovens iranianos com Khatami, que tentou e tentou se aproximar do Ocidente, sendo sistematicamente rechaçado.
A tarefa da esquerda é dupla. Desmascarar a mentirada e a hipocrisia da República Morumbi-Leblon e do lobby pró-Israel ao mesmo tempo em que oferece solidariedade aos setores da sociedade civil que estão lutando no Irã – e também na Arábia Saudita! – contra regimes que são, sim, bastante opressivos. Há que se fazer um coisa sem perder de vista a outra. Mas a iniciativa de querer expulsar Ahmadinejad do Brasil, vinda de gente que recebeu Bush sem dar um pio, tem um só nome: hipocrisia.
Portanto, sem prejuízo nenhum ao meu apoio aos que, no Irã, lutam por uma democracia real, não posso deixar de retrucar: Bem vindo, Ahmadinejad. Tome sua cachacinha com Lula (sim, sim, sei que é proibido...), visite algumas das maravilhas desse que é um dos mais belos países do globo e não ligue para a meia dúzia que protesta. Estão em vergonhosa minoria. Já não sabem em que se agarrar. Na última eleição, o candidato deles não conseguiu sequer repetir no segundo turno a votação que havia tido no primeiro. É compreensível que estejam tão histéricos.
(*) Artigo publicado originalmente no blog O Biscoito Fino e a Massa.
Fonte: Agência Carta Maior
Eduardo Galeano: a linguagem, as coisas e seus nomes
Eduardo Galeano: a linguagem, as coisas e seus nomes
Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública. O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado. O imperialismo se chama globalização. As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões. O oportunismo se chama pragmatismo. A traição se chama realismo. Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos.
Eduardo Galeano
Na era vitoriana era proibido fazer menção às calças na presença de uma senhorita. Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública:
O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado;
O imperialismo se chama globalização;
As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões;
O oportunismo se chama pragmatismo;
A traição se chama realismo;
Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos;
A expulsão dos meninos pobres do sistema educativo é conhecida pelo nome de deserção escolar;
O direito do patrão de despedir sem indenização nem explicação se chama flexibilização laboral;
A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria;
em lugar de ditadura militar, se diz processo.
As torturas são chamadas de constrangimentos ilegais ou também pressões físicas e psicológicas;
Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões, são cleoptomaníacos;
O saque dos fundos públicos pelos políticos corruptos atende ao nome de
enriquecimento ilícito;
Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos motoristas de automóveis;
Em vez de cego, se diz deficiente visual;
Um negro é um homem de cor;
Onde se diz longa e penosa enfermidade, deve-se ler câncer ou AIDS;
Mal súbito significa infarto;
Nunca se diz morte, mas desaparecimento físico;
Tampouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares: os mortos em batalha são baixas e os civis, que nada têm a ver com o peixe e sempre pagam o pato, danos colaterais;
Em 1995, quando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: “Não gosto da palavra bomba. Não são bombas. São artefatos que explodem”;
Chama-se Conviver alguns dos bandos assassinos da Colômbia, que agem sob proteção militar;
Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade o maior presídio da ditadura uruguaia;
Chama-se Paz e Justiça o grupo militar que, em 1997, matou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, que rezavam numa igreja do povoado de Acteal, em Chiapas.
(Do livro De pernas pro ar, editora L&PM)
Fonte: Agência Carta Maior
Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública. O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado. O imperialismo se chama globalização. As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões. O oportunismo se chama pragmatismo. A traição se chama realismo. Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos.
Eduardo Galeano
Na era vitoriana era proibido fazer menção às calças na presença de uma senhorita. Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública:
O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado;
O imperialismo se chama globalização;
As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões;
O oportunismo se chama pragmatismo;
A traição se chama realismo;
Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos;
A expulsão dos meninos pobres do sistema educativo é conhecida pelo nome de deserção escolar;
O direito do patrão de despedir sem indenização nem explicação se chama flexibilização laboral;
A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria;
em lugar de ditadura militar, se diz processo.
As torturas são chamadas de constrangimentos ilegais ou também pressões físicas e psicológicas;
Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões, são cleoptomaníacos;
O saque dos fundos públicos pelos políticos corruptos atende ao nome de
enriquecimento ilícito;
Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos motoristas de automóveis;
Em vez de cego, se diz deficiente visual;
Um negro é um homem de cor;
Onde se diz longa e penosa enfermidade, deve-se ler câncer ou AIDS;
Mal súbito significa infarto;
Nunca se diz morte, mas desaparecimento físico;
Tampouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares: os mortos em batalha são baixas e os civis, que nada têm a ver com o peixe e sempre pagam o pato, danos colaterais;
Em 1995, quando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: “Não gosto da palavra bomba. Não são bombas. São artefatos que explodem”;
Chama-se Conviver alguns dos bandos assassinos da Colômbia, que agem sob proteção militar;
Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade o maior presídio da ditadura uruguaia;
Chama-se Paz e Justiça o grupo militar que, em 1997, matou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, que rezavam numa igreja do povoado de Acteal, em Chiapas.
(Do livro De pernas pro ar, editora L&PM)
Fonte: Agência Carta Maior
segunda-feira, 4 de maio de 2009
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