Quem irá nos livrar do fascismo?
[Ilustração de André
Almada, sobre fotografia de 15 de março de 2015 na Av. Paulista em SP]
O sambódromo em que foi transformada a Avenida Paulista no
último dia 15 de março, na patética, mas não menos significativa marcha contra
o governo, nos remete a algumas reflexões, algumas delas novas em matéria de
política brasileira, pois a realidade muda a cada segundo, muito embora com
algumas imagens que nos parecem velhas conhecidas.
Há um governo acuado, apesar de vencer legitimamente as
últimas eleições presidenciais; uma mídia agressiva e tendenciosa contra a
atual presidente e seu antecessor; uma justiça policialesca; um ar impregnado
de partículas fascistas, ainda invisíveis para muitos, mas que podem se
transformar em epidemia de intolerância e violência em maior escala.
E se assim for, quem nos livrará do fascismo? Jô Soares e
suas meninas? O grande filósofo Pondé? Maitê Proença? As irmãs Marinho? Não
confundir com os milionários irmãos brasileiros da revista Forbes… O inglês
arrevesado de algumas faixas exibidas pelos ilustrados elitistas dominicais?
Pode não parecer para muitos, mas a situação é séria. E temos que tratá-la com
seriedade.
Em seu mais recente livro, “Militares e Militância: uma
relação dialética conflituosa”, o professor e cientista político Paulo Ribeiro
da Cunha conta à página 19 um fato curioso e ao mesmo tempo sintomático sobre
as modernas Forças Armadas brasileiras, envolvendo respostas de comandantes militares
e grupos de militares da reserva que se manifestaram contra um documento do
Clube Militar intitulado “O Alerta a Nação” e escrito por um grupo de militares
de direita egressos de 1964. Diz o texto:
“… logo em seguida à divulgação de “O Alerta à Nação”, houve
contundentes manifestações democráticas e legalistas bem dissonantes desse
posicionamento do Clube Militar. Uma delas, de certa forma “indireta”, foi
propiciada pelo general Adhemar da Costa Machado, comandante militar do
Sudeste, em palestra sobre “O papel e os desafios do Exército na atual
conjuntura”, a convite do Instituto Plínio Correa de Oliveira, vinculado à
ultraconservadora Tradição, Família e Propriedade (TFP). Em meio à tensões
entre militares da reserva e o governo sobre a polêmica advinda da formação da
Comissão da Verdade, a expectativa da vasta plateia era de escutar desse
oficial da ativa que estaria em curso uma reação, ou mesmo articulações
golpistas, pelas Forças Armadas”.
“O que se ouviu do oficial foi que os militares não voltariam
ao governo nunca mais1, bem como uma ponderação sobre a vocação democrática do
Exército brasileiro. Complementou o general ao final, com um argumento que já
seria uma leitura corrente nas Forças Armadas para o desgosto do público ali
presente, que os militares são um instrumento do Estado e a serviço de um
governo eleito democraticamente.” [grifo do articulista]
O livro acima citado2, a quem recomendo aos leitores, traça
o histórico da presença dos militares de esquerda em muitos dos embates
políticos brasileiros e contribui, na minha modesta opinião, para desfazer de
parte a parte o preconceito entre civis e militares e, particularmente, entre
boa parte da esquerda brasileira e do próprio estamento militar.
Já ouvi em várias ocasiões, dentro ou fora de alguma
militância política de esquerda, um discurso, sob certos aspectos tornado
enfadonho e repetitivo, de que não se pode confiar nos militares. Nada mais
distante de um pensamento que se queira dialético, em particular nas atuais
circunstancias históricas e políticas do país.
Desde a última eleição presidencial, que reelegeu a
presidente Dilma Rousseff, grupos conservadores e antinacionais tentam chamar
as Forças Armadas a intervir no atual quadro político brasileiro através de uma
ruptura institucional, o que – na verdade – é um incentivo irresponsável ao
golpe de estado, atitude que nos remeteria à velha política de subserviência a
interesses estrangeiros e de repressão aos movimentos e conquistas populares
dos últimos anos. Nas manifestações do último dia 15 de março isso ficou muito
bem caracterizado
O filme já foi visto em outras ocasiões, mas na nova versão
que se pretende impor ao país diante do trabalho diário de uma mídia que não
mede esforços para tumultuar o Brasil, os atores são outros. Com uma agravante:
ao contrário do que pensam manifestantes de direita mais exaltados e seus
incentivadores na internet, pedir “intervenção militar” em faixas onde aparecem
até suásticas nazistas é – além de ignorância histórica – um grande desrespeito
não só aos integrantes da FEB que lutaram bravamente contra o nazifascismo ao
lado das forças aliadas em terras italianas, mas também um insulto às atuais
FFAA constitucionalistas e democráticas, como se depreende da palestra do
general Adhemar da Costa Machado acima citada.
Vivemos o início do século XXI e é outra a situação do país
no cenário internacional, com seu território de dimensões continentais mais
valorizado e cobiçado, subsolo rico em diversos produtos que integram a
fabricação de sofisticados armamentos, notável agricultura exportadora. Somos
cada vez mais ricos e independentes em energias, a petrolífera em particular;
somos um dos cinco integrantes dos BRICS em alianças e projetos estratégicos
com a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul. Além de não sermos mais
devedores de organismos financeiros internacionais. Nos últimos dez anos foram
criados programas sociais elogiados e copiados internacionalmente.
Oito milhões e quinhentos mil quilômetros quadrados de solo
fértil, tendo a Amazônia e o pré sal como riquezas incalculáveis, água potável
em abundância, o Brasil precisa defender cada vez mais suas fronteiras
terrestres e marítimas. São missões, entre outras, que precisam de FFAA
modernas e bem preparadas, que se recuperaram nos últimos anos após os desastrosos
anos dos senhores Sarney, Collor e, sobretudo, Fernando Henrique Cardoso que,
com seu pendor subserviente e entreguista sucateou essas mesmas FFAA, ao que
chamou hipocritamente de “profissionalização”.
Repito: ao contrário daquilo que imaginam alguns espíritos
conservadores e preconceituosos, para dizer o menos, e que procuram
materializar suas ações estendendo faixas em manifestações de rua “convocando”
os militares para rasgarem a Constituição, essa atitude representa não só uma
violência contra a democracia, mas – sobretudo – um enorme desrespeito às
atuais Forças Armadas que têm missões mais nobres e importantes para realizar.
E que estão definidas em nossa Constituição no Capítulo II,
Título V, Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, DAS FORÇAS
ARMADAS:
Art. 142: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo
Exército e pela Aeronáutica, são instituições permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do
Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da
ordem.3
E defender a Constituição significa defender os seus
princípios fundamentais que são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo
político [grifo do articulista].
Os militares de 2014 não são os militares de 1964 vistas as
coisas em seus aspectos negativos ou positivos. Eram, em sua maioria, adolescentes
ou pouco mais que isso, pois cinquenta anos se passaram, meio século. A
Internet era impensável, para ficarmos num exemplo comezinho, mas
significativo. A guerra fria influenciava mentes e corações.
O também cientista social e escritor José Murilo de
Carvalho, estudioso das Forças Armadas brasileiras, no capítulo de conclusão de
sua obra Forças Armadas e Política no Brasil4 escreve o seguinte sobre o papel
que deve ser atribuídos a elas (pág. 197):
“… Devem ser preparadas para a guerra externa? Contra quem?
Contra vizinhos? Contra o Império? Devem tornar-se forças auxiliares das Nações
Unidas na tarefa de policiamento do mundo? Devem dedicar-se a tarefas policiais
de combate ao narcotráfico nas fronteiras e nas rotas internas? Devem
preparar-se para substituir as polícias nacionais em eventuais explosões de
violência nas grandes cidades? Ou devem dedicar-se a tarefas sociais, como
combate à pobreza, ao analfabetismo, às desigualdades?”
O diálogo entre a sociedade civil e suas FFAA deve se dar em
nível de frontalidade e respeito, de reciprocidade democrática e na busca de
soluções que beneficiem o país como um todo e que procure o fortalecimento das
instituições brasileiras e não através de incitações ao ódio, a intolerância, a
quebra da legalidade democrática e ao desrespeito entre concidadãos.
NOTAS
1. Matéria Caserna longe da crise com o governo. O Estado de
São Paulo,17 de março de 2012;
2. Ribeiro da Cunha, Paulo – Militares e Militância, uma relação dialeticamente conflituosa, UNESP, 2013;
3. Constituição da República Federativa do Brasil.
4. Carvalho, José Murilo, Forças Armadas e Política no Brasil. Jorge Zahar Editor, 2005, Rio de Janeiro
2. Ribeiro da Cunha, Paulo – Militares e Militância, uma relação dialeticamente conflituosa, UNESP, 2013;
3. Constituição da República Federativa do Brasil.
4. Carvalho, José Murilo, Forças Armadas e Política no Brasil. Jorge Zahar Editor, 2005, Rio de Janeiro
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Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor,
dramaturgo e roteirista.
Fonte: http://blogdaboitempo.com.br/2015/03/26/quem-ira-nos-livrar-do-fascismo/
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