segunda-feira, 9 de março de 2009

Excomunguem-se!

Excomunguem-se!

Cristina Moreno de Castro

Uma menina de nove anos, baixinha, magrinha, abusada sexualmente pelo padrasto durante três anos.

Engravida. Pior: de gêmeos.

Os médicos atestam que, se ela não abortar, correrá sérios riscos de morte, inclusive porque seu útero, muito menor que de uma mulher adulta, provavelmente estouraria com o peso dos gêmeos.

Ou ela aborta da gravidez criminosamente provocada, ou muito provavelmente morre.

A legislação brasileira, ainda atrasada, já prevê aborto em duas circunstâncias:

- se a mãe estiver correndo risco de morte
- se a gravidez for decorrente de estupro.

[Estupro, pra quem não se toca, é uma das piores e maiores agressões, físicas e psicológicas, a que uma mulher pode ser submetida. Piora em grau de perversidade se for feito contra uma criança de nove anos, evidentemente sem condições de se defender de seu agressor.]

Ou seja, o aborto da menina de nove anos era garantido pelas duas condições legais.

Era, antes de tudo, garantido pelo bom senso de se preservar uma vida, já por demais fragilizada.

Por isso, autorizados pela mãe da criança, médicos de Pernambuco procederam com a cirurgia e hoje a menina passa bem (fisicamente, é claro. Para curar as feridas psicológicas, ainda é preciso um bom acompanhamento e carinho familiar).

Tudo ia bem no desfecho desse conto de fadas cruel da vida real.

Até que um arcebispo, saído diretamente da Idade Média, decidiu excomungar médicos e mãe por terem salvado a vida da criança estuprada.

Ameaçou até entrar na justiça contra o "crime" cometido por eles.

Esqueceu-se que vive num Estado laico, protegido por leis que respeitam a garantia à vida de quem já nasceu.

Por outro lado, embora o padrasto estuprador e pedófilo tenha cometido um crime gravíssimo, não pode ser excomungado, pelas regras da Igreja Católica, segundo o mesmo arcebispo.

Guardemos o nome do arcebispo: José Cardoso Sobrinho.

Ele não fala por todos os católicos. Mas ganha o apoio em sua posição da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (que realiza a elogiável campanha da fraternidade) e de um chefe do Vaticano (Estado hoje regido por um papa conservador, retrógrado e que discorda diametralmente de posições históricas como a do papa João XXIII e do São Tomás de Aquino, que contribuíram para o avanço da humanidade).

Minha pergunta é: que igreja é esta e pelas regras de qual deus ela é regida?

Ou, muito melhor: quem são os homens da Terra, muito pouco humanos, que decidiram essas regras e esses critérios, os transformaram em política de um Estado chamado Vaticano, e alardearam estarem representando uma entidade divina e benevolente?

Encontremos esses homens, mesmo os já defuntos, e julguemo-los por crime contra a vida humana. E que aqueles que, como o médico (católico) que salvou a vida da criança, acreditam em princípios de fé cristã muito diferentes dos dogmas normatizados pelos homens da Igreja, desvencilhem-se da instituição que fala por eles como inquisitores – os mesmos que, lixando-se para a vida das mulheres, queimavam-nas nas fogueiras por crimes sem provas.

Excomunguem-se!

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P.S. Corre uma campanha na internet chamada "Eu também quero ser excomungado". Para aderir a ela, basta mandar um e-mail para arcebispo@arquidioceseolindarecife.org.br. E quem não for irônico que me perdoe.

fonte: www.novae.inf.br

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