quarta-feira, 18 de março de 2009

Mirar Battisti, acertar a multidão – por Giuseppe Cocco

Mirar Battisti, acertar a multidão – por Giuseppe Cocco

No dia 1º de março de 2009 faleceu em Paris, Giancarlo Santilli. Tinha 57 anos e morreu de câncer. A história de Giancarlo é exemplar para abrir mais uma pequena janela na incrível cobertura que a grande mídia brasileira está fazendo no caso de Cesare Battisti, dedicada a “sentenciá-lo” como se fosse "terrorista" – ou tentando talvez impor ao STF o ponto de vista do governo italiano. Em matéria publicada em 1º de março de 2009, O Estado de São Paulo – para citar apenas um órgão de imprensa – afirma o contrário de todas as evidências: "STF vai extraditar Battisti, se seguir rito" [1], lê-se logo no título. Não se sabe que critérios dariam tanta segurança aos jornalistas João Bosco Rabello e Felipe Recondo para afirmar tal coisa, pois o STF recusou a extradição de todos os italianos refugiados no Brasil, a partir de acusações relacionadas a eventos dos movimentos da década de 1970 [2]. O que a mídia deveria constatar, se fosse isenta, é que uma decisão diferente do STF seria uma ruptura com sua própria jurisprudência: uma ruptura que não teria explicações jurídicas, mas sim políticas. Mas lembremos das manchetes produzidas logo depois da concessão, pelo ministro Tarso Genro, de refúgio a Battisti. Falavam em "dois pesos e duas medidas" entre a decisão relativa ao “terrorista” (Battisti) e a “deportação” (inventada) dos atletas de Cuba! Está fartamente demonstrado, hoje que os atletas voltaram a Cuba porque quiseram fazê-lo. Exatamente o que se sabia, à época. Exatamente o contrário do que os jornais publicavam. O vexame e a falta de profissionalismo, aparentemente, não são suficiente para que se peça desculpas. A hipocrisia da mídia conservadora combina-se à histeria da cruzada de um colunista e do editor de um semanário que se pretende alternativa à mídia de mercado. Já vimos em outros momento que o conhecimento deles da história política da Itália contemporânea é simplório e redutor. Mas há uma “outra” linha de argumentação capital nessa Carta. Sempre com o objetivo de defender “pela esquerda” a extradição de Battisti, Mino Carta e Walter Maierovitch recorrem sistematicamente a entrevistas ou citações dos que eles chamam de “magistrados vermelhos” italianos. A mobilização das entrevistas desses magistrados rossi se faz, em primeiro lugar, com o objetivo de confundir as tradicionais clivagens políticas e, em segundo lugar, os campos de atuação. Mistura-se luta contra o terrorismo e repressão dos crimes de colarinho branco, pelo simples fato de os ditos magistrados “vermelhos” atuarem na repressão da corrupção e/ou da máfia e outras formas do crime organizado italiano. Superficialmente, esta confusão parece proposital e instrumental. Mas, se olharmos com mais cuidado, podemos ver que Carta e Maierovitch incorrem, de fato, num embaralhamento político e teórico.

Nesta justiça de justiceiros, os derrotados não teriam jamais qualquer direito; mas, pela ousadia de ter enfrentado o poder, a punição eterna e eternamente “atualizada”. Esse é o substrato dos argumentos de Maierovitch e Carta

Em primeiro lugar, i magistrati rossi, os “magistrados vermelhos” dos quais tanto se orgulham Mino e Walter não são problema para quem defenda o refúgio para Battisti e a anistia para os anos 1970. O problema está no fato que o cromatismo político aqui invocado é absurdo. Por que esses magistrados italianos haveriam de ser "vermelhos", se o partido de referência (o Partito Democrático, PD) não o é mais, há muito tempo? Porque, nos dizem, assim os chamam os berlusconianos. Mas então, por que os supostos "vermelhos" estão do mesmo lado de Berlusconi na perseguição dos ex-militantes dos 1970 ? A tinta pega somente de um lado? Será, para comparar com o Brasil, que o PPS de Roberto Freire [3], fiel aliado do PSDB, seria "vermelho"? O que Mino e Walter não querem entender – ou não podem – é que a esquerda italiana sumiu do mapa; o PD é como se fosse um grande PPS. Aqueles magistrados “vermelhos” são problema – que deveria fazer avermelhar as caras – para Mino e Walter, tanto quanto são problema também os ex-comunistas que votam com os fascistas, com os "leguistas" xenófobos, e com o partido de Berlusconi (que mudou as leis para escapar à cadeia), contra os militantes da década de 1970. Por trás dos fogos de artifício e frases rápidas, e de referências a combates contra a máfia e o colarinho branco, é Walter que deve explicar (e explicar-se) essa sagrada união, com todas a promiscuidades que ela implica com os crimes do colarinho branco. A tese em que Carta Capital funda-se é simplória e historicamente insustentável: a Itália seria democrática, naqueles anos; a resistência teria sido terrorismo. Por esse tipo de justiça de justiceiros, os derrotados não teriam jamais qualquer direito, além de punição eterna e eternamente “atualizada”, pela ousadia de ter enfrentado o poder. Esse é o substrato dos argumentos de Maierovitch e Carta. Em segundo lugar, as posições de Mino e Maierovitch derivam de um outro viés, particularmente problemático e com relação ao qual o caso Battisti e um revelador eficaz.
Da mesma maneira que o fizeram os magistrados ligados ao que era a esquerda italiana, Carta e Maierovitch aplicam uma visão política fundamentalmente conservadora. Segundo eles, a Itália era e é uma democracia. Essa democracia foi perturbada pela violência do terrorismo (na década de 1970). Sua repressão permitiu a manutenção da democracia. Essa repressão não pode prever nenhum reconhecimento da revolta, nem abrir mão da perseguição (se cometidos no Brasil, os supostos crimes de Battisti já estariam prescritos). Mino e Walter enxergam a Lei como um mecanismo acima do conflito social, algo que seria primeiro, anterior à legitimidade e à sua produção. Para eles, a “lei” tem princípios próprios: divinos. Eles acreditam mesmo que a magistratura e a “judicialização” dos direitos e da sociedade civil sejam um avanço democrático. Pensam que um dos problemas do Brasil – e, mais em geral, das democracias – seja mesmo a impunidade, a falta de um rigoroso respeito à Lei. Para eles, o vigor da Lei (a força da Lei) seria o fato do rigor da Lei.

Há três séculos, Jefferson frisou: “O espírito de resistência ao poder é tão valioso em determinadas ocasiões que eu desejo que ele seja sempre mantido vivo. Ele será muitas vezes exercido mesmo quando é um erro, mas isso é melhor de que não ser exercido nunca”

Ou seja, a violência, a violação dos direitos seriam sempre a conseqüência do não respeito da ordem e da Lei. Mas isso é – inclusive desde o ponto de vista liberal – completamente falso: a força da Lei está na existência de contra-poderes. A dinâmica desses contra-poderes atravessa, e ao mesmo tempo é atravessada, pela realidade que eles enfrentam. A Lei sem legitimidade e sem contraditório não é nada de mais do que a Lei da força, a efetividade que constrói sua própria e exclusiva legitimidade, legitimidade da opressão. Esse tipo de postura ignora, por um lado, que a legitimidade da Lei está na democracia como espaço do contraditório, do conflito e, em última instância, no poder constituinte: a legitimidade capaz de construir sua própria legitimidade. O consenso que forma o alicerce da república deve necessariamente construir-se pelo reconhecimento do conflito. Algo que Thomas Jefferson explicitava nesses termos: “O espírito de resistência ao poder é tão valioso em determinadas ocasiões que eu desejo que ele seja sempre mantido vivo. Ele será muitas vezes exercido mesmo quando é um erro, mas isso é melhor de que não ser exercido nunca” [4]. Por outro lado, essa visão “judiciária” da transformação social é incapaz de ver que, no Brasil,lei da força sobrevive, desde sempre, dentro da força da lei. Quando o campo foi para as cidades e as transformou em metrópoles monstruosas, o crime do poder tornou-se o principal mecanismo de regulação biopolítica das populações. A violência endêmica, em todas as suas formas e, sobretudo, nas formas supostamente mais “organizadas”, constitui a face visível de um poder cujos tratos tecnocráticos nem conseguem mascarar o horrível rosto neoescravagista. A única paz que esse poder pode proporcionar é, na realidade, a paz do medo. É exatamente o que podemos observar de maneira nítida nesses dias: o presidente do STF, Gilmar Mendes, ergue-se como defensor das liberdades dos presos nas operações da Policia Federal contra banqueiros, empresários, comerciantes (quer dizer contra uma elite que até hoje era intocada). Ao mesmo tempo ameaça com o rigor da Lei as lutas do MST. A Lei é a mesma, mas, para os ricos (banqueiros), clamam-se as garantias constitucionais ao passo que, para os pobres sem-terra, pede-se o rigor punitivo da Constituição. É por isso que um movimento de democratização não deve nunca cair na armadilha de pensar que seus problemas serão resolvidos pela magistratura, pela polícia ou, mais em geral, pela ampliação dos poderes do Estado. É por isso que a elite está sempre pronta a organizar uma CPI (quando o governo não é completamente controlado por ela) ou uma frente parlamentar contra a corrupção. A corrupção do poder (dos ricos) é usada contra toda tentativa de constituição da potência (dos pobres). A denuncia retórica da impunidade da elite (dos ricos) serve para chamar para mais punição contra os pobres.

A indecência dos que pedem “rigor” aparece clamorosamente quando lembramos os editoriais redigidos quando da prisão de Daniel Dantas. Nesses, assumiam-se com veemência posições de defesa das garantias constitucionais — e, pois, da “tibieza”...

Num país como o Brasil, marcado pelo excesso de punição e por níveis iníquos de desigualdade, esses senhores cujo poderio tem origem na vergonha da escravidão e se consolidou na não menos vergonhosa ditadura militar denunciam – por exemplo em editorial de O Globo de 28 de fevereiro de 2008) as “várias distorções existentes na Constituição de 1988)” [5]. Assim, continua o mesmo editorial, “já passou da hora de agentes públicos deixarem de ser tíbios (...)” para enfim esclarecer:
“Este é o pano de fundo da correta iniciativa do presidente do STF, Gilmar Mendes, de alertar para a ilegalidade na atuação de organizações de sem-terra – MST à frente – e, em especifico, na transferência de recursos públicos para esses grupos, que vivem na semi-clandestinidade e atuam ao arrepio da lei, com a conivência dos agentes públicos”. O ódio racista e de classe contra os pobres, e o cinismo diante de um “social” que significa miséria e violência, não são os únicos elementos indignos desse tipo de jornalismo escancaradamente anti-democrático – o mesmo que os escravocratas mobilizavam contra os abolicionistas. A indecência e a ausência de qualquer ética aparecem clamorosamente quando comparamos esse editorial com o tom dos editoriais de há alguns poucos meses, quando da prisão do banqueiro Daniel Dantas. Nesses, assumiam-se com veemência posições de defesa das garantias (e, pois, da tibieza) constitucionais. Em julho de 2008, durante a operação Satiagraha, o mesmo Gilmar Mendes e a mesma imprensa defendiam a necessidade de a magistratura ser – para usar os termos de O Globo — “tíbia” com o banqueiro Daniel Dantas. Os editoriais de O Globo (todos no mesmo mês de julho) são ilustrativos e repetitivos: “A Polícia Federal não pode agir como policia política, acima das instituições” (dia 10); “Defesa do Direito” (é o título dia 12); “Estado Policial” (título do dia 15); “Cultura da tutela” (título do dia 16) e, enfim, no dia 17, denunciava-se “o atropelamento de direitos individuais garantidos pela Constituição (...)”. A Folha de São Paulo foi no mesmo tom. Inicialmente, tentou jogar acusações para cima do governo, tentando semear duvidas: “História das trevas: governo que se afirma paladino da República no caso Dantas é o mesmo que, em surdina, facilita e conduz fusão de teles” recita o editorial do 16 de julho de 2008. “Poder em descrédito” foi o título do editorial do 20 de julho de 2008. Já no dia 12 de setembro, o editorial da mesma Folha deixa de lado as ambigüidades e titula “Grampo controlado”. Em entrevista à Folha (em 29 de setembro de 2008), é o próprio Gilmar Mendes que faz a síntese: “no plano institucional, tenho a impressão de que há algum tempo o Brasil denuncia o descontrole dessas áreas (grampo telefônico)”. E, o que está fora de controle é “o aparato policial”. No caso Satiagraha, a defesa do estado de direito não atrapalha, diz Gilmar Mendes, “o combate à impunidade”. Umas três semana antes, o editorial de O Globo (7 de setembro de 2008) [6] antecipava-se, ao uníssono com Gilmar: “Vinte e três anos depois a redemocratização, este é um daqueles momentos em que a sociedade se depara com os limites estabelecidos pelo estado de direito com o objetivo de protegê-la”.

Gilmar Mendes cobra e limita a operação da polícia e dos magistrados, no caso Dantas; e cobra mais inquéritos e mais repressão de polícia e magistrados contra os sem-terra. Tudo no mesmo dia e na mesma ...Folha! A força da lei é na realidade a lei da força

Estamos, plenamente, no campo do indigno: o mesmo jornal (O Globo), como já citamos, que convoca “os agentes públicos (a) deixarem de ser tíbios” [7] com as lutas sociais e mais em geral contra os pobres (os informais, as favelas, as invasões) escreveu no editorial de 7 de setembro de 2008: “Alegar que se trata de uma tibieza da legislação brasileira é não conhecer os termos de alguns desses inquéritos (está se falando da operação Satiagraha) e a visível fragilidade de certas acusações”. No combate aos movimentos e aos pobres, a propaganda da oligarquia (e de uma oposição sem projeto) acusam “as várias distorções existentes na Constituição”. Ou seja: “em nome do ’social’ relaxa-se diante da favelização, da desordem urbana generalizada, de homicídios, de agressões a preceitos constitucionais (...).” [8] Quando se trata do colarinho braço, os Torquemada da luta contra os marajás e a corrupção tem a preocupação oposta: “É preciso combater a cultura salvacionista que considera a Constituição impeditiva da moralização do poder público”. Como isso se traduz? De maneira tão nítida quanto as afirmações da “literatura” que citamos acima. É só ler, mesmo que de forma distraída, os noticiários do 5 de março de 2009. “Mendes orienta tribunais a priorizar questão fundiária” e, na mesma página, “Juiz De Sanctis – aquele que emitiu dois mandados de prisão contra Daniel Dantas - é alvo de mais um processo administrativo” [9]. O presidente do STF, Gilmar Mendes cobra e limita a operação da polícia e dos magistrados, no caso Dantas; e cobra mais inquéritos e mais repressão de polícia e magistrados contra os sem-terra. Tudo no mesmo dia e na mesma ...Folha! A força da lei é na realidade a lei da força. Há também uma tradução meramente jornalística dessa postura ultra-conservadora de uma elite que ainda não acertou as contas com suas origens escravocratas (apesar de ter tido a ilusão que a tecnocracia “tucana” lhe forneceria algo como um laissez passer que limpasse as mãos secularmente sujas do sangue das senzalas...). O Globo está sempre à frente: em 5 de março de 2009, podemos ver a mais nova cobertura da violência urbana. “Barbárie na Niemeyer” é a manchete, ilustrada por duas fotos em primeira página (com mais duas páginas inteiras na abertura do “caderno Rio” [10]).
As fotos e os artigos falam do ferimento de um “empresário e sua namorada” por um grupo de “marginais”. No mesmo dia, a notícia do assassinato do líder de uma ocupação de terras conduzida por 200 famílias na Zona Oeste do Rio de Janeiro está relegada na página 16, na rubrica “notas”. São 19 linhas ao todo!

Na tristeza da morte de Giancarlo Santilli, temos a possibilidade de falar de um caso tão exemplar quanto o de Battisti, sem correr o risco de criar mais problemas para a vítima

A vergonha desse jornalismo é a mesma que Primo Levi tratava como a vergonha de ser um homem — ou seja de pactuar com a segregação, a desigualdade e a violência insuportável que o poder exerce para regular a população pobre. Essa vergonha se traduz no paradoxo dos que continuam presos do esquema político e mental do poder. Pensam que o combate à violência da desigualdade – ou seja, a uma violência provocada pela ausência de liberdade material e efetiva – passe pela redução da liberdade. Como dizia Spinoza, “sabemos que as guerras, o desrespeito ou a violação das leis não são atribuíveis à malvadez dos súditos, mas à má constituição do governo”. O problema não está em aumentar a autoridade do Estado, mas sim em potencializar a democracia. “Se em um Estado, escreveu Spinoza, reina mais do que num outro a malvadez, e perpetram-se mais crimes do que num outro, isso é devido com certeza ao fato que esse Estado não procurou o suficientemente a concórdia e não ordenou com sagacidade os direitos (...)”. Então, só a liberdade funda a paz e, com ela, o melhor governo. A liberdade da qual falamos é própria dinâmica da constituição: o direito à rebelião, que Jefferson escreveu na Constituição norte-americana. E na Itália: qual paz foi imposta com a repressão dos movimentos da década de 1970, e é atualizada pelo conluio da toda a classe política na perseguição, mais de trinta anos depois, de Battisti e Giancarlo Santilli? É a paz de Gomorra [11], de uma violência social proporcional à violência do poder — ou seja, à inexistência de uma norma consensual que evite a guerra. A destruição dos direitos civis abre-se no direito de guerra. Por isso, o pensamento de um Walter Maierovitch, de um Gilmar Mendes e da mídia oligárquica se entrecruzam na cruzada contra o refugio para Battisti e na criminalização dos sem-terra: para eles, a multidão que não tem medo dá medo! Na tristeza da morte de Giancarlo Santilli, temos a possibilidade de falar de um caso tão exemplar quanto o de Battisti, sem correr o risco de criar mais problemas para a vítima: Giancarlo foi operário da Fiat de Turim, militante da Autonomia Operária. Participou das grandes greves autônomas e das lutas contra a reestruturação, na segunda metade dos anos 1970. Giancarlo participou assim de um vasto e profundo momento de constituição da liberdade e, pois, da paz, na Itália dos 1970. Foi demitido dia 9 de outubro de , com outros 60 operários (delegados sindicais e militantes de base) da Fiat. Foi demissão política. A direção da empresa disse-o formalmente: os demitidos tiveram"que caracterizava prestações de trabalho que não atendiam os princípios da diligência, correção e boa fé e [foram demitidos] por ter tido comportamento não compatível com os princípios da convivência civil no lugares de trabalho". A demissão daqueles 61, pela Fiat, foi investida política direta contra as organizações autônomas dos operários; foi ataque à autonomia, quer dizer, ao processo constituinte. Na demissão, foram cúmplices os principais sindicatos e o Partido Comunista Italiano. Isso aconteceu poucos meses depois de duas tragédia. Primeiro, o seqüestro e o homicídio de Aldo Moro – uma prática de luta (armada) que se declarava antagonista mas reproduzia especularmente o modo de funcionamento do Estado. Um ano depois, a demissão em massa de 40 mil operários da mesma Fiat. Já estávamos então nos anos 1980, e a ofensiva neoliberal se generalizara. O Partido Comunista e os sindicatos só sobreviveriam, dali em diante, aparelhados para participar da co-gestão do sistema de proteção do desemprego mais injusto, mais corporativo e excludente, em todos os países desenvolvidos: a Cassa Integrazione Guadagni —uma instituição herdada do fascismo, e que só protege os trabalhadores das grandes empresas industriais. Em 1981, Giancarlo foi acusado de ser responsável moral por uma ação durante a qual um segurança da Fiat foi ferido mortalmente. Refugiou-se na França de Mitterand. Seu processo é exemplar do modo de funcionamento da justiça italiana: condenado em primeira instância a 22 anos de prisão por "concurso moral" naquele assassinato, foi depois absolvido em apelação. Mais tarde, foi novamente condenado pela Corte de Cassação (algo como o STF). Na França, onde Giancarlo viveu 29 anos de exílio, tornou-se sociólogo de muito prestígio – por suas análises da reestruturação da Fiat – e passou a trabalhar na RATP, a empresa pública do metrô de Paris. Foi diretor da linha 1, Château de Vincennes-La Défense.
Quantas vezes os patrões da grande mídia brasileira, os editorialistas, Gilmar Mendes, Carta e Maierovitch terão andado em metrô, em Paris, sem saber que sua segurança e conforto estavam entregues à competência e aos saberes diligentes do operário "terrorista" Giancarlo Santilli!

[1] Em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090301/not_imp331378,0.php
[2] O STF recusou quatro pedidos anteriores, reconhecendo cada vez com mais propriedade e lucidez a natureza política dos crimes imputados.
[3] Não por acaso, em artigo publicado na Folha de São Paulo (Tendências e Debates, 8 de Janeiro de 2009), Roberto Freire enfatiza o "esforço de reinvenção da esquerda italiana corporificado pelo Partito Democrático (PD), o herdeiro mais importante do velho PCI". Que capacidade de antecipação! Hoje, início de março de 2009, o PD vive caos total, rachado, à beira da implosão.
[4] “Carta a Abigail Adams”, apud Michael Hardt, “Thomas Jefferson, or the transition of democracy”, in “Michael Hardt presents Thomas Jefferson, The declaration of Independence, Verso, London-New York, 2007.
[5] O título é de um cinismo escancarado: “Tudo pelo ‘social’”.
[6] “País que se deseja”, deixamos de lado a questão de saber quem é o sujeito desse “se”.
[7] No citado editorial do 28 de fevereiro de 2009.
[8] Editorial O Globo, 28 de fevereiro de 2009.
[9] Folha de São Paulo, p. A8, 5 de março de 2009.
[10] P. 13-4. Nem vamos comentar o tratamento meio aprovador do espancamento dos suspeito pelos narcotraficantes da Rocinha na página 14.
[11] Estamos falando do filme-documentário sobre a violência na região de Napoli, do livro homonimo de Saviano.

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