David Graeber narra Revolução de Kobane
Antropólogo anarquista conta experiência em territórios
curdos libertados, onde partido marxista aderiu a práticas de autonomia e
exército composto por mulheres expulsou ultra-fundamentalistas.
Os milicianos armados do Estado Islâmico (ISIS), terão que
reformular uma de suas canções: “O Estado Islâmico permanece, o Estado
Islâmico cresce”. Reconhecidos hoje como a maior ameaça
fundamentalista do Oriente Médio, o ISIS acaba de sofrer um
inesperado revés, depois de triunfar em consecutivas batalhas contra
forças iraquianas e síria. Nesta segunda-feira (26/01), depois de 134
dias de resistência, a guerrilha curda, reunida nas Unidades de Proteção
do Povo (Yekîneyên Parastina Gel – YPG), surpreendeu o mundo, expulsando as
tropas do ISIS da cidade de Kobane, em território curdo situado no norte
da Síria, junto à fronteira com a Turquia. Trata-se da derrota mais
importante imposta sobre o ISIS na Síria desde sua aparição.
Desde o inicio da ofensiva contra Kobani, em 16 de setembro
de 2014, mais de 600 combatentes curdos e 1000 jihadistas morreram. A vitória
foi comemorada nas redes sociais após anúncio feito pelo porta-voz oficial
do YPG, Polat Can, via Twitter. Assim como o ISIS, os combatentes curdos
articulam-se na rede mundial de computadores. Nas paginas do Facebook Kurdish Resistance & Liberation e Solidariedade
à Resistência Popular Curda pode-se acompanhar as fotos e vídeos dos
últimos confrontos e a festa de comemoração após a vitória. Nem o mais otimista
analista político, nem a poderosa coalizão encabeçada pelos EUA para
derrotar o ISIS, esperavam tamanha proeza. Como é possível que uma
guerrilha formada por homens e mulheres, desamparados militarmente pela falta
de um Estado oficial, consiga derrotar a tropa mais sanguinária dos
últimos tempos?
David Graeber, professor de Antropologia (London School of
Economics), passou 10 dias em Cizire – um dos acampamentos em Rojava, zona
ocupada pelo curdos ao norte da Síria. Junto com estudantes, ativistas e
acadêmicos, ele teve a oportunidade de observar a democracia confederalista
curda.
O que motivou a ida de Graeber, foi uma pergunta feita em
artigo publicado em Outubro passado no “The Guardian”, durante a primeira
semana dos ataques do ISIS a Kobane: por que é que o mundo estava ignorando os
Kurdos Sírios revolucionários?
Mencionando o seu pai, que se voluntariou para lutar nas
Brigadas Internacionais na república espanhola em 1937, perguntou:
“Se existe hoje um paralelo com os assassinos falangistas,
superficialmente devotos de Franco, quem será senão o ISIS? Se existe hoje um
paralelo com as Mujeres Libres de Espanha, quem será senão as corajosas
mulheres que defendem as barricadas de Kobane? Vai o mundo – e desta vez mais
escandalosamente, a esquerda internacional — ser condescendente em deixar que a
história se repita?”
De acordo com Graeber, a zona de Rojava é fundamentalmente
anti-estado, anti-capitalista e radicalmente democrática. Uma notável
experiência revolucionária na região, que separa o poder coercitivo da
administração pública e obriga aulas de feminismo para toda população. Leia a
seguir, as impressões políticas que Graeber concedeu a Pinar
Öğünç’s. (Cauê Seignemartin Ameni)
No artigo para o Guardian perguntaste por que é que o mundo
ignora a “experiencia democrática” dos curdos sírios. Depois da experiência de
10 dias, tens uma nova questão ou talvez uma resposta para isso?
Bem, se alguém tinha dúvidas se isto era uma verdadeira
revolução, ou só alguma “sombra”, diria que esta visita tira todas as dúvidas.
Ainda existem pessoas a dizer: “Isto é só uma frente do PKK (Partido dos
Trabalhadores do Curdistão), na verdade são só uma organização autoritária
stalinista, que apenas finge ter adotado uma democracia radical”. Não. Isto é
mesmo a sério. É uma revolução genuína. Mas de certa maneira, é exatamente esse
o problema. Os grandes poderes têm-se entregado a uma ideologia que diz que as
verdadeiras revoluções já não podem acontecer. Entretanto, muita da esquerda,
mesmo a radical, parece taticamente ter adotado a política que assume o mesmo,
apesar de parecerem superficialmente revolucionários. Assumem um tipo de
“anti-imperialismo” puritano que assume que os únicos jogadores importantes são
os governos e capitalistas, e que esse é o único jogo que vale a pena discutir.
O jogo onde se batalha, se criam vilões míticos, se agarra petróleo e outros recursos,
montam-se redes de patrocínios; é o único jogo da cidade. O povo de Rojava diz:
“Nós não queremos jogar esse jogo. Queremos criar um novo”. Muita gente acha
isto confuso e perturbador, então escolhem acreditar que não está acontecendo
nada, ou que essas pessoas estão iludidas, são desonestas ou ingênuas.
Desde Outubro que vemos uma crescente solidariedade vinda de
vários movimentos políticos de todo o mundo. Houve uma grande e entusiástica
cobertura da resistência em Kobane pelos média mainstream internacionais. A
posição política perante Rojava mudou no Ocidente, de certa forma. Existem
sinais significativos mas estariam discutindo suficientemente a autonomia
democrática e as experiências nos cantões de Rojava? Que parte de “algumas
pessoas corajosas a lutar contra o grande mal desta era, o ISIS” não estará a
dominar esta aprovação e este fascínio? Acho que é notável que tanta gente no
Ocidente olhe para estes quadros de feministas armadas, por exemplo, e nem
sequer pense nas ideias por trás delas. Apenas se apercebem que assim
aconteceu, por algum motivo. “Penso que é uma tradição curda”. De certo modo,
claro que se trata de orientalismo, ou simplesmente racismo. Nunca lhe ocorreu
que as pessoas no Curdistão também possam ler Judith Butler. Na melhor das
hipóteses pensam: “Oh, estão tentando alcançar os padrões ocidentais da
democracia e dos direitos das mulheres. Será que é a sério ou será que é só
para os estrangeiros verem?”. Não lhes ocorre que eles podem estar levando as
coisas bem mais longe que os “padrões ocidentais” alguma vez levaram; que
acreditam genuinamente nos princípios que os Estados ocidentais apenas
professam.
Mencionaste a aproximação da esquerda sobre Rojava. Como
isso é recebido nas comunidades anarquistas internacionais?
A reação da comunidade anarquista internacional tem sido
decididamente diversa. De certa maneira, acho difícil de entender. Existe um
grupo substancial de anarquistas – normalmente os elementos mais sectários –
que insiste que o PKK ainda é um grupo nacionalista autoritário stalinista, que
adotou as teoria do Murray Bookchin, e outros partidários da esquerda
libertária, para cortejar a esquerda anti-autoritária na Europa e América.
Parece-me uma das ideias mais parvas e narcisistas que já ouvi. Mesmo que a
premissa estivesse correta, e que um grupo marxista-leninista decidisse fingir
uma ideologia para obter apoio estrangeiro, por que raio é que iriam escolher
ideias anarquistas desenvolvidas por Murray Bookchin? Isso seria a jogada mais
estúpida de sempre. Obviamente fingiriam ser islamitas ou liberais, já que são
esses que conseguem armas e apoio material. De qualquer maneira, penso que
muita gente na esquerda internacional, incluindo a esquerda anarquista, não
quer basicamente ganhar. Não conseguem imaginar que uma revolução realmente
acontecesse, e, secretamente, nem sequer a querem, uma vez que isso
significaria partilhar o seu clube “cult” com pessoas comuns; já não seriam
especiais. Assim, até é útil para separar os verdadeiros revolucionários dos
“posers”. Mas os verdadeiros revolucionários têm-se mantido firmes.
Qual foi a coisa mais impressionante que testemunhaste em
Rojava nos termos práticos desta autonomia democrática?
Existem tantas coisas impressionantes. Acho que nunca ouvi
falar de nenhum outro lado do mundo onde tenha existido uma situação de
dualidade de poder, onde as mesmas forças políticas criaram ambos os
lados. Existe a “auto-administração democrática”, onde existem todas as formas
e armadilhas de um Estado – Parlamento, ministros, e por aí –, mas criada
para ser cuidadosamente separada dos meios do poder coercivo. Depois há o
TEV-DEM (o Movimento da Sociedade Democrática), raiz das instituições, dirigido
via democracia direta. No final – e isto é fulcral – as forças de segurança
respondem perante as estruturas que seguem uma abordagem de baixo para
cima, e não de cima para baixo. Um dos primeiros locais que visitamos foi a
academia de polícia (Asayis). Todos tiveram que frequentar cursos de resolução
de conflitos não violenta e de teoria feminista antes de serem autorizados a
pegar numa arma. Os co-diretores explicaram-nos que o seu objectivo final é dar
seis semanas de treino policial a toda a gente no país, para que em última
análise se possa eliminar a polícia.
O que responderias às várias críticas em torno de Rojava?
Por exemplo: “Eles nunca fariam isto em tempos de paz. É por causa do estado de
guerra”…
Bem, penso que a maioria dos movimentos, perante as
condições horrendas da guerra, não iria no entanto abolir imediatamente a pena
capital, dissolver a polícia secreta e democratizar o exército. As unidades
militares, por exemplo, elegem os seus oficiais.
E existe outra crítica, bastante popular nos círculos
pro-governo aqui na Turquia: “O modelo que os Curdos – na linha do PKK e
PYD (o Partido Curdo de União Democrática, na Síria) – estão tentando promover
não é na verdade seguido por todas as pessoas que lá vivem. Essa
multi-estrutura existe apenas à superfície, nos símbolos”…
Bem, o presidente do cantão de Cizire é árabe, é de fato o
chefe da maior tribo local. Suponho que se possa dizer que ele é só uma figura.
No sentido que todo o governo o é. Mas ao olhar para as estruturas organizadas
de baixo para cima, é certo que não são só os curdos que estão participando.
Disseram-me que o único problema sério é com algumas aldeias do “cinto árabe”,
pessoas trazidas de outras partes da Síria pelos Baathistas nos anos 50 e 60,
como parte de uma política de marginalização e assimilação dos curdos. Algumas
dessas comunidades afirmaram-se bastante hostis à revolução. Mas os árabes
cujas famílias já estão lá há várias gerações, ou os assírios, quirguizes,
arménios, chechenos, mostram-se entusiasmados. Os assírios com quem falámos
disseram que, após uma longa e difícil relação com o regime, sentiram que
finalmente lhes era permitida autonomia cultural e religiosa. Provavelmente, o
maior problema pode ser o da libertação das mulheres. O PYD e o TEV-DEM vêem
isso como absolutamente central na sua ideia de revolução, mas também enfrentam
o problema de lidar com alianças maiores, com comunidades árabes que sentem que
isto viola princípios religiosos básicos. Por exemplo, enquanto aqueles que
falam siríaco têm a sua própria união de mulheres, os árabes não, e as
raparigas árabes interessadas em organizar-se em torno de questões de gênero ou
até assistir a seminários feministas têm de se juntar com os assírios ou mesmo
com os curdos.
Não é necessário estar preso no “quadro anti-imperialista
puritano” que mencionaste antes, mas o que dirias em relação ao comentário que
o Ocidente/imperialismo irá um dia exigir aos curdos sírios um pagamento pelo
seu apoio? O que é que o Ocidente pensa exatamente sobre este modelo
anti-estado e anti-capitalista? É apenas uma experiência que pode ser ignorada
durante um estado de guerra, enquanto os curdos aceitam voluntariamente
combater um inimigo criado pelo Ocidente?
É absolutamente verdade que os EUA e a Europa irão fazer o
que poderem para subverter a revolução. Nem é preciso dizer nada. As pessoas
com quem falei estão bem cientes disso. Mas não fazem grande diferenciação
entre a liderança de poderes regionais como na Turquia, Irã ou Arábia Saudita,
e poderes Euro-americanos como por exemplo França ou EUA. Assumem que são todos
capitalistas e estadistas e portanto anti-revolucionários, que podem no melhor
dos casos ser convencidos a apoiarem-nos mas que, em última análise, não estão
do seu lado. Depois existem questões ainda mais complicadas da estrutura da
chamada comunidade internacional, o sistema global de instituições como a ONU
ou FMI, corporações, ONG’s, organizações humanitárias, em que todas presumem
uma organização estadista, um governo que pode passar leis e detém o monopólio
da aplicação coerciva dessas leis. Só existe um aeroporto em Cizire e está
sobre o controlo do governo Sírio. Podem tomá-lo a qualquer altura, dizem. E há
uma razão para não o fazerem: como iria um não-Estado dirigir um aeroporto?
Tudo o que se faz num aeroporto é sujeito a regulamentos internacionais, o que
presume um Estado.
Tens uma resposta para o porquê da obsessão do ISIS com
Kobane?
Bem, eles não podem ser vistos perdendo. Toda a sua
estratégia de recrutamento é baseada na ideia que eles são imparáveis, e que a
sua contínua vitória é a prova que representam a vontade de Deus. Serem
derrotados por um monte de feministas seria a humilhação final. Enquanto
estiverem lutando em Kobane, podem dizer que a mídia mente e que estão
avançando verdadeiramente. Quem pode provar o contrário? Se recuassem seria
admitir a derrota.
Tens resposta para o que Tayyip Erdogan e o seu partido
estão tentando fazer na Síria e o Médio Oriente em geral?
Posso apenas imaginar. Parece que Erdogan passou de uma
política anti-Assad e anti-curda para uma estratégia quase puramente
anti-curda. Repetidamente tem mostrado vontade de se aliar com fascistas
pseudo-religiosos para atacar qualquer experiência de democracia radical
inspirada no PKK. Ele vê claramente, como o próprio Daesh (ISIS), que o que
está sendo feito é uma ameaça ideológica, talvez a única alternativa ideológica
viável face ao islamismo de direita que se avizinha, e tudo fará para a
eliminar.
De um lado existem os curdos iraquianos com uma ideologia
bem diferente em termos de capitalismo e noção de independência. Por outro
lado, existe este exemplo alternativo em Rojava. E existem os curdos da Turquia
que tentam manter um processo de paz com o governo… Pessoalmente, como vês o
futuro do Curdistão a curto e a longo prazo?
Quem pode dizer? Neste momento as coisas parecem
surpreendentemente boas para as forças revolucionárias. O KDG até desistiu da
enorme vala que estava construindo através da fronteira de Rojava, após o PKK
intervir e salvar Erbil e outras cidades dos avanços ISIS, em Agosto. Um membro
do KNK me disse que isso teve um grande impacto na consciência popular; que um
mês criou tanta consciência como 20 anos. Os jovens estavam particularmente
impressionados pelo fato d seus próprios Peshmerga abandonarem o campo de
batalha mas as mulheres do PKK não. Mas é difícil de imaginar como é que o
território de KRG será contudo revolucionado num futuro próximo. Nem o poder
internacional o permitiria.
Apesar da autonomia democrática não parecer estar em cima da
mesa de negociações na Turquia, o Movimento Político Curdo está trabalhando
nisso, especialmente a nível social. Tentam encontrar soluções em termos legais
e económicos para possíveis modelos. Quando comparamos, digamos, a estrutura de
classes e o nível de capitalismo no Curdistão Ocidental (Rojava) e no Norte
(Turquia), o que pensas sobre as diferenças destas duas lutas para uma
sociedade anti-capitalista – ou para um capitalismo minimizado, como o
descrevem?
Penso que a luta curda é explicitamente anti-capitalista em
ambos os países. É o seu ponto de partida. Conseguiram uma espécie de fórmula:
não eliminar o capitalismo sem eliminar o Estado, e não podemos eliminar o
Estado sem eliminar o patriarcado. No entanto, o povo de Rojava tem a questão
simplificada em termos de classes porque a verdadeira burguesia, tal como
existia numa região maioritariamente agrícola, desapareceu com o colapso do
regime de Baath. Enfrentarão um problema a longo prazo se não trabalharem no
sistema educativo, para assegurar que um estrato tecnocrata de desenvolvimento
não tente eventualmente tomar poder, entretanto, é compreensível que se foquem
de imediato nas questões de gênero. Na Turquia não sei tanto, mas tenho a
sensação que as coisas são muito mais complicadas.
Durante os dias em que as pessoas do mundo não podiam respirar
por razões óbvias, a tua viagem a Rojava inspirou-te sobre o futuro? Qual achas
que é o “remédio” para as pessoas respirarem?
Foi extraordinário. Passei a minha vida pensando em como
poderíamos fazer coisas como estas num futuro remoto e a maioria das pessoas
pensa que sou louco por imaginar que isto alguma vez vai acontecer. Estas
pessoas estão fazendo agora. Se eles provarem que pode ser feito, que uma
sociedade genuinamente igualitária e democrática é possível, isto irá
transformar completamente a noção de possibilidades humanas. Pessoalmente,
sinto-me dez anos mais novo só de ter lá passado dez dias.
Com que cena te irás recordar da tua viajem a Cizire?
Existem tantas imagens impressionantes, tantas ideias.
Gostei da disparidade entre o aspecto das pessoas e as coisas que diziam.
Conhece-se alguém, um médico, que parece um militar sírio, vagamente
assustador, de casaco de cabedal e expressão austera. Depois fala-se com ele e
ele explica: “Bem, sentimos que a melhor abordagem à saúde pública é a prevenção,
a maioria das doenças ocorre devido ao stress. Sentimos que se reduzirmos o
stress, os níveis de doenças de coração, diabetes, e mesmo o cancro irão
diminuir. Assim, o nosso plano final é reorganizar as cidades para terem 70% de
espaços verdes…” Existem todos estes planos loucos e brilhantes. Mas depois
vai-se ao médico ao lado e explica-nos que, graças ao embargo turco, não
conseguem sequer obter equipamento ou medicamentos básicos, que todos os
pacientes para diálise que não foram levados dali morreram… Esta disjunção
entre as ambições e as incríveis e difíceis circunstâncias. A mulher que era
efetivamente a nossa guia era uma vice-chanceler chamada Amina. A certa altura,
pedimos desculpa por não termos trazido presentes melhores e ajudado a população
de Rojava, que sofrer sob o embargo. E ela disse: “No final, isso pouco
importa. Temos a única coisa que ninguém nos pode dar. Temos a nossa liberdade.
Vocês não. Quem me dera que houvesse uma maneira de poder dá-la”.
É as vezes criticado por seres demasiado otimista e
entusiasta sobre o que está acontecendo em Rojava. Achas que és? Ou há alguma
coisa que não entendem?
Sou otimista de temperamento, procuro situações que
carreguem alguma promessa. Não acho que existam garantias que isto resultará no
final, que não será esmagado, mas certamente que não será se toda a gente
decidir que nenhuma revolução é possível e se recusar a dar-lhe apoio
ativamente, ou até dedicar esforços a atacá-la ou aumentar o seu isolamento,
como muitos fazem. Se existem alguma coisa da qual tenho consciência e os
outros não, talvez seja o fato da história não estar terminada. Os capitalistas
têm feito um esforço enorme nos últimos 30 ou 40 anos em convencer as pessoas
que os atuais acordos econômicos – nem sequer o capitalismo, mas a forma de
capitalismo semi-feudal, financializada, peculiar que temos hoje em dia – são o
único sistema econômico possível. Puserem mais esforços nisto do que em criar
um sistema capitalista global viável. Como resultado, o sistema está a
despedaçar-se à nossa volta no preciso momento em que toda a gente perdeu a
capacidade de imaginar outra coisa. Bem, é bastante óbvio que em 50 anos, o
capitalismo sob qualquer forma que conheçamos, e provavelmente sob qualquer
outra forma, já não existirá. Terá sido substituído por outra coisa. Essa coisa
pode não ser melhor. Pode até ser pior. Por esse mesmo motivo, parece-me que é
nossa responsabilidade, enquanto intelectuais, ou simplesmente seres humanos
pensantes, de pelo menos pensar como será uma coisa melhor. E se existem
pessoas que estão verdadeiramente tentando criar essa coisa melhor, é nossa
responsabilidade ajudá-las.
David Graeber, entrevistado por Pinar Öğünç’s| Tradução
Jornal Mapa
Fonte: http://outraspalavras.net/destaques/david-graeber-narra-a-revolucao-de-kobane-que-derrotou-isis/