Estados policiais à moda do “Ocidente”
Snowden revela: espionagem britânica interceptou conversas
de centenas de jornalistas e considera repórteres investigativos “ameaça”.
Europa quer ampliar vigilância sobre internet. Jornais brasileiros calam-se
O serviço secreto da Grã-Bretanha adquiriu poderes para
interceptar, a partir de cabos de fibra ótica, as comunicações mantidas, via
internet, por cidadãos de qualquer nacionalidade. Esta invasão é praticada sem
autorização judicial, e resulta na captura e armazenamento de um enorme volume
de informações. Jornalistas de algumas das publicações mais conhecidas do mundo
estiveram entre os alvos. Estes profissionais – em especial os repórteres
investigativos – “representam uma ameaça potencial à segurança”, segundo
documentos de circulação reservada. Como se fosse pouco, os governos da
Grã-Bretanha e de outros países europeus preparam-se para intensificar medidas
de controle e vigilância social – usando como pretexto o atentado contra o Charlie
Hebdo.
Este conjunto de revelações amedrontadoras foi feito nos
últimos dias pelo diário londrino The
Guardian, com base em documentos vazados por Edward Snowden, ex-agente da
CIA hoje perseguido pelos Estados Unidos e refugiado em Moscou. Houve intensa
repercussão em diversas partes do mundo. Mas a mídia brasileira, que se diz
frequentemente ameaçada de controle estatal, preferiu… omitir o fato de seus
leitores.
Os novos sinais de que a liberdade de expressão está se
tornando algo fictício nas “democracias ocidentais” surgiram nesta
segunda-feira (19/1). Após checar documentos fornecidos por Snowden, o Guardian
confirmou um “experimento” de espionagem praticado pela principal agência de
“inteligência” britânica,. Batizada com nome orwelliano de Quartel-General de
Comunicações do Governo (GCHQ,
em inglês), ela trabalha em estreita colaboração com a NSA
(Agência Nacional de Segurança), dos EUA. Agiu em novembro de 2008. Praticou
então, segundo o jornal, uma das “inúmeras drenagens nos cabos de fibras óticas
que constituem a espinha dorsal da Internet”.
Como é comum nestes casos, o GCHQ não precisou obter
autorização judicial. Na Grã-Bretanha, a Lei de Regulação dos Poderes
Investigatórios (RIPA),
aprovada em 2000 e sucessivamente ampliada em 2003, 2005, 2006 e 2010, permite
à agência capturar comunicações privadas dos cidadãos a partir da decisão de um
órgão interno. No episódio documentado por Snowden, a punção nos cabos óticos
durou “menos de dez minutos”. Nesse período “70 mil e-mails foram recolhidos”.
Teria sido um mero exercício técnico? Um detalhe sugere que
não. Entre os emais violados estão os de jornalistas da BBC, agência Reuters,
rede de TV NBC e de quatro jornais de relevância global: The Guardian, New York
Times, Le Monde e Washington Post, além do tabloide britânico The Sun. Entre o
material interceptado, estão diálogos entre repórteres e seus editores.
The Guardian é cauteloso. “Nada indica nem que os
jornalistas tenham sido propositalmente visados, nem que não tenham…” Mas o
próprio Snowden ajuda a resolver esta dúvida hamletiana. Também na
segunda-feira, emergiram outros documentos vazados por ele, registrando
observações que o GCHQ trocou com agências congêneres. Nestes textos, os
jornalistas são vistos como ameaças equivalente a “serviços secretos inimigos,
hackers ou terroristas” . Alguns dos trechos revelados sustentam: “jornalistas
e repórteres de todos os tipos de mídia representam uma ameaça potencial à
segurança”; “deve-se manter preocupação específica diante dos ‘jornalistas
investigativos’”.
As tentativas de limitar a ação da imprensa vão além da
espionagem. Na terça-feira, um dia depois das revelações de Snowden, um grupo
de cem editores britânicos dirigiu carta
conjunta ao primeiro-ministro David Cameron. O texto protesta contra a
espionagem de que a imprensa é vítima e revela fatos espantosos. Em pelo
menos um caso conhecido, a polícia de Londres serviu-se da RIPA para quebrar
clandestinamente os sigilo telefônico de jornalistas – no caso, do tabloide The
Sun. O objetivo, segundo
uma matéria do Washington Post, foi quebrar o sigilo de fonte, uma dos pilares
da liberdade de imprensa. Os comandantes da polícia puderam “identificar e
punir fontes policiais legítimas” que haviam fornecido informações ao The Sun. As
consequências são óbvias, frisa a carta enviada a Cameron. “Ninguém procurará a
imprensa no futuro, para fazer revelações sobre o Estado, se agentes da lei
tiverem o poder de quebrar o sigilo telefônico dos jornalistas”.
O alarme provocado pelos vazamentos de Snowden levará os
governos da Grã-Bretanha e de toda a Europa a restaurar princípios democráticos
elementares? Tudo indica que não, a depender dos atuais dirigentes. Na
terça-feira (20/1), uma matéria publicada no The Intercept, o site dirigido
pelo jornalista Glenn
Greenwald, fez um breve balanço das novas medidas de controle social em
exame nos Estados europeus, após o atentado contra o Charlie Hebdo.
O texto aponta:
busca-se aprovar leis que “autorizem a captura e armazenamento de volumes
maciços de dados pessoais”. Os governantes mais empenhados em dar este passo
são os primeiros ministros da Alemanha e Grã-Bretanha, Angela Merkel e David
Cameron, e o presidente francês François Hollande. A proteção contra atos
bárbaros com a chacina de doze jornalistas é apenas pretexto, demonstra The
Intercept. Precisamente porque na França (hoje, exceção na Europa) “já estão em
vigor muitas das leis ‘anti-terror’ que Merkel e outros estão tentando adotar
no continente – mas elas obviamente não preveniram o atentado em Paris”…
Mesmo na Europa, a reação da velha mídia aos atos que
ameaçam sua liberdade é, até o momento, tímido. O escritor John Pilger tem
lembrado que, diante de seu próprio declínio político e econômico, os governos
ocidentais procuram produzir artificialmente um estado de
guerra, ao qual submeteram-se
jornais outrora combativos.
Mas nada se compara com o Brasil. Passados quatro dias após
as revelações de Snowden, nada saiu a respeito nos três jornais mais vendidos
no país – Folha, O Globo e Estado de S.Paulo. Desatenção? Incompetência? Ou
simplesmente censura?
Fonte: http://outraspalavras.net/destaques/estados-policiais-a-moda-do-ocidente/
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