Em
13 de Março de 1964, João Goulart fala no Comício da Central e defende as
Reformas de Base. Dezoito dias depois, estaria deposto
Num país dividido em Casa Grande e Senzala, poucos governos ousaram
elevar salários e cobrar impostos dos ricos. Nenhum deles permaneceu de pé
As
destituições presidenciais ocorridas em 1964 e 2016 possuem
distinções em termos de método, instrumento e velocidade. Um olhar mais
cuidadoso, entretanto, é capaz de identificar nestes epifenômenos causalidades
nos interesses políticos dos respectivos grupos sociais representados e
contrários aos então presidentes. Este breve texto, de forma simplificadora,
busca quantificar e qualificar algumas dessas causas através da variação real
do salário mínimo, da
incidência tributária e das políticas
sociais distributivistas interrompidas ou restringidas.
No
curto espaço de tempo da forma de governo presidencialista da gestão de João
Goulart, houve a proposição das Reformas de Base.
Nelas, estavam incluídas as seguintes reformas: agrária, bancária, fiscal,
educacional, urbana e administrativa. Tais proposições alterariam com
profundidade o quadro de distribuição de renda no País.
A
reforma agrária previa a autorização de desapropriações, para que a terra
servisse a sua função social, ampliaria os direitos do trabalhador rural e
permitiria o fortalecimento sindical. Já a reforma bancária tinha o intuito de
ampliar a concessão de crédito. A reforma educacional almejava a valorização da
magistratura e a erradicação do analfabetismo. A reforma urbana visava diminuir
a especulação imobiliária e o déficit habitacional.
A
reforma fiscal, entretanto, parcialmente implementada, possuía impactos
redistributivos relevantes. Além da ampliação da alíquota máxima de imposto
para a faixa de 65%, havia previsão de impostos sobre ganhos especulativos de
imóveis, implementação de tributos diferenciados de acordo com o setor das
empresas, estímulo à reinversão de lucros, etc. Aliada a esses fatores houve
uma valorização real do salário mínimo, em 18,76%. Esse foi um dos
fatores de instabilidade do governo Goulart, que encontrava crescente
resistência dos grupos econômicos dominantes (SOUZA, 2010; MOREIRA, 2011). O
governo subsequente, de Castelo Branco, reverteu rapidamente as políticas
implementadas por Goulart.
Na
destituição de 2016 é possível elencar semelhanças e diferenças. Sabidamente,
as gestões petistas tinham seu elo fundador nas políticas sociais que visavam à
redução das desigualdades do País. Seja através da valorização real de 90,55%
do salário mínimo, seja através de políticas sociais como: minha casa minha
vida, farmácia popular, cotas sociais e étnicas nas universidades, bolsa
permanência a estudantes carentes, programas de agricultura familiar, bolsa
família, etc.
Na
área fiscal, o governo Lula tentou realizar uma reforma tributária no seu
primeiro ano de governo. Dentre as propostas, havia a ampliação de impostos
sobre doações, heranças e sobre a aquisições de imóveis. Contudo, o projeto
encontrou resistências no Congresso Nacional, especificamente nos grupos
empresariais e conservadores. (SALVADOR, 2014).
O
governo Dilma acenou para volta da tributação sobre os dividendos e para o
aumento das alíquotas do imposto sobre heranças e doações, além de tentar
instituir a taxação sobre grandes fortunas e retomar a CPMF. Esses acenos nunca
foram encaminhados ao Congresso Nacional, motivada pela sinalização de que não
seriam aprovados.
Ambos
os governos conviveram com a desaprovação dos grupos sociais de renda mais
elevados, não apenas por desgostarem das políticas, mas fundamentalmente porque
os ganhos sociais representam a redução relativa da apropriação de renda das
camadas superiores e, eventualmente, redução do lucro empresarial. O Gráfico
1 (logo abaixo) explicita uma trajetória de elevação da participação
dos salários no PIB a partir de 2004 e, consequentemente, uma queda do
excedente operacional bruto sobre o produto no mesmo período.
Nota: Foram excluídas as receitas governamentais e o rendimento de
autônomos. No rendimentos do trabalho foram inclusas contribuições sociais
A
variação do salário mínimo tem relação direta com o aumento dos ganhos sociais.
O gráfico 2 indica a concomitância dos valores salariais elevados e acentuados
conflitos políticos. No governo de Castelo Branco, posterior ao golpe, a
variação real do salário foi negativa. Houve queda de 36,03%. No governo de
Michel Temer, a variação do salário mínimo seguiu a regra previamente
estabelecida, mas a reforma trabalhista implementada rebaixa os ganhos dos
trabalhadores, uma vez que viabiliza uma jornada de trabalho menor do que 44
horas. Adicionalmente, é uma clara precarização das relações de trabalho.
Cabe
destacar que ambas destituições tiveram aberto apoio de grupos empresariais,
dos grandes grupos midiáticos, das federações de bancos e das agremiações
ruralistas — em um termo, das elites. As políticas regressivas adotadas nos
governos sem a legitimidade das urnas, mas apoiados pelas elites, demonstram a
dificuldade desses grupos conviverem com políticas distributivistas. Fenômeno
mais intenso do que em países desenvolvidos, os quais possuem, em sua maioria, políticas fiscais e sociais mais
redistributivistas. Além de mais conservadora, a elite brasileira
parece ser mais autoritária, dispensando a democracia em momentos que seus
interesses estão em jogo.
Gráfico 2 – Variação real do salário mínimo 1940-2018 e destituições de
João Goulart e Dilma Roussef
Nota: A preços de 2018, deflacionado pelo INPC. Elaboração própria
Do
ponto de vista do método, é também possível identificar semelhanças em meio às
diferenças. Quando o retorno do capital é ameaçado, há uma rápida articulação
entre grupos empresariais, midiáticos e amplos setores da classe média, que se
mobilizam com a mesma narrativa. Dessa forma, observa-se a técnica,
bem-sucedida, de associar governos moderados à esquerda radical, abrindo espaço
à extemporânea retórica anticomunista. O discurso anticorrupção se presta a
conquistar corações e mentes. Dessa maneira, nos termos de Santos (2017), tal
método disfarça “que as prioridades dos governos usurpadores não têm sido o
combate a corrupção, mas, isso sim, notável, a adoção de medidas estancando
políticas favoráveis aos destituídos”.
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Os autores agradecem as contribuições de João Batista Santos Conceição,
Pedro Sofiati de Sá e Mário Lúcio Pedrosa, eximindo-os das posições aqui
firmadas
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REFERÊNCIAS
MOREIRA,
Cássio da Silva. O projeto nação do governo João Goulart: o Plano Trienal e as
Reformas de Base (1961-1964). 2011. 406. Tese (Doutorado em Economia).
Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2011.
SALVADOR,
Evilasio. As implicações do sistema tributário nas desigualdades de renda. 1.
Ed. Brasília, 2014.
SANTOS,
Wanderley Guilherme dos. A Democracia Impedida: O Brasil no Século XXI. Rio de
Janeiro: FGV, 2016
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