O neoliberalismo e a falácia da modernização
Sustentado pela fábula do empreendedorismo, é conveniente ao
neoliberalismo que o trabalhador tenha a ilusão de não estar sendo explorado e
carregue em si a promessa de uma suposta autonomia e independência. Sob o signo
da flexibilidade, os trabalhadores estão cada vez mais subordinados ao capital,
o vínculo empregatício e a proteção social desaparecem e mascara-se a
exploração da mais-valia.
Encabeçado pela retórica do laissez-faire, o neoliberalismo
propaga uma suposta liberdade individual e econômica que aos olhos de muitos
entusiastas chega quase a ser perfeita. Aliada de políticas antipopulares, esta
doutrina dissemina uma modernização que além de excludente, agride diretamente
a ampliação da oferta de serviços públicos, a preservação dos povos
originários, a conquista de direitos trabalhistas, entre outros segmentos
essenciais da sociedade.
O neoliberalismo, ao imprimir uma marca não apenas na esfera
econômica, mas também na forma como se vê o público em relação ao privado,
reconfigura uma noção de que o primeiro é ineficiente e oferece serviços
precários, enquanto o segundo é sinônimo de eficiência e qualidade.
Os ataques sistemáticos à educação, do ensino básico ao
ensino superior, sob a escusa do desenvolvimento tecnológico e da necessidade
de adaptação do ensino às demandas do mercado, é uma ofensa à educação pública,
gratuita e de qualidade, direitos estes reservados pela Constituição.
Em 2012 falava-se da aprovação da Lei de Cotas nas
universidades. Em 2019 o assunto já era sobre um tal programa Future-se,
que ao usar terminologias como “inovação” e “incubadoras de startups”, escondia
seu real objetivo: ser o primeiro
passo para a privatização das universidades e contribuir
para a mercantilização da educação.
Assim como o ensino, o transporte público está entre os
segmentos mais afetados pelas políticas de privatização. Diferente do que foi
defendido por muitos, o setor privado não garante mais conforto e eficiência
aos passageiros dos transportes coletivos. Com uma arquitetura que não comporta
o número de usuários – observado principalmente nos horários de pico – as
estações do Metrô decorrentes das parcerias público-privada (PPP) não só
tiveram suas obras atrasadas, como exigiram gastos públicos exorbitantes,
favorecendo a degradação de estações que não fazem parte das PPP.
Caminhando ao lado da educação e dos transportes, as
questões ambientais tiveram seus problemas aprofundados e suas soluções
invisibilizadas pelo neoliberalismo. Poluição acentuada, extração elevada de
recursos naturais, desmatamento crescente e até mesmo extermínio de povos
nativos e negação de direitos básicos como acesso à água potável, se mostram
interessantes para a doutrina neoliberal que aprofunda a problemática ambiental
e social.
Com a privatização da água vem junto o aumento de preço, o
que impede o acesso da população mais pobre. Com o aumento da desigualdade
social, quem tem dinheiro compra água potável, quem não tem se contenta com
água contaminada. E não para por aí: a privatização da água resulta em
consequências para o meio ambiente. Característica de países subservientes, a
redução de leis ambientais torna a privatização ainda mais atrativa aos olhos
dos investimentos estrangeiros.
O sucateamento das regulações ambientais tem efeitos
perversos. Ela provoca um aumento contínuo de garimpeiros, madeireiros e
conglomerados estrangeiros ilegais, que envenenam solos e rios, e traz consigo
o genocídio de tribos como os yanomamis, os kanamaris e os guaranis, tratados
com descaso por autoridades federais.
No campo do trabalho não seria diferente. Dotado de uma
busca brutal por produtividade, o neoliberalismo destrói a força humana que
trabalha ao difundir a desregulamentação, a flexibilização e a terceirização. A
nova dinâmica do desenvolvimento do capitalismo cria uma condição de
insegurança e um modo de vida e de trabalho precários, produzindo o incremento
da informalidade associada à perda de identidade individual e coletiva.
Sustentado pela fábula do empreendedorismo, é conveniente ao
neoliberalismo que o trabalhador tenha a ilusão de não estar sendo explorado e
carregue em si a promessa de uma suposta autonomia e independência. Sob o signo
da flexibilidade, os trabalhadores estão cada vez mais subordinados ao capital,
o vínculo empregatício e a proteção social desaparecem e mascara-se a exploração
da mais-valia.
Assim como tudo o que é sólido desmancha no ar, o
neoliberalismo e sua falaciosa modernização devastam subjetividades e economias
por onde passam. Palco de experimentos fracassados, a América Latina sofre os
efeitos desse discurso que ao propagar a modernização, na verdade reforça sua
servidão em relação aos países centrais.
O desmonte dos serviços públicos, a degradação do meio
ambiente, a precarização do trabalho, o aumento da concentração de renda, a
hegemonização dos monopólios, a disseminação de preconceitos e violências, o
desprezo pelas políticas sociais, fazem parte da lógica da austeridade fiscal,
que característica da agenda neoliberal, valorizam a liberdade em detrimento da
igualdade.
Aproveitador de cenários instáveis, o neoliberalismo
perpetua a herança colonial dos países subdesenvolvidos e torna os interesses
do capital como essencial para o seu desenvolvimento e efetivação. O
neoliberalismo é perverso, é genocida, é
agressivo, é totalitário, é produto de governos e empresas que
concentram privilégios, excluem a voz das maiorias nas decisões e colocam o
Estado cada vez mais a serviço de objetivos elitistas, que deliciam-se com uma
bonança sem precedentes enquanto os povos das nações mais atrasadas do mundo
são arrasados por pobreza e opressão absolutas.
Fonte: https://lavrapalavra.com/2020/09/17/o-neoliberalismo-e-a-falacia-da-modernizacao/
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