segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Em Genebra, anarquistas incendeiam carros, quebram bancos e lojas durante protesto contra a reunião da OMC
Em Genebra, anarquistas incendeiam carros, quebram bancos e lojas durante protesto contra a reunião da OMC
Manifestantes vestindo preto, com o rosto coberto, do Black Bloc, incendiaram carros e quebraram vitrines de lojas de luxo durante um protesto contra a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC). A mobilização ocorreu neste sábado (28), em Genebra.
O Black Bloc, com aproximadamente 1000 ativistas, fazia parte de uma multidão de cerca de 5000 pessoas que protestavam contra o encontro da conferência ministerial da OMC, que começa nesta segunda-feira.
O ato começou numa praça no centro de Genebra, com palavras de ordem contra banqueiros e chefes de Estado, cartazes e bandeiras.
Os anticapitalistas também lançaram fogos de artifício na principal rua comercial da cidade, e pedras contra os policias, que, fortemente armados, revidaram com bombas de gás lacrimogêneo, gás pimenta, canhões de água e balas de borracha para dispersar os manifestantes, que seguiam para a sede da OMC. Pelo menos 40 pessoas foram presas.
A última reunião ministerial da OMC ocorreu em Hong Kong, cerca de quatro anos atrás. Os outros encontros foram realizados em Cancún, no México, e na cidade estadunidense de Seattle.
Amanhã, 30 de novembro (N30), comemoram-se os 10 anos da batalha nas ruas de Seattle, cidade dos Estados Unidos, onde foi realizado o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), da chamada "rodada do milênio".
Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=aB_rDhPEVJ0
Galeria de imagens: http://planetephotos.blog.tdg.ch/archive/2009/11/30/manif-anti-omc-que-fait-la-police.html
agência de notícias anarquistas-ana
Boneca se aquece
com o meu chapéu de lã.
Eu visto saudades.
Teruko Oda
Ordem dos músicos do Brasil: Justiça decide pela inutilidade
Ordem dos músicos do Brasil: Justiça decide pela inutilidade
Já havia anunciado o fim da Ordem dos Músicos do Brasil - OMB, agora está o texto que oficializa a inutilidade desse órgão opressor que explora os músicos.
O deputado Carlos Giannazi, Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Músicos e Compositores do Estado de São Paulo, anunciou nesta semana a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que proíbe a OMB de fiscalizar os músicos bem como exigir a inscrição na entidade.
O Acórdão garante aos músicos do estado de São Paulo o direito de exercício da profissão, sem necessidade de prova, inscrição na OMB e sujeição ao regime disciplinar específico. O Acórdão destaca, entre outros pontos, que "a Lei nº 3.857/60 não exige o registro na OMB de todo e qualquer músico para o exercício da profissão, mas apenas dos que estão sujeitos à formação acadêmica sob controle e fiscalização do Ministério da Educação".
“De agora em diante os músicos do estado de São Paulo não podem mais ser fiscalizados pela OMB e nem tampouco ter a obrigatoriedade da inscrição na mesma”, disse Giannazi em seu pronunciamento na Assembléia Legislativa de São Paulo.
Giannazi fez também uma representação no Ministério Público Federal pedindo a suspensão de vários artigos da Lei 3857/60 - que criou a Ordem dos Músicos do Brasil. Depois de julgada pelo Supremo, a ação pode passar a valer em todo o território nacional, desobrigando músicos da inscrição na entidade.
O Acórdão está disponível no site do Tribunal Regional Federal (www.trf3.jus. br). Para quem quiser consultar na íntegra, o número do processo é 2005.61.15.001047- 2.
Fonte: http://contextolivre.blogspot.com/
Da Queda do Muro a Batalha de Seattle. Próxima parada: Copenhague
Da Queda do Muro a Batalha de Seattle. Próxima parada: Copenhague
De Copenhague emergirá uma nova geopolítica e uma nova correlação de forças no sistema internacional
27/11/2009
Fátima Mello
Novembro de 2009 é o mês de aniversário de 20 anos da queda do Muro de Berlim e também de 10 anos da batalha nas ruas de Seattle, quando ocorreu naquela cidade a reunião ministerial da OMC que iniciaria a Rodada do Milênio. Seattle veio a ser o ato inaugural do chamado movimento altermundialista, cujo lançamento formal ocorreu logo em seguida na primeira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre em 2001. Ao longo das duas últimas décadas o movimento contra-hegemônico experimentou estes dois grandes marcos e hoje se vê desafiado a concluir este ciclo histórico e se lançar num novo patamar de reflexão e ação. Copenhague, onde se realizará a COP 15 (15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) será a próxima parada do movimento altermundialista. Das mobilizações em torno da conferência do clima sairão as novas bases que iluminarão um novo ciclo para este movimento.
A década iniciada em 1989 com a queda do Muro e o respectivo fim da Guerra Fria pode ser sintetizada como a década onde se anunciou o "fim da História" e o reinado absoluto das teses do chamado Consenso do Washington, que traduziam a hegemonia política, cultural, econômica e militar dos EUA na nova ordem internacional unipolar. Na América Latina vivemos o período sob o signo da "década perdida", que combinava a vitória do retorno das democracias após o tenebroso ciclo de ditaduras com economias com resultados desanimadores e desmontes das estruturas produtivas e do papel regulador do Estado, com a febre das privatizações e perdas de direitos e encolhimento das esferas públicas.
Ao longo desta década os movimentos sociais e outras forças da chamada esquerda, ainda tontos diante da desorganização programática e do desmoranamento de paradigmas que ruíram junto com os escombros do Muro, foram atingidos em cheio pela força do pensamento hegemônico. A década assistiu a uma ampla desmobilização e fragmentação dos movimentos sociais. Muitas organizações passaram a investir esforços nos processos de reforma institucional das Nações Unidas, tendo havido grande esforço na tentativa de influenciar o ciclo de conferências da ONU, que incluiu a Eco 92 - de fato o primeiro grande momento de internacionalização da ação das organizações e movimentos depois de muitos anos - , as conferências de Direitos Humanos em Viena, de População e Desenvolvimento no Cairo, de Desenvolvimento Social em Copenhague, de Mulheres em Beijing. Apesar dos aprendizados que estes esforços proporcionaram, sobretudo no sentido do entendimento do funcionamento do sistema ONU, é preciso reconhecer que estas organizações e movimentos não eram atores na política internacional e sua capacidade de mobilização estava esvaziada. Em meadas da década alguns sinais contraditórios passaram a revelar que algo estava se movendo nas tumbas do fim da História. Em 1994, por exemplo, de um lado o ex-presidente dos EUA Bill Clinton lançava o NAFTA - o acordo de livre comércio entre EUA, Canadá e México, a bula neoliberal que depois se tentaria estender para o resto das Américas através da ALCA -, e ao mesmo tempo o movimento zapatista deslanchava o levante de Chiapas, com a característica de ser ao mesmo tempo resistência anti-neoliberal num território específico e também uma iniciativa que convocava um movimento global.
Foi no apagar das luzes da década perdida, em 1999, que finalmente movimentos e organizações de todas as partes do mundo revelaram que a semente da resistência recomeçava a brotar. Seattle deu início a um novo ciclo na política internacional, tendo produzido um momento de ampla contestação que reunia sindicatos com ambientalistas, camponeses, mulheres, ativistas por direitos humanos. Seattle trouxe para as ruas a crise de legitimidade do neoliberalismo. Seattle foi o ato inaugural do Fórum Social Mundial. A História não havia terminado!
A primeira edição do FSM em 2001 foi um sucesso. A tônica anti-Davos se combinou com o encontro entre várias culturas e tradições políticas da esquerda. Porto Alegre foi o espaço de convergência para a construção de novas formas de organização e de ação política, novas questões e lutas, novas dinâmicas não-centralizadas de organização. Um poderoso encontro da diversidade e da pluralidade. O FSM ainda comemorava o fato de ter espelhado o impulso de criação de um novo ciclo político quando o atentado de 11 de setembro às torres gêmeas novamente alterou o curso da História, ao recolocar no centro da agenda da política internacional a guerra e ao reforçar a tendência à unipolaridade que já vinha sendo o novo fundamento da ordem internacional desde a queda do Muro. A partir do 11 de setembro os movimentos que integram o processo FSM passaram a ser criminalizados e passaram ter que incluir no centro de suas lutas a resistência contra a guerra.
Na América Latina o início do novo milênio revelou que os anos de lutas de resistência e a força do FSM começavam a dar frutos com a eleição de um novo ciclo de governos. O projeto dos EUA para a região, a ALCA, fora derrotada por uma ampla campanha continental e pelos novos governos que responderam a esta campanha com o esvaziamento das negociações.
O FSM seguiu se mundializando e se enraizando em sociedades tão ricas e diversas como as da Índia, Quênia, Paquistão, EUA, Marrocos e tantos outros. O FSM hoje pode ser considerado como o ponto de referência de um ciclo longo de recomposição histórica de um pensamento contra-hegemônico. Ao voltar para o Brasil em 2009, e em especial para a Amazônia, o FSM revelou que um novo ciclo está se inaugurando. O FSM Belém teve uma nova qualidade em relação às edições anteriores, ao fazer emergir uma crítica mais profunda ao modelo de desenvolvimento que se reproduz devorando a natureza e os recursos naturais. Ao colocar o meio ambiente no centro do debate político, o FSM realizado na Amazônia, território onde os conflitos sócio-ambientais são tão evidentes, nos convida a dar um passo adiante, para além da crítica ao neoliberalismo.
A próxima parada do processo FSM inaugurado em Seattle será em Copenhague, na COP 15, onde as lutas de Seattle serão atualizadas e agenda do FSM Belém ganhará estatura. As mobilizações da nova geração política iniciada em 1999 serão amadurecidas nas ruas de Copenhague com a resistência contra a privatização do ar. Seattle e o FSM denunciaram ao mundo que o chamado pensamento único fundado nas teses do neoliberalismo levaria o mundo ao esgotamento e anunciaram que Outro Mundo É Possível. Os movimentos reunidos em Copenhague re-afirmarão a resistência ao neoliberalismo na sua versão atual de mercantilização do ar. Mas também irão muito além. A grave crise climática não encontrará solução adequada pela via do mercado de carbono. Além de reafirmar a resistência, as mobilizações em Copenhague demonstrarão que o planeta só terá chance de sobrevivência se o atual modo de produção e de consumo for alterado, se formos capazes de encurtar distâncias entre produção e consumo, desglobalizando a produção, apostando na energia limpa, democratizando o sistema internacional através da criação de novas instituições e regras que sirvam aos povos e a natureza e não às corporações transnacionais, se relacionando com a natureza como bem comum e não mais privatizando a terra, água, sementes, ar, conhecimentos, cultura.
Ao contrário de Seattle, onde quisemos e conseguimos que a reunião ministerial da OMC fracassasse, em Copenhague queremos que a conferência obtenha compromissos por parte dos governos condizentes com a gravidade da crise. Para tal, nossas lutas de resistência se alimentam de uma clara visão alternativa, que será o eixo das ações nas ruas: a Justiça Climática exige que governos e povos do mundo não entreguem ao mercado e às mega corporações a gestão da crise climática. Exige que os povos e grupos sociais mais vulneráveis – que serão os mais gravemente afetados – não paguem a conta e tenham prioridade nas políticas e programas de combate aos efeitos das alterações do clima. E exige que os países responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa assumam que têm uma dívida climática a pagar.
De Copenhague emergirá uma nova geopolítica e uma nova correlação de forças no sistema internacional, onde países do Norte e do Sul deverão assumir compromissos com a transição para um novo modelo de desenvolvimento. Para o movimento altermundialista, Copenhague proporcionará as bases para uma nova plataforma de ação, que terá no seu centro a defesa dos bens comuns, dos territórios e direitos dos povos e da natureza como perspectiva de futuro para um Outro Mundo Possível e, mais do que nunca, urgente.
Fátima Mello é diretora da Fase e secretária executiva da Rebrip.
De Copenhague emergirá uma nova geopolítica e uma nova correlação de forças no sistema internacional
27/11/2009
Fátima Mello
Novembro de 2009 é o mês de aniversário de 20 anos da queda do Muro de Berlim e também de 10 anos da batalha nas ruas de Seattle, quando ocorreu naquela cidade a reunião ministerial da OMC que iniciaria a Rodada do Milênio. Seattle veio a ser o ato inaugural do chamado movimento altermundialista, cujo lançamento formal ocorreu logo em seguida na primeira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre em 2001. Ao longo das duas últimas décadas o movimento contra-hegemônico experimentou estes dois grandes marcos e hoje se vê desafiado a concluir este ciclo histórico e se lançar num novo patamar de reflexão e ação. Copenhague, onde se realizará a COP 15 (15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) será a próxima parada do movimento altermundialista. Das mobilizações em torno da conferência do clima sairão as novas bases que iluminarão um novo ciclo para este movimento.
A década iniciada em 1989 com a queda do Muro e o respectivo fim da Guerra Fria pode ser sintetizada como a década onde se anunciou o "fim da História" e o reinado absoluto das teses do chamado Consenso do Washington, que traduziam a hegemonia política, cultural, econômica e militar dos EUA na nova ordem internacional unipolar. Na América Latina vivemos o período sob o signo da "década perdida", que combinava a vitória do retorno das democracias após o tenebroso ciclo de ditaduras com economias com resultados desanimadores e desmontes das estruturas produtivas e do papel regulador do Estado, com a febre das privatizações e perdas de direitos e encolhimento das esferas públicas.
Ao longo desta década os movimentos sociais e outras forças da chamada esquerda, ainda tontos diante da desorganização programática e do desmoranamento de paradigmas que ruíram junto com os escombros do Muro, foram atingidos em cheio pela força do pensamento hegemônico. A década assistiu a uma ampla desmobilização e fragmentação dos movimentos sociais. Muitas organizações passaram a investir esforços nos processos de reforma institucional das Nações Unidas, tendo havido grande esforço na tentativa de influenciar o ciclo de conferências da ONU, que incluiu a Eco 92 - de fato o primeiro grande momento de internacionalização da ação das organizações e movimentos depois de muitos anos - , as conferências de Direitos Humanos em Viena, de População e Desenvolvimento no Cairo, de Desenvolvimento Social em Copenhague, de Mulheres em Beijing. Apesar dos aprendizados que estes esforços proporcionaram, sobretudo no sentido do entendimento do funcionamento do sistema ONU, é preciso reconhecer que estas organizações e movimentos não eram atores na política internacional e sua capacidade de mobilização estava esvaziada. Em meadas da década alguns sinais contraditórios passaram a revelar que algo estava se movendo nas tumbas do fim da História. Em 1994, por exemplo, de um lado o ex-presidente dos EUA Bill Clinton lançava o NAFTA - o acordo de livre comércio entre EUA, Canadá e México, a bula neoliberal que depois se tentaria estender para o resto das Américas através da ALCA -, e ao mesmo tempo o movimento zapatista deslanchava o levante de Chiapas, com a característica de ser ao mesmo tempo resistência anti-neoliberal num território específico e também uma iniciativa que convocava um movimento global.
Foi no apagar das luzes da década perdida, em 1999, que finalmente movimentos e organizações de todas as partes do mundo revelaram que a semente da resistência recomeçava a brotar. Seattle deu início a um novo ciclo na política internacional, tendo produzido um momento de ampla contestação que reunia sindicatos com ambientalistas, camponeses, mulheres, ativistas por direitos humanos. Seattle trouxe para as ruas a crise de legitimidade do neoliberalismo. Seattle foi o ato inaugural do Fórum Social Mundial. A História não havia terminado!
A primeira edição do FSM em 2001 foi um sucesso. A tônica anti-Davos se combinou com o encontro entre várias culturas e tradições políticas da esquerda. Porto Alegre foi o espaço de convergência para a construção de novas formas de organização e de ação política, novas questões e lutas, novas dinâmicas não-centralizadas de organização. Um poderoso encontro da diversidade e da pluralidade. O FSM ainda comemorava o fato de ter espelhado o impulso de criação de um novo ciclo político quando o atentado de 11 de setembro às torres gêmeas novamente alterou o curso da História, ao recolocar no centro da agenda da política internacional a guerra e ao reforçar a tendência à unipolaridade que já vinha sendo o novo fundamento da ordem internacional desde a queda do Muro. A partir do 11 de setembro os movimentos que integram o processo FSM passaram a ser criminalizados e passaram ter que incluir no centro de suas lutas a resistência contra a guerra.
Na América Latina o início do novo milênio revelou que os anos de lutas de resistência e a força do FSM começavam a dar frutos com a eleição de um novo ciclo de governos. O projeto dos EUA para a região, a ALCA, fora derrotada por uma ampla campanha continental e pelos novos governos que responderam a esta campanha com o esvaziamento das negociações.
O FSM seguiu se mundializando e se enraizando em sociedades tão ricas e diversas como as da Índia, Quênia, Paquistão, EUA, Marrocos e tantos outros. O FSM hoje pode ser considerado como o ponto de referência de um ciclo longo de recomposição histórica de um pensamento contra-hegemônico. Ao voltar para o Brasil em 2009, e em especial para a Amazônia, o FSM revelou que um novo ciclo está se inaugurando. O FSM Belém teve uma nova qualidade em relação às edições anteriores, ao fazer emergir uma crítica mais profunda ao modelo de desenvolvimento que se reproduz devorando a natureza e os recursos naturais. Ao colocar o meio ambiente no centro do debate político, o FSM realizado na Amazônia, território onde os conflitos sócio-ambientais são tão evidentes, nos convida a dar um passo adiante, para além da crítica ao neoliberalismo.
A próxima parada do processo FSM inaugurado em Seattle será em Copenhague, na COP 15, onde as lutas de Seattle serão atualizadas e agenda do FSM Belém ganhará estatura. As mobilizações da nova geração política iniciada em 1999 serão amadurecidas nas ruas de Copenhague com a resistência contra a privatização do ar. Seattle e o FSM denunciaram ao mundo que o chamado pensamento único fundado nas teses do neoliberalismo levaria o mundo ao esgotamento e anunciaram que Outro Mundo É Possível. Os movimentos reunidos em Copenhague re-afirmarão a resistência ao neoliberalismo na sua versão atual de mercantilização do ar. Mas também irão muito além. A grave crise climática não encontrará solução adequada pela via do mercado de carbono. Além de reafirmar a resistência, as mobilizações em Copenhague demonstrarão que o planeta só terá chance de sobrevivência se o atual modo de produção e de consumo for alterado, se formos capazes de encurtar distâncias entre produção e consumo, desglobalizando a produção, apostando na energia limpa, democratizando o sistema internacional através da criação de novas instituições e regras que sirvam aos povos e a natureza e não às corporações transnacionais, se relacionando com a natureza como bem comum e não mais privatizando a terra, água, sementes, ar, conhecimentos, cultura.
Ao contrário de Seattle, onde quisemos e conseguimos que a reunião ministerial da OMC fracassasse, em Copenhague queremos que a conferência obtenha compromissos por parte dos governos condizentes com a gravidade da crise. Para tal, nossas lutas de resistência se alimentam de uma clara visão alternativa, que será o eixo das ações nas ruas: a Justiça Climática exige que governos e povos do mundo não entreguem ao mercado e às mega corporações a gestão da crise climática. Exige que os povos e grupos sociais mais vulneráveis – que serão os mais gravemente afetados – não paguem a conta e tenham prioridade nas políticas e programas de combate aos efeitos das alterações do clima. E exige que os países responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa assumam que têm uma dívida climática a pagar.
De Copenhague emergirá uma nova geopolítica e uma nova correlação de forças no sistema internacional, onde países do Norte e do Sul deverão assumir compromissos com a transição para um novo modelo de desenvolvimento. Para o movimento altermundialista, Copenhague proporcionará as bases para uma nova plataforma de ação, que terá no seu centro a defesa dos bens comuns, dos territórios e direitos dos povos e da natureza como perspectiva de futuro para um Outro Mundo Possível e, mais do que nunca, urgente.
Fátima Mello é diretora da Fase e secretária executiva da Rebrip.
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Palestino é morto em bombardeio israelense no norte de Gaza
Palestino é morto em bombardeio israelense no norte de Gaza
Um palestino morreu e vários ficaram feridos hoje (27) em um bombardeio das forças israelenses no norte da Faixa de Gaza. O ataque, entre a localidade de Khan Yunes e o campo de refugiados de Jabalya, aconteceu quando a força aérea lançou uma bomba contra "um grupo de terroristas" que lançariam foguetes do norte de Gaza em direção a território israelense, disse uma porta-voz do exército.
"Se detectou o alvo e um dos terroristas, que pertencia à organização terrorista Galgalatt, um movimento salafista influenciado pela Al Qaeda. morreu", acrescentou a porta-voz, que afirmou que se tratou de uma operação conjunta das Forças de Defesa de Israel e a Agência de Segurança de Israel.
Segundo meios de comunicação israelenses, quatro dos milicianos ficaram feridos e dois deles se encontram em estado grave.
O ataque aconteceu um dia depois que milícias palestinas disparassem duas bombas contra território de Israel, que não causaram vítimas nem danos, segundo o Escritório de Informação do Exército israelense.
Em dezembro de 2008 e janeiro desse ano, Israel empreendeu uma guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza. Cerca de 1,4 mil palestinos foram mortos. Em setembro o comitê da ONU (Organização das Nações Unidas) que investigou a operação militar israelense acusou o exército israelense e o Hamas de cometer "crimes de guerra". Israel negou os delitos e disse que agiu em "autodefesa".
Fonte: http://www.operamundi.com.br
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Maluf e Tuma teriam ocultado cadáveres, acusa MPF
Maluf e Tuma teriam ocultado cadáveres, acusa MPF
O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) protocolou nesta quinta-feira (26) uma ação civil pública para que o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) e o senador Romeu Tuma (PTB-SP) sejam responsabilizados pela ocultação de cadáveres de desaparecidos políticos no período da ditadura. Os corpos, segundo o MPF, teriam sido alocados nos cemitérios de Perus e Vila Formosa.
Além de Maluf e Tuma, o MPF pede a responsabilização do ex-prefeito de São Paulo Miguel Colasuonno (1973-1975), do ex-chefe do necrotério do IML (Instituto Médico Legal) Harry Shibata e do ex-diretor do serviço funerário municipal Fabio Barreto (1970-1974).
De acordo com a ação, desaparecidos políticos foram sepultados em Perus e Vila Formosa de forma clandestina, com a participação do IML, do Dops e da prefeitura.
A Procuradoria pede ainda que os envolvidos sejam punidos com a perda das funções públicas ou das aposentadorias, além de pagar uma indenização de 10% do patrimônio pessoal para reparação de danos morais coletivos.
Outros responsáveis
Além do processo contra os cinco envolvidos, o MPF protocolou uma ação pedindo a responsabilização das pessoas físicas e jurídicas que contribuíram para que as ossadas de mortos e desaparecidos políticos localizadas no cemitério de Perus permanecessem sem identificação.
São demandados na ação a União, o Estado, a Unicamp, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade de São Paulo e outras cinco pessoas, a maioria legistas.
Fonte - http://virgula.uol.com.br/
Caos: O transporte público em São Paulo
Caos: O transporte público em São Paulo
por Michelle Amaral da Silva última modificação 23/11/2009 14:00
Superlotação, tarifas elevadas, trânsito e reduzida prioridade por parte dos governos municipal e estadual no cotidiano dos cidadãos paulistanos
23/11/2009
Michelle Amaral
da Reportagem
Matilde Soares leva cerca de duas horas para ir de sua casa até o trabalho. No percurso de Ferraz de Vasconcelos, município localizado na região leste da Grande São Paulo, até o bairro do Tucuruvi, zona norte da capital, a auxiliar de serviços gerais utiliza quatro meios de transporte coletivo: pega lotação até a estação de trem de Ferraz de Vasconcelos de onde segue para o centro; na Estação Luz faz integração com o metrô e vai até a Estação Tucuruvi; finalmente, pega um ônibus para chegar à fabrica na qual trabalha.
“É muito cansativo, vou em pé de casa até o serviço”, conta a trabalhadora de 43 anos, mãe de três filhos, viúva e que depende do emprego para sustentar a família. Matilde faz esse percurso diariamente há cerca de cinco anos e relata que, apesar de terem acontecido melhoras no transporte coletivo de São Paulo, como a integração na Estação da Luz do metrô com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e do desconto nas passagens através do bilhete único, “ainda falta muito a ser feito pelo trabalhador”.
“Nos horários que vou para o trabalho e volto para casa a condução é muito cheia. À tarde, então, na troca de trem que a gente faz em Guaianazes, já me machuquei várias vezes, é um empurra-empurra, o trem que vai para Mogi demora a chegar, depois demora a partir, os trens que vêm da Luz não param de chegar, as plataformas vão ficando lotadas. É um descaso muito grande o que fazem com a gente”, afirma. A integração citada por Matilde é feita na Estação Guaianazes, da CPTM, entre o Expresso Leste, que vem da Estação Luz, e a linha 11-Coral, com destino à Estação Estudantes, em Mogi das Cruzes.
As dificuldades enfrentadas por Matilde na utilização do transporte coletivo não se restringem somente à cidade de São Paulo, como também não são únicas do sistema sobre trilhos. Elas se repetem na vida de muitos outros trabalhadores, seja na superlotação do transporte coletivo em geral, principalmente nos horários de pico, como no valor elevado das tarifas ou no trânsito enfrentado por aqueles que utilizam ônibus.
No caso da cidade São Paulo, na avaliação de especialistas, a situação do sistema de transporte coletivo é caótica e falta atenção dos governos municipal e estadual para o setor, que acabam priorizando o transporte individual através de grandes obras na malha viária da capital.
João Arruda, de 59 anos, indigna-se ao falar sobre o transporte público paulistano. Para o aposentado, há uma falta uma organização da população para cobrar os seus direitos daqueles que ela mesma elegeu. “Enquanto nós continuarmos aceitando esse tipo de descaso, a situação não vai mudar”, protesta.
Políticas públicas
Arruda afirma que o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e o prefeito da capital, Gilberto Kassab (DEM), “não estão preocupados com o povo e, por isso, a situação do transporte público está desse jeito”.
Wagner Gomes, presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo e da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), avalia que “o transporte público em São Paulo chegou à beira do colapso, tanto do ponto de vista dos ônibus, como de trens e metrô”.
A mesma opinião é compartilhada pelo ex-secretário municipal de transportes (1990-1992) na gestão Luiza Erundina e engenheiro, Lúcio Gregori, que acredita que o agravamento da situação faça com que talvez a questão do transporte coletivo seja priorizada pelos governos. Para ele, os meios coletivos são “problemas de políticas públicas”.
“Diferentemente da saúde em que a prevenção é o melhor caminho, nessa questão parece que será o quadro agudo que ajudará. Espero. Ou então suportaremos o insuportável. Fazer o que?”, relativiza.
Caminhos
Nesse sentido, Gregori aponta, por exemplo, como solução à questão da mobilidade através dos ônibus, a construção massiva de corredores, ao invés de se reservar mais espaço para os carros.
Já em relação à superlotação dos trens, tanto da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) como da CPTM, Wagner Gomes alega que a solução é a expansão do sistema sobre trilhos. “Não dá para colocar mais trens. O intervalo entre trens no metrô, por exemplo, já é de 90 segundos, é mínimo. O que precisa é uma política de expansão”, defende.
No entanto, Lucas Monteiro, militante do Movimento Passe Livre de São Paulo, alerta que a expansão do sistema metro-ferroviário deve ser feita de modo a atender as necessidades da população. No caso do Programa de Expansão realizado por José Serra, o militante do MPL critica a falta de participação da população no traçado do projeto. “A população não participa das decisões sobre como essa expansão vai se dar, o que é extremamente problemático do nosso ponto de vista”, afirma.
Tarifa zero
Monteiro pondera que, além de se realizar a ampliação da oferta de transporte público, é necessário também que o sistema seja acessível a toda a população. Para ele, a gratuidade do serviço, principal bandeira do MPL, é uma das medidas mais importantes a serem tomadas.
Ele conta que o movimento busca conscientizar a população sobre o direito ao transporte e a cobrança de tarifas. “Talvez essa seja a nossa maior dificuldade, porque as pessoas acham natural pagar pelo transporte, algo que é completamente não natural”, relata. Segundo o movimento, o transporte é um direito da população, já que trata-se de um serviço público, igual à saúde e à educação, e deveria ser custeado de outras formas, ao invés de onerar o usuário no momento da utilização.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Blackwater ou a terceirização da guerra
Blackwater ou a terceirização da guerra
Orlando Maretti
Para quem não viu o fantástico documentário da BBC/HBO “Why we fight”, ou a série “Jericho” (canal AXN), agora pode consultar um livro altamente esclarecedor, do jornalista Jeremy Scahill – “Blackwater – The rise of the world’s most powerful mercenary army”. A advertência do general Dwight Einsenhower (1890-1969), no final de seu governo, de que a democracia americana corria sérios riscos com a formação de um poderoso complexo industrial militar, tornou-se dramaticamente atual. Ainda na década de ’60, o jornalista Fred J.Cook levou a sério a advertência de “Ike”, um convicto liberal, e escreveu um best-seller ─ O Estado Militarista ─, que se tornou uma referência para todos os estudiosos de política internacional e, principalmente, dos meandros da Guerra Fria.
Grupos paramilitares ou exércitos mercenários sempre existiram ao longo da História, desde o Império Romano. Esses grupos geralmente atuavam à margem dos conflitos bélicos, em nome de interesses ideológicos obscuros ou na defesa de concretos interesses econômicos. No século XX, era notória a ação desses grupos nas guerras de libertação nacional nas antigas colônicas africanas. O mais famoso deles foi a Legião Estrangeira, mantida pela Estado francês no então território colonizado da Argélia.
Em Angola, por exemplo, somente há poucos anos foi extinta a Unita, grupo mercenário comandado por Jonas Savimbi, que era financiando tanto por multinacionais petrolíferas, mercadores de diamantes ou pela República Popular da China, em sua disputa com a antiga União Soviética. Até hoje são visíveis os dramáticos efeitos das ações terroristas de Savimbi e seu bando: uma legião de jovens angolanos com membros amputados, vítimas das milhares de minas terrestres espalhadas ao redor das aldeias.
A Blackwater é um novíssimo conceito no complexo cenário estratégico internacional. Trata-se de uma empresa privada bilionária que tanto pode atuar na guerra do Iraque como no controle de populações civis em território norte-americano, como ocorreu logo após a tragédia do furacão Katrina.
Esperemos que com a ascensão de Barack Obama essa tendência belicista seja erradicada, com a proibição desses
grupos mercenários, hoje transformados em megacorporações bilionárias a serviço da barbárie.
Abaixo, um pequeno resumo do volumoso livro de Jeremy Scahill.
A ascensão da Blackwater
A Blackwater foi fundada em 1996 pelo cristão conservador e multimilionário ex-SEAL (forças de elite da marinha norte-americana) Erik Prince – descendente de uma família rica de Michigan, cujas generosas doações monetárias contribuíram para levar ao auge a direita religiosa e à revolução republicana de 1994. No momento de sua fundação, a empresa consistia essencialmente na fortuna privada de Prince e numa vasta propriedade de 5.000 acres [2.000 hectares], situada perto do Great Dismal Swamp, em Moyock, Carolina do Norte. A sua visão foi "satisfazer antecipadamente a procura do governo por subcontratação de armamento e formação militar". Nos anos seguintes, Prince, a sua família e os seus aliados políticos encheram de dinheiro os cofres das campanhas republicanas, apoiando a tomada de controle do Congresso e a ascensão de George W. Bush à Presidência.
Embora a Blackwater obtivesse alguns contratos durante a era Clinton, que era favorável à privatização destes serviços, foi no entanto com a "guerra contra o terrorismo" que chegou o momento de glória da empresa. Quase do dia para a noite, depois do 11 de Setembro, a empresa transformou-se na protagonista da guerra global. "Estou no negócio de formação militar desde há quatro anos e só agora comecei a ter uma pequena noção de quão seriamente as pessoas encaram os assuntos de segurança", disse Prince ao apresentador do noticiário da FOX, Bill O'Reilly, o hiperconservador âncora da rede de TV controlada por Rudolph Murdoch, pouco depois do 11 de Setembro. "Agora o telefone não pára de tocar", comemorava.
De todas estas chamadas, uma era da CIA que acabou por contratar a Blackwater para trabalhar no Afeganistão, nas operações iniciais norte-americanas nesse país. Nos anos seguintes, a empresa converteu-se num dos grandes beneficiários da "guerra contra o terrorismo", ganhando quase 1 bilhão de dólares em contratos, que se conheçam, com o governo, muitos deles sem qualquer concorrência ou licitação. Em apenas uma década, Prince ampliou as instalações de Moyock para 7.000 acres [2833 ha], fazendo dessas instalações a maior base militar privada do mundo. A Blackwater tem neste momento 2.300 executivos espalhados por nove países, e mais 20 mil prontos para entrar em ação. Mantém uma frota de mais de vinte aeronaves, incluindo helicópteros de combate, e uma divisão de inteligência própria, e já constrói aeronaves de reconhecimento e sistemas de sinalização de alvos.
Lucrando com a tragédia do Katrina
Em 2005, logo depois do furacão Katrina, a suas forças deslocaram-se para Nova Orleans, cobrando ao governo federal 950 dólares por homem/dia – chegando a atingir mais de 240 mil dólares por dia. No seu auge, a empresa chegou a ter cerca de 600 contratados distribuídos desde o Texas até ao Mississipi. A partir de sua intervenção no cenário do Katrina a Blackwater tem desenvolvido uma atitude agressiva na obtenção de contratos internos, abrindo uma nova divisão de operações nacionais. A Blackwater promove os seus produtos e serviços junto ao Departamento de Segurança Interna (Department of Homeland Security ), e os seus representantes já se reuniram com o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger. A empresa solicitou a obtenção de licenças para operar em todos os estados costeiros norte-americanos, e também amplia a sua presença no interior dos EUA, com a abertura de novas instalações em Illinois e na Califórnia.
A Blackwater obteve o seu maior contrato do Departamento de Estado, que consistiu no fornecimento da segurança dos diplomatas e das instalações norte-americanas no Iraque. Esse contrato teve início em 2003, com um acordo sem licitação de 21 milhões de dólares, para proteção do então procônsul no Iraque, Paul Bremer. A Blackwater também forneceu a segurança dos embaixadores seguintes no Iraque, John Negroponte e Zalmay Khalilzad, assim como de outros diplomatas e funcionários do país ocupante. As suas forças protegeram mais de 90 delegações do Congresso no Iraque, incluindo a da sua atual presidente, Nancy Pelosi. De acordo com os últimos registros governamentais, a Blackwater faturou, desde Junho de 2004, 750 milhões de dólares só em contratos com o Departamento de Estado. Atualmente encontra-se envolvida numa intensa campanha de lobbying para que seja enviada a Darfur como força de paz privada.
A Blackwater contratou desde o 11 de Setembro, como executivos seniores, alguns altos funcionários possuidores de bons contatos na administração Bush. Entre eles encontra-se J. Cofer Black, antigo chefe do contraterrorismo da CIA e o homem que levou a cabo a caça a Osama Bin Laden depois do 11 de Setembro, e ainda Joseph Schmitz, antigo Inspetor Geral do Pentágono, responsável pelos acordos com as empresas privadas de segurança, entre elas a Blackwater, durante a maior parte da "guerra contra o terrorismo" – algo de que foi acusado de o não ter feito eficazmente. Já no final da gestão de Schmitz no Pentágono, o poderoso senador republicano Charles Grassley lançou uma investigação do Congresso para averiguar se Schmitz tinha "abafado ou redirecionado duas investigações criminais em curso" sobre altos cargos da administração Bush. Vendo-se debaixo de fogo cruzado de ambos os partidos, Schmitz demitiu-se e entrou na Blackwater.
A Blackwater sai das sombras
Apesar de ter desempenhado um papel central, a Blackwater esteve, de uma forma geral, operando nas sombras até 31 de Março de 2004, precisamente quando quatro dos seus soldados privados, em ação no Iraque, foram emboscados e mortos na cidade de Faluja. Os cadáveres foram queimados por uma multidão que os arrastou pelas ruas, pendurando dois deles numa ponte sobre o rio Eufrates. Este foi o momento que, sob muitos aspectos, alterou o rumo da guerra no Iraque. Alguns dias após estes acontecimentos, as tropas norte-americanas assaltaram Faluja, matando centenas de pessoas e deslocando milhares, exacerbando assim a feroz resistência iraquiana que assombra as forças de ocupação até aos dias de hoje. Para muitos americanos esta foi a primeira vez que ouviram falar dos soldados privados. "As pessoas começam a perceber que se tratava de um fenômeno muito mais amplo", comentou o congressista David Price, um democrata da Carolina do Norte, que disse ter começado a seguir o rastro das contratadas privadas depois dos acontecimentos de Faluja. "Provavelmente, sou como a maioria dos membros do Congresso, que apenas começaram a ter consciência e interesse por este assunto após este incidente”.
O que não é do conhecimento geral é que, depois dos acontecimentos de Faluja, os executivos da Blackwater desencadearam uma ousada operação de relações públicas em Washington, no sentido de capitalizar o recente reconhecimento da sua empresa. Um dia após a emboscada, esses executivos contrataram o Alexander Strategy Group, uma empresa de lobbying dirigida por altos funcionários do então líder da maioria republicana, Tom DeLay, pouco antes da falência desta empresa, no auge do escândalo de Jack Abramoff.
Uma semana após a emboscada, Erik Prince sentava-se com pelo menos quatro membros do Comitê do Senado para os Serviços Armados (Senate Armed Services Committee), entre os quais se encontrava o presidente desta comissão, John Warner. Esta reunião surgiu após uma série de anteriores contatos frente a frente que Prince promoveu com poderosos representantes republicanos que tinham estado na supervisão dos contratos militares, entre os quais DeLay; Porter Gross, presidente da Comissão da Inteligência da Câmara (House Intelligence Committee) e futuro diretor da CIA; Duncan Hunter, presidente da Comissão da Câmara para os Serviços Armados (House Armed Services Committee); e Bill Young, presidente da Comissão Orçamentária da Câmara (House Appropriations Committee). O que se discutiu nessas reuniões permanece secreto, mas a Blackwater posicionava-se claramente a fim de obter o máximo da sua nova fama. De fato, dois meses depois destes contatos, a Blackwater obteve do governo um dos maiores contratos de segurança internacional, avaliado em mais de 300 milhões de dólares.
Além disso, a empresa estava igualmente muito interessada em ter um papel determinante na configuração das regras que iriam regular os mercenários contratados pelos EUA. "Devido aos acontecimentos públicos de 31 de Março, a necessidade da Blackwater de ter alguma visibilidade e de transmitir uma mensagem consistente aqui em Washington, aumentou", comentou o novo enviado da Blackwater, Chris Bertelli. "Existem agora vários regulamentos federais que se aplicam às suas atividades, embora sejam de natureza muito geral. Falta criar um modelo padrão para este setor, e é precisamente nisto que na realidade queremos participar". No mês de Maio seguinte, a Blackwater liderava já um grande esforço de pressão política da indústria militar privada para conseguir travar as iniciativas do Congresso e do Pentágono, que visavam colocar as suas forças sob a lei marcial do sistema judicial militar.
Mas enquanto a Blackwater gozava do seu novo estatuto de herói na "guerra contra o terrorismo", tanto na administração Bush como no Congresso controlado pelos republicanos, as famílias dos quatro homens mortos em Faluja afirmavam que estavam impedidas pela Blackwater de tentar esclarecer as circunstâncias em que morreram os seus familiares. Depois do que descreveram como sendo meses de esforços para receber uma resposta direta da empresa, em Janeiro de 2005, as famílias apresentaram uma denúncia por "morte injustificada" contra a Blackwater, acusando a empresa de não fornecer aos seus homens aquilo que diziam ser "condições de segurança contratuais". Do conjunto das acusações afirmava-se que naquele dia a empresa enviou-os numa missão a Faluja com menos dois homens, com pior armamento do que deviam ter, e em jeeps Pajero ao invés de veículos blindados. Este caso poderá ter amplas repercussões, razão pela qual está a ser seguido de perto pelo setor das empresas contratadas de guerra – uma antiga subsidiária da Halliburton, a KBR, apresentou inclusive um " amicus brief " (uma alegação a favor de uma das partes), apoiando a Blackwater. Se a acusação tiver êxito, poderá abrir caminho a um cenário equivalente ao das denúncias sobre a indústria tabaqueira, em que as empresas contratadas de guerra ficarão sujeitas a acusações judiciais dos seus trabalhadores feridos ou mortos em zonas de guerra.
Estes são apenas alguns fatos, dentre centenas, que o jornalista Jeremy Scahill relata corajosamente em seu livro.
Fonte: http://www.novae.inf.br
Um poema para Latuff
Um poema para Latuff
A Escola Popular em Rondônia lançou a Campanha de Alfabetização de Jovens e adultos. 4 turmas já estão em funcionamento nas Áreas Revolucionárias Raio do Sol e Canaã, áreas que o cartunista Latuff visitou em outubro último. Ele causou muito boa impressão aos camponeses por onde ele passou, por seu talento artístico, por sua simplicidade, por seu ódio manifesto contra o latifúndio e seus agentes e por sua identidade com a luta camponesa combativa.
Desde sua visita aqui nós da Escola Popular temos divulgado os trabalhos do Latuff. Sua poesia “Tributo ao Camponês” foi usada em aulas de português da turma da 2ª fase (dos que já sabem ler) da Escola Popular da Área Raio do Sol. A professora leu a poesia, depois foi feita leitura coletiva e debate. Os alunos responderam questões de interpretação de texto e trabalharam lições de ortografia. Por último, tiveram como atividade de produção de texto escrever uma carta ao Latuff, se não quisessem, não mandaríamos para ele, o objetivo principal era exercitar a escrita. Mas todos quiseram que enviássemos as cartas ao Latuff. E para nossa surpresa, um dos alunos, o Júnior fez uma poesia!
Segue abaixo a poesia “Tributo ao artista” e a carta da D. Nena.
Queremos compartilhar um pouco com vocês do reconhecimento e honra que os camponeses sentem por pessoas honestas que se solidarizam com sua causa, como tem sido o Latuff.
Tributo ao artista
(Júnior)
Surge lá em casa
um carioca de farda.
Em seu peito há paz
é sua convicção que o faz
desenhar com tanta perfeição.
O artista avança
tendo o lápis e papel
como lança.
Sua imaginação
vai além do que alcança
do seu olhar não escapa nada
nem a borboleta azulada.
O sorriso que aqui já existia,
Agora que você veio:
“Só alegria”.
Disso eu posso afirmar:
“do Latuff ninguém esquecerá”.
Carta D. Nena:
Jaru, 20/11/2009
Prezado Latuff,
Fiquei muito contente da sua vinda aqui no assentamento Raio do Sol.
Você veio de tão longe para conhecer-nos.
Já estamos com muita saudade.
Queremos que volte mais vezes para comer uma galinha gorda com nós aqui no Raio do Sol e trazer boas novas para nós.
Só que aqui está chovendo muito.
Já estamos fazendo nossa plantação. Estamos plantando milho, arroz, cana, batata doce, abacaxi, ramas de mandioca e mais outras plantas.
Vou terminar por aqui até outro dia, se Deus quiser.
Quem fez esta carta: Josefina Cosme dos Santos (D. Nena)
Fonte: http://www.novae.inf.br/
A Escola Popular em Rondônia lançou a Campanha de Alfabetização de Jovens e adultos. 4 turmas já estão em funcionamento nas Áreas Revolucionárias Raio do Sol e Canaã, áreas que o cartunista Latuff visitou em outubro último. Ele causou muito boa impressão aos camponeses por onde ele passou, por seu talento artístico, por sua simplicidade, por seu ódio manifesto contra o latifúndio e seus agentes e por sua identidade com a luta camponesa combativa.
Desde sua visita aqui nós da Escola Popular temos divulgado os trabalhos do Latuff. Sua poesia “Tributo ao Camponês” foi usada em aulas de português da turma da 2ª fase (dos que já sabem ler) da Escola Popular da Área Raio do Sol. A professora leu a poesia, depois foi feita leitura coletiva e debate. Os alunos responderam questões de interpretação de texto e trabalharam lições de ortografia. Por último, tiveram como atividade de produção de texto escrever uma carta ao Latuff, se não quisessem, não mandaríamos para ele, o objetivo principal era exercitar a escrita. Mas todos quiseram que enviássemos as cartas ao Latuff. E para nossa surpresa, um dos alunos, o Júnior fez uma poesia!
Segue abaixo a poesia “Tributo ao artista” e a carta da D. Nena.
Queremos compartilhar um pouco com vocês do reconhecimento e honra que os camponeses sentem por pessoas honestas que se solidarizam com sua causa, como tem sido o Latuff.
Tributo ao artista
(Júnior)
Surge lá em casa
um carioca de farda.
Em seu peito há paz
é sua convicção que o faz
desenhar com tanta perfeição.
O artista avança
tendo o lápis e papel
como lança.
Sua imaginação
vai além do que alcança
do seu olhar não escapa nada
nem a borboleta azulada.
O sorriso que aqui já existia,
Agora que você veio:
“Só alegria”.
Disso eu posso afirmar:
“do Latuff ninguém esquecerá”.
Carta D. Nena:
Jaru, 20/11/2009
Prezado Latuff,
Fiquei muito contente da sua vinda aqui no assentamento Raio do Sol.
Você veio de tão longe para conhecer-nos.
Já estamos com muita saudade.
Queremos que volte mais vezes para comer uma galinha gorda com nós aqui no Raio do Sol e trazer boas novas para nós.
Só que aqui está chovendo muito.
Já estamos fazendo nossa plantação. Estamos plantando milho, arroz, cana, batata doce, abacaxi, ramas de mandioca e mais outras plantas.
Vou terminar por aqui até outro dia, se Deus quiser.
Quem fez esta carta: Josefina Cosme dos Santos (D. Nena)
Fonte: http://www.novae.inf.br/
terça-feira, 24 de novembro de 2009
O exército dos invisíveis em fuga da miséria
O exército dos invisíveis em fuga da miséria
Os jornais fazem a crônica da crise econômica mundial como mero confronto de estatísticas, sobretudo financeiras. Recuperação em 'L' ou oscilação recessiva em 'W'? No tabuleiro dos números digitais, depois do fundo do poço, a contabilidade flerta com a recuperação. Mas o estrago humano está longe de cicatrizar. Vidas rasas fulminadas por massas de forças invisíveis condensadas em movimentos fulminante de capitais especulativos continuam a perambular pelas bordas da globalização sem um fundo do poço à vista. O IHU de hoje traduz um artigo do La Republica que cuida de jogar um pouco de luz nessa ciranda dos desesperados.
Daniele Mastrogiacomo - La Repubblica
Data: 24/11/2009
Eles chegam do Zâmbia, do Zimbábue, da Somália e de Guiné-Bissau. Só em Joanesburgo, são quase quatro milhões de clandestinos que constróem novas barracas e esperam por um novo Eldorado. Mas tudo não passa de uma miragem. A reportagem é de Daniele Mastrogiacomo, publicada no jornal La Repubblica, 23-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto, para o IHU Online.
Passaram-se 14 meses, mas ainda estão ali. São dois mil: jovens, magros como fios, olhos vivazes que olham ao redor, em perene movimento em busca de um trabalho, de uma troca furtiva, de um pequeno comércio que os faça comer ainda hoje. E depois muitas mulheres. Também elas jovens, deformadas por maternidades precoces e contínuas, o último neonascido agarrado ao seio, um saco de juta sempre cheio de objetos impensáveis, recolhidos por aí.
Muitos se estabeleceram ao longo das grades que protegem a igreja metodista e por trás das grades expõem suas mercadorias. Frutas secas e frescas, verduras, grãos, cartões telefônicos, canetas, cadernos, blocos de papel. São os invisíveis, os clandestinos, parte daqueles quatro milhões de imigrantes que fugiram dos países que caíram no precipício da inflação e que estão assediados pela miséria. Zimbábue, Zâmbia, Moçambique, Somália, África central para baixo, até a República Democrática do Congo, Guiné-Bissau quase transformada em narco-Estado.
Em junho de 2008, estiveram no centro de uma revolta que semeou sangue e morte: dezenas de milhares de sul-africanos, também eles imigrantes tempos antes, colocaram sob ferro e fogo os novos distritos de Joanesburgo em uma guerra entre desesperados que provocou cerca de cem mortos e quase dois mil feridos. Isso até o governo de Jacob Zuma decidir hospedá-los e inseri-los no circuito dos regulares.
A realidade, uma vez terminada a campanha eleitoral, tornou-se mais complicada. Porém, a crise econômica mundial, limitada aqui pelo aumento dos preços das matérias-primas, atingiu as finanças públicas. O desemprego aumentou, a raiva e a frustração entre as camadas mais populares começaram a explodir. Tudo ficou como antes. O Zimbábue não consegue se governar. Assim, o país mais ligado e dependente da África do Sul, considerado tempos atrás como o celeiro do continente, continuou o seu inexorável declínio, entre preços nas alturas e uma repressão brutal. Jacob Zuma continua mediando com um projeto sempre mais evidente: sustentar financeiramente o Zimbábue e englobar um território que não tem mais nenhuma forma de governo.
A principal igreja batista da cidade se encontra no coração do centro, que foi quarteirão da cidade financeira e hoje se transformou no gueto de Joanesburgo. Ao longo da via principal, milhares de homens e mulheres compram e vendem de tudo. Grupos de rapazes e moças se saúdam, gritam, levantam as mãos, assoviam, imersos em uma espécie de mercado alegre e colorido. Tudo aqui é irregular. As pessoas que aqui vivem, os objetos de troca. Alguns vigias estão localizados nas esquinas da rua e nos becos laterais. Sinalizam a chegada da polícia que, uniformizados ou em trajes comuns, avança a pé, munida de cacetetes e luvas de borracha. As pessoas são paradas ao acaso, empurradas contra um muro, revistadas.
Outros são parados com o carro, o porta-malas aberto, os chassis controlados. A cada tempo, o barulho contínuo é interrompido por gritos mais fortes. Rapazes fogem perseguidos por outros, mais velhos. As pistolas ficam nos bolsos, enfiadas nas calças e escondidas pelas camisetas. As armas despontam de noite, quando esse enxame humano se retira para as casas e para os apartamentos ocupados. Os imigrantes se mantêm à distância. Ficam na guarda do seu pequeno território, que o bispo John McCann, um irlandês branco há 40 anos na África do Sul, lhes concedeu. Ao longo das escadas que levam até o terceiro piso, as pessoas se ajeitam da melhor forma que podem. Diante da grande sala onde se celebra a missa, quatro moças e dois rapazes treinam passos de dança.
Outros assistem fascinados. Um rádio com o som estridente dispara as velhas canções de Michael Jackson. Outros grupos mais numerosos discutem em círculos. Há um cheiro acre de urina misturado com lixo. Os muros estão descascando, algumas partes soltas cedem negligentemente.
O escritório do bispo encontra-se sob o telhado, fechado por uma porta e por uma grade que é trancada todas as noites. A sala de espera é uma esquina do corredor. Sobre dois sofás, sentam-se há horas dezenas de mulheres e de homens, cada um com sua história de misérias e de violências, um saco, uma bolsa, documentos protegidos por sacos plásticos rasgados e sujos. Buscam um trabalho, uma recomendação, um canto onde dormir, remédios para doenças crônicas que se arrastam há anos. Uma mulher sorri, canta e pronuncia frases que os outros deixaram de escutar. "Somos 2.200 – diz-nos o bispo – e a cada dia aumentam. As pessoas vão se falando, telefonam para o Zimbábue, convidam amigos e parentes para vir para Joanesburgo. Lá nem se consegue mais comer. Esta é a última praia ou o novo Eldorado, depende do ponto de vista. Mas todas essas pessoas são uma bomba pronta a explodir de novo".
Fonte: www.cartamaior.com.br
EUA e Otan perdem o rumo no Afeganistão - Por Tariq Ali
EUA e Otan perdem o rumo no Afeganistão
Foi um terceiro trimestre ruim para a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Afeganistão, com desastres simultâneos nas frentes política e militar. Primeiro, o chefe da ONU em Cabul, Kai Eide (um norueguês bem-intencionado, mas não muito brilhante), rompeu com seu vice, Peter Galbraith - que, como representante de fato do Departamento de Estado dos EUA, havia anunciado em público que a eleição do presidente Hamid Karzai tinha sido fraudada. Eide continuou a defender a legitimidade de Karzai.
Surpreendentemente, a ONU demitiu Galbraith. Isto deixou Hillary Clinton exasperada, e então o órgão de fiscalização eleitoral apoiado pela ONU determinou que as eleições realmente haviam sido fraudulentas e ordenou um segundo turno. Karzai recusou-se a substituir os funcionários eleitorais que haviam sido tão úteis na primeira vez e seu adversário se retirou. Karzai ficou com o cargo.
A legitimidade de Karzai nunca dependeu de eleições (que, de qualquer modo, sempre foram uma farsa), e sim da força expedicionária EUA/Otan. Assim, em primeiro lugar, perguntamos: para que serviu esta luta no vácuo? Ela parece ter sido planejada para encobrir a escalada militar tramada pelo general Stanley McChrystal, a nova grande esperança de uma Casa Branca encurralada. McChrystal parece ter invertido a velha máxima clausewitziana: ele acredita sinceramente que a política é uma continuação da guerra por outros meios. Acreditava-se que, se Karzai fosse removido de maneira indolor e substituído pelo ex-colega Abdullah Abdullah, um tadjique do norte, poderia ser criada a impressão de que um regime intoleravelmente corrupto fora removido pacificamente, o que ajudaria a enfraquecida guerra de propaganda em casa e o relançamento da guerra de verdade no Afeganistão.
Por seu lado, Abdullah queria uma fatia do espólio que vem com o poder e até agora foi monopolizado pelos irmãos Karzai e seu séquito, ajudando-os a criar uma minúscula base de apoio nativa para a família. Será que a revelação de que Ahmed Wali Karzai não era apenas o homem mais rico do país graças à corrupção em grande escala e ao tráfico de drogas e armas, mas também um agente da CIA, foi uma grande surpresa para alguém? Dizem-me que, no desespero, comissários da Otan chegaram a considerar a nomeação de um alto representante, seguindo o modelo balcânico, para governar o país, tornando a presidência um cargo ainda mais simbólico do que é hoje. Se isto ocorresse, Galbraith e Tony Blair seriam os favoritos mais óbvios.
Os cidadãos do mundo transatlântico estão cada vez mais apreensivos diante da falta de horizonte. No Afeganistão, as fileiras da resistência se expandem. A guerra terrestre não leva a lugar nenhum: comboios de equipamentos e combustível da Otan são atacados repetidamente por insurgentes. O controle neo-talibã de 80% da parte mais populosa do país é reconhecido por todos. Recentemente, o mulá Omar criticou com dureza o braço paquistanês do Talibã: para o líder, eles deveriam estar combatendo a Otan, e não o exército do Paquistão.
Enquanto isso, o comandante militar britânico, general David Richards, ecoando McChrystal, fala em treinar as forças de segurança afegãs "muito mais agressivamente", para que a Otan possa assumir um papel de apoio. Nenhuma novidade. A Eupol (missão policial da União Europeia no Afeganistão) declarou há vários anos que seu objetivo era "contribuir para o estabelecimento, sob domínio afegão, de sistemas sustentáveis e efetivos de policiamento civil, que garantam a interação adequada com o sistema judicial criminal como um todo".
Isto sempre soou como uma ilusão - confirmada no início deste mês pela morte de cinco soldados britânicos alvejados por um policial afegão que eles treinavam. As teorias de que sempre haverá um descontente solitário no grupo, que tanto embriagam os britânicos, deveriam ser ignoradas. O fato é que os insurgentes decidiram há alguns anos inscrever-se no treinamento policial e militar, e sua infiltração - uma tática usada por guerrilheiros na América do Sul, no Sudeste Asiático e no Magreb durante o último século - tem sido bem-sucedida.
Guerra boa?
Já ficou óbvio para todos que esta não é uma guerra "boa", destinada a eliminar o comércio do ópio, a discriminação das mulheres e tudo o mais que for ruim - à exceção da pobreza, é claro. Então o que a Otan está fazendo no Afeganistão? Isto virou uma guerra para salvar a Otan enquanto instituição? Ou seria mais estratégico, como foi sugerido na edição da primavera de 2005 da Nato Review:
"O centro de gravidade do poder neste planeta caminha inexoravelmente para o leste. (...) A região Ásia-Pacífico traz muitos elementos dinâmicos e positivos a este mundo, mas a rápida mudança que ocorre lá não é estável, nem subordinada a instituições estáveis. Até que isto seja alcançado, é responsabilidade estratégica dos europeus e norte-americanos, e das instituições que eles construíram, mostrar o caminho. (...) A segurança efetiva em tal mundo é impossível sem legimitidade e capacidade."
Qualquer que seja a razão, o fato é que a operação fracassou. A maioria dos amigos de Obama na mídia dos EUA reconhece isso e defende uma retirada planejada, temendo ao mesmo tempo que a saída das tropas do Iraque e do Afeganistão possa levar o presidente à derrota na próxima eleição, especialmente se McChrystal ou o general David Petraeus (o suposto herói da ofensiva no Iraque) ficarem do lado dos republicanos. Não que os EUA pareçam dispostos a se retirar do Iraque. A única saída cogitada é das principais cidades, restringindo a presença norte-americana às enormes bases militares com ar-condicionado já construídas no interior do país, numa imitação das fortalezas do Império Britânico das primeiras décadas do século passado - fora o ar-condicionado.
Fronteira
Enquanto Washington decide o que fazer, a fronteira Afeganistão-Paquistão pega fogo. O cumprimento do decreto imperial submeteu o exército paquistanês a uma pressão enorme. A recente e bem divulgada ofensiva no Waziristão do Sul rendeu poucos frutos. O alvo desapareceu para lutar em outro dia. A fim de demonstrar boa vontade, os militares invadiram o campo de refugiados de Shamshatoo, em Peshawar. Em 4 de novembro, recebi um e-mail de Peshawar:
"Achei bom contar a você que acabo de receber uma ligação de um ex-detento de Gitmo (Guantánamo) que agora vive no campo de Shamshatoo e ele me disse que nesta manhã, por volta das 10 horas, alguns policiais e militares chegaram, invadiram várias casas e lojas e prenderam muitas pessoas. Eles também mataram três jovens estudantes inocentes. O jinaza (funeral) deles é hoje à noite. Várias pessoas registraram cenas da incursão com celulares, que posso tentar obter. O enterro das três crianças está acontecendo enquanto escrevo."
Como isto poderia acabar bem?
*Artigo publicado originalmente na revista CounterPunch. O livro mais recente de Tariq Ali, The Protocols of the Elders of Sodom and other Essays, acaba de ser publicado em inglês pela editora norte-americana Verso.
Fonte: http://operamundi.com.br
Reino Unido abre inquérito sobre participação na guerra do Iraque
Reino Unido abre inquérito sobre participação na guerra do Iraque
Um inquérito independente, aberto para investigar o papel do Reino Unido na guerra do Iraque, começará a colher seus primeiros depoimentos públicos hoje (24), que culminarão com o testemunho do ex-primeiro-ministro Tony Blair. Comandantes militares, diplomatas, ministros e altos funcionários serão chamados a depor perante o comitê de cinco membros que coordena a investigação, com o objetivo declarado de tirar conclusões da guerra.
O presidente do comitê de inquérito, o ex-funcionário público John Chilcot, disse ontem (23) que está confiante na obtenção de um relatório "completo e esclarecedor" sobre o processo decisório que levou o Reino Unido a se envolver no conflito. "Nossa meta não é apenas fazer um trabalho meticuloso, mas sim um trabalho que seja franco e que passe pelo crivo público", indicou Chilcot à BBC. "Todos os cinco membros do comitê estão agora completamente independentes", acrescentou.
John Scarlett, ex-diretor do serviço de inteligência exterior britânico, o MI6, e os então embaixadores britânicos nos Estados Unidos, Christopher Meyer, e nas Nações Unidas, Jeremy Greenstock, estão entre os primeiros convocados a depor.
Scarlett era diretor do principal comitê de inteligência do Reino Unido quando o governo de Blair produziu um dossiê denunciando a posse de armas de destruição em massa pelo Iraque - principal fator usado pelos Estados Unidos como justificativa para invadir o país em março de 2003.
O arsenal iraquiano, porém, jamais foi encontrado. O motivo pelo qual os ministros acreditaram em sua existência - e onde conseguiram evidências para crê-lo - é agora objeto de investigação do comitê de inquérito.
O ex-secretário geral da ONU Kofi Annan e o ex-inspetor de armas da ONU Hans Blix também constam da lista de testemunhas convocadas.
Blair
No entanto, a expectativa maior gira em torno do depoimento de Blair, que será divulgado - exceto trechos que possam comprometer a segurança nacional. O inquérito se debruçará sobre o período que vai de julho de 2001 a julho de 2009.
A decisão de Blair de apoiar a iniciativa bélica do então presidente americano George W. Bush e enviar 45 mil soldados britânicos para o Iraque enfrentou dura oposição no país e em toda a Europa, além de ter sido tomada sem a aprovação da ONU.
A campanha britânica, que formalmente terminou em julho deste ano com a retirada de todos os militares britânicos do Iraque - com exceção de uns poucos -, tornou-se símbolo do governo Tony Blair, que durante 10 anos ocupou os gabinetes de Downing Street.
Analistas sugerem que as divisões causadas na Europa pela adesão britânica à guerra no Iraque podem ter custado a Blair a eleição para a presidência da União Europeia, vencida na semana passada pelo premiê belga Herman Van Rompuy.
Blair e outras figuras de seu governo foram convocadas a depor no ano que vem, quando o Comitê de Inquérito estudará a delicada questão da legalidade do conflito iraquiano. O relatório final deve ficar pronto, na melhor das hipóteses no fim de 2010.
Chilcot afirmou que seu comitê não quer levar ninguém a julgamento, mas que não se intimidará com as críticas que certamente surgirão.
"Estou bastante confiante de que podemos produzir uma descrição completa e esclarecedora das diferentes considerações sobre a legitimidade da guerra", declarou à agência britânica de notícias Press Association.
Fonte: http:www.operamundi.com.br
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Na veia: EUA têm o maior número de usuários de Cocaína
Na veia: EUA têm o maior número de usuários de Cocaína
50 por cento dos usuários de cocaína do mundo estão nos Estados Unidos, em uma população entre 15 e 64, de acordo com relatório divulgado na 46 ª Sessão Ordinária da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas – CICAD.
Do total de consumidores, 75 por cento estão na América do Norte, 24 por cento na América do Sul e menos de 1,0 por cento na América Central e Caribe, de acordo com o estudo do corpo no âmbito da Organização dos Estados Americanos ( OEA).
Em termos percentuais, o consumo nos EUA é o dobro do consumo nos países da Europa, com uma diferença - no último ano subiu de 1,6 contra 0,8 por cento do ano passado.
Em termos de consumo, também há diferenças, pois enquanto em países como Equador, Guatemala e Barbados o nível de utilização é inferior a 0,2 por cento, em outros, como Argentina, Canadá e Estados Unidos, é de 1,5 por cento.
O uso de drogas entre a população estudantil também gera preocupação. Embora predominantemente haja um baixo consumo no Caribe, o uso elevado é em alguns países da América do Norte e do Sul.
A CICAD também alertou sobre o aumento da utilização da base de cocaína, o Crack, em países como Argentina, Chile e Uruguai, especialmente em áreas marginalizadas onde há um alto nível de dependência – e elevada procura de tratamento para o vício.
O relatório observou que em outras regiões, particularmente na América Central e no México, há uma grande procura de tratamento para dependência de cocaína e crack.
Em relação ao uso da maconha, a média mundial no ano passado ficou entre 3,3 e 4,4 por cento da população entre 15 e 64 anos, mas na América o percentual subiu para 7,0 por cento, superior aos 5,3 por cento na Europa.
Segundo o relatório da CICAD, com dados das Nações Unidas, entre 143 e 190 milhões de pessoas em todo o mundo usaram maconha em algum momento do ano passado.
Na América, o número passou de 42 milhões de pessoas, ou seja, entre 22 e 29 por cento dos consumidores em todo o mundo e, destes, 75 por cento está concentrada na América do Norte (Canadá, Estados Unidos e México).
No caso da heroína, a CICAD destacou que na América há 250 mil pessoas em centros de tratamento, enquanto no México a cifra sobe para 500 mil.
O relatório observou também que, em alguns países, o consumo de heroína tem se tornado um problema recente, como na República Dominicana e Colômbia.
A pesquisa revelou que o uso de inalantes tem resultado alarmante entre crianças em idade escolar no Brasil e em vários países do Caribe, incluindo Jamaica, Trinidad e Tobago, Barbados e Guiana.
O álcool, por sua vez, é consumo de massa em todos os países e deve ser tratado com especial cuidado, disse o relatório.
do Blog do Atheneu
Fonte: http://www.estadoanarquista.org/blog/
Os dilemas da comunicação no Brasil
Os dilemas da comunicação no Brasil
Os proprietários dos grandes meios de comunicação no Brasil defendem, entre seus ideais, a liberdade de expressão, a pluralidade, a competição e o livre mercado. No entanto, o poder midiático no Brasil está concentrado nas mãos de um pequeno grupo de famílias e suas respectivas empresas, que dominam o sistema de produção e difusão de informações e detém a imensa maioria dos recursos de publicidade. Se fossem coerentes deveriam defender uma revolução capitalista na comunicação brasileira, com mais proprietários, mais veículos, mais produtores de comunicação, produtos de melhor qualidade, consumidores mais exigentes e descentralização dos centros produtores. O artigo é de Joaquim Ernesto Palhares.
Joaquim Ernesto Palhares
Data: 21/11/2009
Discurso feito pelo diretor da Carta Maior, Joaquim Ernesto Palhares, na mesa que debateu "Princípios da Comunicação", no segundo dia da Conferência Estadual de Comunicação de São Paulo:
“O setor da comunicação no Brasil não reflete os avanços que ao longo dos últimos trinta anos a sociedade brasileira garantiu em outras áreas. Isso impede que o país cresça democraticamente e se torne socialmente mais justo. A democracia brasileira precisa de maior diversidade informativa e de amplo direito à comunicação. Para que isso se torne realidade, é necessário modificar a lógica que impera no setor e que privilegia os interesses dos grandes grupos econômicos”.
Este é um trecho do Manifesto da Mídia Livre, movimento lançado no ano passado, reunindo jornalistas, estudantes, trabalhadores da mídia, professores e representantes de movimentos sociais. O diagnóstico apresentado neste manifesto coloca-se como um desafio para a Conferência Nacional de Comunicação.
Os proprietários dos grandes meios de comunicação no Brasil defendem, entre seus ideais, a liberdade de expressão, a pluralidade, a competição e o livre mercado. No entanto, o poder midiático no Brasil está concentrado nas mãos de um pequeno grupo de famílias e suas respectivas empresas, que dominam o sistema de produção e difusão de informações e detém a imensa maioria dos recursos de publicidade (públicos e privados).
O maior grupo de comunicação do país, a Rede Globo, possui mais de 220 veículos, entre próprios e afiliados. É o único dos grandes conglomerados que possui todos os tipos de mídia, a maioria dos principais grupos regionais e a única presente em todos os Estados brasileiros. Sozinha, a Globo controla mais da metade do mercado televisivo brasileiro. Segundo dados da Associação Nacional de Jornais, relativos ao período 2001-2003, apenas seis grupos empresariais concentram a propriedade de mais da metade da circulação diária de notícias impressas no país. Sozinhos, estes veículos respondem por cerca de 55,46% de toda produção diária dos jornais impressos.
Além do imenso poderio da Globo, outros seis grandes grupos regionais se destacam. A família Sirotsky comanda a Rede Brasil Sul de Comunicações, controlando o mercado midiático no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A família Jereissati está presente no Ceará e em Alagoas. A família Daou tem grande influência no Acre, Amapá, Rondônia e Roraima. A mídia da Bahia pertence à família Magalhães. No Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, os negócios são controlados pela família Zahran. E, por fim, a família Câmara tem grande influência em Goiás, Distrito Federal e Tocantins. Em suas manifestações editoriais, todas essas empresas afirmam a independência como um valor que, supostamente, definiria seu trabalho. Independentes do quê e de quem, exatamente? Essa pergunta nunca é respondida. E não o é, porque a resposta mostraria que o rei está nu!
Qualquer menção à necessidade de democratizar esse cenário é rebatida fortemente por artigos e editoriais enfurecidos destes grupos hegemônicos. Quem defende a democratização da produção e do acesso à informação é imediatamente acusado de “autoritário” e “inimigo da liberdade de imprensa”. O poder das grandes corporações midiáticas é muito forte, estendendo-se também às escolas e universidades que formam os futuros profissionais da comunicação. A imensa maioria de quem se prepara para entrar no “mercado da comunicação” quer arrumar um emprego na Globo, na Folha de São Paulo, na Veja, no Estadão, na RBS, etc. Profissionais ligados direta ou indiretamente a essas empresas garimpam sistematicamente talentos nos bancos escolares. Os professores que procuram navegar contra a corrente são, o mais das vezes, taxados como excêntricos e confinados a guetos.
É importante ter em mente que esse não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. A realidade midiática mundial não é distinta. O escritor francês Paul Virilio, ao falar sobre o papel da mídia no mundo de hoje, definiu bem o tamanho do problema a ser enfrentado. A mídia contemporânea, disse Virilio, é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. A justificativa para tal procedimento trafega entre o cinismo e a treva: uma vez afetada a liberdade de imprensa, todas as liberdades estarão em perigo. Cinismo, denuncia, porque esta reivindicação agressiva trata de negar o óbvio: os meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes empresas.
A transformação dos veículos de comunicação em grandes empresas, com interesses que vão muito além daqueles propriamente midiáticos, fez da informação, definitivamente, uma mercadoria regida pela lógica que comanda o mundo do lucro. Ela, a informação, progressivamente, deixa de ser um bem e um serviço público. Isso se reflete diretamente na qualidade dos noticiários que assistimos todos os dias nos jornais, rádios, televisões e sites. A economia passou a reinar nestes espaços. Todo o resto passou a ser tratado de forma secundária e como um espetáculo. Esse fenômeno é mais dramático na política, onde a cobertura tornou-se, no mais das vezes, uma exploração de fofocas, intrigas e banalidades. As pautas e os espaços prioritários passam a ser definidos pelos interesses econômicos estratégicos dessas empresas.
Esse poderio econômico tem repercussão direta na vida política e social do país. Assim, falar da necessidade de democratizar a mídia implica, diretamente, falar da necessidade de democratizar o poder político e econômico. Os interesses econômicos e as articulações políticas decorrentes destes interesses refletem-se diretamente na qualidade da informação oferecida ao público. No Brasil, a cobertura política dos grandes veículos nos últimos anos mal consegue disfarçar seus interesses econômicos e políticos.
Infelizmente estamos caminhando nesta direção, no Brasil e no mundo. A queda na qualidade do jornalismo é algo assustador que ameaça o futuro da própria democracia. Não se trata, portanto, de um debate restrito aos profissionais do setor, mas de uma agenda de toda a sociedade. É o direito de dispor de uma informação de qualidade que está em jogo. E por isso, é preciso começar já. E um dos primeiros passos é o fortalecimento da articulação política entre todos aqueles setores preocupados com a democratização da mídia no Brasil. Mais do que declarações genéricas de apoio, precisamos construir iniciativas concretas que mostrem à população a natureza do problema e como ele influencia na sua vida diária. Essa é uma das agendas que deve avançar na Conferência Nacional de Comunicação.
Esse debate interessa aos próprios empresários do setor que apresenta alguns números preocupantes. Em artigo publicado no Observatório da Imprensa, Carlos Castilho revela alguns dados da surpreendente queda na venda avulsa dos grandes jornais brasileiros. O artigo relata:
A Folha de S.Paulo, considerada um dos três mais influentes jornais do país, vendeu em média 21.849 exemplares diários em bancas em todo o território nacional entre janeiro e setembro de 2009. Em outubro de 1996, a venda avulsa de uma edição dominical da Folha chegava a 489 mil exemplares. Segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC) a Folha é o vigésimo quarto jornal em venda avulsa na lista dos 97 jornais auditados pelo instituto, atrás do Estado de S.Paulo, em 19° lugar e O Globo, em 15° lugar. Somados os três mais influentes jornais brasileiros têm uma venda avulsa de quase 96 mil exemplares diários, o que corresponde a magros 4,45% dos 2.153.891 jornais vendidos diariamente em banca nos primeiros nove meses de 2009.
O atual perfil da imprensa brasileira mostra que os três grandes jornais nacionais agarram-se à classe média para manter assinantes e influenciar na agenda política do país, mesmo com tiragens reduzidíssimas, correspondentes a menos de 5% da média da venda avulsa nacional.
Esses números indicam claramente que algo vai mal na imprensa brasileira. Indicam, sobretudo, a necessidade de profundas mudanças.
Para utilizar uma expressão ao gosto dos grandes empresários do setor, precisamos de uma revolução capitalista na comunicação brasileira. Mais proprietários, mais veículos, mais produtores de comunicação, produtos de melhor qualidade, consumidores mais exigentes, descentralização dos centros produtores para garantir o direito de todos os brasileiros terem informação e comunicação de qualidade. Isso, porém, não será feito no modelo atual, fortemente monopolista e excludente. Os empresários da comunicação precisam decidir se querem mesmo fazer comunicação, entendida como um bem de utilidade pública, ou seguirão tratando-a como uma mercadoria qualquer, cujo sucesso, depende de esmagar os competidores a qualquer preço.
Mas há boas notícias neste cenário. Nos últimos anos, essa hegemonia de grandes grupos midiáticos começou a ser enfrentada por um crescente número de iniciativas. A internet tornou-se um espaço privilegiado dessas iniciativas, mas não o único. Os movimentos de Software Livre, de rádios comunitárias, de construção de redes de comunicação de movimentos sociais, de sites , blogs e publicações alternativas abriram brechas no bloco monopolista da grande mídia. Além disso, jornalistas que conheceram de perto o funcionamento desses grupos passaram a desenvolver um trabalho de exposição das entranhas da imprensa brasileira. O conjunto dessas iniciativas contribuiu para a acumulação de um inédito capital crítico sobre o poder dessas empresas. Um poder, importante assinalar, que segue muito forte.
Falar de uma comunicação de qualidade, neste cenário, significa falar, entre outras coisas, em liberdade de criação, de difusão e de acesso. Significa compartilhar conhecimentos, recursos, práticas e iniciativas. As palavras “liberdades” e “compartilhamento” expressam, em boa medida, o que é sonegado hoje à maioria da população. Elas apontam para uma visão generosa de um mundo mais solidário, onde a comunicação, o diálogo com o próximo e a criatividade não são reduzidas à condição de mais uma mercadoria destinada a gerar lucro máximo a custo mínimo.
Esse é o espírito que deve animar nossos debates na Conferência em busca da construção de um espaço que propicie o encontro, o diálogo, a criação e a partilha de informações, práticas e experiências. Um espaço que, fundamentalmente, enxergue a comunicação como uma prática a serviço da verdade, da justiça e da liberdade e não como meramente mais uma fonte de lucro.
Fonte: www.cartamaior.com.br
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
2ª Mostra Luta!
2ª Mostra Luta!
Mostra Luta! retorna este ano para reafirmar um dos direitos mais básicos do ser humano: o direito à comunicação. De 21 a 28 de novembro, no MIS-Campinas, muitos sem-voz falarão, através de vídeos, sobre sua realidade, sonhos e lutas: a luta dos sem-terra, dos sem-teto, das mulheres, do movimento negro, pelo acesso à arte e cultura, pela diversidade cultural, a luta antimanicomial, contra as opressões e as desigualdades sociais, a luta anti-capitalista. A Mostra está sendo organizada pelo Coletivo de Comunicadores Populares, grupo que surgiu em 2008, como resultado das discussões da 1ª. Mostra Luta!
Para este ano, foram recebidos filmes de norte a sul do país, entre longas, médias e curtas-metragens, de ficção e documentário. Serão 40 vídeos exibidos, entre inscritos e convidados, e o lançamento da mostra será feito com o longa-metragem “Linha de montagem”, de Renato Tapajós, seguida de debate com o diretor. Todos os vídeos inscritos, independente da seleção para exibição na mostra, serão incorporados ao acervo do MIS e do Coletivo de Comunicadores Populares, para mostras itinerantes, exibições públicas ou projetos sem fins lucrativos.
Além das exibições, sempre seguidas de debates, a programação da mostra inclui uma exposição fotográfica, com imagens de lutas sociais do Brasil e de outros países da América do Sul, que terá início na abertura da mostra e fica até 15 de dezembro. Além dos vídeos e fotografias, acontecerão mesas de debate sobre comunicação com entidades e movimentos convidados, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), ENECOS (Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social), ABRAÇO (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias), Flaskô, entre outros.
Mais do que exibir vídeos, a mostra surge com a proposta de ampliar o debate sobre as lutas por transformação social e da importância do audiovisual como instrumento de contra-informação ao monopólio comercial-midiático, este que sufoca as informações das lutas populares. Campinas é emblemática neste sentido: a cidade, com mais de 1 milhão de habitantes, possui apenas uma empresa que produz os três principais jornais da cidade. A Rede Anhanguera de Comunicação (RAC) concentra a produção de todos os meios impressos de grande circulação na região (Correio Popular, Diário do Povo, Notícias Já, Gazeta do Cambuí, Gazeta de Piracicaba, Gazeta de Ribeirão). Este quadro regional não foge à regra nacional, já que no Brasil seis famílias (Civita, Marinho, Frias, Saad, Abravanel e Sirotsky) produzem praticamente toda a informação que chega aos 184 milhões de habitantes, concentrando em suas mãos um poder gigantesco de manipulação, quase sem fiscalização.
Os latifúndios da comunicação, como são denominados, tratam as manifestações populares, em geral, como casos de polícia e, para garantir seus lucros e os de seus investidores, não hesitam em criminalizar as lutas dos movimentos sociais e distorcer a realidade vivida pelos trabalhadores. A Mostra surge, então, como importante espaço de organização destes que reivindicam o direito à expressão, por uma comunicação não subordinada aos interesses comerciais, e como mais um instrumento de luta dos trabalhadores e movimentos sociais.
2ª. Mostra Luta!
Veja a programação em www.mostraluta.org
21 a 28 de novembro de 2009
- Exposição de fotografias até 15 de dezembro -
Local: Museu da Imagem e do Som (MIS) de Campinas – Palácio dos Azulejos
Rua Regente Feijó, 859, Campinas – SP
Telefone: (19) 3236-7851
Serviço:
Sessão de abertura: Linha de montagem (90 min) – O movimento sindical de São Bernardo do Campo entre 1978 e 81, quando se produziram as maiores greves, desafiando a repressão do final da ditadura militar. Debate com a presença do diretor do filme, Renato Tapajós.
Sessão 1:
Brad, uma noite a mais nas barricadas – (53 min)
Sementes da luta – (14 min)
A Ilusão viaja de Baú e a liberdade de bike – (11min)
Lágrimas de Ogum – (10 min)
O Processo – (8 min)
Sessão 2
Cacunda di Librina (31 min)
As Ruas da Cómedia (30 min)
A Casa dos Mortos (24 min)
51° CONUNE 2009 (10 min)
Sessão 3:
Estudo de Cena: o Capital e a Religião – (34 min)
Cerrado de Milhares Maravilhas – (30 min)
Maria do Paraguaçu – (26 min)
Paris a neve e o sal – (7,5min)
Sessão 4:
Expedito em busca de outros nortes (75 min)
A Luta Continua (12 min)
Maria sem graça (7 min)
Grito dos excluídos 2008 no RJ (3 min)
Sessão 5
Cinema de Quebrada (47 min)
Narrativas da Sé (20 min)
Solidariedade campo-cidade (12 min)
O Caminho da Música (12 min)
Sessão 6:
Porque lutamos! Resistência à ditadura militar (55 min)
Mulheres e o Mundo do Trabalho (26 min)
Manifesto contra as monoculturas e o deserto verde (6 min)
Primeiro de maio no RJ (3 min)
Favela Sinistra (3 min)
Sessão 7:
Nova Orleans, mardi gras e o furacão Katrina (5,4 min)
Tempo de Pedra (51 min)
Se me deixam sonhar… (curta metragem convidado – 40 min)
O Punk Morreu? (18 min)
Sessão 8:
25 anos do MST (58min)
Periferia Ação (33 min)
Sessão 9:
Zé Pureza (97 min)
Sessão dos convidados:
Caso Shell: O lucro acima da vida (~ 28 min)
1 de Maio – Campinas (5 min)
Última Fronteira (30 min)
Vídeo do Coletivo Anti-Racismo do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região (35 min)
Acampamento Zumbi dos Palmares (MTST) (11 min)
Ato de luta das mulheres feministas (10 min)
Mesa de Abertura:
“O vídeo popular no Brasil”
Prof. Luiz Fernando Santoro (USP).
Debate:
“Panorama Fotografia e Cinema de Luta”
Debatedores: Orestes Toledo e João Zinclar.
Mesa redonda:
“Criminalizacao dos Movimentos Sociais pela Mídia e a construção de Mídias populares”
Entidades convidadas: MST, MTST, TVCOT, Flaskô e Identidade.
Mesa Redonda:
“A Luta pela Comunicação no Brasil”
Entidades convidadas: Intervozes, Enecos, Rádio MUDA e Abraço.
Fonte http://mostraluta.org/
A lição de Umberto Eco contra o fascismo eterno
A lição de Umberto Eco contra o fascismo eterno
O caso Cesare Battisti é, além de um teste privilegiado para se saber se a democracia, no Brasil, já conseguiu efetivamente fincar alguma relação real com a nossa história, uma ocasião que pode nos ensinar, de modo igualmente privilegiado, algumas lições sobre o significado do fascismo, bem como de sua sempre alegada ausência no Brasil e nos dias que correm, mundo afora, como na Itália de Berslusconi. Que a homenagem que o atual ministro da Defesa italiano prestou aos soldados fascistas de Mussolini no ano passado sirva para desfazer enganos quanto à natureza do compromisso democrático do atual Executivo italiano. Um texto memorável de Umberto Eco ilumina este debate.
Redação - Carta Maior
Data: 19/11/2009
Há duas palavras cujo uso abundante contrastam de modo radical com seu alto grau de importância: são elas a democracia e o fascismo. Esta última palavra tem frequentado menos o noticiário do que deveria, talvez pense alguém realmente comprometido com a democracia. Já a palavra democracia abunda tanto como se esvazia de qualquer relação com a realidade, sobretudo na perspectiva monolítica da imprensa das grandes famílias do Brasil. O caso Cesare Battisti é, além de um teste privilegiado para se saber se a democracia, no Brasil, já conseguiu efetivamente fincar alguma relação real com a nossa história, ocasião que pode nos ensinar, de modo igualmente privilegiado, algumas lições sobre o significado do fascismo, bem como de sua sempre alegada ausência no Brasil e nos dias que correm, mundo afora, como na Itália de Berslusconi.
Carta Maior decidiu pela democracia desde o seu nascimento. E é esse compromisso que nos faz remeter o extraordinário texto de Umberto Eco, sobre o "Ur-Fascismo", produzido originalmente para uma conferência proferida na Universidade Columbia, em abril de 1995, numa celebração da liberação da Europa. Talvez algum desaviso leve alguém a suspeitar que a comparação ou o mero uso do termo fascismo, para acusar os algozes de Battisti, no imbróglio da extradição seja exagero, um despropósito histérico e paranóico. Que a homenagem que o atual ministro da Defesa italiano prestou aos soldados fascistas de Mussolini no ano passado sirva então para desfazer enganos quanto à natureza do compromisso democrático do atual executivo italiano.
Se não, que esta aula magna sobre a história conceitual e social do fascismo possa servir como registro da importância de não se brincar com palavras, para esvaziar seu sentido, sacrificando vidas e rompendo com a verdade. Uma boa leitura.
"O Fascismo Eterno"
Em 1942, com a idade de dez anos, ganhei o prêmio nos Ludi Juveniles (um concurso com livre participação obrigatória para jovens fascistas italianos – o que vale dizer, para todos os jovens italianos). Tinha trabalhado com virtuosismo retórico sobre o tema: “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?” Minha resposta foi afirmativa. Eu era um garoto esperto.
Depois, em 1943, descobri o significado da palavra “liberdade”. Contarei esta história no fim do meu discurso. Naquele momento, “liberdade” ainda não significava “liberação”.
Passei dois dos meus primeiros anos entre SS, fascistas e resistentes, que disparavam uns nos outros, e aprendi a esquivar-me das balas. Não foi mal exercício.
Em abril de 1945, a Resistência tomou Milão. Dois dias depois os resistentes chegaram à pequena cidade em que eu vivia. Foi um momento de alegria. A praça principal estava cheia de gente que cantava e desfraldava bandeirolas, invocando Mimo, o líder a resistência na área, em alto brado. Mimo, ex-suboficial dos carabinieri, envolveu-se com os partidários do marechal Badoglio e perdeu uma perna nos primeiros confrontos. Apareceu no balcão da Prefeitura, apoiado em muletas, pálido; tentou acalmar a multidão com uma mão. Eu estava ali esperando seu discurso, já que toda a minha infância tinha sido marcada pelos grandes discursos históricos de Mussolini, cujos passos mais significativos aprendíamos de cor na escola. Silêncio. Mimo falo com voz rouca, quase não se ouvia. Disse: “Cidadãos, amigos. Depois de tantos sacrifícios dolorosos...aqui estamos. Glória aos que caíram pela liberdade...”. E foi tudo. Ele voltou para dentro. A multidão gritava, os membros da resistência levantaram as armas e atiraram para o alto, festivamente. Nós, rapazes, nos precipitamos para recolher os cartuchos, preciosos objetos de coleção, mas eu tinha aprendido então que liberdade de palavra significa também liberdade da retórica.
Alguns dias depois vi os primeiros soldados americanos. Eram afro-americanos. O primeiro ianque que encontrei era um negro, Joseph, que me apresentou às maravilhas de Dick Tracy e Ferdinando Buscapé. Seus gibis eram coloridos e tinham um cheiro bom.
Um dos oficiais (o major ou capitão Muddy) era hóspede na casa da família de dois dos meus companheiros de escola. Sentia-me em casa naquele jardim em que alguns senhores amontoavam-se em torno ao capitão Muddy, falando um francês aproximativo. O capitão Muddy tinha uma boa educação superior e conhecia um pouco de francês. Assim, minha primeira imagem dos libertadores americanos, depois de tantos caras-pálidas de camisa negra, era a de um negro culto em uniforme cáqui que dizia: “Oui, merci beaucoup Madame, moi aussi j'aime le champagne...” Infelizmente, faltava o champagne, mas ganhei do capitão Muddy o meu primeiro chiclete e comecei mastigando o dia inteiro. De noite colocava o chiclete em um copo d'água para que ficasse fresco para o dia seguinte.
Em maio, ouvimos dizer que a guerra tinha acabado. A paz deu-me uma sensação curiosa. Haviam me dito que a guerra permanente era a condição normal de um jovem italiano. Nos meses seguintes descobri que a Resistência não era apenas um fenômeno local, mas Europeu. Aprendi novas e excitantes palavras como “reseau”, “maquis”, “armée secrète”, “Rote Kapelle”, “gueto de Varsóvia”. Vi as primeiras fotografias do Holocausto e assim compreendi seu significado antes mesmo de conhecer a palavra. Percebi que havíamos sido liberados.
Hoje na Itália existem algumas pessoas que se perguntam se a Resistência teve algum impacto militar real no curso da guerra. Para a minha geração a questão é irrelevante: compreendo imediatamente o significado moral e psicológico da Resistência. Era motivo de orgulho saber que nós, europeus, não tínhamos esperado passivamente pela liberação. Penso que, também para os jovens americanos que derramaram seu sangue pela nossa liberdade, não era irrelevante saber que atrás das linhas havia europeus que já estavam pagando seu débito.
Hoje na Itália tem gente que diz que a Resistência é um mito comunista. É verdade que os comunistas exploraram a Resistência como uma propriedade pessoal, pois realmente tiveram um papel primordial no movimento; mas lembro-me dos resistentes com bandeiras de diversas cores.
Grudado ao rádio, passava as noites – as janelas fechadas e a escuridão geral faziam do pequeno espaço em torno ao aparelho o único halo luminoso – escutando as mensagens que a Rádio Londres transmitia para a Resistência. Eram, ao mesmo tempo, obscuras e poéticas (“Ainda brilha o sol”, “As rosas hão de florir”), mas a maior parte eram “mensagens para Franchi”. Alguém soprou no meu ouvido que Franchi era o líder de um dos grupos clandestinos mais poderosos da Itália do Norte, um homem de coragem legendária. Franchi tornou-se o meu herói. Franchi (cujo verdadeiro nome era Edgardo Sogno) era um monarquista tão anticomunista que, depois da guerra, se uniu a um grupo de extrema direita e foi até acusado de ter participado de um golpe de Estado reacionário. Mas que importa? Sogno ainda é o sonho da minha infância. A liberação foi um empreendimento comum de gente das mais diversas cores.
Hoje na Itália tem gente que diz que a guerra de liberação foi um trágico período de divisão, e que precisamos agora de uma reconciliação nacional. A recordação daqueles anos terríveis deveria ser reprimida. Mas a repressão provoca neuroses. Se a reconciliação significa compaixão e respeito por todos aqueles que lutaram sua guerra de boa-fé, perdoar não significa esquecer. Posso até admitir que Eichmann acreditava sinceramente em sua missão, mas não posso dizer: “Ok, volte e faça tudo de novo”. Estamos aqui para recordar o que aconteceu e para declarar solenemente que “eles” não podem repetir o que fizeram.
Mas quem são “eles”?
Se pensamos ainda nos governos totalitários que dominaram a Europa antes da Segunda Guerra Mundial, podemos dizer com tranquilidade que seria muito difícil que eles retornassem sob a mesma forma, em circunstâncias históricas diversas. Se o fascismo de Mussolini baseava-se na idéia de um líder carismático, no corporativismo, na utopia do “destino fatal de Roma”, em uma vontade imperialista de conquistar novas terras, em um nacionalismo exacerbado, no ideal de uma nação inteira arregimentada sob a camisa negra, na recusa da democracia parlamentar, no anti-semitismo, então não tenho dificuldade para admitir que a Aliança Nacional, nascida do Movimento Social e Italiano (MSI), é certamente um partido de direita, mas tem muito pouco a ver com o velho fascismo. Pelas mesmas razões, mesmo preocupado com os vários movimentos neonazistas ativos aqui e ali na Europa, inclusive na Rússia, não penso que o nazismo, e sua forma original, esteja ressurgindo como movimento capaz de mobilizar uma nação inteira.
Todavia, embora os regimes políticos possam ser derrubados e as ideologias criticadas e destituídas de sua legitimidade, por trás de um regime e de sua ideologia há sempre um modo de pensar e de sentir, uma série de hábitos culturais, uma nebulosa de instintos obscuros e de pulsões insondáveis. Há, então, um outro fantasma que ronda a Europa (para não falar de outras partes do mundo)?
Ionesco disse certa vez que “somente as palavras contam, o resto é falatório”. Os hábitos linguísticos são muitas vezes sintomas importantes de sentimentos não expressos.
Portanto, permitam-me perguntar por que não somente a Resistência mas toda a Segunda Guerra Mundial foram definidas em todo o mundo com uma luta contra o fascismo. Se relerem "Por quem os sinos dobram", de Hemingway, vão descobrir que Robert Jordan identifica seus inimigos com os fascistas, mesmo quando está pensando nos falangistas espanhóis.
Permitam-me passar a palavra a Franklin Delano Roosevelt: “A vitória do povo americano e de seus aliados será uma vitória contra o fascismo e o beco sem saída que ele representa” (23 de setembro de 1944).
Durante os anos de McCarthy, os americanos que tinham participado da guerra civil espanhola eram chamados de “fascistas prematuros” - entendendo com isso que combater Hitler nos anos 40 era um dever moral de todo bom americano, mas combater Franco cedo demais, nos anos 30, era suspeito. Por que uma expressão como “fascist pig” era usada pelos radicais americanos até para indicar um policial que não aprovava os que fumavam? Por que não diziam: “Porco Caugolard”, “Porco Falangista”, “Porco Quisling”, “Porco croata”, “Porco Ante Pavelic”, “Porco nazista”?
Mein Kampf é o manifesto completo de um programa político. O nazismo tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa de entartete Kunst, a “arte degenerada”, uma filosofia da vontade de potência e da Übermensch. O nazismo era decididamente anticristão e neopagão, da mesma maneira que o Diamat (versão oficial do marxismo soviético) de Stalin era claramente materialista e ateu. Se como totalitarismo entende-se um regime que subordina qualquer ato individual ao Estado e sua ideologia, então nazismo e estalinismo eram regimes totalitários.
O fascismo foi certamente uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria. O artigo sobre o fascismo assinado por Mussolini para a Enciclopédia Treccani foi escrito ou inspirou-se fundamentalmente em Giovanni Gentile, mas refletia uma noção hegeliana tardia do “Estado ético absoluto”, que Mussolini nunca realizou completamente. Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica.
Começou como ateu militante, para depois firmar a concordata com a Igreja e confraternizar com os bispos que benziam os galhardetes fascistas. Em seus primeiros anos anticlericais, segundo uma lenda plausível, pediu certa vez a Deus que o fulminasse ali mesmo para provar sua existência. Deus estava, evidentemente, distraído. Nos anos seguintes, em seus discursos, Mussolini citava sempre o nome de Deus e não desdenhava o epíteto: “homem da Providência”. Pode-se dizer que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita que dominou um país europeu e que, em seguida, todos os movimentos análogos encontraram uma espécie de arquétipo comum no regime de Mussolini.
O fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e até mesmo um modo de vestir-se – conseguindo mais sucesso no exterior que Armani, Benetton ou Versace. Foi somente nos anos 30 que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra, com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e até na América do Sul, para não falar da Alemanha. Foi o fascismo italiano que convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista.
Todavia, a prioridade histórica não me parece ser uma razão suficiente para explicar por que a palavra “fascismo” tornou-se uma sinédoque, uma denominação pars pro toto para movimentos totalitários diversos. Não adianta dizer que o fascismo continha em si todos os elementos dos totalitarismos sucessivos, por assim dizer, em “estado quintessencial”. Ao contrário, o fascismo não possuía nenhuma quintessência e sequer uma só essência. O fascismo era um totalitarismo fuzzy (1). O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de diversas idéias políticas e filosóficas, uma colméia de contradições. É possível conceber um movimento totalitário que consiga juntar monarquia e revolução, exército real e milícia pessoal de Mussolini, os privilégios concedidos à Igreja e uma educação estatal que exaltava a violência e o livre mercado?
O partido fascista nasceu proclamando sua nova ordem revolucionária, mas era financiado pelos proprietários de terras mais conservadores, que esperavam uma contra-revolução. O fascismo do começo era republicano e sobreviveu durante vinte anos proclamando sua lealdade à família real, permitindo que um “duce” puxasse as cordinhas de um “rei”, a quem ofereceu até o título de “imperador”. Mas quando, em 1943, o rei despediu Mussolini, o partido reapareceu dois meses depois, com a ajuda dos alemães, sob a bandeira de uma república “social”, reciclando sua velha partitura revolucionária, enriquecida de acentuações quase jacobinas.
Existiu apenas uma arquitetura nazista, apenas uma arte nazista. Se o arquiteto nazista era Albert Speer, não havia lugar para Mies van der Rohe. Da mesma maneira, sob Stalin, se Lamarck tinha razão, não havia lugar para Darwin. Ao contrário, existiram certamente arquitetos fascistas, mas ao lado de seus pseudocoliseus surgiram também os novos edifícios inspirados no moderno racionalismo de Gropius.
Não houve um Zdanov fascista. Na Itália existiam dois importantes prêmios artísticos: o Prêmio Cremona era controlado por um fascista inculto e fanático como Farinacci, que encorajava uma arte propagandista (recordo-me de quadros intitulados Ascoltando all radio un discorso del Duce ou Stati mentali creati dal Fascismo); e o Prêmio Bergamo, patrocinado por um fascista culto e razoavelmente tolerante como Bottai, que protegia a arte pela arte e as novas experiências da arte de vanguarda que, na Alemanha, haviam sido banidas como corruptas, criptocomunistas, contrárias ao Kitsch nibelúngico, o único aceito.
O poeta nacional era D'Annunzio, um dândi que na Alemanha ou na Rússia teria sido colocado diante de um pelotão de fuzilamento. Foi alçado à categoria de vate do regime pro seu nacionalismo e seu culto do heroísmo –com o acréscimo de grandes doses de decadentismo francês.
Tomemos o futurismo. Deveria ter sido considerado um exemplo de entartete Kunst, assim como o expressionismo, o cubismo, o surrealismo. Mas os primeiros futuristas italianos eram nacionalistas, favoreciam por motivos estéticos a participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, celebravam a velocidade, a violência, o risco e, de certa maneira, estes aspectos pareciam próximos ao culto fascista da juventude. Quando o fascismo identificou-se com o império romano e redescobriu as tradições rurais, Marinetti (que proclamava que um automóvel era mais belo que a Vitória de Samotrácia e queria inclusive matar o luar) foi nomeado membro da Accademia d'Italia, que tratava o luar com grande respeito.
Muitos dos futuros membros da Resistência, e dos futuros intelectuais do futuro Partido Comunista, foram educados no GUF, a associação fascista dos estudantes universitários, que deveria ser o berço da nova cultura fascista. Esses clubes tornaram-se uma espécie de caldeirão intelectual em que circulavam novas idéias sem nenhum controle ideológico real, não tanto porque os homens de partido fossem tolerantes, mas porque poucos entre eles possuíam os instrumentos intelectuais para controlá-los.
No curso daqueles vinte anos, a poesia dos herméticos representou uma reação ao estilo pomposo do regime: a estes poetas era permitido elaborar seus protestos literários dentro da torre de marfim. O sentimento dos herméticos era exatamente o contrário do culto fascista do otimismo e do heroísmo. O regime tolerava esta distensão evidente, embora socialmente imperceptível, porque não prestava atenção suficiente ao um jargão tão obscuro.
O que não significa que o fascismo italiano fosse tolerante. Gramsci foi mantido na prisão até a morte, Matteotti e os irmãos Rosselli foram assassinados, a liberdade de imprensa suspensa, os sindicatos desmantelados, os dissidentes políticos confinados em ilhas remotas, o poder legislativo tornou-se pura ficção e o executivo (que controlava o judiciário, assim como a mídia) emanava diretamente as novas leis, entre as quais a da defesa da raça (apoio formal italiano ao Holocausto).
A imagem incoerente que descrevi não era devida à tolerância: era um exemplo de desconjuntamento político e ideológico. Mas era um “desconjuntamento ordenado”, uma confusão estruturada. O fascismo não tinha bases filosóficas, mas do ponto de vista emocional era firmemente articulado a alguns arquétipos.
Chegamos agora ao segundo ponto de minha tese. Existiu apenas um nazismo, e não podemos chamar de “nazismo” o falangismo hipercatólico de Franco, pois o nazismo é fundamentalmente pagão, politeísta e anticristão, ou não é nazismo. Ao contrário, pode-se jogar com o fascismo de muitas maneiras, e o nome do jogo não muda. Acontece com a noção de “fascismo” aquilo que, segundo Wittgenstein, acontece com a noção de “jogo”. Um jogo pode ser ou não competitivo, pode envolver uma ou mais pessoas, pode exigir alguma habilidade particular ou nenhuma, pode envolver dinheiro ou não. Os jogos são uma série de atividades diversas que apresentam apenas alguma “semelhança de família”:
1 - 2 - 3 - 4
abc bcd cde def
Suponhamos que exista uam série de grupos políticos. O grupo 1 é caracterizado pelos aspectos abc, o grupo 2, pelos aspectos bcd e assim por diante. 2 é semelhante a 1 na medida em que têm dois aspectos em comum. 3 é semelhante a 2 e 4 é semelhante a 1 (têm em comum o aspecto c). O caso mais curioso é dado pelo 4, obviamente semelhante a 3 e a 2, mas sem nenhuma característica em comum com 1. Contudo, em virtude da ininterrupta série de decrescentes similaridades entre 1 e 4, permanece, por uma espécie de transitoriedade ilusória, um ar de família entre 4 e 1.
O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista. Tirem do fascismo o imperialismo e teremos Franco ou Salazar; tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julios Evola.
A despeito dessa confusão, considero possível indicar uma lista de características típicas daquilo que eu gostaria de chamar de “Ur-Fascismo”, ou “fascismo eterno”. Tais características não podem ser reunidas em um sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista.
1. A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição. O tradicionalismo é mais velho que o fascismo. Não somente foi típico do pensamento contra-reformista católico depois da Revolução Francesa, mas nasceu no final da idade helenística como uma reação ao racionalismo grego clássico.
Na bacia do Mediterrâneo, povos de religiões diversas (todas aceitas com indulgência pelo Panteon romano) começaram a sonhar com uma revelação recebida na aurora da história humana. Essa revelação permaneceu longo tempo escondida sob o véu de línguas então esquecidas. Havia sido confiada aos hieróglifos egípcios, às runas dos celtas, aos textos sacros, ainda desconhecidos, das religiões asiáticas.
Essa nova cultura tinha que ser sincretista. “Sincretismo” não é somente, como indicam os dicionários, a combinação de formas diversas de crenças ou práticas. Uma combinação assim deve tolerar contradições. Todas as mensagens originais contêm um germe de sabedoria e, quando parecem dizer coisas diferentes ou incompatíveis, é apenas porque todas aludem, alegoricamente, a alguma verdade primitiva.
Como consequência, não pode existir avanço do saber. A verdade já foi anunciada de uma vez por todas, e só podemos continuar a interpretar sua obscura mensagem. É suficiente observar o ideário de qualquer movimento fascista para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. A gnose nazista nutria-se de elementos tradicionalistas, sincretistas ocultos. A mais importante fonte teórica da nova direita italiana Julius Evola, misturava o Graal com os Protocolos dos Sábios de Sião, a alquimia com o Sacro Império Romano. O próprio fato de que, para demonstrar sua abertura mental, a direita italiana tenha recentemente ampliado seu ideário juntando De Maistre, Guenon e Gramsci é uma prova evidente de sincretismo.
Se remexerem nas prateleiras que nas livrarias americanas trazem a indicação “New Age”, irão encontrar até mesmo Santo Agostinho e, que eu saiba, ele não era fascista. Mas o próprio fato de juntar Santo Agostinho e Stonehenge, isto é um sintoma de Ur-Fascismo.
2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. Tanto os fascistas como os nazistas adoravam a tecnologia, enquanto os tradicionalistas em geral recusam a tecnologia como negação dos valores espirituais tradicionais. Contudo, embora o nazismo tivesse orgulho de seus sucessos industriais, seu elogio da modernidade era apenas o aspecto superficial de uma ideologia baseada no “sangue” e na “terra” (Blut und Boden). A recusa do mundo moderno era camuflada como condenação do modo de vida capitalista, mas referia-se principalmente à rejeição do espírito de 1789 (ou 1776, obviamente). O iluminismo, a idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como “irracionalismo”.
3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”) ao uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais.
4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição.
5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Ur-Fascismo cresce e busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição.
6. O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se auto exclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria seu auditório.
7. Para os que se vêem privados de qualquer identidade social, o Ur-Fascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: ter nascido em um mesmo país. Esta é a origem do “nacionalismo”. Além disso, os únicos que podem fornecer uma identidade às nações são os inimigos. Assim, na raiz da psicologia Ur-Fascista está a obsessão do complô, possivelmente internacional. Os seguidores têm que se sentir sitiados. O modo mais fácil de fazer emergir um complô é fazer apelo à xenofobia. Mas o complô tem que vir também do interior: os judeus são, em geral, o melhor objetivo porque oferecem a vantagem de estar, ao mesmo tempo, dentro e fora. Na América, o último exemplo de obsessão pelo complô foi o livro The New World Order, de Pat Robertson.
8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. Quando eu era criança ensinavam-me que os ingleses eram o “povo das cinco refeições”: comiam mais frequentemente que os italianos, pobres mas sóbrios. Os judeus são ricos e ajudam-se uns aos outros graças a uma rede secreta de mútua assistência. Os adeptos devem, contudo, estar convencidos de que podem derrotar o inimigo. Assim, graças a um contínuo deslocamento de registro retórico, os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais. Os fascismos estão condenados a perder suas guerras, pois são constitutivamente incapazes de avaliar com objetividade a força do inimigo.
9. Para o Ur-Fascismo não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente. Contudo, isso traz consigo um complexo de Armagedon: a partir do momento em que os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final e, em seguida, o movimento assumirá o controle do mundo. Uma solução final semelhante implica uma sucessiva era de paz, uma idade de Ouro que contestaria o princípio da guerra permanente. Nenhum líder fascista conseguiu resolver essa contradição.
10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática. No curso da história, todos os elitismos aristocráticos e militaristas implicaram o desprezo pelos fracos. O Ur-Fascismo não pode deixar de pregar um “elitismo popular”. Todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, os membros do partido são os melhores cidadãos, todo cidadão pode (ou deve) tornar-se membro do partido. Mas patrícios não podem existir sem plebeus. O líder, que sabem muito em que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela força, sabe também que sua força baseia-se na debilidade das massas, tão fracas que têm necessidade e merecem um “dominador”. No momento em que o grupo é organizado hierarquicamente (segundo um modelo militar), qualquer líder subordinado despreza seus subalternos e cada um deles despreza, por sua vez, os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa.
11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Em qualquer mitologia, o “herói” é um ser excepcional, mas na ideologia Ur-Fascista o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era: “Viva la muerte!” À gente normal diz-se que a morte é desagradável, mas é preciso enfrentá-la com dignidade; aos crentes, diz-se que é um modo doloroso de atingir a felicidade sobrenatural. O herói Ur-Fascista, ao contrário, aspira à morte, anunciada como a melhor recompensa para uma vida heróica. O herói Ur-Fascista espera impacientemente pela morte. E sua impaciência, é preciso ressaltar, consegue na maior parte das vezes levar os outros à morte.
12. Como tanto a guerra permanente como o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico: seus jogos de guerra são devidos a uma invidia penis permanente.
13. O Ur-Fascismo baseia-se em um “populismo qualitativo”. Em uma democracia, os cidadãos gozam de direitos individuais, mas o conjunto de cidadãos só é dotado de impacto político do ponto de vista quantitativo (as decisões da maioria são acatadas). Para o Ur-Fascismo os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e “o povo” é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime “a vontade comum”. Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder apresenta-se como seu intérprete. Tendo perdido seu poder de delegar, os cidadãos não agem, são chamados apenas pars pro toto, para assumir o papel de povo. O povo é, assim, apenas uma ficção teatral. Para ter um bom exemplo de populismo qualitativo, não precisamos mais da Piazza Venezia ou do estádio de Nuremberg.
Em nosso futuro desenha-se um populismo qualitativo TV ou Internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a “voz do povo”. Em virtude de seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo deve opor-se aos “pútridos” governos parlamentares. Uma das primeiras frases pronunciadas por Mussolini no parlamento italiano foi: “Eu poderia ter transformado esta assembléia surda e cinza em um acampamento para meus regimentos”. De fato, ele logo encontrou alojamento melhor para seus regimentos e pouco depois liquidou o parlamento. Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do parlamento por não representar mais a “voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo.
14. O Ur-Fascismo fala a “novilíngua”. A “novilíngua” foi inventada por Orwell em 1984, como língua oficial do Ingsoc, o Socialismo Inglês, mas certos elementos de Ur-Fascismo são comuns a diversas formas de ditadura. Todos os textos escolares nazistas ou fascistas baseavam-se em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico. Devemos, porém estar prontos a identificar outras formas de novilíngua, mesmo quando tomam a forma inocente de um talk-show popular.
Depois de indicar os arquétipos possíveis do Ur-Fascismo, permitam-me concluir. Na manhã de 27 de julho de 1943 foi-me dito que, segundo informações lidas na rádio, o fascismo havia caído e Mussolini tinha sido feito prisioneiro. Minha mãe mandou-me comprar o jornal. Fui ao jornaleiro mais próximo e vi que os jornais estavam lá, mas os nomes eram diferentes. Além disso, depois de uma breve olhada nos títulos, percebi que cada jornal dizia coisas diferentes. Comprei um, ao acaso, e li uma mensagem impressa na primeira página, assinada por cinco ou seis partidos políticos como Democracia Cristã, Partido Comunista, Partido Socialista, Partido de Ação, Partido Liberal. Até aquele momento pensei que só existisse um partido em todas as cidades e que na Itália só existisse, portanto, o Partido Nacional Fascista. Eu estava descobrindo que, no meu país, podiam existir diversos partidos ao mesmo tempo. E não só isso: como eu era um garoto esperto, logo me dei conta de que era impossível que tantos partidos tivessem aparecido de um dia para o outro. Entendi assim que eles já existiam como organizações clandestinas.
A mensagem celebrava o fim da ditadura e o retorno à liberdade: liberdade de palavra, de imprensa, de associação política. Estas palavras, “liberdade”, “ditadura” - Deus meu -, era a primeira vez em toda a minha vida que eu as lia. Em virtude dessas novas palavras renasci como homem livre ocidental.
Devemos ficar atentos para que o sentido dessas palavras não seja esquecido de novo. O Ur-Fascismo ainda está a nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: “Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!”. Ai de mim, a vida não é fácil assim! O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas – a cada dia, em cada lugar do mundo. Cito ainda as palavras de Roosevelt: “Ouso dizer que, se a democracia americana parasse de progredir como uma força viva, buscando dia e noite melhorar, por meios pacíficos, as condições de nossos cidadãos, a força do fascismo cresceria em nosso país” (4 de novembro de 1938). Liberdade, liberação são uma tarefa que não acaba nunca. Que seja este o nosso mote: “Não esqueçam”.
E permitam-me acabar com uma poesia de Franco Fortini:
Sulla spalletta del ponte
Le teste degli impiccati
Nell'acqua della fonte
La bava degli impiccati
Sul lastrico del mercato
Le unghie dei fucilati
Sull'erba secca del prato
I denti dei fucilati
Mordere l'aria mordere i sassi
La nostra carne non à più d'uomini
Mordere l'aria mordere i sassi
Il nostro cuore non à più d'uomini.
Ma noi s'è letto negli occhi dei morti
E sulla terra faremo libertà
Ma l'hanno stretta i pugni dei morti
La giustizia che si farà.
(Na amurada da ponte/ A cabeça dos enforcados/Na água da fonte/ A baba dos enforcados/No calçamento do mercado/As unhas dos fuzilados/Sob a grama seca do prado/Os dentes dos fuzilados/Morder o ar morder as pedras/ Nossa carne não é mais de homens/Morder o ar morder as pedras/Nosso coração não é mais de homens/ Mas lemos nos olhos dos mortos/ E sobre a terra a liberdade havemos de fazer/ Mas estreitaram-na nos punhos os mortos/A justiça que se há de fazer.)”
Umberto Eco, O Fascismo Eterno, in: Cinco Escritos Morais, Tradução: Eliana Aguiar, Editora Record, Rio de Janeiro, 2002.
(1) Usado atualmente em lógica para designar conjuntos “esfumados”, de contornos imprecisos, o termo fuzzy poderia ser traduzido como “esfumado”, “confuso”, “impreciso”, “desfocado”.
Fonte: www.cartamaior.com.br
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