terça-feira, 24 de novembro de 2009

EUA e Otan perdem o rumo no Afeganistão - Por Tariq Ali



EUA e Otan perdem o rumo no Afeganistão

Foi um terceiro trimestre ruim para a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Afeganistão, com desastres simultâneos nas frentes política e militar. Primeiro, o chefe da ONU em Cabul, Kai Eide (um norueguês bem-intencionado, mas não muito brilhante), rompeu com seu vice, Peter Galbraith - que, como representante de fato do Departamento de Estado dos EUA, havia anunciado em público que a eleição do presidente Hamid Karzai tinha sido fraudada. Eide continuou a defender a legitimidade de Karzai.

Surpreendentemente, a ONU demitiu Galbraith. Isto deixou Hillary Clinton exasperada, e então o órgão de fiscalização eleitoral apoiado pela ONU determinou que as eleições realmente haviam sido fraudulentas e ordenou um segundo turno. Karzai recusou-se a substituir os funcionários eleitorais que haviam sido tão úteis na primeira vez e seu adversário se retirou. Karzai ficou com o cargo.

A legitimidade de Karzai nunca dependeu de eleições (que, de qualquer modo, sempre foram uma farsa), e sim da força expedicionária EUA/Otan. Assim, em primeiro lugar, perguntamos: para que serviu esta luta no vácuo? Ela parece ter sido planejada para encobrir a escalada militar tramada pelo general Stanley McChrystal, a nova grande esperança de uma Casa Branca encurralada. McChrystal parece ter invertido a velha máxima clausewitziana: ele acredita sinceramente que a política é uma continuação da guerra por outros meios. Acreditava-se que, se Karzai fosse removido de maneira indolor e substituído pelo ex-colega Abdullah Abdullah, um tadjique do norte, poderia ser criada a impressão de que um regime intoleravelmente corrupto fora removido pacificamente, o que ajudaria a enfraquecida guerra de propaganda em casa e o relançamento da guerra de verdade no Afeganistão.

Por seu lado, Abdullah queria uma fatia do espólio que vem com o poder e até agora foi monopolizado pelos irmãos Karzai e seu séquito, ajudando-os a criar uma minúscula base de apoio nativa para a família. Será que a revelação de que Ahmed Wali Karzai não era apenas o homem mais rico do país graças à corrupção em grande escala e ao tráfico de drogas e armas, mas também um agente da CIA, foi uma grande surpresa para alguém? Dizem-me que, no desespero, comissários da Otan chegaram a considerar a nomeação de um alto representante, seguindo o modelo balcânico, para governar o país, tornando a presidência um cargo ainda mais simbólico do que é hoje. Se isto ocorresse, Galbraith e Tony Blair seriam os favoritos mais óbvios.

Os cidadãos do mundo transatlântico estão cada vez mais apreensivos diante da falta de horizonte. No Afeganistão, as fileiras da resistência se expandem. A guerra terrestre não leva a lugar nenhum: comboios de equipamentos e combustível da Otan são atacados repetidamente por insurgentes. O controle neo-talibã de 80% da parte mais populosa do país é reconhecido por todos. Recentemente, o mulá Omar criticou com dureza o braço paquistanês do Talibã: para o líder, eles deveriam estar combatendo a Otan, e não o exército do Paquistão.

Enquanto isso, o comandante militar britânico, general David Richards, ecoando McChrystal, fala em treinar as forças de segurança afegãs "muito mais agressivamente", para que a Otan possa assumir um papel de apoio. Nenhuma novidade. A Eupol (missão policial da União Europeia no Afeganistão) declarou há vários anos que seu objetivo era "contribuir para o estabelecimento, sob domínio afegão, de sistemas sustentáveis e efetivos de policiamento civil, que garantam a interação adequada com o sistema judicial criminal como um todo".

Isto sempre soou como uma ilusão - confirmada no início deste mês pela morte de cinco soldados britânicos alvejados por um policial afegão que eles treinavam. As teorias de que sempre haverá um descontente solitário no grupo, que tanto embriagam os britânicos, deveriam ser ignoradas. O fato é que os insurgentes decidiram há alguns anos inscrever-se no treinamento policial e militar, e sua infiltração - uma tática usada por guerrilheiros na América do Sul, no Sudeste Asiático e no Magreb durante o último século - tem sido bem-sucedida.

Guerra boa?
Já ficou óbvio para todos que esta não é uma guerra "boa", destinada a eliminar o comércio do ópio, a discriminação das mulheres e tudo o mais que for ruim - à exceção da pobreza, é claro. Então o que a Otan está fazendo no Afeganistão? Isto virou uma guerra para salvar a Otan enquanto instituição? Ou seria mais estratégico, como foi sugerido na edição da primavera de 2005 da Nato Review:

"O centro de gravidade do poder neste planeta caminha inexoravelmente para o leste. (...) A região Ásia-Pacífico traz muitos elementos dinâmicos e positivos a este mundo, mas a rápida mudança que ocorre lá não é estável, nem subordinada a instituições estáveis. Até que isto seja alcançado, é responsabilidade estratégica dos europeus e norte-americanos, e das instituições que eles construíram, mostrar o caminho. (...) A segurança efetiva em tal mundo é impossível sem legimitidade e capacidade."

Qualquer que seja a razão, o fato é que a operação fracassou. A maioria dos amigos de Obama na mídia dos EUA reconhece isso e defende uma retirada planejada, temendo ao mesmo tempo que a saída das tropas do Iraque e do Afeganistão possa levar o presidente à derrota na próxima eleição, especialmente se McChrystal ou o general David Petraeus (o suposto herói da ofensiva no Iraque) ficarem do lado dos republicanos. Não que os EUA pareçam dispostos a se retirar do Iraque. A única saída cogitada é das principais cidades, restringindo a presença norte-americana às enormes bases militares com ar-condicionado já construídas no interior do país, numa imitação das fortalezas do Império Britânico das primeiras décadas do século passado - fora o ar-condicionado.

Fronteira
Enquanto Washington decide o que fazer, a fronteira Afeganistão-Paquistão pega fogo. O cumprimento do decreto imperial submeteu o exército paquistanês a uma pressão enorme. A recente e bem divulgada ofensiva no Waziristão do Sul rendeu poucos frutos. O alvo desapareceu para lutar em outro dia. A fim de demonstrar boa vontade, os militares invadiram o campo de refugiados de Shamshatoo, em Peshawar. Em 4 de novembro, recebi um e-mail de Peshawar:

"Achei bom contar a você que acabo de receber uma ligação de um ex-detento de Gitmo (Guantánamo) que agora vive no campo de Shamshatoo e ele me disse que nesta manhã, por volta das 10 horas, alguns policiais e militares chegaram, invadiram várias casas e lojas e prenderam muitas pessoas. Eles também mataram três jovens estudantes inocentes. O jinaza (funeral) deles é hoje à noite. Várias pessoas registraram cenas da incursão com celulares, que posso tentar obter. O enterro das três crianças está acontecendo enquanto escrevo."

Como isto poderia acabar bem?

*Artigo publicado originalmente na revista CounterPunch. O livro mais recente de Tariq Ali, The Protocols of the Elders of Sodom and other Essays, acaba de ser publicado em inglês pela editora norte-americana Verso.

Fonte: http://operamundi.com.br

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