
Quase todas as vezes que fui entrevistado por um jornalista sobre Occupy Wall Street, eu recebi os mesmos enunciados, a mesma leitura:
“Como você pode querer chegar a qualquer coisa se você se recusa a criar uma estrutura de direção ou fazer uma lista concreta de suas demandas? É o que todas essas bobagens anarquistas – o consenso, os “dedos brilhantes”...? Vocês não serão jamais capazes de atender regularmente o americano médio com esse tipo de coisa!”
É difícil de imaginar piores conselhos. Antes de tudo, depois de 2007, um pouco próximo de todas as precedentes tentativas visando a lançar um movimento de amplitude nacional contra Wall Street tocou exatamente naquilo que apontavam os jornalistas – e encalhou lamentavelmente. E somente quando um pequeno grupo de anarquistas em Nova York decidiu adotar a marcha inversa – se recusando a reconhecer a legitimidade das autoridades políticas existentes enquanto formulavam suas demandas; se recusando a reconhecer a ordem política existente, ocupando um espaço público sem pedir permissão, se recusando a eleger os dirigentes que poderiam mesmo ser subornados ou cooptados, declarando, não violentamente, que todo o sistema é corrompido e que o rejeitavam; estando prontos a ter posição firme contra as inevitáveis respostas violentas do Estado – que uma centena de milhares de americanos, de Portland, a Tuscaloosa, começaram a se juntar à luta, e à qual uma maioria se declarou simpática.
Essa não é a primeira vez que um movimento baseado nos fundamentos anarquistas – ação direta, a democracia direta, rejeição das instituições políticas existentes e a tentativa de criar o novo – se desenvolve nos Estados Unidos. O movimento de direitos civis (ao menos para suas linhas mais radicais), o movimento anti-nuclear, o movimento altermundialista... todos tiveram direções similares. Jamais, porém, eles cresceram tão rápido.
Para compreender o porquê, precisa-se compreender que há sempre um fosso enorme entre isso que aqueles que dirigem a América entendem por “democracia”, e isso que significa a palavra para a maior parte dos cidadãos. Segundo a versão oficial, claro, a “democracia” é um sistema criado pelos pais fundadores, baseado nos controles e nos equilíbrios entre o presidente, congresso e o poder judiciário. De fato, nenhuma parte da Declaração de Independência ou na Constituição qualificam os Estados Unidos como sendo uma “democracia”. A maior parte do tempo a democracia é definida como auto-governança coletiva pelas assembléias populares, tanto que ele [os pais fundadores] foram selvagens opositores a ela, argumentando que a democracia seria prejudicial aos interesses das minorias (a saber: os ricos).
Vieram então a definir sua república – modelada menos em Atenas, mais em Roma – como uma “democracia”, compartilhando do entusiasmo dos americanos a propósito desse conceito.
Mas qual é o significado da palavra “democracia” para os americanos médios? Um sistema no qual eles chegam a equivaler com os políticos que os governam? Isso é o que é nos dito hoje, mas isso parece pouco plausível. Depois de tudo, a maior parte dos americanos detestam os políticos, e tendem a ser céticos sobre a idéia de governo. Se o sistema americano pôde universalmente se fazer passar por um ideal político, é somente porque o povo americano ainda acredita, mesmo que vagamente, que nossos sistemas políticos criam a auto-governança – que os pais fundadores tinham a tendência de denunciar como “democracia” ou, como eles igualmente chegaram a chamar, de “anarquia”.
Na ausência de outra coisa, isso ajudaria a explicar o entusiasmo com o qual os americanos adotaram um movimento baseado nos princípios da democracia direta, malgrado à rejeição uniformemente mentirosa dos meios de comunicação e da classe política americana. A maior parte dos americanos está, politicamente, em contradição. Eles tendem a combinar um profundo respeito pela liberdade com uma identificação, atenciosamente inculcada e bem real, sobre o exército e a polícia. Raros são os anarquistas de nossos dias; muitos entre eles não sabem sequer o que significa “anarquismo”. É difícil de dizer quando desejarão finalmente se desfazer do Estado e do capitalismo.
Mas uma coisa que um número crescente de americanos sente, é que qualquer coisa vai terrivelmente mal em seu país, que as instituições chaves são controladas por uma elite arrogante, e que retarda uma mudança radical. Eles têm razão. É difícil de imaginar um sistema político também sistematicamente corrompido – no qual a corrupção, em todos os níveis, foi de toda forma legalizada. A indignação é apropriada. O problema estava no fato de que até dia 17 de setembro, o único lado político a propor soluções radicais era a direita. Mas Occupy Wall Street mudou isso: a democracia explodiu.
David Graeber
Tradução > Tio TAZ
agência de notícias anarquistas-ana
nas ramagens embaciadas
o sol
abre frestas
Rogério Martins
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