Solução dos bancos é destruir os fracos
A Europa devedora está deslizando mais uma vez rumo à ruptura social, pânico financeiro e emigração
A crise na zona do euro é uma crise bancária pretendendo ser uma série de crises de dívida nacional e complicada por ideias econômicas reacionárias, uma arquitetura financeira defeituosa e um ambiente político tóxico, especialmente na Alemanha, França, Itália e Grécia.Indignados espanhóis protestam contra os bancos e o sistema financeiro
Tal como a estadunidense, ela é o produto da excessiva concessão de empréstimos a tomadores fracos, incluindo o crédito para habitação na Espanha, o comercial imobiliário na Irlanda e o setor público (parcialmente para infraestrutura) na Grécia. Os bancos europeus alavancaram-se para comprar hipotecas tóxicas dos EUA e, quando essas entraram em colapso, eles começaram a despejar os seus fracos títulos soberanos para comprar outros fortes, conduzindo para cima os rendimentos e finalmente forçando toda a periferia europeia para dentro da crise. A Grécia foi simplesmente o primeiro dominó na linha.
Em tais crises, a primeira defesa dos bancos é mostrar surpresa — “ninguém podia ter sabido!” — e culpar os seus clientes por imprudência e trapaça.
Políticos e banqueiros
Isso é verdade, mas obscurece o fato de que os banqueiros pressionaram os empréstimos muito arduamente enquanto as taxas eram gordas. A defesa funciona melhor na Europa do que nos EUA porque as fronteiras nacionais separam credores de devedores, ligando os líderes políticos na Alemanha e França aos seus banqueiros e promovendo uma narrativa de racismo nacional (“gregos preguiçosos”, “italianos irresponsáveis”) cujo equivalente nos Estados Unidos pós direitos civis foi em grande parte suprimido.
Subjacente ao poder do banqueiro na Europa credora está uma sensibilidade calvinista que transformou excedentes num símbolo de virtude e déficits numa marca de vício, enquanto fetichizava a desregulamentação, privatização e ajustamento conduzido pelo mercado. Os europeus do norte esqueceram que integração econômica sempre concentra a indústria (e mesmo a agricultura) nas regiões mais ricas.
Quando esse processo se desdobrou, os alemães colheram as rendas e instruíram os recém-endividados clientes a cortar salários, liquidar ativos e abandonar as suas pensões, escolas, universidades e cuidados de saúde — muitos dos quais eram de segunda classe. Recentemente as instruções tornaram-se ordens, entregues pelo FMI [Fundo Monetário Internacional] e pelo BCE [Banco Central Europeu], demonstrando aos novos peões da dívida europeus que eles já não vivem em estados democráticos.
A vantagem estadunidense
A arquitetura da eurozona torna as coisas piores sob dois aspectos. Embora a União Europeia tenha pago alguma compensação às suas regiões mais pobres, esses fundos estruturais nunca foram adequados e agora estão bloqueados por incumpríveis exigências de co-pagamento. E falta à zona canais de redistribuição inter-regional para famílias que os EUA desenvolveram com a Segurança Social, Medicare, Medicaid, folhas de pagamento do governo federal e contratação de militares, dentre outras coisas.
Nem tampouco os aposentados alemães assentam na Grécia ou em Portugal em grandes números como fazem os nova- iorquinos na Flórida ou os de Michigan no Texas.
Em segundo lugar, o BCE recusa-se a resolver a crise de repente, o que poderia fazer através da compra de títulos de países fracos e refinanciá-los. O argumento contra isso é chamado de “risco moral” (“moral hazard”), reforçado por velhos temores de inflação, mas a questão real é que fazer isso seria admitir a perda de controle por parte dos credores sobre o banco central.
Ações governamentais paralelas àquelas tomadas pelo Federal Reserve [espécie de banco central estadunidense] — nacionalizar todo o mercado de papel comercial, por exemplo — teria como consequência o afastamento do BCE, muito embora ele compre títulos soberanos quando tem de fazê-lo.
Assim, ao contrário, a zona avançou na criação de um gigantesco CDO tóxico chamado European Financial Stability Fund (EFSF), que pode rapidamente ser transformado num ainda mais gigantesco CDS tóxico (como a AIG, eles chamam isso de “seguro”). Isso pode adiar o pânico, no máximo, por uns poucos momentos.
Soluções técnicas existem. A mais desenvolvida delas é a “Modest Proposal” de Yanis Varoufakis e Stuart Holland, amplamente apoiada pelos líderes políticos mais velhos da Europa. Ela seria:
1) converter os primeiros 60% do PIB da dívida de qualquer país da zona do euro num título europeu comum, emitido pelo BCE;
2) recapitalizar e europeizar o sistema bancário, rompendo o colete de forças que amarra bancos nacionais a políticos nacionais; e
3) financiar um programa de projetos de investimento como o New Deal através do Banco Europeu de Investimentos.
Propostas variantes incluem o apelo de Kunibert Raffer a um regime de insolvência soberana modelado no estatuto de bancarrota municipal dos EUA, a proposta de Thomas Palley de um novo “governo banqueiro” e a proposta de Jan Toporowski de um imposto sobre balanços dos bancos para retirar excesso de dívida pública.
Meias-medidas
Essas são as melhores ideias e nenhuma delas acontecerá. As classes políticas da Europa estão nestes dias cercadas num torno forjado por banqueiros desesperados e eleitores raivosos, não menos na Alemanha e França do que na Grécia ou Itália.
O discurso é impermeável a ideias novas e a sobrevivência política depende de chutar latas estrada abaixo de modo que o fato de isso ser uma crise bancária não tenha de ser enfrentado. O destino dos fracos é na melhor das hipóteses secundário. Portanto, qualquer reunião de ministros das Finanças e primeiros-ministros proporciona meias-medidas traiçoeiras e evasões legais.Protesto na Grécia, que teria sido o primeiro dominó na linha
O exemplo mais recente foi a lógica em trança (pretzel-logic) que declarou que um corte de 50% sobre a dívida grega seria “voluntário”, de modo a que não disparasse cláusulas de incumprimento sobre os CDS a que alguns bancos estadunidenses, em particular, possam estar expostos. Quando em outubro Timothy Geithner advertiu os europeus sobre uma “catástrofe” potencial, alguém pode razoavelmente inferir que ele tinha esse risco em mente — e não é o efeito menor sobre o nosso já desastroso quadro de empregos. Mas, naturalmente, se o corte pode ser declarado voluntário, então os CDS não valem o espaço de armazenagem que ocupam nos computadores dos banqueiros e mais uma escora no mercado, cada vez mais fraco, de dívidas soberanas cai para o chão.
A fragilidade política também explica a fúria na França e na Alemanha quando George Papandreou (o homem mais calmo da Europa) quis cortar o nó dos seus ministros rebeldes, da oposição irresponsável e do público irado submetendo o último pacote de austeridade a votação. Deus ajude os banqueiros! O movimento foi de imediato fatal para Papandreou. Não haverá ninguém que queira continuar a viver na Grécia depois disso.
Sem saída
A Grécia e a Irlanda estão sendo destruídas. Portugal e Espanha estão no limbo e a crise muda-se para a Itália — realmente muito grande para quebrar —, que está sendo colocada numa concordata ditada pelo FMI no momento em que escrevo. Enquanto isso, a França luta para adiar a (inevitável) degradação da sua classificação AAA através do corte de qualquer programa social e de investimento.
Se houvesse uma saída fácil do euro, a Grécia já teria ido. Mas a Grécia não é a Argentina com soja e petróleo para o mercado chinês, e legalmente a saída do euro significa deixar a União Europeia. É uma opção que só a Alemanha pode fazer. Para os outros, a opção é entre o cancro e o ataque de coração, salvo uma transformação na Europa do Norte que nem mesmo vitórias socialistas na próxima rodada de eleições francesas e alemãs trariam.
Assim, o caldeirão ferve. A Europa devedora está deslizando mais uma vez rumo à ruptura social, pânico financeiro e emigração como caminho de saída para alguns. Mas — e aqui há outra diferença com os Estados Unidos — o povo não esqueceu totalmente como se defender.
Marchas, manifestações, greves e greves gerais estão aumentando. Estamos no ponto em que as estruturas políticas não apresentam esperança e o bastão de comando prepara-se para passar, muito em breve, para as mãos da resistência. Ela pode não ser capaz de muito — mas veremos. (Carta Maior)
James K. Galbraith é economista e professor na Universidade do Texas
Fonte: www.brasildefato.com.br/
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
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