Carta aberta aos apoiadores do assentamento Milton Santos
O Assentamento Milton Santos está em perigo. Será que a militância do MST consegue dimensionar os impactos do possível precedente diante do qual está colocada? Por Passa Palavra
São sessenta e oito famílias assentadas no Milton Santos. Não se trata de um debate teórico nem uma disputa por espaços políticos. Trata-se de sessenta e oito famílias em luta pela terra. E se essa luta não for vitoriosa, ficará pendente uma grave ameaça sobre todos os assentamentos já constituídos.
O Assentamento Milton Santos só pode ser defendido graças ao apoio de todos. Mas esse apoio de todos significa, pela proporção de forças hoje existente, antes de mais — o apoio do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Ora, qual é a atitude da direção do MST?
Sobre a ação organizada na segunda-feira, dia 10 de dezembro, o site do MST declarou que ela se devera a “um grupo de famílias do Milton Santos, que não faz parte do MST”. Seria esse o momento oportuno para demarcar um distanciamento público? No entanto, aquela ação de segunda-feira, que lotou dois ônibus desde o Assentamento até ao escritório da Presidência da República na Avenida Paulista, não resultou da decisão de um ou dois dissidentes, mas de uma deliberação unânime tomada pela base assentada. Assim como todos os assentados do Milton Santos, sejam ou não dissidentes do MST, consideraram importante a realização também do ato conjunto na terça-feira, dia 11. Ora, na quarta-feira, dia 12, apesar de na véspera ter anunciado que a superintendência do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em São Paulo fora ocupada “pela desapropriação definitiva de área do assentamento” e que iria “cobrar medidas concretas”, acrescentando que “permanecerão no local até que o Incra apresente um plano de trabalho contra o despejo do assentamento Milton Santos e de outras áreas ameaçadas pelo Poder Judiciário”, apesar disso o site do MST, ao dar a notícia de que saíram da superintendência em direção ao Assentamento Milton Santos, nada indicou sobre as “medidas concretas” nem sobre o “plano de trabalho contra o despejo”. Pior, a reportagem do Movimento alegou que, devido a um “imbróglio jurídico”, a presidente Dilma nada poderia fazer enquanto a Justiça não passasse as terras à família Abdalla. E assim vemos a direção do MST delegar ao Poder Judiciário a solução do problema. Com efeito, Delwek Mateus, membro da direção estadual do MST, declarou no site do Movimento: “Esperamos que o Poder Judiciário encontre uma alternativa para evitar um ‘novo Pinheirinho‘”. E isto apesar de Gilmar Mauro, membro da Direção Nacional do MST, ter afirmado, também no site do Movimento: “Estamos enfrentando essa ofensiva muito grande do Judiciário em relação às áreas de assentamento”. Quais são os interesses que levam a direção do MST, num momento em que seria necessária uma atitude firme e sem equívocos, a fazer declarações tão contraditórias?
Batalhas judiciais, como a que coloca sob ameaça o Assentamento Milton Santos, indicam estar havendo uma ação articulada entre o Poder Judiciário e empresas do agronegócio, que pretende avançar com força sobre assentamentos rurais consolidados proximamente aos centros urbanos. É o que acontece hoje, por exemplo, no Vale do Paraíba, no estado de São Paulo, mas também em regiões de Pernambuco e Minas Gerais. Um eventual revés sofrido pelo pequeno assentamento de Americana poderia dar impulso a uma dura etapa na história recente da luta pela terra no Brasil. Portanto, é indispensável o esforço tanto do MST como dos militantes que se separaram desse Movimento, e ainda dos núcleos de apoio ao assentamento e dos demais movimentos sociais, das fábricas ocupadas e dos sindicatos que despertem agora para a peleja. Mas quando observamos as persistentes ambiguidades do MST, será que a militância do Movimento — não a direção, mas a militância — consegue dimensionar os impactos do possível precedente diante do qual está colocada?
Será que a direção do MST se satisfaz com as promessas de Gilberto Carvalho de que o governo federal irá impor uma solução favorável às famílias assentadas no Milton Santos, considerando que não é necessária uma luta no terreno para que as promessas governamentais passem à prática?
Será que a direção do MST conta que o Incra indenize as famílias assentadas e as coloque em outro lugar, longe dos núcleos de apoio que até agora as têm ajudado na luta? Será que a direção do MST conta que o Incra disperse as famílias, desintegrando assim o possível ressurgimento de um foco de luta pela terra?
Ou será que o Assentamento Milton Santos se tornou incômodo para a direção do MST, porque contém elementos críticos e porque está insistindo em lutar na prática por meios que aparentemente já não são os do Movimento?
Estas questões são incômodas, mas são reais. São estas as questões que preocupam todos aqueles que se interessam em defender o Assentamento Milton Santos. Por isso o Passa Palavra as formula aqui claramente. Talvez não obtenhamos uma resposta. Mas, pelo menos, deixamos as perguntas.
Fotografias de Ana Bel.
Fonte: http://passapalavra.info/
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