Denise Stoklos leva à reflexão em 'Carta ao Pai'
“Teatro é considerado quase a forma embaixadora de um país,
pois mostra como ele é”. A explicação anunciada é de Denise Stoklos, nome
de referência na cena teatral brasileira, durante entrevista à nossa reportagem.
"Mas isso está longe de ser visto aqui, em especial pelos meios que
deveriam ver isso, como o Ministério da Cultura, Secretarias de Cultura, os
governos”, completou Denise.
Em comemoração aos 45 anos de carreira, a paranaense que se
transferiu para São Paulo no final dos anos 70 estreia na noite desta
sexta-feira seu novo espetáculo solo “Carta ao Pai”, baseado na obra homônima
de Franz Kafka. Em cartaz no palco Teatro Anchieta, no Sesc Consolação (R. Dr.
Vila Nova, 245, na Vila Buarque, o público poderá conferir até o dia 29 de
setembro o trabalho da artista reconhecida no mundo pela criação do método
Teatro Essencial, que leva o público à reflexão e destaca a essência do teatro
que pode ser feito de todos os modos, porém não sem a presença de um ator.
Em tom de acerto de contas, mas nunca entregue ao seu
destinatário, a carta de Franz Kafka a seu pai, Herman, um comerciante
austero e tirânico, tornou-se um clássico da literatura universal. Publicada em
1919 e, desde então, exaustivamente examinada por críticos e pesquisadores,
traduz com profundidade singular o universo kafkiano e sua extrema capacidade
de análise e argumentação sobre as relações humanas. “No Teatro Essencial o
ator é o fundamento da cena e sua contingência política é o ponto de
interpretação. Nesta “Carta ao Pai”, não é necessário fantasiar o texto ou
envolvê-lo de aspectos de 1919. A busca é justamente por entregar alguns
fragmentos de forma que a plateia os receba como atualizantes”, destaca.
Segundo a autora, diretora e atriz, que se especializou em
mímica em Londres, em 1979, um momento importante, pois o espetáculo reflete os
tempos atuais do Brasil que acordou e está nas ruas. Acompanhe o bate-papo:
Quando é observado
este dom para o segmento da arte?
Desde muito pequena. Creio que desde quando tenho percepção
de estar viva faço teatro. Como isso? Escrevendo, dirigindo, coreografando,
iluminando, interpretando, sempre para contar alguma coisa que me tocou
emocionalmente e isso sempre percebi. Depois comecei a fazer isso
profissionalmente. Estudei Ciências Sociais, na Universidade Católica e
Jornalismo, na Universidade Federal, áreas que me levaram a ter um approach
muito grande de sociologia dos meus temas e de jornalismo, por fazer uma
comunicação de tudo que estava me tocando.
As formações
acadêmicas também explicam o engajamento político observado em suas montagens?
Comecei profissionalmente em 1968, com 18 anos, quando
cursava o segundo ano de ambos os cursos. Claro, que o momento político da
época me trouxe uma noção de engajamento político e meu trabalho não pode
deixar de ser relacionado e baseado nas questões sócio, políticas e econômicas,
como é feito até hoje. Logo desenvolvi este trabalho do modo que eu desejei,
com o jeito que eu queria fazer, de me mexer no palco, a luz, as músicas. Fiz
algo que depois dei o nome de Teatro Essencial.
Comente um pouco mais
sobre este método.
Depois de muito tempo este Teatro Essencial, após muitas
peças foi reconhecido nos Estados Unidos, e fui convidada para dar aulas por
lá. Na verdade, o conceito do Teatro Essencial é de que o que se passa no palco
não é uma ficção, pois o espectador não assiste como um voyeur (somente olhando
pelo buraco da fechadura), mas neste teatro que eu faço o espectador é que dá o
sentido, ele quem dirá o que está acontecendo. Apresento em diversas camadas
sociais, da mais simples a literal, e cada um lê de acordo com quer ler e pode.
Um modo que chamo de fricção, onde não existe uma historinha. Sempre dou o
exemplo, que para fazer o “Padre Antônio Vieira” eu não coloco a batina, não
faço trejeitos de quando fazia seus sermões, não faço os cenários do Maranhão,
mas sim entro com o palco nu e com uma roupa de exercícios, e como eu mesmo,
como mulher falo o texto. O público ao ver e perceber pelo instrumento da cena
que é o ator e torna o texto atual e atualizante. Ele não assiste de fora, mas
sim participa e autêntica como verdadeiro ou não. Não é de mentira o teatro que
faço, mas sim uma espécie de dever da dona.
Poderia ser definido
como um teatro de simplicidade, mas com a compreensão da mensagem?
Exatamente. Totalmente simples que não tem enfeites que é
feito com a base do teatro. Um teatro sem texto ainda existe, um teatro sem luz
ainda existe, um teatro se cenário ainda existe, um teatro sem som ainda
existe, mas um teatro sem ator não é teatro. O teatro é ator, e o que ele tem
como instrumento, o corpo, a voz e essa parte que vai organizar o corpo a voz,
que é a sua inteligência, sua memória afetiva, suas escolhas ideológicas, sua intuição.
E com isso se faz o teatro, que não é um passatempo, mas sim um ganha tempo,
onde a pessoa vai para refletir sobre a natureza humana.
Na verdade não existe
entretenimento, como é trabalho o teatro atual?
Não é entretenimento. Não tem como entreter-se, pois o
espectador tem que ler o que está acontecendo. Ele tem que dar um sentido para
aquilo que está vendo, pois não tem enfeites, histórias. Tem que se identificar
com aquilo. As pessoas precisam refletir. O teatro se faz necessário. Por
isso que se diz “pão e circo”, pão para o alimento e o circo [teatro] para
reflexão. Inclusive na Grécia Antiga os médicos receitavam pessoas de teatro
para as pessoas melhorarem a compreensão de justiça ou altivez da vida. É algo
sagrado e não entretenimento. Hoje é ruim pois é considerado supérfluo, e
muitos que fazem correm para a televisão, vislumbrando o financeiro.
Muitos especialistas discutem o teatro atual. Você acredita
que muitos dos problemas são reflexos desta perda de essência
Não acho que tenha perdido. Na verdade é que as manchetes
sempre dizem que está morrendo. Mas isso hoje, ontem, o ano passado, sempre foi
dito isso. Isso porque ele não possui produto, pois ele não é defendido por
ninguém. Ele não paga para ninguém o suficiente para ele fazer aqui. Ele produz
reflexão e isso não é produto, não é commodity. Ele vai sobrevivendo porque tem
alguns apoiadores. Por isso temos que festejar quando chegamos aos 45 anos de
profissão e o jovem tem que ver que mesmo diante de muita luta é possível fazer
teatro e nem sempre é necessário se esconder na televisão
E você sempre se
manteve do teatro? Recebeu convites para esse esconderijo chamado televisão?
Sou privilegiada e com essa oportunidade que tive de ter uma
carreira internacional me beneficiou. Também o método construído foi
importante. Tive minha valorização que me abriu muitas chances. Tenho um
apoiador que é o Sesc, uma das mais importantes entidades do País. Não somente
recebi, como fiz minha experiência na televisão. O Abujamra diz que todo ator
tem que fazer uma novela na vida e eu já fiz uma, na TV Bandeirantes. Na
televisão você tem um patrão, você fica preso àquilo e você perde o seu eu.
Felizmente consigo manter minha carreira no teatro.
Algumas pessoas
criticam o público, pois ainda o vê muito distante do teatro. Qual sua
avaliação sobre isso?
Vivemos em um país cheio de contrastes, onde temos falta de
escolas, de hospitais, de transporte. E claro que o teatro se torna uma coisa
supérflua e difícil e nem todos tiveram a oportunidade de estar em uma sala de
teatro. Isso é diferente na Escandinávia, por exemplo, pois lá a vida social é
resolvida.
Você também destaca a juventude, comente sobre o jovem
brasileiro deste imenso Brasil.
Eles são maravilhosos. O bom é que continuam fazendo teatro,
algo de vanguarda. Talvez seja neste tempo de comunicação virtual, a única que
irá permanecer, pois é a oportunidade de gente viva se encontrar com gente
viva.
Nesta sexta-feira, um
dos presentes destes 45 anos de trajetória é a estreia do espetáculo “Carta ao
Pai”, certo? Comente sobre este texto, que traz ao brasileiro um texto
refletido no mundo, com fragmentos de Franz Kafka.
“Carta ao Pai” é um texto muito importante do Kafka, pois
ele inaugurou a literatura e o jornalismo moderno. Este texto serve muito ao
meu teatro, pois fazer o filho aqui para mim, não é aquele que morava na
Tchecoslováquia, que teve um pai severo. O filho é um ser brasileiro que
é maltratado pelo pai, que é o Estado. Aqui o filho fala para o pai, o que ele
fez com ele. Como o espanca moralmente e quanto é difícil para ele ter uma vida
de pé com toda essa repressão e opressão daquele que deveria estar defendendo
este homem brasileiro. Então como eu não faço ficção, aqui a gente assiste nós
todos, o ser brasileiro falando, se manifestando, apontando o que o sistema faz
com a gente. A Carta ao Pai foi uma carta escrita onde ele denunciava tudo
isso, nada de choro, mas sim como muita ação, de renúncia que sua mãe nunca
deixara entregar ao seu pai, que nunca a leu. Mas todo o mundo leu.
O texto pode servir
de reflexão para o atual momento vivenciado pelo Brasil, que decidiu ir às ruas
para lutar pelos direitos sociais?
Com certeza. É completamente aplicado a isso. Estamos
apontando: não suba os vinte centavos no ônibus, não faça isso, pois
impede que consigamos melhorar o Produto Interno Bruto, em virtude deste
desvalidando aplicado por aqueles que estão no comando. Então “Carta ao Pai”
vem muito em um momento apropriado que o Brasil vive.
Fonte: http://www.dci.com.br
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