terça-feira, 13 de outubro de 2020

Memória combativa: A Batalha da Praça da Sé – por A.N.A.

Memória combativa: A Batalha da Praça da Sé

07/10/1934

Na época, o fascismo estava em ascensão/ Sete de outubro, um domingo então/ Em uma praça, milhares de integralistas/ Jurariam fidelidade ao líder fascista/ Em nome da vida e da liberdade/ Armas na mão e cabeças erguidas/ Membros da frente antifascista/ Resolveram que o evento seria impedido/ Fascistas e policiais, começaram a atirar/ Tentando debandar os manifestantes/ Mas veio dos prédios à volta do lugar/ A resposta que os fascistas não estavam a esperar/ Fuzis e espingardas começaram a atirar/ Integralistas a correr por todo lugar/ Sangue nacionalista espalhado pelo chão/ A luta antifascista uma vitória então./

Música & Letra Execradores.  

Na defesa da Vida e da Liberdade

Viche! Na defesa da liberdade muita luta, mas muita luta já rolou e tá rolando nesta guerra social! É com grande esforço que se logra pequenos respiros de liberdade que afinal nem de longe possuem do brilho da LIBERDADE. Rodeados de propriedades, deveres, leis, instituições que cobiçam dominar a sociedade, tiranos de todas as cores, a luta se põe como a vida é, feroz.

Nos vendavais e mudanças de tempo que estamos envoltos dentro da Guerra Social, desenham-se, dentro das infinitas possibilidades, situações duras com horizontes sombrios. As ascensões de movimentos fascistas e reacionários assim são sentidas por todos os seres que mantém um firme apego pelo valor da liberdade, pela beleza da diversidade da vida em suas expressões e sente a constante necessidade em defendê-la.

Os anarquistas e suas experiências têm marcado suas trajetórias com sua firme ação de combate contra toda forma de poder, de autoridade, de dominação. São por sua natureza, provocadores de práticas de auto organização dos rumos da vida assim todo o governo, máfias e instituições que o sustentam, o estado em si, se impõe como tirano e é um inimigo. Nestas trajetórias dentro da constante luta social contra as opressões lá estavam anarquistas e suas iniciativas declarando “Paz entre nós guerra aos senhores”; não lhes parecendo oportuno trocar um senhor por outro, assim, constantemente na busca pela anarquia, as forças anarquistas, além de lutarem contra os opressores de plantão e seus lacaios, se opuseram a todos os grupos que na guerra social lutavam contra o poder pelo poder, mesmo alegando querer transformá-lo radicalmente.

Pequenos e grandes tiranos

E quantos são os que querem dominar? Tantos! Quantos são os que impõe sua verdade? Caramba! Os ricos e seu modo de vida, as religiões, facções políticas (partidos), criminosas, milícias, são destaque neste elenco junto aos falsos críticos do sistema. Os anarquistas posicionam-se contra todos tiranos e seus bajuladores.

Assim Bolsonaro como Lula são tiranos, distintos, mas tiranos! Plínio Salgado como Luís Carlos Prestes[1] foram durante suas vidas pequenos tiranos, que sonharam em “ser um grande tirano”, foram distintos, mas pequenos tiranos!

Nos anos 30 surgiu no Brasil um movimento fascista organizado transformando-se em um partido, a Ação Integralista Brasileira (AIB), nacionalistas com uma doutrina própria, o Integralismo, que foi a encarnação de valores de dominação e submissão que toma distintas faces ao longo dos tempos. Com seu explícito valor autoritário onde se declaram saberem o que é bom para a vida de todos esforçam-se em se impor como “o” caminho para a vida coletiva com seus valores de deus pátria família. Um pesadelo para diversidade humana. Como não poderia ser diferente movimentos que são compostos por gente que não pensa e se articula por sua própria cabeça, guiados por ordens, necessitam de um líder. Elemento fundamental das expressões do fascismo o culto a uma personalidade[2] como a Mussoline, Salazar ou Franco, os integralistas cultuavam uma, Plínio Salgado, fundador da doutrina e do partido.

A AIB se espalhou rapidamente por todo Brasil formando grandes agrupamentos integralistas organizados de forma hierárquica e paramilitar. Promoviam desfiles nas ruas com estandartes com a letra grega do sigma, todos uniformizados com uma fantasia verde de estilo militar. Nas regiões de colonização italiana e alemã ao sul do Brasil tiveram forte penetração.  Nas páginas de jornais inimigos do fascismo os integralistas se tratavam de “bandos de assassinos pastoreados por Plínio Salgado”, “gente fantasiada de verde”.

Por estas épocas, década de 30, o estancieiro de São Borja Getúlio Vargas havia tomado o poder do governo federal canalizando o fervor de intensas e reprimidas tensões por transformações sociais bradadas nos anos 20. Tornando-se assim chefe de um governo provisório que se espichou por quatro anos através da política (trapaças e manobras), da guerra[3], da repressão[4], da institucionalização dos sindicatos perseguindo quem animava as organizações autônomas dos trabalhadores. Peça importante de seu sucesso foi a criação do ministério do trabalho com o discurso da conciliação de classes para o bem do Brasil, foi esta a tese fundamental do trabalhismo, o qual se manifesta na política parlamentar até hoje pelo engodo aplicado pelo PTB, PDT, Avante, Podemos, PRTB[5] , PTC, Solidariedade.

Getúlio Vargas simpático aos movimentos fascistas no mundo e no Brasil manteve seu próprio estilo autoritário e populista, sendo proclamado como o “pai dos pobres”. Antes de lançar o Brasil na segunda guerra mundial contra as forças nazi-fascistas manteve aproximação com Mussolini, Hitler, e até 1937 com Plínio Salgado, ilegalizando totalmente os seguidores de Plínio com a frustrada tentativa integralista de ataque ao palácio presidencial.

Porém em 1934 a interação entre as forças integralistas e o governo de Getúlio Vargas era explícita deixando toda a extensa órbita de antifascistas em alerta. Com a aprovação do uso de seus uniformes pelo Ministério da Guerra os integralistas passam a realizar grandes desfiles nas ruas de cidades como Rio de Janeiro, Niterói, Salvador, Recife, Belo Horizonte. Getúlio acariciava os integralistas talvez os quisessem como tropa de choque contra a população papel o qual não tiveram força para assumir.

Pelo mundo a crise da burguesia capitalista internacional em 1929 reverberava sua ressaca sobre os povos da Terra. Na Rússia uma revolução social ocorrida em 1917 transforma-se em ditadura de um partido com filiais por toda terra (PC’s). Muitos países viviam a ascensão de movimentos pró-fascistas. É quando as perspectivas da vida social se deterioram de forma acentuada que parte da manada humana, domesticada pelo chicote da dominação, entende ser hora de apertar ainda mais o reduzido espaço de liberdade, afunilando as liberdades conquistadas a sangue buscando impor regimes severos de maior controle e violação da vida.

Anarquistas

Os anarquistas, duramente perseguidos no fim dos anos 20 com deportações, prisões, anulação de jornais e companheiros mortos na Colônia Penal de Clevelândia do Norte fruto da mão governamental e seus aparatos repressivos frente às revoltas de 1924 em hostilidade contra o governo de Arthur Bernardes, as agitações contra a lei celerada e a lei de imprensa que fechou A Plebe e muitos outros jornais em 1927, e ainda os massivos protestos pela libertação de Sacco e Vanzetti Os anarquistas buscavam articular-se diante dos novos horizontes da realidade do dia-a-dia.

É importante recordar também a destemida campanha antifascista desenvolvida pela anarquista Maria Lacerda de Moura desde o fim dos anos 20 provocando com seus artigos nos jornais uma repulsa contra o fascismo tão grande que a sede do jornal fascista de São Paulo Il Piccolo fosse apedrejada, destruída e incendiada por uma multidão enfurecida com sua propaganda de louvação ao fascismo. Maria Lacerda de Moura não descansa, dá conferências ao longo dos anos no Rio de Janeiro, Santos, Campinas, Sorocaba, Buenos Aires, escreve artigos em jornais e inúmeros livros de combate ao fascismo.

Em São Paulo retoma-se a publicação do jornal A Plebe, em 1932, tornando-se como antes em expressiva voz anarquista impressa em jornal. É especialmente pelas folhas de A Plebe[6] que percebemos a vida ativa dos anarquistas e suas iniciativas. É também em São Paulo em 1933 que anarquistas abrem o Centro de Cultura Social (CCS) com intuito de ter um espaço coletivo de portas abertas, ponto de encontro, local de conferências e apresentações teatrais. Destacando-se como reduto anarquista, antifascista, hostil aos camisas verdes e demais uniformizados.

Muitas e concorridas foram as apresentações teatrais e conferências sobre variados temas ocorridas no CCS e foi após atividades destas quando quem concorria nelas e saia as ruas em grupos que se desenrolavam enfrentamentos com fascistas e policiais. Num enfrentamento destes, após uma conferência antifascista o anarquista Agostino Farina foi ferido a bala na perna em uma situação cheia de versões que parece ter sido uma emboscada da polícia e dos integralistas, sendo preso junto a mais uma dezena de companheiros pelas forças da ordem. Farina no momento portava uma garrucha, farta munição e um punhal.

Outro reduto anarquista foi a Federação Operária de São Paulo (FOSP) composta por sindicatos que se mantinham firme em sua posição autônoma, pela ação direta, desatrelada a partidos políticos e a luta parlamentar mantendo-se em pé de guerra contra as forças que visavam dominar e orientar o rumo do movimento organizativo dos trabalhadores. Destacava-se seu rechaço ao Ministério do Trabalho, negavam-se ao uso da carteira de trabalho declarando ser ela uma forma de controle sobre quem trabalha.

São os anarquistas próximos destas iniciativas que animam e protagonizam os acontecimentos da Batalha da Praça da Sé, muitos anonimamente, outros recordados nas memórias, nas páginas de jornais ou autos policiais que o tempo deixou escritas. E lá estavam: João Perez, Natalino Rodrigues, Pedro Catalo, Manoel Marques Bastos, Simon Radowitsky, Edgar Leuenroth, Antonio Martinez, Rodolfo Felipe, Gusmão Soler, Herminio Marcos Hernandez e tantos mas tantos anônimos.

Os anarquistas são antifascistas na mesma medida que são contra toda e qualquer forma de governo e exploração, como a democracia combinada a ditadura do capital ou uma ditadura de um partido como o fez o partido comunista e governos nazi-fascistas em algumas partes do mundo, monarquias e toda forma de subjugação da vida. Assim como os anarquistas vão se unir com os pretensos senhores para lutar contra outros pretensos senhores que desfilaram na praça. Só a luta decide.

Um mês antes da Batalha da Praça da Sé, Plínio Salgado parte em excursão pras bandas do sul, passando pelo Paraná, Santa Catarina e em Porto Alegre no dia 11 de setembro realiza “estrondoso” comício no Cinema Navegantes.  Os anarquistas se fizeram presentes e “lançaram bombas de parede”, “inofensivas e barulhentas”,  “corre-corre  e apagar luzes”, quando acenderam as luzes após as explosões Plínio Salgado estava escondido de baixo da mesa da presidência da conferência[7].

A Batalha da Praça da Sé

Os integralistas chamaram para um grande desfile de juramento e fidelidade ao seu líder comemorando dois anos de seu movimento. Já haviam feito um chamado semelhante mas cancelaram pois viram que os que desprezam seus valores totalitários estavam a postos e haviam marcado um ato para o mesmo local e hora. Porém desta vez no dia 7 de outubro de 1934 não cancelaram seu desfile mesmo com a demonstração imediata de firme oposição. Foram varridos a bala, fugiram descamisados da praça pública.

O dia 7 de outubro contou com um enxame de gente antifascista de todas as tendências. A marcha dos integralistas era um grande insulto e também uma provocação, uma ameaça a todos que tem um mínimo apego pela liberdade. Os aferrados em organizações, muito antes desta batalha, trataram de formar uma frente única contra o fascismo. A sugestão da frente única surgiu por parte daqueles que almejam dirigir as “massas” se sentem iluminados e a frente intelectualmente dos outros, são a vanguarda . Os anarquistas não aderiram às formalizações da frente única, somente no campo de batalha no alvo de seu rechaço. Na memória de um comunista que lá estava foi no campo de batalha, na Praça da Sé, que os anarquistas na luta se cobriram de glória, se batiam como leões.

Manuel Marques Bastos, anarquista então veterano, declara em 1969 em entrevista a Edgar Rodrigues: “Fazia parte de nosso plano atacar a parada com um bonde dinamitado que seria empurrado na direção das tropas integralistas quando em sua marcha atingissem um determinado ponto, destroçando assim os 10 mil homens e pondo-os para correr.” Declara ainda que caguetes do PCB informaram a polícia sobre as intenções dos anarquistas .

Antonio Martinez, anarquista, esteve lá, e compartilhou suas memórias com jovens anarquistas relatando belas passagens deste confronto. Estas memórias nos dizem que a polícia armou metralhadoras em tripé entrincheiradas, foi então que o anarquista João Perez e Simon Radowitsky num momento de descuido pularam pra cima das forças da ordem tomaram uma metralhadora e começaram a disparar, foi o início do confronto, que durou horas de tiroteio. Os integralistas fugiram em debandada vergonhosa, eram aproximadamente 10 mil seguidores de Plínio Salgado, fantasiados de verde, abandonando suas camisas, deixando bandeiras ao chão, a marcha fascista e o juramento de fidelidade ao seu líder não aconteceram.

Muitos foram os feridos, três policiais reconhecidos perseguidores de “extremistas” foram mortos durante o confronto, também o estudante de direito antifascista Décio Pinto de Oliveira e três integralistas[11]. Os jornais se ocuparam por dias de “noticiar” os acontecimentos. Não havia como esconder, os fascistas foram expulsos da rua.

Segundo o informe reservado do DOPS do infiltrado Guarany no ambiente anarquista: “Agora fala-se muito nas proezas de Natalino Rodrigues no dia 7. Este elemento é tido como um dos principais envolvidos nas lutuosas ocorrências”[12].

Ainda no dia 7 de outubro após a Batalha da Praça da Sé a sede da FOSP é invadida pela polícia política. Lá os agentes da ordem relatam terem encontrado um revólver em cima de um armário. Prendem reconhecidos animadores da FOSP dentre eles, o “anarquista destemido” João Perez[13] e Natalino Rodrigues[14], acusando este de ter matado a tiros durante os confrontos na Praça da Sé dois agentes da ordem. A FOSP, o CCS, A Plebe protestam contra as prisões. Não muito tempo depois vários anarquistas de outras nacionalidades são expulsos do Brasil sumariamente pela recém nascida Lei de Segurança Nacional. Rodolfo Felipe principal responsável por A Plebe é preso. Walfrido Guimarães[15] é delatado para o DOPS por participar de atividades anarquistas e de atirar da janela de seu escritório contra integralistas em marcha na rua.

Logo do confronto nas páginas de seu jornal A Offensiva Plínio Salgado chora: “Fomos agora atacados, dentro de São Paulo, por uma horda de assassinos, manobrados por intelectuais covardes e judeus. Lituanos, polacos, russos, todos semitas, estão contra nós”.

Três anos após a batalha da Praça da Sé em uma eleição que por fim não ocorreu o líder integralista ao lançar sua candidatura a presidência durante um comício é varejado a bala na sacada do prédio onde discursa no centro de São Paulo e se escapa por pouco. Lá estavam os anarquistas!

Armando Guerra

Crônica Subversiva n° 4, Outono – Inverno 2019

Notas:

[1] Liderança do partido comunista brasileiro por aproximadamente 50 anos.

[2] O culto a uma personalidade mais que a uma idéia ou princípio fica evidente em expressões como Marxismo, Leninismo, Trotskismo, Stalinismo.

[3] Guerra Constitucionalista de 1932, financiada pelas elites paulistas buscando garantias constitucionais do futuro dos rumos da vida política. As forças de Getúlio Vargas vencem e a nova constituição é escrita.

[4] Com o Presídio do Paraíso, o Presídio Maria Zélia, ambos em SP, a Colônia Penal de Dois Rios em Ilha Grande RJ, ainda a penitenciária chamada Casa de Correção junto ao Gasômetro em Porto Alegre e tantos outros tristes locais de suplício. Vale recordar que data desta época o inicio do uso de gás lacrimogêneo contra quem protesta nas rua.

[5] Partido do vice presidente Mourão.

[6] São também destes anos os jornais anarquistas O Rebelde Órgão do Comitê de Relações dos Grupos Anarquistas de São Paulo, A Lanterna expressão anticlerical difundido largamente por todo Brasil, O Trabalhador, O Trabalhador da Light, O Trabalho, jornais de agitação operária com princípios anarquistas, Alba Rosa, Guerra Social ambos em italiano.

[7] Edgar Rodrigues, O Anarquismo no Banco dos Réus. Rio de Janeiro, VJR 1993. Pág. 144

[8] Fúlvio Abramo. A Revoada dos Galinhas Verdes. São Paulo, Veneta, 2014.

[9] Eduardo Maffei. A Batalha da Praça da Sé. Rio de Janeiro, Philobiblion, 1984.

[10] Edgar Rodrigues. O Anarquismo no Banco dos Réus. Rio de Janeiro, VJR, 1993. Pág.146

[11] Nildo Avelino. Anarquistas Ética e Antologia de Existências. Rio de Janeiro, Achiamé, 2004. Pág.79

[12] Marcos Tarcísio Florindo. O Serviço reservado da Delegacia de Ordem Política e Social de São Paulo na era Vargas. São Paulo, UNESP, 2006. Pág. 56

[13] Edgar Rodrigues. Os Companheiros 3. Florianópolis, Insular, 1997. Pág 23

[14] Raquel de Azevedo. A Resistência Anarquista (1927-1937). São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2002. Pág. 268 e também Lúcia Silva Parra Combates pela Liberdade O movimento anarquista sob a vigilância do DEOPS-SP (1924-1945). São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2003. Pág 133. Relatório 19 outubro de 1934 Pront.716 FOSP vol3 DEOPS/SP, DAESP.

[15] Silva Parra. Combates pela Liberdade O movimento anarquista sob a vigilância do DEOPS-SP (1924-1945). São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2003. Pág 182

agência de notícias anarquistas-ana

nenhum pio
depois do trovão
apenas uma fragrância

Alonso Alvarez

Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/10/01/memoria-combativa-a-batalha-da-praca-da-se/

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