sexta-feira, 13 de julho de 2012

“Periferia Nada” - Por Passa Palavra

“Periferia Nada”

«Este ato não devia ser aqui no centro, falando para ninguém; ele devia ser onde o povo da periferia está sendo assassinado». Por Passa Palavra
Cheguei ao ato Periferia não quer mais mortes, convocado para às 17h no vão livre do MASP [Museu de Arte de São Paulo], sem saber muito bem os objetivos do mesmo. Dada a conjuntura em São Paulo, com uma nova onda de assassinatos cometidos pelas forças policiais e a grande diversidade de grupos que convocavam o ato, achei que poderia ser um espaço interessante de mobilização.

Às 17h10 em frente ao MASP não encontrei a manifestação. Caminhando até o fundo do vão livre comecei a reconhecer algumas pessoas e a ouvir uma batida familiar ao surdo [tipo de tambor]. Cerca de 30 pessoas estavam em pequenas rodas de conversa enquanto algumas pintavam faixas contra o genocídio da juventude negra. Conversava com um amigo, que carregava um surdo, sobre a falta da pontualidade na esquerda e o número de entidades que tinham chamado o ato; ele dizia que não poderia ficar muito tempo e me perguntava se sairíamos logo à rua.

Mudando de roda de conversa encontrei outro amigo com o qual conversava sobre o tamanho da manifestação e a nossa saída para Avenida Paulista; especulávamos sobre o número de faixas com que poderíamos fechar a Avenida. Outra participante da roda de conversa nos dizia que 10 mil professores não fecharam as 4 faixas da Avenida, ao que ponderávamos que dependia da vontade das pessoas envolvidas; ele falava em 3 faixas, eu, mais modesto, falava em apenas uma. Mas para onde iríamos? Isto nenhuma das pessoas da roda saberia dizer.

Uns tantos cumprimentos depois, outro conhecido perguntava para toda a manifestação se alguém estava de carro, pois era necessário gasolina para o gerador que garantiria o som do ato. Enquanto isto algumas figuras públicas eram entrevistadas pela Televisão dos Trabalhadores, uma das poucas mídias no local.

Convocaram-nos para caminhar até a parte da frente do vão livre, onde foi montada uma pequena estrutura com caixas de som e microfones. Encontrei neste momento outra amiga de longa data, que também não sabia ao certo os objetivos do ato, mas estava como eu interessada no assunto.

Começaram então as falas no microfone e a batida descompassada do surdo cessou. Postavamo-nos em uma formação semi-esférica em volta do microfone, divididos em pequenas rodas de conversa informal. Algumas pessoas tentavam distribuir panfletos para os transeuntes apressados da Avenida Paulista, enquanto os discursos seguiam.

Um rapaz de militância ecológica declarava:

“Sou uma pessoa instruída, sempre vivi na região da Paulista e ainda assim fui agredido e discriminado pela Polícia Militar em Florianópolis, imagina as pessoas que não têm a mesma instrução que eu.”

Um militante da setorial negra de um sindicato socialista afirmava:
“Os negros foram escravizados e maltratados mas se organizaram e protagonizaram grandes rebeliões como os quilombos. A Revolta da Chibata liderada pelo grande Almirante negro João Cândido e o batalhão negro da Revolução Constitucionalista de 1932 que se opunha à ditadura em favor da liberdade e da constituição, todos estes foram reprimidos pelos brancos.”

Um antigo conhecido denunciava:
“É necessário se contrapor aos que estão do outro lado da rua, porque é esta polícia que mata e descrimina a juventude negra. E não apenas no Brasil; é a mesma polícia que matou Trayvon Martin nos EUA, e eu não vejo nenhum destes policiais sendo preso e julgado; por isto é central lutarmos pela punição destes policiais.”

Neste momento a direção do ato solicitou que as faixas fossem retiradas da frente do ato para o meio da roda sem explicar muito bem o porquê de tal mudança. Conversava em paralelo com um torcedor da Portuguesa [time de futebol] que falava sobre o aumento da violência policial nos estádios, seu aumento absurdo neste ano, do rapaz que perdeu um olho na final da Libertadores [campeonato de futebol interclubes da América], da repressão na Rua Turiassu na comemoração da Copa do Brasil, e de como as torcidas estavam desarticuladas quanto a isto. Também falávamos que nenhum portal de notícias tinha comentado tais agressões. Procedida a troca de local das faixas voltaram as falações.

Um voluntário da Educafro informava:

“A companheira Zulmira foi morta por um ato de discriminação aos africanos na região central do Brás, é um crime de intolerância. Disseram-me que hoje seria preso o assassino de Zulmira.”
Uma jovem do DCE [associação de estudantes] da maior universidade do país afirmava:

“Quando estamos lutando pelos 10% do PIB pela educação também estamos pautando a questão do racismo”

Começava então o Sarau. Em minha roda de conversa começou uma breve discussão sobre um sarau naquele momento com aquelas pessoas, grande parte delas próximas ao coletivo socialista de que um dirigente no Tribunal Popular é candidato a vereador.
O primeiro representante de um sarau nos brindou com uma paródia do parnasiano hino nacional brasileiro, foi seguido por uma breve poesia do Binho e pela fala de um camarada do Coletivo Perifatividade:

“Nós da periferia sabemos que um ato destes não deve servir para tirar fotos de partidos, não deve ser motivado pelo ano eleitoral e pela denúncia que ajuda um ou outro partido, porque não é isto que vai mudar a realidade da periferia. Este ato não devia ser aqui no centro, falando para ninguém; ele devia ser em Poá, no Capão, na divisa com Diadema, no fundão do Ipiranga, em Santana, em Guaianazes, onde o povo da periferia está sendo assassinado, para conversar com estas pessoas que estão sofrendo na pele.” Após a fala declamou uma poesia.

Neste momento um dos organizadores da juventude se levanta e afirma:

“Este é um ato para colocar em contato os diferentes grupos e pessoas e a partir daí fazer os atos na quebradas. No Capão, em Poá, lá onde moro – porque também sou da periferia-, na Cohab 2 em Itaquera.”

Terminado o ato e esclarecido qual era seu objetivo, voltei para casa satisfeito.

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