Venezuela é aqui!, não se tenha dúvida.
No STF (Supremo Tribunal Federal), um Ministro acusa o
Procurador Geral da República (PGR). Nas PGR, o pedido ao Supremo para que o
Ministro se considere suspeito de analisar as contas do réu presidente da
República, com quem ele se encontra à noite para planejar jogadas jurídicas. Em
São Paulo, o procurador de Curitiba pavimenta sua futura carreira de advogado
especializado em complience, desancando sua chefe, a Procuradora Geral, pelo
fato de ter aceitado o convite do presidente para uma reunião noturna no
Palácio do Jaburu.
Na baixada, a Policia Militar, responsável por centenas de
assassinatos em maio de 2006, invade reuniões de conselhos de direitos humanos
no campus da Universidade Federal para bradar contra o termo direitos humanos.
No salão de festas do lupanar, o Ministro maneirista vale-se
da visibilidade proporcionada pelo Supremo e pela radicalização da mídia para
se lançar como palestrante de obviedades e de senso comum. Mais ao sul, o
presidente de Tribunal enaltece a sentença absurda do juiz, mesmo admitindo não
ter analisado o mérito. Enquanto o procurador vingador enche seu cofre com
palestras em que fatura o que a corporação lhe proporcionou. E nada ocorrerá
com eles porque os conselhos de fiscalização restam inertes, emasculados ou
cúmplices do grande bacanal.
Enquanto isto, nas redes sociais, a música do maior lírico
brasileiro é espancada por feministas exaltadas, porque ousou retratar o homem
brasileiro convencional. E tribos selvagens lançam ataques recíprocos contra
seus líderes, seus atletas e cantores. E ganham visibilidade os que conseguem
exercitar melhor o ódio.
E me lembrei de Caetano Velloso sendo vaiado no Festival
Internacional da Canção por uma turba sanguinária e supostamente libertária, os
jovens que enfrentavam a PM nas ruas e proibiam músicas “alienadas” nos palcos,
que eram proibidas de se manifestar nas universidades, e reagiam exercitando a
proibição contra os não alinhados.
A cada dia perpetra-se um estupro contra a Constituição,
contra a civilização, contra os direitos sociais e individuais e até contra
aspectos mais prosaicos de manifestação, o pudor público. Perdeu-se não apenas
o respeito às leis como o próprio pudor e, com ele, o respeito mínimo pelo
país.
Até onde irá essa selvageria? Quando começou essa ópera
dantesca? Foram anos e anos de exercício diuturno do ódio por parte de uma
imprensa tipicamente venezuelana.
Mas, por mais que passem os anos, jamais se apagarão da
minha memória duas cenas catárticas: os aviões trombando com as torres gêmeas
de Nova York, em 2001, e a divulgação de conversas privadas de uma presidente e
um ex-presidente da República pela Rede Globo e, depois, as conversas
familiares dele e sua esposa. Levei um tempo para acreditar no que estava
vendo e ouvindo. Por mais que o país houvesse se rebaixado, por mais abjeta que
tivesse se convertido a mídia brasileira, por mais parcial que fosse, nada
explicava aquela infâmia, produzida por um juiz infame, em uma rede de
televisão infame, ante o silêncio amedrontado do Supremo e do país.
Foi ali, no episódio mais indigno da moderna história
brasileira, que a selvageria abriu as correntes nos dentes, escancarou as
portas das jaulas e invadiu definitivamente o país.
Depois daquilo, tudo se tornou natural, conduções
coercitivas, torturas morais até obter confissões sem provas, oportunismo de
procuradores, juiz e Ministros do Supremo enveredando pelo mercado das
celebridades e das palestras pagas, a aceitação tácita de todos os abusos.
É uma mancha que perdurará por anos e anos, porque o Brasil
é um país selvagem, dotado de convicções frágeis, de homens públicos débeis, de
instituições que não são respeitadas por seus próprios integrantes.
Mas, em um ponto qualquer do futuro, a democracia estará de
volta e, com ela, os direitos fundamentais. E, com ela, uma justiça de
transição que supere o medo.
Nesse dia, não haverá como não fugir do acerto de contas,
com a punição mais severa ao ato mais infame produzido por esse casamento
espúrio de mídia e justiça.
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