O Golpe de 2016 expulsou a representação popular do circuito legal do poder executivo. A violência continua, exonerando técnicos de governo por suspeitada simpatia pelas teses econômicas e sociais progressistas. Evitar a qualquer custo o retorno legítimo de representantes populares ao Executivo resume a cláusula pétrea do breviário golpista. Atenção para o “evitar a qualquer custo”. Não se trata de recurso estilístico de mau gosto: indica o compromisso prioritário dos reacionários com a manutenção da liderança golpeada no ostracismo. Antes ou depois da vitória eleitoral da oposição popular.
A coalizão reacionária não tem programa a oferecer.
Desastrosos resultados de iniciativas delirantemente privatistas e
antinacionais esgotaram a mínima reserva de expectativas, até daquela parte da
população brasileira solidária com a truculência primitiva. Prometer o quê?
Privatizar a Caixa Econômica e o Banco do Brasil? Fechar a Embrapa, o Ita, a
Embraer? Alugar o BNDES ao sistema financeiro? Ceder a base de lançamento de
foguetes de Alcântara aos Estados Unidos? Reafirmar a crença de que o mercado
resolverá, em algum momento inespecífico do futuro, os problemas de emprego,
renda, miséria e desigualdade? A derrota é inevitável.
O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva é indestrutível.
Ele ascendeu àquela região em que a pessoa física continua vulnerável, mas o
poder mobilizador permanece inalterado. A direita e a esquerda de nariz torcido
evitam reconhecer que a indestrutibilidade de Lula não é propaganda partidária,
mas fenômeno sociológico. Terá parentesco com crenças religiosas, sim, porém
com fundamento empírico inegável. Por isso, a menos da descoberta de contas
abrigando, no mínimo, um Pedro Barusco, as trampolinagens jurídicas que
apresentam um apartamento em Guarujá e sítio em Atibaia como prova de corrupção
resvalam para o vazio da fúria impotente. Sabe a maioria da população que, na
bichada cultura cívica brasileira, a corrupção está “precificada”, como lá
dizem os corruptos. Doações inferiores ao valor de venda de um apartamento,
arbitrado pela família de Aécio Neves junto aos potentados da JBS, somado ao
empréstimo obtido dos mesmos irmãos açougueiros, e às propinas que surgirão das
obras da cidade administrativa de Minas Gerais e de Furnas, aquém desse montante,
avaliam os empreiteiros, os burocratas e os políticos, não se trata de
corrupção, é troco. E nem isso os ferozes curitibanos comprovaram.
O manual cotidiano entregue à população brasileira tem sido
esse: profissionais liberais que sonegam o imposto de renda e chantageiam os
clientes com preços diferenciados, com e sem recibo; ainda quantidade
assustadora dos restaurantes, papelarias, lojas de roupas, farmácias, padarias,
supermercados não dão nota fiscal e ninguém reclama; os jogos de azar (jogo do
bicho, corridas de todo tipo de animal, bingos, cassinos) são de conhecimento
geral e, à exceção dos cassinos, operando às claras. O consagrado intermediário
nas negociações ilegais entre a população e o varejo dos serviços públicos é o
famoso “despachante”. Há estratificação de credibilidade e renda entre eles,
estabelecidas pelo mercado, em função da celeridade dos resultados e economia
no valor do suborno vencedor. A população foi ensinada a ser cínica, cultivar
elevadíssimo limiar de indignação diante de absurdos e a incorporá-los aos
cálculos de sobrevivência. Reagir individualmente é arriscar-se à antipatia
social.
A caravana iniciada por Lula, agora em agosto de 2017, será
irresistível. É razoável esperar que os radicais direitistas inaugurem a
violência física. O pavor dos reacionários os levará à criação de problemas a
granel e a intensifica-los de tal modo que a urgência de soluções tenderá a
romper os prazos com que a democracia opera. É o que esperam para que a
cláusula golpista mantenha-se pétrea: o voto popular deixará de ser o único
recurso para chegar ao poder. Sinto o fedor da força bruta.
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