terça-feira, 7 de agosto de 2018

OS EUA devem melhorar as relações com a Rússia e desafiar a expansão da NATO - Por Democracy Now, EUA

OS EUA devem melhorar as relações com a Rússia e desafiar a expansão da NATO.
Nesta entrevista dada à Democracy Now, Noam Chomsky reflete sobre um encontro realizado em Helsínquia entre Putin e Trump, as alterações climáticas e a nova lei "estado-nação judaico" de Israel
O presidente russo, Vladimir Putin, convidou o presidente Trump para Moscovo poucos dias depois de a Casa Branca ter adiado uma reunião planeada entre os dois líderes em Washington antes das eleições a meio do mandato. O convite para Moscovo foi feito depois da reunião entre Trump e Putin em Helsínquia, Finlândia, no início deste mês. Para saber mais sobre as relações entre os EUA e a Rússia, falámos com o renomado dissidente político, autor e linguista Noam Chomsky. É professor laureado do Departamento de Linguística da Universidade do Arizona e professor emérito do Massachusetts Institute of Technology, onde lecionou por mais de 50 anos. Os seus livros mais recentes incluem “Global Discontents: Conversations on the Rising Threats to Democracy” e “Requiem for the American Dream: the Ten Principles of Concentration of Wealth and Power”. Juntou-se a nós de Tucson, Arizona, na semana passada. Perguntei-lhe sobre a recente cimeira Trump-Putin em Helsínquia e falei-lhe da cobertura dos media nos EUA:
ANDERSON COOPER: Temos assistido a uma das performances mais vergonhosas que certamente já vi de um presidente americano numa cimeira com um líder russo.
GEORGE STEPHANOPOULOS: Todos os que estão a assistir poderão contar aos amigos, familiares, filhos, que viram um momento histórico. E pode não ser pelas razões certas.
NORAH O’DONNELL: Este encontro de Helsínquia fica para os livros de história. A recusa do presidente Trump em desafiar o homem forte russo foi condenada de forma generalizada pelos membros do seu próprio partido e da administração. A cimeira que poderia ter sido sobre a condenação dos EUA à Rússia terminou com o presidente Putin a presentear o presidente Trump com uma bola de futebol da Copa do Mundo e Trump a entregar a Putin a sua absolvição.
AMY GOODMAN: Estes foram os comentários de Norah O'Donnell, da CBS, George Stephanopoulos, da ABC News, e Anderson Cooper, da CNN, depois da conferência de imprensa a 16 de julho com Trump e Putin. Perguntei a Noam Chomsky a sua opinião sobre a cimeira de Helsínquia.
NOAM CHOMSKY: Trump tem basicamente um princípio: eu primeiro. Essa é a política dele em quase tudo, e afirmações extravagantes e assim por diante são perfeitamente explicáveis – no pressuposto de que isso é o que o impulsiona. Agora, é crucial, para ele, garantir que a investigação de Mueller seja desacreditada. O que quer que surja, se o implica de alguma forma, o funcionamento dos media e da cultura política, que será considerada de enorme importância, muito mais significativa do que as suas políticas do ambiente que podem destruir a civilização humana. Mas, dadas as circunstâncias altamente distorcidas, ele precisa de garantir que a investigação de Mueller é desacreditada. E essa foi a parte central do seu encontro com Trump. Deixando de lado a maneira como ele se comportava - a bola de futebol, que aparentemente tinha um dispositivo de escuta embutido e assim por diante - sim, isso foi estranho e desagradável e assim por diante.
AMY GOODMAN: Bem, na verdade, aquele mundo - aquela bola de futebol, aquela bola em particular tem aquele pequeno dispositivo, e é assim que é vendida. Era uma bola de futebol da Copa do Mundo, e é isso que é - essa é uma das coisas que as pessoas gostam, poder colocar o iPhone ao lado e obter informações.
NOAM CHOMSKY: Sim, bem, Putin estava a tratar Trump, mais ou menos, com desprezo, seja o que for que pensemos sobre isso. No entanto, a sua principal preocupação era bastante óbvia, e essa foi a questão central dos encontros Putin-Trump. E assim simplesmente não vejo grande significado na sua atuação de uma maneira tola e infantil numa entrevista. Ok, foi assim. Agora vamos para as questões importantes que não estão a ser discutidas. A questão de melhorar as relações com a Rússia é de extrema importância em comparação com as declarações ao dizer: “Bem, não sei se devo confiar nos meus próprios serviços de inteligência”. Disse isso por razões óbvias: desacreditar a investigação sobre Mueller e garantir que a sua base política fervorosamente leal se mantém solidária. Essa não é uma política atraente, mas podemos entender muito facilmente o que ele está a fazer.
AMY GOODMAN: Esses serviços de inteligência… - o ex-diretor da CIA, John Brennan, twittou: “O desempenho de Donald Trump na conferência de imprensa em Helsínquia ultrapassa e excede o limite de 'altos crimes e delitos'. Não foi nada menos do que traição. Não só os comentários de Trump foram imbecis como ele está totalmente no bolso de Putin. Patriotas Republicanos: Onde estão??? Novamente, o tweet do ex-diretor da CIA John Brennan. Noam?
NOAM CHOMSKY: Bem, os seus comentários foram certamente incorretos. O que quer que se pense do comportamento de Trump, não tem nada a ver com altos crimes e delitos ou traição. Isso não é verdade. Mas, novamente, o mesmo ponto que tenho tentado dizer ao longo do tempo, estamos concentrados em questões de menor importância e a deixar de lado problemas de enorme importância e significado, seja pensar como lidar com a imigração ou se estamos a lidar com a questão da sobrevivência da vida humana organizada na Terra. Esses são os tópicos em que deveríamos pensar; não se Trump se comportou mal numa conferência de imprensa.
AMY GOODMAN: Noam Chomsky, queria perguntar-lhe sobre a NATO. O Presidente Trump questionou uma disposição fundamental da aliança militar da NATO: a defesa mútua dos países membros da NATO. Ele fez essa observação durante uma entrevista com o apresentador da Fox News, Tucker Carlson, há apenas uma semana:
TUCKER CARLSON: Porque é que o meu filho deve ir para Montenegro para defendê-lo de ataques? Porquê?
PRESIDENTE DONALD TRUMP: Eu percebo o que você diz. Eu fiz a mesma pergunta. Sabe, Montenegro é um pequeno país com pessoas muito fortes.
TUCKER CARLSON: Sim, eu não sou contra o Montenegro.
PRESIDENTE DONALD TRUMP: Certo.
TUCKER CARLSON: Ou a Albânia.
PRESIDENTE DONALD TRUMP: Não, a propósito, eles são pessoas muito fortes. Eles têm pessoas muito agressivas. Podem ficar agressivos e, parabéns, você está na Terceira Guerra Mundial.
AMY GOODMAN: O Presidente Trump tem questionando toda a ideia da NATO. Bem, pode abordar especificamente isso? Interessante ele escolher o Montenegro, onde, bem, muitos meses atrás, quando ele estava com o G7 e o G8, afastou o primeiro-ministro de Montenegro. O ponto importante é que gostava de saber se pensa que a NATO deve existir.
NOAM CHOMSKY: Essa é a questão crucial; não se Trump fez um comentário feio e humilhante sobre um pequeno país. Mas para que serve a NATO? Desde o início, desde as suas origens, tínhamos metido nas nossas cabeças que o objetivo da NATO era defender-nos das hordas russas. Podemos deixar de lado, no momento, a questão de saber se isso era exato. Em todo o caso, esse foi o tema dominante, na verdade, o tema único. Ok, desde 1991, não há mais hordas russas. Então, a questão é: Porquê a NATO?
Bem, o que aconteceu foi muito interessante. Houve negociações entre George Bush, pai, James Baker, secretário de estado, Mikhail Gorbachev, Genscher e Kohl, alemães, sobre como lidar com a questão - isso foi depois da queda do Muro de Berlim e do início do colapso da União Soviética. Gorbachev fez uma concessão surpreendente. Surpreendente. Ele concordou em permitir que a Alemanha, agora unificada, ingressasse na NATO - uma aliança militar hostil. Basta olhar para a história dos anos anteriores. Somente a Alemanha praticamente destruiu a Rússia, a um custo extraordinário, várias vezes durante o século anterior. Mas ele concordou em permitir que a Alemanha - uma Alemanha rearmada - se juntasse à NATO, uma aliança militar criada para combater a Rússia. Houve um quid pro quo, ou seja, que a NATO - que é basicamente composta pelas forças dos EUA - não se expandisse para Berlim Oriental, para a Alemanha Oriental. Ninguém falou sobre nada para além disso. Baker e Bush concordaram verbalmente. Não escreveram, mas essencialmente disseram: "Sim, nós não vamos" - na verdade, a frase que foi usada foi "nem um centímetro para o leste". Bem, o que aconteceu? A NATO imediatamente foi para a Alemanha Oriental. Sob Clinton, outros países, antigos satélites russos, foram integrados na NATO. Finalmente, a NATO foi tão longe, como mencionei antes, em 2008 e novamente em 2013, que sugeriu que mesmo a Ucrânia, bem no centro das preocupações estratégicas russas – para qualquer presidente russo, não importa quem seja, qualquer líder russo – pudesse aderir à NATO.
Então, o que é que a NATO está a fazer? Bem, na verdade, a sua missão foi alterada. A missão oficial da NATO foi alterada para controlar e salvaguardar o sistema energético global, as rotas marítimas, oleodutos e assim por diante. E, claro, ao mesmo tempo, age como uma força de intervenção dos Estados Unidos. Essa é uma razão legítima para mantermos a NATO, para ser um instrumento para o domínio global dos EUA? Eu acho que é uma questão bastante séria. Essa não é a pergunta que é feita. A pergunta que se faz é se Trump fez algum comentário depreciativo sobre Montenegro. É outro exemplo do que eu disse antes: o foco dos media e da classe política, e da comunidade intelectual em geral, na marginália, negligencia questões cruciais, questões que, literalmente, têm a ver com a sobrevivência humana.
A sobrevivência da vida humana organizada está em risco devido às alterações climáticas e às armas nucleares
Pelo menos oito pessoas morreram na Califórnia devido a incêndios florestais provocados por mudanças climáticas em todo o estado. No total, os bombeiros lutam contra 17 incêndios florestais em toda a Califórnia, atingindo mais de 200 mil hectares e forçando evacuações em massa, inclusive no Parque Nacional de Yosemite. Os incêndios ocorrem no meio de uma onda de fenómenos climáticos extremos em todo o mundo, inclusive na Índia, onde mais de 500 pessoas morreram em consequência de enchentes e fortes chuvas nas últimas semanas. Os cientistas associaram o aumento das inundações e as chuvas às mudanças climáticas.
NOAM CHOMSKY: Não podemos enfatizar o facto de que estamos num momento único da história da humanidade. Na verdade, estamos desde 1945. Em 1945, a história humana mudou drasticamente. Em agosto de 1945, a humanidade demonstrou que a sua inteligência tinha criado um meio de destruir a vida na Terra. Ainda não o tinha em absoluto, mas era óbvio que iria se estender e expandir, como de facto aconteceu.
Alguns anos depois, em 1947, o Bulletin of Atomic Scientists estabeleceu o seu famoso Relógio do Juízo Final. Quão longe estamos da meia-noite para o desastre final? Foi definido para os sete minutos para a meia-noite. Uma vez chegou aos dois minutos para a meia-noite de 1953, quando os EUA e depois a União Soviética detonaram armas termonucleares, que têm a capacidade de essencialmente de destruir a vida. Desde então oscila de várias formas. Já voltámos aos dois minutos para a meia-noite - com um acréscimo:
Não se sabia em 1945 que estávamos a entrar, não apenas na era nuclear, mas numa nova época geológica, a que os geólogos chamam Antropoceno; uma época na qual a atividade humana está a ter efeitos severos e deletérios no ambiente, em que a vida humana e outras não pode sobreviver. Também entrámos no que hoje se chama sexta extinção, uma rápida extinção de espécies, que é comparável à quinta extinção, 65 milhões de anos atrás, quando um asteroide, enorme asteroide, atingiu a Terra.
A World Geological Society foi finalmente fundada no fim da Segunda Guerra Mundial com o início do Antropoceno e a forte escalada e destruição acentuadas do meio ambiente; não apenas o aquecimento global, o dióxido de carbono, outros efeitos dos gases de estufa, mas também questões com o plástico nos oceanos que se prevê tenha maior peso no mar do que o peso dos peixes, num futuro não muito longínquo.
Portanto, estamos a destruir o ambiente para a vida humana organizada. Estamos a contribuir para um desastre terminal com confrontos nucleares regulares. Qualquer pessoa que tenha olhado para os registos, que são chocantes, teria de concluir que é um milagre termos sobrevivido tanto tempo. Seres humanos, neste momento, esta geração, pela primeira vez na história, tem que perguntar: “A vida humana sobreviverá?”. E não num futuro distante - as sociedades organizadas? - essas são as questões com as quais nos devemos preocupar. Tudo o mais é insignificante em comparação com isto.
E voltemos outra vez para NATO; o que está a fazer? Expandiu-se para a fronteira russa. Se der uma olhadela nas políticas do Trump de um ponto de vista geoestratégico, elas são totalmente incoerentes. Quer dizer, por um lado, ele está a ser simpático com Vladimir Putin, por outro, aumenta as ameaças contra a Rússia e, consequentemente, para nós mesmos. Armas para a Ucrânia, grave ameaça para a Rússia. Ao aumentar as forças na fronteira russa, fazem com que os russos façam o mesmo. Manobras militares, o novo programa nuclear que instituiu, que é uma grave ameaça para Rússia e, de facto, para o mundo.
Já sob Obama, os programas de modernização tinham atingido um nível em que representavam uma ameaça literal de primeiro ataque à Rússia. Trabalhos importantes sobre isso têm aparecido nas revistas científicas, Bulletin of Atomic Scientists. Trump está a intensificá-lo, ao modernizar ainda mais forças extremamente perigosas, diminuindo também significativamente o limiar para a guerra nuclear; também novas armas, que são armas nucleares supostamente táticas, que, como qualquer estrategista nuclear pode dizer, são apenas incentivos para a escalada para um desastre final. Essas são enormes ameaças contra a Rússia, para nós também, agora combinadas com sermos educados com Putin numa conferência de imprensa. Geoestrategicamente não faz sentido.
AMY GOODMAN: Trump foi atrás dos aliados da NATO, desde a Grã-Bretanha até à Alemanha e, antes disso, Macron na França, bem como Trudeau no Canadá. Mas também, enquanto questiona a NATO, diz que o está a fazer porque quer simplesmente que gastem mais e, na verdade, nomeou os fabricantes de armas nos Estados Unidos para gastarem mais, chegando a dizer que deveriam usar 4% dos seus orçamentos em armas. Pode comentar?
NOAM CHOMSKY: Por outras palavras: na minha opinião é que nada disso faz sentido; se estivermos à procura de uma estratégia séria por trás, estamos à procura no lugar errado. Não é isso que está por trás disto. Nada disso faz sentido do ponto de vista estratégico. Nenhum. É tudo contraditório, incoerente e assim por diante. Isso deve dizer-nos algo: vamos procurar noutro lado. E tudo faz sentido no pressuposto de que ele é impulsionado por uma preocupação esmagadora: ele mesmo. Tudo isso tem sentido para um megalomaníaco que quer se certificar de que tem poder, tem riqueza, tem de apelar para um número de círculos eleitorais para se certificar de que é apoiado.
Estabelecer um eleitorado extremamente robusto: expandir a NATO, construir o sistema militar, modernizar as armas nucleares e assim por diante. OK, ele tem-nos no bolso. O eleitorado crucial e atual é o setor corporativo e os super-ricos. E ele está apenas a dar-lhes presentes. Enquanto ele está a atacar os media- os media estão a ajudá-lo, concentrando-se nele - os seus apaniguados no Congresso estão a realizar um simples roubo. Quero dizer, é inacreditável, se der uma olhadela ponto por ponto. Já mencionei alguns exemplos antes.
Então ele tem de manter uma base de votação; caso contrário está fora. E ele faz isso fingindo: "Eu vou confrontar a NATO, fazê-los pagar mais, então eles não vão continuar a roubar-nos." Ótimo. "Eu vou enfrentar a China: parem de roubar a nossa propriedade intelectual.” Ótimo. "Vou pôr tarifas em todo mundo. Estou a defender-vos, aos vossos direitos de trabalhadores.” Ponto por ponto, tudo se encaixa. E eu acho que é basicamente o que está a acontecer. Essa busca por alguma geoestratégica coerente por trás disso é quase impossível. Existem algumas coisas, claro. O esforço para construir uma aliança dos estados mais reacionários do Médio Oriente contra o Irão - Arábia Saudita, Israel, Emirados Árabes Unidos, Egito, sob a ditadura - é uma estratégia louca, mas coerente.
Devo dizer que um corolário da doutrina do "eu primeiro", que tem sido observado repetidas vezes, é que se Obama fez algo, “eu tenho de fazer o oposto”, não importa o que seja. Não importa quais são as consequências. “Caso contrário, não sou um presidente transformador, um presidente significativo”.
Noam Chomsky condena a mudança de Israel para a extrema direita e a nova lei “estado-nação judaico”
Israel aprovou uma lei amplamente condenada que define Israel como o estado-nação do povo judeu e dá aos judeus o direito exclusivo à autodeterminação. Também declara o hebraico como a única língua oficial do país e encoraja a construção de colónias judaicas no território ocupado como um “valor nacional”. A lei foi condenada internacionalmente e houve acusações de que Israel legalizou o apartheid.
AMY GOODMAN: Vou agora perguntar-lhe sobre a passagem da nova lei em Israel que o define como o estado-nação do povo judeu e lhe dá o direito exclusivo de autodeterminação. A lei também declara o hebraico como a única língua oficial do país e encoraja a construção de colónias judaicas no território ocupado como um “valor nacional:
PRIMEIRO MINISTRO BENJAMIN NETANYAHU: Este é um momento decisivo nos anais do sionismo e na história do estado de Israel. Vamos continuar a garantir os direitos civis na democracia de Israel. Esses direitos não serão prejudicados. Mas a maioria também tem direitos, e a maioria decide. A maioria absoluta quer garantir o caráter judaico do nosso estado para as próximas gerações.
AMY GOODMAN: Pode falar sobre essa nova lei, Noam Chomsky?
NOAM CHOMSKY: Sim. Em primeiro lugar, uma ligeira correção: as colónias totalmente judaicas autorizadas estão em Israel. Não é sequer uma questão relativa aos territórios ocupados. São todas assim. Estão dentro de Israel.
Então, sim, a nova lei muda a situação existente, mas não tanto quanto está a ser reivindicado. O que a nova lei determina já está praticamente em vigor há muito tempo. A lei volta às leis do território de 1960 que o Tribunal Superior israelita estabeleceu e definiu: "Israel é o estado soberano do povo judeu" - todo o povo judeu, mas não os seus cidadãos, apenas os judeus. Isso foi há 60 anos. As leis do território foram estabelecidas de tal maneira que, como foi reconhecido na época internamente em Israel, não fora, as terras do estado estariam efetivamente sob a administração do Fundo Nacional Judaico. Uma série de práticas legais e administrativas foram criadas para dar essa garantia. Se está interessada em detalhes, escrevi sobre isso detalhadamente há 30 anos num livro chamado Towards a New Cold War. Mas, basicamente, uma complexa matriz foi criada para garantir que o Fundo Nacional Judaico estaria no controle das terras do Estado. Isso equivale a mais de 90% do território do país.
Qual é a missão do Fundo Nacional Judaico? Bem, tem um contrato com o estado de Israel que determina que a sua missão é trabalhar para o benefício - estou a citar - de pessoas “de raça, religião ou origem judaica”. OK, o que é que se espera disto? O que se espera é que 92% a 93% das terras do país sejam efetivamente reservadas para pessoas de raça, religião e origem judaicas. E foi isso que aconteceu.
Isto finalmente chegou aos tribunais, ao tribunal Supremo de Israel, no ano de 2000. Uma associação de liberdades civis em Israel trouxe um caso. Os queixosos eram um casal árabe, um casal árabe profissional, que queria comprar uma casa numa colónia judaica, a colónia de Katzir, que era, como na maior parte do país, só para judeus. O tribunal finalmente decidiu a seu favor, numa decisão muito restrita.
Quase imediatamente, começaram os esforços a tentar descobrir uma maneira de contornar a situação, de várias maneiras. E a nova lei simplesmente é isso que faz, diretamente. Autoriza todas as colónias judaicas em Israel, o que significa cerca de 90% do país. Se olharmos para o desenvolvimento das colónias ao longo dos anos - isso é discutido num artigo importante do escritor israelita Yitzhak Laor numa edição recente do Haaretz - eu escrevi sobre isso num post aqui em Truthout - ele aponta que 700 colónia todo-judaicas foram criadas, sem nenhuma participação árabe. Os palestinianos árabes estão confinados a cerca de 2% do território, muitos deles expulsos de lá.
Portanto, é formalizado o que foi praticado de maneiras complexas. O árabe deixa de poder de ser uma língua oficial. São aprimoradas práticas passadas introduzindo-as na que é hoje chamada Lei Básica, que é efetivamente a constituição. Sim, essas são mudanças, mas menos dramáticas do que a forma como são retratadas, não porque sejam formas adequadas, mas porque sempre foi assim de uma forma ou de outra.
Aliás, isso não deve ser muito estranho para os americanos. Olhemos para a habitação – assunto que foi recentemente discutido por [Richard] Rothstein, num livro interessante. Se você olhar para os programas habitacionais do New Deal, eles foram legal e explicitamente direcionados para garantir projetos somente brancos, cidades somente brancas. É por isso que as cidades que surgiram nos anos 1950, como Levittown, eram 100% brancas. Vários requisitos legais foram introduzidos para que isso fosse garantido. Este é o New Deal. E não estamos a falar sobre o Sul Profundo, embora, é claro, eles o tenham influenciado.
Isso não mudou até o final dos anos 60. E nessa altura, já era tarde demais para beneficiar os afro-americanos. A razão foi por causa de mudanças económicas gerais nos anos 50 e 60 que foi um período de grande crescimento nos Estados Unidos, proporcionando pela primeira vez, em centenas de anos de história, 400 anos de história, que os afro-americanos tivessem algum tipo de hipóteses de entrar na sociedade convencional. Mas eles foram impedidos da habitação, por meios legais. No momento em que esses meios legais foram desmantelados, estávamos a entrar no início do período neoliberal de estagnação e declínio, por isso não lhes fez nenhum bem. Esse é outro capítulo da feia história do racismo americano.
Então, não deveríamos ficar muito surpreendidos com o que está a acontecer em Israel, que é muito feio e faz parte da mudança do país para a direita, e que foi previsto em 1967, previsto logo de caras: a ocupação seria levar o país para a direita. Quando se tem a bota no pescoço de alguém, não é bom para a sua psique. E acho que estamos a ver isso acontecer.
Israel está bem ciente disso, aliás. Analistas políticos israelitas têm apontado há alguns anos que Israel devia preparar-se para um período em que vai perder o apoio de setores do mundo que têm alguma preocupação com os direitos humanos e o direito internacional, e deveria estar a voltar-se para alianças com os países que simplesmente não se importam com isso. Digamos que a Índia, sob o recente governo ultranacionalista de Modi, compartilha com Israel o movimento em direção ao ultranacionalismo, à repressão, ao ódio ao Islão; a China não presta atenção a essas coisas; Singapura; Arábia Saudita; Emirados Árabes Unidos.
E podemos ver isso acontecer nos Estados Unidos também. Não há muito tempo, Israel era o queridinho absoluto da América liberal. Isso mudou. Agora, até entre os democratas autoidentificados há mais apoio aos palestinianos do que a Israel. O apoio a Israel nos Estados Unidos mudou para a direita ultranacionalista e para os evangélicos, que, pelas razões erradas, apoiam as ações israelitas, com alguma paixão, de facto, enquanto ao mesmo tempo muitos deles apegam-se a doutrinas em que afirmam que a segunda vinda de Cristo, que é iminente, levará a uma série de eventos que terminarão com os judeus a ser enviados para a perdição eterna. Isso ao mesmo tempo que apoiam as ações israelitas. E é por isso que a base do apoio israelita nos Estados Unidos mudou para a ala direita do Partido Republicano. E isso está a acontecer no mundo inteiro.
No meio da repressão mortal de Israel aos protestos em Gaza, Chomsky diz que os EUA devem acabar com o apoio aos "assassinos".
Em Gaza, milhares de pessoas reuniram-se no sábado para o funeral de Majdi al-Satari, de 11 anos, que morreu depois de baleado na cabeça por um atirador israelita na sexta-feira em protestos perto do muro de separação com Israel. Moumin al-Hams, de 17 anos, e Ghazi Abu Mustafa, de 43 anos, também foram baleados e mortos por atiradores israelitas nos protestos. No total, soldadas israelitas mataram pelo menos 150 palestinianos desde o início dos protestos não violentos da Grande Marcha do Retorno, a 30 de março.
AMY GOODMAN: Vamos falar da situação em Gaza. O ministro da Segurança Interna de Israel, Gilad Erdan, disse na quinta-feira que Israel poderia lançar outra operação militar em larga escala contra a Faixa de Gaza. Isto ocorre após a violenta repressão de Israel aos protestos pacíficos em Gaza de março a maio, quando as forças israelitas mataram mais de 136 palestinianos e feriram mais de 14.000. Falei com o médico palestino-canadense Tarek Loubani, que foi baleado pelas forças israelitas em ambas as pernas enquanto ajudava a tratar os palestinianos feridos pelas forças israelitas durante a Grande Marcha de Retorno não violenta. Era 14 de maio, uma segunda-feira. Perguntei ao Dr. Loubani - logo depois de ter sido baleado se sentiu que foi um alvo.
DR. TAREK LOUBANI: Eu não sei a resposta. Não sei quais ordens que eles receberam ou o que estava nas suas cabeças, por isso não posso dizer se fomos deliberadamente atingidos. O que eu posso dizer é o que sei. Nas seis semanas da marcha não houve vítimas de paramédicos. E num dia, 19 paramédicos - 18 feridos mais um morto - e eu estávamos todos feridos; foram todos alvejados com munição real. Éramos todos - Musa estava realmente num resgate na altura, mas toda a gente com quem conversei era como eu. Estávamos fora durante uma trégua, sem fumo, sem nenhum caos, e fomos alvejados e atingidos por munições reais, a maioria de nós nos membros inferiores. Assim, é muito, muito difícil acreditar que os israelitas que atiraram sobre mim e sobre os outros colegas - apenas da nossa equipe médica, quatro de nós foram baleados, incluindo Musa Abuhassanin, que faleceu - não sabiam quem nós éramos, que não sabiam o que estávamos ali a fazer e que eles estavam direcionados para qualquer outra coisa.
AMY GOODMAN: Então, mais tarde, no mesmo dia, 14 de maio, o homem de quem o Dr. Loubani falava, o paramédico Musa Abuhassanin, foi baleado e morto pelas forças israelitas. Foi baleado no peito. O Dr. Loubani twittou uma foto legendada: “Uma foto assombrosa, sexta-feira, 11 de maio. À esquerda: Mohammed Migdad, baleado no tornozelo direito. Hassan Abusaada. Tarek Loubani, baleado na perna esquerda e joelho direito. Moumin Silmi. Youssef Almamlouk. Musa Abuhassanin, baleado no tórax e morto. Voluntário desconhecido. Fotógrafo: baleado e ferido.” E mostrou esta fotografia, que achava que seria para um álbum de recortes, e percebeu que estes eram alguns dos últimos dias de suas vidas. O que está acontecendo em Gaza agora, na sua perspetiva, Noam?
NOAM CHOMSKY: Podemos acrescentar a essa lista a jovem palestiniana, uma médica, que foi assassinada por um franco-atirador, longe da chamada fronteira, quando cuidava de um paciente ferido. Sim, é horrivelmente feio.
Mas há um pano de fundo, como sempre. O pano de fundo crucial é que os israelitas - esse domínio israelita em Gaza, que reduziu a vida à mera sobrevivência, chegou a um ponto em que as Nações Unidas, outros analistas preveem que até ao ano 2020, Gaza será literalmente inabitável. São 2 milhões de pessoas, metade delas crianças, enjauladas numa prisão, cuidadosamente controladas, com restrições selvagens à alimentação e a qualquer coisa que lhes chegue, ao ponto de os pescadores serem mantidos perto da costa para não poderem pescar, os esgotos foram destruídos, as centrais elétricas foram atacadas.
O programa oficial - oficial - era manter Gaza no que era chamada uma dieta, o suficiente para simplesmente sobreviver. Não parece bem se todos morrerem de fome. Observe que este é um território ocupado, o que é reconhecido até pelos Estados Unidos, por todos menos Israel. Então, aqui está uma população mantida numa prisão, num território ocupado, alimentada com uma dieta para mantê-los numa mera sobrevivência , constantemente usada como um saco de pancada para o que se chama a si próprio o exército mais moral do mundo, agora a chegar a um ponto onde dentro de alguns anos será inabitável e além disso com atos sádicos, como atiradores altamente treinados a matar uma jovem médica palestiniana quando ela está a cuidar de um paciente, e o que o médico acabou de descrever.
E o que fazemos com isto? Nós realmente reagimos. Os Estados Unidos reagiram. E reagiram cortando drasticamente o financiamento para a única organização, a UNRWA, organização da ONU, que mantém a população dificilmente viva. Essa é a nossa resposta, juntamente com, é claro, o apoio esmagador a Israel, fornecendo as armas, o apoio diplomático e assim por diante. Um dos mais extraordinários escândalos, se é a palavra certa, no mundo moderno.
Podemos fazer alguma coisa? Claro, claro que podemos. Gaza deveria ser um próspero paraíso mediterrânico. Tem uma localização maravilhosa, tem recursos agrícolas, pode ter praias maravilhosas, pesca, recursos marinhos, até tem gás natural no mar, que não é permitido usar. Então, há muito que pode ser feito. Mas nós - os EUA preferimos, repetidamente em todas as administrações, - mas muito pior agora - como sempre, apoiar os assassinos.
AMY GOODMAN: Noam, Israel ameaça outro ataque a Gaza, como o que chamaram de Operação de Proteção em 2014, quando mataram mais de 2.000 pessoas, em que cerca de um quarto desse número eram crianças.
NOAM CHOMSKY: Sim, estão a ameaçar. Se der uma olhadela aos registos, não há tempo para falar sobre isso agora, há um livro maravilhoso que acaba de ser publicado. O livro de Norman Finkelstein, Gaza, sobre o martírio de Gaza, é um estudo definitivo sobre isso. Mas o que aconteceu desde 2005 é bem evidente. Quer dizer, a história anterior é suficientemente feia.
Mas em 2005, Ariel Sharon e outros falcões israelitas reconheceram que não fazia sentido manter alguns milhares de colonos judeus a colonizar ilegalmente Gaza, usando a maior parte dos seus recursos e dedicando uma grande parte do exército israelita a protegê-los. Isso era totalmente sem sentido. Então, decidiram transferi-los das sua colónias ilegais e subsidiadas em Gaza para colónias ilegais e subsidiadas em áreas que Israel queria manter, na Cisjordânia, nas colinas de Golã.
Foi enquadrado como um evento traumático, mas isso foi uma jogada para a opinião mundial. Foi basicamente uma piada. Eles poderiam ter feito isso facilmente. E eles sairiam, e a isso chamaram retirada. Mas eles permaneceram sob a total ocupação israelita, apenas que o exército não estava dentro de Gaza. Estava a controlar do lado de fora. Houve um acordo alcançado em novembro de 2005 entre os palestinianos e Israel com um cessar fogo, sem violência, abrindo o porto de Gaza, reconstruindo o aeroporto que Israel destruiu, abrindo a fronteira para que houvesse fluxo livre com Israel e Egito e assim por diante. Esse acordo durou duas semanas, em novembro.
Em janeiro, os palestinianos cometeram um grande crime: fizeram umas eleições livres, reconhecidas como livres e justas, apenas uma no mundo árabe. Mas o resultado saiu da maneira errada. As pessoas erradas ganharam: o Hamas. Israel, imediatamente, aumentou a violência, aumentou o cerco, aumentou a repressão contra Gaza, impôs a dieta. Os EUA reagiram com o procedimento operacional padrão: começaram a organizar um golpe militar. O Hamas antecipou o golpe militar, que foi um crime ainda maior. A violência, a violência dos EUA e Israel, aumentou. A selvageria do cerco aumentou e assim por diante.
Então a coisa continua assim. Repetidamente, há um episódio a que Israel chama cortar a relva. Esmagá-los. Eles estão indefesos, claro. Então, há um acordo alcançado, que o Hamas aceita e cumpre. Israel viola-o constantemente. Finalmente, uma escalada israelita da violação leva a uma resposta do Hamas que Israel usa como pretexto para o próximo episódio de cortar a relva. Eu analisei isso. Norman Finkelstein analisou isso no seu livro. Outros também já o fizeram. Essa é a história desde 2005.
Então, sim, pode haver outro (ataque). Mas agora estamos a chegar a um ponto quase terminal. Repito, espera-se que a Faixa de Gaza, devastada de forma tão violenta ao longo dos anos, se torne literalmente inabitável. Agora, existem maneiras de lidar com isso. Não é preciso um cientista brilhante para descobrir isso. É bem óbvio.
AMY GOODMAN: E, Noam, a solução que você diz é muito evidente e simples?
NOAM CHOMSKY: Muito evidente. Cumprir os termos do acordo de novembro de 2005. Permitir que Gaza se reconstrua. Abrir os pontos de acesso para Israel e Egito. Reconstruir o porto marítimo que foi destruído. Reconstruir o aeroporto que Israel destruiu. Permitir a reconstrução das centrais elétricas. Deixá-los tornar-se um território florescente no Mediterrâneo. E, claro, permitir: lembre-se de que os famosos Acordos de Oslo exigiam, explicitamente, que a Faixa de Gaza e a Cisjordânia fossem um território unificado e que a sua integridade territorial fosse mantida. Israel e os Estados Unidos reagiram imediatamente separando-os. ok? Isso também não é uma lei da natureza. Direitos nacionais palestinianos podem ser alcançados, se os EUA e Israel estiverem dispostos a aceitar isso.
Originalmente publicado em democracynow.org. 
Artigo traduzido por Paula Cabeçadas para Esquerda.Net

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