Espanhóis tentam condenar EUA por crimes de guerra no Iraque - por João Paulo CharleauxEm abril de 2003, um tanque de guerra modelo M1 Abrams de quase 70 toneladas virou seu canhão de 1.300 milímetros na direção de um hotel de 18 andares localizado na Praça Firdos, em Bagdá, enquanto, das janelas do mesmo prédio, um grupo de jornalistas observava incrédulo a manobra. Do cano raiado que equipa o veículo, partiu um projétil capaz de acertar com precisão um alvo a 3 quilômetros de distância. O ataque destruiu parte da fachada do Hotel Palestine e provocou a morte do repórter ucraniano Taras Protsyuk, da agência Reuters, e do cinegrafista espanhol José Couso, da emissora Telecinco.
As tropas americanas disseram ter visto um homem armado com um disparador de foguetes numa das janelas do hotel. Sob a presumida ameaça de fogo inimigo, a tripulação do tanque – composta pelo sargento Shawn Gibson, o capitão Philip Wolford e o tenente-coronel Philip DeCamp – optou pelo disparo certeiro, que, numa fração de segundos, converteu o que seria um reflexo impecável, numa grave violação às normas da guerra, passível de ser interpretada até mesmo como um crime de guerra.
Hoje, sete anos após a tragédia do Hotel Palestine, um grupo de jornalistas e juristas espanhóis ainda luta pelo direito de saber exatamente o que aconteceu naquele dia 8 de abril. A elucidação dos fatos é o único caminho para punir os culpados. Em novembro do ano passado, o Wikileaks vazou uma série de correspondências diplomáticas sobre o caso, mostrando que o então embaixador americano em Madri, Eduardo Aguirre, pressionou o governo espanhol de José Luis Rodríguez Zapatero a ocultar o crime, impedindo que uma comitiva da Justiça espanhola viajasse a Bagdá para colher depoimentos e realizar as diligências necessárias para seguir adiante com a investigação. Um juiz espanhol chamou quatro jornalistas que estavam presentes no hotel para testemunhar, além de ter indicado três peritos para visitar o local dos fatos no fim de janeiro. Mas o governo espanhol diz ter “problemas para dar segurança à comitiva”, apesar de o Iraque receber todos os meses inúmeras visitas de chefes de Estado acompanhados por gigantescas comitivas de repórteres de todas as partes do mundo.
A família de Couso está colhendo assinaturas numa campanha que tenta persuadir o governo espanhol da dar seguimento à investigação (Clique aqui para acessar). Para o Comitê de Proteção dos Jornalistas, “ainda que não tenha sido deliberado, o ataque aos jornalistas poderia ter sido evitado”.
Julgar o resultado de operações militares à distância, longe das circunstâncias em que elas ocorreram, é sempre um risco, dizem as Forças Armadas de todo o mundo. Mas não há outra forma de fazê-lo. Por isso, a visita da comitiva ao terreno seria tão importante. De qualquer forma, a ação americana no Hotel Palestine já configura, pelo menos, uma clara violação aos princípios de distinção e precaução, previstos nas Convenções de Genebra de 1949.
*João Paulo Charleaux é jornalista.
Fonte: Opera Mundi
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário